Volume 1
Capítulo 3: Carta da Alma
— Ér...?
[Seja bem-vinda, Ester Bruma, gostaria de passar pelo tutorial?]
[Sim - Não]
— Como isso sabe meu nome? Certo… Acho que não custa nada...
Pressionou [SIM].
Mais letras surgiram enquanto as páginas passavam.
[Esse é seu livro pessoal, também chamado de Grimório. Ele irá sempre lhe seguir. Nele você poderá armazenar até 150 Cartas Mágicas. As cartas são divididas em 3 tipos, sendo eles:
Cartas de Invocação
Cartas de Feitiço
Cartas Especiais]
[Cada tipo de carta tem seus espaços específicos no grimório, sendo eles disponibilizados da seguinte maneira:
Cartas de Invocação: 5 Espaços;
Cartas de Feitiço: 45 Espaços;
Cartas Especiais: 100 Espaços.]
[Para invocar seu livro, basta chamá-lo. Da mesma forma, se quiser escondê-lo, mande-o embora. Para ativar uma carta, retire-a do Livro e diga seu nome.]
[Você pode comprar Decks novos na loja utilizando as últimas páginas do seu grimórios. Os Decks podem ser obtidos trocando SP (Soul Points) na loja, assim como outros benefícios.]
[Você pode Obter SP de algumas formas, sendo elas:
2 SP - Eliminar Civis;
50 SP - Eliminar outro Jogador;
5 SP - Eliminar Mobs;
25 SP - Eliminar um BOSS.]
[O Tutorial chegou ao fim, mais explicações serão dadas assim que necessário.]
Ester soltou fumaça pela cabeça, não entendeu bulhufas.
— É muita coisa pra assimilar... Cartas mágicas, “Soul Points”?... Pera aí, eliminar pessoas?! Como assim?! — Cerrou os punhos. — Esse livro estúpido quer que eu mate outras pessoas? Tá de sacanagem! Acho que tô ficando é lelê da cuca de vez.
Depois de algum tempo, aceitou olhar mais o grimório.
— O tutorial mencionou uma loja. Cadê?...
Foi até as últimas páginas do livro, então uma das páginas mudou de cor. Em vez da cor das páginas antigas, meio amareladas e velhas, esse era uma cor azul escura, com letras brilhantes e douradas. Estava escrito grande em uma página: “Loja”. Apareceram algumas coisas:
[Espada grande - 15 SP
Peitoral de aço - 10 SP
Adaga encantada - 35 SP
Poção de vida - 3SP
Poção de mana - 3SP]
Refeição gratificante - 4 SP
Cajado de fogo - 45 SP
Óculos do viajante - 30 SP
Anel de proteção contra eletricidade 40 SP]
[...]
— Caraca! Tem muita coisa aqui! Espera, eu tenho algum desses pontos?
Procurou
— Aqui!
Tinha 105 SP.
— Até que tenho bastante… Como consegui? Enfim, agora, no que será que deveria gastar?"
Pensou.
— Espera, não era pra ter cartas aqui?"
Procurou mais… Na última página havia 5 itens:
[Deck de Invocação de Heróis - 100 SP
Deck de invocação de Mobs - 25 SP
Deck de Cartas Especiais - 40 SP
Deck de Cartas de Feitiço - 5 SP
Deck de Cartas Aleatórias - 15 SP]
— Então, não tem como comprar cartas separadamente, só por esses decks… Agora ficou ainda mais difícil saber no que gastar!!
Refletiu por algum tempo.
— Me decidi!
Ela então apertou no Deck de Invocação de Heróis e no Deck de Invocação de Cartas de Feitiço.
— Já que esse de Heróis é tão caro, deve valer a pena. E o que sobrar eu gasto nesse feitiço. Acho que é um bom plano... — Balançou a cabeça em aprovação.
[Confirmar compra?]
[Sim - Não]
Apertou em [SIM]
Dois decks ainda embalados pularam do livro e começaram a flutuar e a girar na frente dela, então se abriram sozinhos e revelaram as cartas:
[Roy, o Herege (Herói)
Odiado por muitos, seu futuro reserva o sofrimento.
Classe - Mago]
Depois:
[Viagem Rápida (Feitiço)
Use para se deslocar a qualquer lugar já visitado rapidamente]
[Bola de fogo (Feitiço)
Isso queima.]
[Escudo anti-magia (Feitiço)
Protege o usuário de magia]
[Sábio (Feitiço)
Revela informações sobre um alvo]
[Passo ágil (Feitiço)
Garante ao usuário velocidade elevada temporariamente]
Teria muito o que pensar ainda...
Graciosa e misteriosa, emanava o leve brilho azulado. As cartas, lentamente, dançavam junto ao vento e repousaram sobre os espaços designados no livro.
— Humph! — soltou Ester, emburrada. — Gastei tantos pontos para vir só uma carta de herói?! Espero que seja boa pelo menos…
Com receio, ela agarrou a recém obtida enquanto imersa em pensamentos sobre a compra.
— Roy, o Herege. — Cerrou a testa e engoliu a seco. — Por precaução, melhor não o invocar agora…
Suas pálpebras pesaram de repente e sua respiração ficou lenta.
— Aconteceu muita coisa… Por que tô me empenhando tanto nessa loucura? Preciso dormir um pouco… — Suspirou e depois deixou-se desabar na cama.
Creck! Clamb!
As camas de metais enferrujados, as usadas por inúmeros outros pacientes, tornavam o silêncio ensurdecedor. O horizonte, banhado por nuvens carregadas, revelou a tempestade que se aproximava na noite escura.
Apesar da cama barulhenta, a exaustão anestesiou a audição da Ester, restando apenas o som da sua respiração lenta e pesada. Mas, seus batimentos estavam descontrolados e ela se revirava de um lado para o outro, sem achar a posição ideal para finalmente emergir em seu sono. Terrível.
“O que eu deveria fazer?”, retrucou consigo. “Carta da Alma, por que estou no meio disso?… Esse sonho doido é a prova de que tô mesmo perdendo uns ‘parafusos’?”
— Por que você não tá aqui agora — disse ao apertar o peito e morder os lábios. — Sinto tanto sua falta, Arthur...
Finalmente adormeceu… Murmurava o mesmo nome…
Escureceu.
— ACORDA!
Antes até de abrir os olhos, Ester se jogou da cama assustada.
Investigou detalhadamente cada centímetro do quarto e procurou a origem dessa voz.
Tu-tum! Tu-Tum!
Seus batimentos eram mais como um tambor, tocando a melodia do nervosismo. Ela estava sozinha, ora.
— Jurava ter escutado alguém me chamar…
Após perceber que estava enganada, retornou à cama, porém — ao encostar os pés no chão — houve algo incomum. Pisava não era no piso, mas numa nuvem translúcida. Entendeu que a névoa tomou conta do quarto.
— Brrr! — esfregou os braços numa mistura de frio e confusão. — O que é dessa vez?!
Roonc!
“Isso lá é hora!” Apesar da situação, sua barriga ainda protestava. Envergonhada, segurou-a enquanto mantinha a atenção no ambiente quieto. Nada acontecendo, decidiu seguir com sua vida.
— Não tem um controle que chama os médicos ou coisa do tipo?
Procurou à volta. Além de, talvez, conseguir um lanche por chamar algum deles, iria descobrir como foi internada. Após alguns instantes, encontrou o bendito acima de uma mesa com alguns remédios e água.
Pressionou o botão e aguardou… Sem resposta.
— Não vai vir ninguém, huh? Considerando o horário, não é de se estranhar, mas eu que não engulo essa história. Preciso ter certeza.
Pegou suas coisas: muda de roupas, celular, carteira — com apenas 20 reais… — e sua mochila. Ao trocar-se, abriu a mochila e guardou seus pertences. Pronta, abriu a porta do quarto e, apesar da hesitação inicial, foi adiante.
Imediatamente enrugou o nariz.
Seu olfato foi bombardeado pelo cheiro forte de diversos remédios e outros produtos químicos no ar. As paredes vermelhas e brancas — mofadas e desgastadas por falta de cuidado —demonstraram infinitas adiante.
Ester encontrava-se no corredor. Havia diversos carrinhos metálicos com medicamentos e utensílios médicos, portas de outros quartos e alguns bancos de madeira. As luzes piscavam constantemente; embasbacada, não sabia mais se eram seus olhos que piscavam incessantemente ou se eram as lâmpadas defeituosas.
Pum! Fuoosh!
O vento tomou conta do ambiente, responsável pelas janelas que batiam umas sobre as outras. A irresponsabilidade de quem não as fechou! Brrr! As bochechas dela ficaram rosadas.
— Tem alguém ai?! — gritou ao começar sua caminhada lenta pelo corredor.
Sem resposta.
Mais à frente, o corredor se dividiu numa bifurcação e revelou mais áreas. Ester olhou para a esquerda e direita, atenta a qualquer detalhe pela penumbra e o que encontrou não era o que gostaria… Caídos e encostados nas paredes, estavam cinco homens de paletós brancos desacordados e abandonados ao ambiente frio. Ester correu ao mais próximo e gritou:
— Ei! Você tá bem?!
Balançou-o de um lado para o outro. Não havia ferimentos visíveis no corpo. Era como se ele simplesmente tivesse adormecido. Um sono profundo, muito.
— O que aconteceu aqui afinal?!
Remexeu todos os outros homens no corredor, persistente. Eram o mesmo caso.
— Acordem, pessoal!
Click!
De repente, a luz se esvaiu. Completa escuridão. Todas as lâmpadas que antes piscavam, apagaram-se ao mesmo tempo. Ester tropeçou no escuro e caiu no chão.
— Não dá pra ver nada! Droga!
Click!
A luz voltou, piscando como anteriormente. A moça suspirou de alívio, porém, antes dos seus olhos se acostumarem novamente com a claridade, um calafrio percorreu sua espinha. As pernas tremeram, o coração bambeou. Seu corpo lhe avisava.
Perigo.
Atrás dela, com metade do corpo dentro da parede, estava a figura opressiva. Seu rosto estava coberto pelas sombras. Um fantasma? Um demônio? Um monstro? Independente da definição, sua presença repleta de hostilidade era como a do minotauro — a de um carrasco.
Era uma mulher jovem coberta por mantos escuros, sujos e rasgados. As ataduras de pano cobriam parte do seu nariz e boca. Tatuagens estranhas de símbolos estavam estampadas nas poucas partes a mostra do seu corpo moreno e esguio. Seu cabelo, curto e escuro, revelava pelas mechas verdadeiros olhos vermelhos.
A presença dizia, a presença dizia… O sangue rodeia essa entidade.
Em suas mãos, duas adagas dentadas brilhavam com as efêmeras luzes do ambiente, revestidas em couro preto e acabamentos metálicos. Extremamente afiadas. Mirando no ponto cego da Ester, a entidade feminina se preparou para desferir um golpe letal no pescoço dela. Aproximava-se lentamente para não emitir ruídos, paciente de esperar as luzes piscarem mais uma vez.
Apagou, era a hora!
A mulher desceu suas adagas, ataque feroz como o bote de cobra, visando o pescoço do alvo na imagem residual no escuro. Vácuo. Quando as luzes se acenderam, Ester surgiu na frente da sua perseguidora, com apenas um arranhão na bochecha, de onde sangue escorreu.
— Incrível… — disse a entidade. — Você tem reflexos bons para sua idade, garotinha. — Lentamente se separou da parede e revelou todo o corpo.
— Arf Arf! Quem é você?! — Subitamente seu semblante sério quebrou-se.
— Sou sua ceifadora.
Num movimento casual, arremessou a adaga para cima e estourou a lâmpada sobre suas cabeças.
Mesmo com os olhos bem abertos, Ester — naturalmente — tornou-se incapaz de ver qualquer coisa graças à mudança súbita de claridade. Antes mesmo de ter tempo para engolir a saliva, sentiu seus tornozelos serem segurados. Com visão recuperando-se do clarão, apenas pelo toque reconheceu as duas mãos firmes em suas pernas.
Em meio aos calafrios, debateu-se desesperadamente para se soltar. Uma nova sensação tomou conta do corpo: gosto de ferro. Seu braço esquerdo tinha sido perfurado por centenas de abelhas num único ponto — como sofreu. Argh! Seu gemido de dor ecoou pelo corredor.
Quando finalmente enxergava ao menos silhuetas, descobriu que eram bisturis fincados profundamente na sua carne, atualmente vermelhos pelo banho do seu sangue. Quando novas lâminas perfuraram o restante do membro.
— Me solta, porra! — gritou ao fincar as unhas nas mãos que prendiam seus movimentos, rasgando sem dó a pele dela e, ótimo, a soltaram.
Ester tomou distância para uma parede. Debilitada e em choque, ainda tinha a pressa de remover os malditos bisturis do braço. E o fez.
Seus gritos ecoaram pelo hospital.
A veia ressaltou na testa, os olhos avermelharam e ranger dos dentes soou. Quando chegou no último bisturi — antes que pudesse arrancá-lo — duas mãos emergiram pela parede e a agarraram pelo pescoço. Presas à parede, queriam enforcá-la.
“É-é muito forte…!”, pensou, os sentidos entorpeciam. “Não… vou conseguir me soltar!”
Lentamente fechava os olhos enquanto espuma escorria da boca. Era o fim. Com o restante de vitalidade que lhe restava, observava a mulher — sua executora — se aproximar. Os olhos vermelhos da entidade eram demoníacos e sua face não tinha expressão. A crueldade…! Tinha cometido ações abomináveis milhares de vezes anteriormente, era inútil esperar simpatia.
A morte chegou.
— So…co…rro…! — Houve uma pausa. — Por... favor... Roy…
Boom!!
Houve uma explosão de fumaça, que tomou conta do lugar.
Em meio aos extensos mantos da nuvem de poeira, a mera presença dissipava-os à frente da Ester: as costas dele eram largas e o corpo era grande como uma parede; o verde dos seus cabelos era como o de uma floresta banhada pelas chuvas de verão; e o olhar — o inesquecível olhar — penetrava até o fundo da alma com os olhos dourados iguais ao nascer do sol, em contraste à expressão abatida no rosto. Suas vestes vermelhas, dignas de um rei, cobriam todo seu corpo como uma grande capa repleta de entalhes dourados, esses refletiram o pavor do semblante da Ester.
A atmosfera mudou. Encarando de cima a entidade femina, o homem assustaria até o diabo com o mau agouro da sua presença. A mulher tirou as mãos que sufocavam a jovem, deixando Ester cair de joelhos no chão.
Morte.
Era esse o pensamento que inundou a mente da assassina naquele instante.