Uma Cidade Pacata – O Dia em que o Pesadelo Começou
Capítulo 62: O Som do Caos
— Aah! O caos e a destruição absolutos… Não concorda que isso tudo é tão lindo e poético à sua própria maneira, meu caro Jacob Egan?
Saltou da árvore. Aos olhos de qualquer outro, daria a impressão de ter surgido ali a partir do nada.
— O aspecto artístico da ruína… As qualidades acústicas dos gritos desafinados… Não aquece o seu coração saber que, logo, tudo será entregue ao poço sem fundo do caos?
Seus pés fizeram um suave contato com o chão sombreado da grama abaixo, olho a mirar o foco de seu trabalho sombrio.
Tinha um aspecto animado, de um exterior inofensivo demais para seu real calibre; o mesmo, todavia, não podia ser dito de sua companhia.
— Essa sua baboseira toda não faz diferença para mim. O que me importa é que eu possa ter o que eu quero e se alguma coisa acontecer…
Sozinhos, a área externa da escola se tornava grande demais.
— Eu juro que eu vou matar você —suspirou, decidido. — Eu não sei o que diabos a poeira daquele envelope fez comigo, mas é melhor que tu cumpra a tua parte do nosso contrato também.
Em um movimento ágil, girou em torno de si mesmo, visando capturá-lo. Sua visão afiada focou no objetivo: o rapaz pálido, de sorriso maldoso e um único olho azul à mostra, por baixo de sua densa cabeleira negra.
Obviamente, sem sucesso. Antes de sequer ter a chance de encostar nele, seus dedos cessaram em virtude de seu súbito desaparecimento, que só tinha como ser descrito como mágica.
— Relaxe, Jacob Egan. Posso lhe assegurar que a garota vai ser apenas sua. É parte do nosso combinado enquanto os grandes amigos que somos, não é verdade? Não é isso o que essa nossa pequena troca de favores simboliza? Obviamente, eu nunca trairia alguém que reconheço como um grande amigo!
Qualquer pessoa normal teria um ataque cardíaco quando aquela mão tocasse seu ombro, por trás. Contudo, tal regra não mais valia para Jacob, um ser, talvez, igualmente bizarro.
— Não precisa se preocupar com nenhum pormenor. Aqueles que quero trazer à frente, os verdadeiros heróis dessa tragédia, são os únicos de fato mirados por meus planos. Você está livre para fazer o que bem desejar. Sinta-se desimpedido para isso, afinal, de fato está.
As palavras a escaparem de sua boca carregavam a doçura de um belo discurso e o amargor da sombra violenta de suas intenções. Ao longe, ele mirava na imensa nuvem de insetos que, aos poucos, se tornava mais aparente nos céus adiante.
As formigas abaixo de seus pés saíam aos montes de suas colônias, compelidas a negarem sua natureza pela influência do fenômeno que conhecia bem.
— Sabe, Jacob… Foi um pouquinho mais trabalhoso do que eu me sinto geralmente confortável com ter lidar e eu me refiro à reunião das outras pessoas que participam disso. Acho que podemos generalizar que nenhum de meus associados é tão solícito e amigável com minhas demandas quanto você.
Aguardou por um par de segundos e a ausência de resposta foi a marca de sua continuação.
— A verdade é que eu já tinha os meus olhos em você faz um tempo. Você é uma pessoa de paixão tão ardente e firme… Posso dizer que até mesmo eu fiquei um pouquinho emocionado demais quando entendi a magnitude de sua apreciação pelo objeto de desejo que tanto visa.
Desviou a cabeça levemente para a esquerda. De olhos fechados, posou irreverente, mesmo com a súbita tentativa de assassinato por parte de seu associado.
— E é disso mesmo que estou falando! — Calmo, sentia na bochecha direita o estranho resultado do acerto em raspão. — Você não hesita nunca.
Um leve sorriso cortou seu cenho quando os primeiros gritos foram ouvidos. No momento, um exército de pequenas borboletas brancas se infiltrava por cada pequeno buraco que pudessem encontrar.
Acima, abelhas atuavam como os responsáveis por fechar o perímetro. Não iria demorar muito para que as autoridades decidissem agir, logo, foi erguida uma barreira letal, para exterminar qualquer um que tentasse passar.
— Você não hesitou agora. No momento em que comparei sua amada a um mero objeto de desejo, você sequer esperou… Tratou logo de tentar me assassinar com o resultado de todo o seu potencial despertado…! Você é mesmo grande, Jacob Egan!
Olhou-o diretamente, ainda a manter o mesmo sorriso louco. Os pedaços de sua mania escapavam entre as marcas controladas de modos tão frios e sem vida.
Muito fácil diria-se que o caos era o seu elemento.
— E eu soube disso desde que me deparei com a sua cara. Você é uma pessoa com algo mais, Jacob. Você é tudo pelo que eu estive procurando esse tempo inteiro! Se ao menos os meus demais associados não fossem tão terríveis de se conversar e tão pouco diplomáticos… Sabe, um deles até tentou me acertar com um golpe de karatê no meio de meu lindo rosto! Não acha isso horrível?!
O Egan mostrou-lhe os dentes. Por mais que tudo em seu desejo fosse a vontade de matar aquele maldito, não se importava menos com os seus devaneios e ilusões de grandeza. Se tanto se achava o arquiteto do apocalipse, não seria ele a se opor.
Afinal, tinha sua própria ambição particular e a faria real em poucos minutos.
— Olhe só para isso…! Caramba, você veio preparado mesmo…! — O rapaz sem nome clicou a língua. — Devo dizer que estou bem ansioso pelos resultados da sua performance…!
O mais alto e forte praticou o toque do objeto. Seus dedos, já deveras hábeis, encontraram seus caminhos rumo à melodia de destruição, traduzida na guitarra elétrica.
— Eu não sei o que aconteceu comigo e para ser bem sincero, eu lá ligo…
Dó, ré, mi, fa, sol, la, ti… E depois, repetir, chamando o brilho amarelado de seus olhos.
— De início, eu pensei que fosse morrer. Naquele tempo eu só conseguia pensar no quanto eu queria te esganar por ter me enganado com um bagulho mortal… Merda, eu cuspi tanto sangue que eu nem sabia que um corpo humano tinha aquela quantidade toda…!
Pensar na febre de cozinhar os miolos, a intensa hemorragia gástrica e as dores insuportáveis por cada pequena fração de seu corpo… Tudo em si clamou por algo interno.
— Mas de alguma maneira eu persisti… Não… Dizer que foi de alguma maneira seria um insulto. Eu persisti… Por causa dela.
Surgiu um sorriso que não se importou em tentar suprimir e, aos poucos, cresceu, tal qual a intensidade do estranho solo de notas velozes.
— Pensando nela, eu fiquei vivo…! A vontade de ver ela mais uma vez… De ter ela para mim…!
Seus gestos passavam do limite humano, criando barulho mais e mais alto, a cada piscar de olhos mais próximo do limiar do insuportável.
O rapaz sem nome sentia sua própria carne vibrar com a intensidade da música.
— Eu quero ter ela para mim… E só para mim! Eu vou fazer a mais absoluta questão de colocar os meus sentimentos nela… Ela vai ser minha… Eu vou fazê-la ser…! Eu vou meter na cabeça dela que a única felicidade que aquela vadia vai ter na vida vai ser me servir até o final dela…!
E enfim, explosão; folhas voaram, formigas foram chutadas para longe como grãos de areia e um imenso impacto sonoro cortou todo o raio mais próximo aos dois.
Tal era a manifestação do que o tornava especial.
— Bravo, Jacob… Bravo! — O aplaudiu. — Posso ver que o repertório que teremos para hoje será verdadeiramente maravilhoso.
Uma salva de aplausos honestos deixaram as mãos pálidas, em nenhum momento assombrado com a possibilidade de ser morto.
Não precisava se preocupar, já que um ataque de tal escala não teria as propriedades para criar um arranhão.
— Para minha grande infelicidade, não poderei te acompanhar por hoje… Sim, eu sei… Desapontador, não é? Não ter alguém que já se tornou um de seus maiores fãs nas proximidades de sua grande premiere…
— Eu não ligo. — Jacob o respondeu rispidamente. — Eu não dou a mínima para o que caralhos tu tá planejando fazer com a merda dessa escola.
A leve risada dessalgada foi a rebatida perfeita. Por dentro, esperou ao menos uma porção mínima de curiosidade.
— Eu sei, eu sei…! Estava apenas brincando com você um pouco, meu associado! Erro meu querer me intrometer no próprio racional de trabalho pessoal daqueles com os quais opero… Se estamos cooperando, então no final está tudo bem, certo?
O sorriso plástico naquele rosto jamais deixaria de ser nauseante, embora não é como se confrontá-lo fosse trazer algo bom.
— Bem, meu grande amigo… Parece que o nosso tempo chegou. O ataque em si deve começar em uns segundos, quando o meu segundo associado decidir acender o pavio, e… Bem… A qualquer segundo…
A mudança do minuto de 12:00 para 12:01 em seu celular acompanhou a manifestação.
— E, agorinha mesmo…! — sorriu mais abertamente do que nunca antes. — Pois bem, Jacob! Boa sorte com os seus assuntos, dado precisar sair para cuidar dos meus, mas… Se importaria em me tirar uma dúvida antes de sair?
O Egan mostrou os dentes, já sem tanta paciência para mais dessa brincadeira.
— Me diga… Eu estive notando algo desde que os seus verdadeiros talentos se afloraram… Como deve imaginar, eu gosto de manter um olho vivo em meus associados, embora não se preocupe…! Eu não espio as pessoas em seus momentos de maior privacidade… Embora eu possa fazer uma exceção em alguns casos.
— Por que não vai direto ao ponto, caramba?!
— Ah, claro, claro…! O que eu queria te perguntar é menos uma dúvida e mais uma confirmação da minha suposição…
O único olho esquerdo brilhou em firme azul-marinho e ao tocar o tronco da grande árvore, deu-lhe o último vislumbre de seus dentes brancos como a neve.
— Você consegue escutar, não é? Dessa distância aqui, inclusive… Você sabe exatamente onde a garota dos seus sonhos está, não é verdade? Você escuta o ritmo do coração dela.
O rosto de Jacob se contorceu em surpresa do pior tipo; ele não tinha o direito de saber daquilo.
— Você imita o ritmo com os dedos da sua mão destra. Eu percebi isso desde quando você quebrou a janela da casa dela para deixar aquela mensagem tão apaixonada ao fim de semana. Você está sempre deslizando o indicador contra polegar, em um padrão de batimento cardíaco.
— Você sabe demais…!
Estalou os dedos e tocou o tronco da árvore e em um piscar de olhos, um enorme buraco redondo surgiu em sua casca.
— Bem, vou parar de te importunar. — Outra vez, o som veio detrás dele. — Boa sorte, Jacob! Aproveite o resultado vindo do desbloqueio de seu imenso potencial! Saiba que existe alguém que acredita em você!
— Seu emo de merda…!
Tentou acertá-lo, mas não estava mais ali. Seja lá que tipo de assunto tinha de resolver, o deixou por si mesmo, enfim.
— Esse poder… Essa coisa me chamando…
Admirou sua própria palma da mão destra; ao longe, um suave barulho pulsante era captado dentro de sua cabeça.
O som nunca sumia — pensar tanto nela foi o que o deixou de tal jeito —, se intensificando conforme a proximidade. Permanecia, mesmo muito baixo, por mais distante que ficasse, de motivos sempre claros.
E o contava precisamente onde se encontrava, bastando apenas a boa vontade de seguir.
[...]
A normalidade nunca foi tão apreciada pelos estudantes da Elderlog High e logo após um evento tão marcante, todos se esforçavam um pouco mais para esquecer.
— Sério…? Aquele desgraçado do professor Joseph… Passando provas! Não vê que a escola ainda tá em choque depois do massacre?!
A adolescente esfaqueou a porção de macarrão com queijo em certa raiva. Em frustração, grunhia os dentes, sujos com o molho de queijo.
— É…! Nenhum outro professor fez isso com a gente…! — Outra jovem completou. — Eles não podem só decidir quando vão lançar uma prova surpresa…!
As duas encontravam uma na outra e no pobre macarrão o alívio de suas dores; a comida da escola não tinha lá muito sabor, mas não se podia reclamar, já que o prato ainda podia ser chamado de um manjar dos deuses por ali.
— O que você acha, Abigail? Quer dizer… Você é toda aplicada e tal… Acho que você nem liga.
O chamado foi estranhamente ignorado. Frente às duas primeiras, a terceira integrante da mesa parecia viajar pelo mundo da lua.
— Uh… Abigail…? Abigail…!
— O que?! Uh…! O que foi?! — espantada, engoliu o seco ao notar ter sido chamada. — Oh…! Me desculpem…! Eu não prestei atenção…! Haha…!
— Abigail, você tá bem? — A primeira a fitou com pena. — Você nem tocou no seu almoço… Tá se sentindo bem?
— Oh…! O almoço…! — Com urgência, pegou uma garfada de sua porção de macarrão com queijo, engolindo-a apressadamente. — Ah, sim…! Muito gostoso! Eu adoro quando eles fazem macarrão com queijo!
As duas se entreolharam. Qualquer pessoa notaria o nível da mudança em suas atitudes.
— Nossa, acho que eles trocaram o queijo dessa vez…! Está melhor que antes! — sorriu ao mastigar. — Não acham?
De repente, ela não brilhava tanto quanto antes.
— A gente estava falando sobre as provas antes. Abigail… Você não acha meio injusto o professor Joseph ter antecipado as provas sem nos comunicar primeiro?
— Ah, bem…
Ela não agia mais como si mesma, ao menos não tanto quanto deveria.
— Eu acho que se ele fez isso, deve ser por um bom motivo. Sabe, os professores também têm uma vida. Eu honestamente acho que é um pouco injusto da nossa parte querer que nos priorizem em todos os momentos. Poderíamos ser um pouco menos… Egoístas.
Esfaqueou brutalmente os macarrões manchados em seu próprio sangue delicioso.
As palavras soaram certas, mas algo quanto ao modo como foram ditas posou de uma forma estranha.
Foi uma fala fria, sem a típica graça carinhosa da garota mais proativa e doce da escola.
Talvez fosse apenas uma dor de cabeça, ou as repercussões do tal período mensal vivido por todas as garotas?
— É… Quando você pensa por esse lado… Até que dá para considerar…
— Abigail, sempre nos fazendo lembrar da empatia pelo próximo…
— Parem com isso… — riu um pouco, recobrando parte de sua luz mesmo que por um efêmero instante. — Eu não disse nada de mais…
— Ah, qual é, Abigail! Tu é a pessoa mais santa que eu conheço! Não duvido que essas tuas mãos fazem milagre…!
— Vocês me deixam um pouco envergonhada falando todas essas coisas… Eu… Não sou uma pessoa tão boa assim…! — escondeu o rosto com a mão direita.
— Olha ela! Tão caridosa mas não consegue aguentar um elogio! Honestamente? Eu só queria ser um pouquinho tão bonita e gente boa quanto você é… É! Eu te invejo, Abigail…!
Tal comentário a fez saltar por dentro em surpresa. Não se julgava o tipo de pessoa a ser invejada.
— Por favor, não diga isso de si mesma! Você não precisa tentar ser outra pessoa! Seja você mesma!
Tudo para ser encaixada em uma armadilha. As duas se entreolharam, trocando uma risada satisfeita.
— Olha isso! A santa Abigail em ação de novo!
Por mais que quisesse dizer algo em troca, não desejava estragar o divertimento das duas.
Assim que as risadas morressem, iria tentar mudar o assunto de tópico.
"Esse cheiro… Isso é fumaça?"
… … …
— GALERA, A BIBLIOTECA TÁ PEGANDO FOGO…!
A diversão murchou em um pânico generalizado, espalhado como infecção por todo o refeitório. A situação permaneceria controlada caso fosse apenas um mero incêndio, contudo…
— AHHHH!
Não houve outra. Cada um fugiu por conta com a chegada da maior bizarrice de suas vidas: uma imensa invasão de insetos.
Gritos e o zumbido das centenas de pares de asas a colidirem com seus corpos a cada momento dispersava e confundia a multidão gritante. Pessoas se chocavam entre si e nas mesas, tentando fugir e se esconderem.
— Pessoal…!
Não houve resposta. Por cada lado, se via nada além de um mar de branco vivo.
Suas amigas a haviam deixado em busca da segurança própria.
"Eu tenho que sair daqui…!"
Cobrindo olhos e ouvidos, guiava-se pela falha memória do layout de organização das mesas. As pisadas calculadas não tinham firmeza e sempre pedia desculpas caso imaginasse ter pisado em alguém caído.
— Mas… O que está acontecendo…?
Ao seu redor, o ambiente muito mais lembrava a fuga de um bombardeio civil. Pessoas fugiam entre fumaça e centenas de milhares de insetos, em uma cacofonia infernal de súplicas e zumbidos.
Porém, não foi qualquer um desses sons o responsável por agarrar seu coração e gelar os membros.
Entre todos os outros, em simultâneo, soou o mais assombroso e mais belo.
Um solo elaborado de guitarra, de composição original. Ela conhecia a música.
— Ahh…! Finalmente… Finalmente a gente se viu de novo desde aquela noite…!
Ele estava ali.
— Depois de tanto tempo, a gente vai ter essa conversa do jeito certo, gostosa…! Você nem imagina o quanto eu tô ansioso por te mostrar uma coisinha…!
"Como…?! Como ele tá aqui?!"
O som da guitarra expulsava os insetos que, perturbados demais pela intensidade, não se aguentavam perto dele. De longe, ela viu seu sorriso surgir por trás da fumaça.
— E aí, sua vadia?! Sentiu a minha falta? Foi mal… É que eu andei doente!
Suas pernas tremeram e sentiu-se prestes a urinar ali mesmo, por puro medo.
— Só que agora…
Aprontou seus dedos antecipadamente sobre todas as cordas Correr… Precisava fugir dele.
Mobilizou suas pernas, virou o tronco…
— EU TÔ ME SENTINDO MELHOR DO QUE NUNCA…!
E tudo vibrou e girou em um mundo de tontura, quando tocou o primeiro acorde.