Carta da Alma Brasileira

Autor(a): Zeugma


Volume 1

Capítulo 2: O Monstro

Ester olhou muito confusa para o celular.

— Como assim?! Não tem nem o nome ou contato de quem enviou, somente “GM”!... Por que alguém iria querer que eu fosse para o bairro Liberdade assim do nada? Ainda mais nesse horário? E se for um sequestrador?! Não… Calma. Pode ser só uma pegadinha do Noah. Faz sentido, ele tá sumido o dia todo, deve tá querendo atenção, é isso! Aquele ridículo, querendo me dar um susto! Vou é ir lá dar uma surra nele! 

Ester almoçou, pegou sua bicicleta e partiu para o serviço antes que se atrasasse.

Horas se passaram no trabalho.

Estava numa rua com sua bicicleta, havia acabado de finalizar uma entrega. Suada e cansada, sua mente continuava presa à mensagem. A preocupação tornou-se ansiedade.

Se fosse realmente uma mensagem importante, ignorar a faria se arrepender. Por isso: nervosismo. Ponderou e ponderou.

— Já tá quase na hora marcada… Tenho que ir.

Acelerou para o bairro da Liberdade num misto de emoções.

“Mas que estranho, por que ele me chamou tão tarde e não atendeu minhas ligações? E qualé a do nome estranho? Só falta o idiota ter sido mesmo sequestrado... Não é possível. Espero que seja brincadeira e se Violet tiver ajudando ele com isso, bom, vou dar umas pancadas nos dois!”

Ao chegar no bairro da liberdade, deparou com o ambiente totalmente vazio.

A névoa assombrava as ruas desertas, incomum para o horário e nessa densidade.

Desconfortável.

Ela pegou seu celular: 22:50, era o horário. Depois, olhou em volta e não avistou ninguém.

— T-tá bom, Noah! Você já conseguiu o que queria! Tô ficando assustada! Sai logo de onde você tá e vem aqui! 

Sem resposta…

Ester suou frio, cada vez mais pressionado pelo ambiente.

De repente, um som estrondoso.

Pareceu… algo que caiu de muito alto.

— O q-que foi isso?! Será que alguém se machucou?

Não conseguindo conter seu senso de ajudar e a curiosidade, ela correu na direção do barulho. 

Chegou numa zona de construção.

— Espera, aqui é onde eu trabalho às vezes, não é? Será que alguma estrutura tava mal feita e desabou?  Não custa avisar o chefe disso… É melhor eu verificar.

Escalou a cerca de metal e entrou na área.

Vasculhava os arredores, cuidadosa para não sofrer um acidente ou ficar abaixo de alguma estrutura… Huh? Percebeu que tinha um lugar com muita poeira acumulada à névoa.

Se aproximou.

Havia um enorme buraco no chão e, à medida que se aproximava, um estranho gemido ficava cada vez mais alto.

— Essa não, tem mesmo alguém aqui! — Correu para a cratera. — Tá tudo bem com você?! 

Desceu para ver quem estava lá. A visibilidade ficou pior, então tateou em tudo para procurar a pessoa ferida. Tinha pressa, saberia quando não sentisse pedra.

Enfim, algo diferente!

— Aqui, me dê sua mão! 

Ester percebeu algo estranho, no lugar de pele do desconhecido… havia muitos pelos, como havia. Era um animal? E… ele não gemia, e — sim — farejava. 

A poeira cessou; Ester paralisou.

Levantou-se uma criatura enorme. Com cerca de 2 metros e meio, era um ser humanoide tomado por pelos e músculos sobressalentes. Em sua cabeça, dois chifres. Seu rosto, o de um touro. E, em suas mãos, segurava o machado pesado de duas faces.

— O-O que-

GRROOAAAAHHH!! 

Interrompida, Ester caiu para trás.

O monstro olhou com ira para Ester, bufante.

— Que tipo de animal é esse caramba?! Droga! Animal ou o que diabo for, preciso ir embora daqui! 

Se virou de costas e correu, logo perseguida pelo minotauro massivo.

— Ah! Ele vai me alcançar! 

O monstro ergueu o machado e balançou-o num ataque; por pouco, Ester se jogou para o lado e desviou.O chão atingido foi partido ao meio, rachado junto ao som explosivo.

Absurdo.

Ester olhou com pavor, ainda incrédula.

“Se isso me acertar, eu vou morrer! Eu... Eu preciso achar ajuda!”

Nos arredores, ninguém. “Droga!”

O monstro preparou o machado de novo e golpeou. Ester pulou desesperada e, dessa vez, o machado foi preso ao solo no estouro de terra. Por pouco suas pernas não tiveram o mesmo destino.

Tentava tirar o machado, mas o minotauro teve dificuldades.

— Não vou morrer aqui! 

Era uma oportunidade. Ester poderia fugir, aproveitando o momento para criar uma vantagem. Mas, não era assim que funcionava a moça quando nervosa e hostilizada.
Ester, sem hesitar, desferiu uma sequência de socos e chutes no minotauro. Batia apenas onde doía e com gritos nos impulsos.  Ao final, suas mãos sangravam em carne viva e, o carrasco, sem arranhões.

Foi inútil.

— Não pode ser!... Já derrubei brutamontes com menos que isso! 

O minotauro tirou o machado do chão e deu um rugido ensurdecedor.

“Preciso fugir!”

Teve que voltar a correr. Como claramente seria alcançada em campo aberto, decidiu ir para dentro da construção.

Irritado, o minotauro lançou uma enxurrada de objetos: tijolos, pedaços de madeira, carrinhos de construção. Todos pareciam leves como papéis quando tocava, mas explodiram o chão próximo da Ester com força o bastante para acreditar que seria despedaçada a um passo falso. Na construção, não demorou para que o monstro também entrasse. Nesse momento, Ester desapareceu e o lugar manteve-se quieto.

Era procurada. O silêncio era pisoteado pelos passos e bufadas desumanas. Nada fazia sentido, mas não era hora de questionar a realidade. Ester se esgueirava pelas paredes, prendendo a respiração para evitar barulho. Ela reparou que em um canto estava um machado e o extintor de incêndio.

O monstro farejava.

A moça pegou o equipamento e, com um poderoso golpe, bateu na parede incompleta da construção, responsável pelos destroços repelidos que a deixaram com a cabeça e peito sangrando.

“Maldição! Pra ele tá cada vez mais perto, só pode tá sentindo meu cheiro. Não vai adiantar tentar se esconder..." 

Devido ao barulho, o monstro se aproximou ensandecido para quando ia destruir o canto, não encontrar nada.

Atordoado, foi a chance perfeita para atirar a rajada do extintor de incêndio. Desnorteava-o inteiramente até a carga acabar, então Ester jogou o extintor na cara dele. Estressado e com os olhos ardendo, o minotauro olhou para frente e não encontrou a presa. Rugiu e apressou-se em procurá-la.

Ele se ajoelhou e farejava como um cachorro; Ester, do outro lado, aproveitou para se levantar, pegar seu machado e começar a correr.

Foi perseguida.

Chegaram a um corredor estreito — o monstro por último — onde as luzes piscavam e onde, no final, estava Ester, sem rota de fuga e exausta. O minotauro deu um rugido e investiu em fúria para cima dela. No caminho, foi surpreendido pelo chão molhado. Deslizou, rachou o piso no torcer dos cascos dos seus pés. Caiu.

No chão, acima notou a lâmpada que piscava, desfiada e presta a desabar. Depois, o monstro olhou para Ester, que segurava um fio com luvas de borracha. Era a única coisa que mantinha a luz presa ao teto, um plano improvisado.

— Que azar pra você, bichão! Conheço esse lugar como a palma da minha mão! Agora bora ver se você é resistente a um choque daqueles!

Ela solta o fio.

Com a água, o choque foi terrível. Solavancos e grunhidos doloridos. Persistiu até acabar subitamente e sobrar o monstro todo queimado e desnorteado. Antes que ela pudesse se recuperar, Ester apareceu ao lado com o machado e o golpeou na cabeça, partindo um dos chifres.

Após, acertou o pescoço aberração, mas no impacto o machado quebrou.

— Tá de sacanag… — Ester levou um soco.

Atingida, foi repelido ao chão com violência.

Uh… Urg… Não vi esse golpe… Era um martelo?”

O minotauro estava de pé e com o machado pronto.

“Nem a eletricidade funcionou? Bosta!”

A criatura desceu o machado e acertou o ombro da Ester. Ela gritou em sofrimento e seu sangue jorrou. Depois, foi pega e arremessada para longe. Seu corpo partiu a parede, chegando a fora da construção. 

No chão de terra, restava sofrer com o corte profundo — iniciava desde o ombro até metade do peito — e a dor dos ossos pulverizador contra o concreto. Era humana, afinal.

Estava ofegante e com a visão turva.

Era o ponto do início.

(...)

“Eu vou morrer?...
Não... Não aqui... Ainda não!
Por favor, corpo, se mexa!”

A cada passo do minotauro, seus olhos ficavam mais e mais embaçados. Seu fim. 

Ester... deixe isso comigo.

Uma voz desconhecida ecoou.

O carrasco ergueu o machado para terminar a execução, mas Ester, que estava a beira da morte, sumiu. No lugar da garota havia apenas sua roupa, ensanguentada — O que atraiu o faro da aberração.

— Procurando alguém? 

Buscou pela voz.

Ao se virar, se deparou com Ester de pé e um sorriso de ponta a ponta em sua face. Em seus olhos já não havia brilho algum. Um calafrio profundo, todos seus pelos arrepiaram.

— O que foi? TÁ COM MEDO?! 

O minotauro rugiu e partiu para cima dela.

Passou por Ester, que se manteve parada.

Em seguida, o minotauro desabou de joelhos no chão e sua cabeça saiu rolando até os pés da Ester, a irreconhecível Ester. 

Com o fim da ameaça, Ester desmaiou ao chão. A aberração virou fumaça e o ambiente voltou a quietude. Onde seu corpo estava, restou um envelope. Nele estava o desenho da criatura e escrito:

[Carta de Invocação: Minotauro]

...

Ester acordou deitada numa cama.

Ao olhar à volta, estava numa sala de hospital. Ainda era noite e o lugar era escuro. Ansiosa, ela olhou para seu peito e… incrível, não havia nenhum ferimento restante, como novo.

— O quê?! Meu peito não tava totalmente aberto? Como agora não tem marca?... Será que foi apenas um sonho? 

Olhou em volta: ninguém. Pegou seu celular e eram 3:35 da manhã.

— Por isso que não tem ninguém aqui...

Encarou de novo o celular com olhos arregalados.

— Espera, já é dia 27?! Significa que dormi por 5 dias?! Preciso perguntar para alguém o que aconteceu. Tem alguém aí?!

Ai!!

Começou uma ardência forte em sua mão direita.

— O que é isso?! Tá queimando! 

Uma tatuagem se formou na palma da sua mão, o símbolo estranho, como se fossem diversos símbolos de cartas encaixando-se um no outro.

— Mas o que?!

Passou a mão por cima do desenho.

Huh?

— Tá cravado na minha pele... o que diabos tá acontecendo comigo? 

O desenho brilhou e, de repente, uma pequena explosão de ar ocorreu, sucedida de fumaça. Após a fumaça cessar, revelou-se um livro que flutuava no ar. Ester espantou-se.

— Tá... Tá de sacanagem?! Vou desmaiar desse jeito!

Incrédula, tocou no livro, que se abriu e se folheou sozinho. Parou numa página específica com diversos espaços vazios para encaixar cartas. Ester virou as páginas… e havia números de outros espaços… também vazios.

— Não tô entendendo mais nada…

Folheando mais, letras douradas flutuaram no ar e escreveram:

[A última jogadora cumpriu os requisitos, iniciando jogo em 24 horas.]



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