Volume 1
Capítulo 11: Soul Points
— Que daora! Essas cartas especiais são mesmo úteis.
— Humph... — Roy fingiu uma tosse.
— Ah, é mesmo, o pote!
Ester devolveu a carta do pote sua forma original, empunhando um grande pote de vidro comum. Ao encarar aquela aura semelhante a uma efêmera névoa reluzente um misto de sentimentos preencheu sua alma.
Medo, ansiedade, inquietação... Não queria perder o controle mais uma vez.
Sente um calor em seu ombro, uma mão espessa, porém delicada.
— Ester, se você não quer, não precisa ir até lá.
— Não quero ter aquela sensação de novo, é horrível... e se eu não conseguir voltar a ser eu mesma?
— Ester, nós podemos ter nos conhecido a pouco tempo, mas já sei bastante sobre você. Você é uma garota estranha, no bom sentido é claro. Sua força de vontade é algo admirável para sua idade, você é esforçada e talentosa, além de uma boa amiga. Tenho certeza de que não irá mudar quem você é.
— Obrigado... eu vou fazer isso.
Ester se aproximou da aura com o pote em mãos. Seus passos eram lentos e firmes ao solo. Com dificuldade em manter suas mãos paradas, enfim posiciona o recipiente próximo a aura, puxando-a com a outra mão. A sensação era estranha, como se tocasse algo que não existe, algo que não lhe proporciona o sentido de tato, mas que ainda está ali.
Finalmente, com certa demora o recipiente é preenchido.
— Ufa... deu tudo certo. Agora podemos estudar sobre isso quando voltarmos ao plano normal. Falando nisso, como voltamos?
Ambos olharam em volta procurando algo anormal — além do que já viram... — e, para sua surpresa, encontraram duas coisas.
Próximos ao cadáver da Quimera havia dois baús de madeira, entalhados com entornos aprofundados e figuras espirais. O da direita parecia mais rústico e simples, possuindo um revestimento de aço. Já o ao seu lado esquerdo emitia uma aura diferente. Sua madeira pútrida além do comum exalava um odor desagradável, seu revestimento era de um metal preto e em sua frente possuía um símbolo — uma cabeça de leão prateada.
— Isso é... a recompensa final da dungeon?! — Exclamou Ester — Não pensei que teria isso mesmo, se todas dungeons tiverem isso vai ser muito bom! Vamos ver o que tem dentro.
Seu primeiro alvo é o baú simples a direita. O som da ferrugem do metal e os cupins saltando em seu braço diminuíram sua empolgação. Vendo seu interior a reação era esperada — Decepção. Dentro dele havia apenas um elmo de couro reforçado e ferro simples.
— Ah... é de se esperar de uma dungeon de uma estrela. Espero que esse outro baú seja melhor.
Só de tocar no outro baú sentiu que ele era especial, como se uma aura fina de magia o cercasse. Um sorriso de empolgação tomou conta de seu rosto. Ao levantar sua tampa grande e pesada, duas coisas se revelaram na escuridão de seu interior — uma carta e uma caixa pequena.
Primeiro Ester apanha a carta — que parecia mais com um pergaminho velho. Seu conteúdo era:
[Parabéns, Jogadora Ester Bruma.
Você foi a primeira jogadora a completar uma dungeon sem usar sua invocação!
Como recompensa, aprecie o conteúdo desse baú especial.
GM.]
— O que?! Então só por que eu derrotei todos os monstros sozinha ganhei uma recompensa extra? Mas isso é estranho, como ele sabe disso? Será que está me observando agora mesmo?!
Começou a virar sua cabeça rapidamente procurando qualquer coisa suspeita entre os troncos das árvores, as moitas, as construções ao redor, entre outros. Sua respiração ficou descontrolada pelo sentimento de ser observada por algo que não sabe o que é, desde quando e como está lhe observando.
— Ester! Acalme-se. Mesmo que alguém esteja nos vendo, não acho que nos fará algum mal. Se fosse nos ferir não teria por que enviar esse baú. — Disse Roy
— Você tá certo. — Respondeu Ester — Sinto muito, é que essa situação toda aconteceu muito de repente... Mal tive tempo de processar tudo isso!
— Imagino como deve estar se sentindo, tudo também é muito novo para mim. Porém, se quisermos sobreviver precisamos manter o foco no presente.
— Você tem toda razão, não pensei no seu ponto de vista. Ser enviado para outro mundo e não saber nem o motivo não é algo muito normal, heheh.
— O que nos resta é ver o conteúdo dessa caixa.
Ester pegou a pequena caixa com uma de suas mãos e retirou sua tampa, revelando um anel. Ele parecia ser formado de um metal refinado, e em sua parte superior havia uma espécie de flor azul, quase como uma rosa de cristal.
— É lindo... — Disse Ester
— Pode até ser, mas qual a utilidade disso? — Questionou Roy
Ester coloca cuidadosamente o anel no seu dedo indicador da mão direita. Uma sensação estranha tomou conta de seu braço inteiro, uma espécie de formigamento. Aquele anel estava imbuído em alguma magia poderosa.
Como se seus instintos gritassem lhe guiando o caminho, Ester levanta sua mão gesticulando levemente. Ao fazê-lo, algo estranho ocorre. Uma espécie de portal azul começa a se abrir, revelando um espaço pequeno.
— Isso é uma magia de portal. — Disse Roy
— Sabia! Esse anel é realmente útil. Só que... esse portal não é meio pequeno demais?! Mal dá para passar meu braço por ele.
— Talvez ele não seja para transportar pessoas.
— Será que... ele serve pra guardar itens?!
— Deve ser.
— Agora faz sentido. Mas pelo visto não o dá pra guardar nada muito grande aqui, tenho que escolher bem o que vou guardar no anel. Por enquanto vou deixar apenas o frasco e minhas armas, não vai ser muito normal andar por aí com um soco inglês...
— Agora, e quanto a esse elmo?
Ester põe o elmo em sua cabeça, cobrindo seu rosto parcialmente e impedindo sua visão panorâmica.
— Ele até parece ser bom contra golpes na cabeça, mas tem o mesmo problema do soco inglês. Não dá pra sair pelas ruas assim, vão pensar que sou maluca! Se pelo menos desse pra vesti-lo sem ele aparecer...
Ao falar isso, de repente Ester sente como se o elmo tivesse ficado transparente, podendo ver seus arredores normalmente.
— Ué, o que aconteceu?
— Exatamente o que você pediu. — Respondeu Roy
— Sério mesmo? Não tá aparecendo o Elmo?
— Sim. Ele continua mesmo em seu corpo?
Ela dá um soquinho em sua testa para se certificar de que ele não desapareceu, e o que sente é um metal frio e o som do aço.
— Mesmo invisível ele continua me protegendo, é uma mão na roda!
— Acho que agora finalmente podemos sair. — Diz Roy, apontando para uma energia azul que está pairando próximo a eles, semelhante a que eles viram quando entraram no segundo plano.
— Então só dá pra sair daqui quando derrotamos o chefe e pegamos os itens, bom saber. Bom, vambora!
Ester pega a mão de Roy e, sorrindo salta diante da luz azulada. Ambos sentiam como seu corpo estivesse sendo sugado por um buraco negro, repartindo e multiplicando suas células e enviando-as para outro plano. Enquanto seu corpo era desintegrado e reestruturado novamente era possível visualizar o "vazio" entre os mundos.
Um lugar totalmente escuro rodeado de diversas luzes coloridas em formato de estrela, as quais se moviam de forma aparentemente aleatória, mas subconscientemente sabiam que havia um padrão específico e totalmente necessário para cada uma delas, como se o destino fosse decidido naquele instante específico.
Como uma lâmina afiada a visão do "vazio" é cortada, assumindo novamente suas formas físicas e simplórias. Mais uma vez a reação esperada de Ester foi vomitar assim que recobrou os sentidos...
— Você está bem? — Indagou Roy
— Acho que sim... só é muito para mim absorver por enquanto.
— Realmente, observar o vazio por muito tempo não é algo normal.
— Você parece bem, já viu aquilo antes?
Roy manteve-se em silêncio.
— O que foi? — Questionou Ester
— Aquilo é algo que ninguém deveria observar. — Respondeu Roy
— Não estou entendendo Roy...
— Irei explicar em outro lugar, não é melhor sairmos daqui?
— Você tem razão! Melhor irmos para cas... ah.
— Ester?
— Meio que não temos pra onde ir, hahah!
— É mesmo, esqueci que sua casa não é neste lugar.
— Sim. Como fomos enviados para cá sem avisos prévios nem pude trazer dinheiro para alugar um hotel ou algo do tipo, tô totalmente dura!
Ester estava de cabeça baixa e com semblante desmotivado, enquanto Roy parecia estar pensativo sobre algo.
— Ester, não tinha algo em seu livro sobre conversão de moedas?
— É mesmo!! Tinha me esquecido completamente. Venha!
Ao abrir seu Grimório, Ester com as mãos desengonçadas vai até a loja mais uma vez, agora em busca dos tais "Milagres". Apesar da grande lista, apenas um dos benefícios era seu objetivo — A troca de SP por Dinheiro.
Sem hesitar apertou sobre o tal milagre, assim abrindo uma nova "tabela", formada por bordas douradas e um fundo azul translúcido. No meio, letras brilhantes demonstravam seu resplendor e adicionavam palavras flutuantes a realidade.
[Trocar SP por dinheiro:
Selecione a moeda desejada.]
Uma lista se abre, revelando dezenas ou até centenas de moedas diferentes. Descendo a lista a procurar, Ester pressiona na opção correspondente.
[Moeda selecionada: Real brasileiro]
[Começando conversão...]
[Conversão bem-sucedida... iniciando troca.
1 SP = 1000 Reais
Valor mínimo a converter = 30SP
Iniciar conversão?]
[Sim] [Não]
— O queeeeeee?!!!! — Exclamou Ester — Mil reais a cada ponto, é sério isso?!
— Isso é muito? — Indagou Roy
— Sim! Pelo menos pra mim é...
— Pelo menos agora teremos dinheiro para uma hospedagem. — Disse Roy
Com um brilho nos olhos Ester pressiona [Sim].
Puft!
Uma pequena ventania eclode à sua frente, fazendo emergir uma caixa grande de madeira. Abrindo a caixa um suspiro foge de sua boca e sua pressão abaixou de repente. Ester nunca havia visto tanto dinheiro junto em sua vida! No interior da caixa estava um mar de notas de cem reais, impossibilitando ver o fundo do recipiente e quase transbordando para fora.
— Isso é muita coisa!! — Exclamou Ester
Receosa, Ester apanhou algumas notas e começou a verificar sua veracidade.
— Será que esse livro tá me sacaneando?
Observou diante da luz de um poste, cheirou, lambeu... sim, lambeu, dobrou e fez todos os testes que lhe vinham à mente. Após satisfazer suas dúvidas chegou à conclusão — eram reais.
— Estou rica!!
Ester jogava dinheiro para cima e dançava de alegria, totalmente anestesiada pela euforia.
— Cof, cof! — Era Roy, forçando uma tosse falsa.
— Ér... me empolguei um pouco.
— Você não se deve cegar pela avareza, sei que é melhor do que isso.
O semblante de Ester reprimiu, abaixando sua cabeça.
— É que eu nunca tive dinheiro assim antes. Eu ralo todo dia para pagar um aluguel abusivo, conseguindo apenas um apartamento minúsculo e em pedaços para não dormir na rua. Eu tenho que viver de trabalhos pequenos e sem renda fixa, fazendo todo tipo de função perigosa e exaustiva, apenas para conseguir comprar alguns livros n fim do mês e não morrer de fome. Como você é um mago, ainda mais da família real, não deve saber a sensação de ser como eu!
Ambos começaram a se encarar por alguns instantes — que mais pareciam horas. O silêncio era como gelo, congelando seus lábios.
— E‐eu sinto muito... Não devia ter dito aquilo.
— Não se preocupe, já ouvi coisas muito piores. — Respondeu Roy — Vamos indo, ainda precisamos de um lugar pra dormir.
— Certo...
Ester observou seus bolsos e percebeu que não havia espaço o suficiente para guardar todo aquele dinheiro.
Pensou...
— É mesmo, o anel!
Brandiu seu punho em direção a caixa contendo o dinheiro e gesticulou gentilmente, assim, criando um portal pequeno, mas grande o suficiente para caber o objeto. Após, puxou seu celular, já com pouca bateria, e começou a bisbilhotar por hotéis nos arredores. Procurando por hotéis com altas avaliações e em um lugar com concentração de Dungeons, um se encaixa nesses padrões — Hotel Alvorada.
— Esse hotel parece bom por agora, é cinco estrelas e fica próximo de diversas Dungeons. O problema é que tá meio longe daqui...
— Quer ir de novo daquele jeito? — Perguntou Roy.
— Não!! Aquilo de novo não, muito obrigado.
— Que pena.
— Vou chamar um taxi mesmo...