Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 2 – Arco 7

Capítulo 85: Tony Kido contra os Ninjas da Noite

Nunca imaginei que uma noite traria tantas consequências para a minha vida. O que era para ser um simples passeio em família, acabou se tornando um pesadelo cruel e capaz de trazer à tona o lado sombrio da minha verdadeira jornada. Foi a partir daquele momento que percebi que meu destino e responsabilidade eram muito diferentes em relação aos dos meus amigos. E os acontecimentos daquela noite foram apenas uma pequena — na verdade minúscula — amostra do que realmente me esperava.

Na noite do ataque dos ninjas, Natsuno e eu não tivemos nenhuma chance contra os Ninjas da Noite. Eles eram extremamente habilidosos e possuíam uma sincronia que não dava espaço para a vítima se safar. Foi assim, eu tinha certeza, que eles cometeram tantos assaltos e jamais foram pegos. Por esse motivo pensei que meu pai não daria conta, caso fôssemos atacados.

Não foi bem o que aconteceu.

Quando menos percebi, eu o vi defendendo o golpe de um ninja que tentou lhe surpreender pela lateral. Foi rápido demais! Tony o agarrou pelo braço e o jogou contra o corpo de um segundo inimigo que investia pela sua retaguarda. 

Os dois ninjas foram jogados a vários metros e mesmo assim aterrissaram em pé.

— Argh! — gemeu um terceiro inimigo ao receber um soco de presente do caçador, depois foi chutado para longe. Outra parcela do bando entrou em ação e ele se saiu bem: esquivou-se dos golpes de espada e bloqueou os punhos e pontapés, tudo ao mesmo tempo. Era como se os inimigos não me quisessem. Eles me ignoraram para atacar o meu pai. Obviamente eu não o deixaria lutar sozinho.

Apertei forte a minha espada e fiz menção de atacar um dos ninjas que foi ao encontro dele. Na mesma hora eu fui imobilizado por trás. E os sujeitos que o fizeram travaram os meus braços de forma que eu não conseguia me mover um centímetro sequer.

— Você não — avisou Glen caminhando na minha direção. Ele tinha os olhos voltados para a batalha que meu pai travava com seus capangas.

Se eu não estivesse olhando bem, poderia confundi-los com sombras. Procurei, em meio ao mar de homens mascarados, os três que pediram minha ajuda: Dmitri, Aleksandr e Ivan. Mas todos os ninjas eram iguais, como se em vez de serem parentes, fossem clones. Eu só saberia diferenciá-los caso o clã tirasse as máscaras, coisa que eu achava difícil de acontecer.

— Isso é muita covardia! — berrei indignado. — Precisam disso tudo para enfrentar uma única pessoa?

Os ninjas cessaram os ataques. Fiquei impressionado por uma simples frase ter surtido um efeito tão imediato. Então percebi que, na verdade, Glen havia erguido um dos braços.

Meu pai não demonstrava nenhum sinal de cansaço.

— Esse é o Tony que eu conheço — disse Glen. Ele parou a poucos metros de mim.

— Seu assunto é comigo, Glen. Deixe meu filho ir embora. — Apesar do olhar firme no rosto, havia certa preocupação na voz do meu pai.

O ninja finalmente me olhou. Tentei fazer conexão entre ele e a criança que vi chorando em 1980, mas a diferença no semblante ofuscava qualquer semelhança física entre ambos. Os olhos daquele Glen atual eram carregados de ódio e maldade.

— Você sabe que isso não será possível, Tony — disse ele com uma calmaria que não condizia com a sua expressão maligna.

— Ele é apenas uma criança.

— Não existe isso no nosso mundo, ou devo lembrá-lo das aventuras que passamos quando éramos ainda mais novos que ele?

Glen se virou para o meu pai. Ele desceu os olhos para a máscara de ninja na sua mão por alguns instantes, depois os ergueu novamente.

— Por que vocês estão fazendo isso? — perguntou Tony. — Todos esses assaltos sem nexos em Venandi e, agora, em Honorário. Todas as mortes inocentes e destruição… O Glen que eu conhecia jamais levaria o clã a esse ponto.

— As coisas vão mudando e evoluindo, meu amigo, ou achou que seríamos piedosos para sempre? Os hipócritas não merecem compaixão! Você sabe muito bem que sempre roubamos daqueles que gostam de esfregar na nossa cara que são mais poderosos. A diferença é que agora estamos esfregando na cara deles que também somos, mas não do jeito que eles fazem, claro, mas sim de uma forma um pouco mais, digamos, agressiva.

— Agressiva? E isso significa roubar vilarejos humildes também? Pois fiquei sabendo que vocês roubaram o tesouro dos Queiróz, um clã que não possui riquezas nem nada do tipo.

— Algumas coisas são necessárias.

— Não consigo ver necessidade em roubar as Tábuas do Guardião. Vocês estão indo contra o próprio princípio. Eu sei que vocês estão trabalhando para alguém, Glen, e sei também o que aconteceu com o restante do seu clã.

“Tábuas do Guardião” pensei, e me perguntei se aquilo tinha alguma ligação com o Hara.

Pela fisionomia de Glen, presumi que ele não gostou do que ouviu. Sua ferida moral foi exposta.

— Você sempre falou demais — disse quase rosnando. — Mas jamais sentiu na pele o verdadeiro sofrimento. Até hoje!

O líder dos Ninjas da Noite avançou contra o meu pai com uma série de ataques violentos. E nesse momento se iniciou a troca de golpes mais impressionante que eu já havia visto.

Tony era muito bom. Apesar de ser grande e robusto, lutava com uma agilidade semelhante à de Glen. Ele defendia as investidas do inimigo e contra-atacava com socos e joelhadas. Dava saltos-mortais e cambalhotas enquanto chutava e socava de novo. Ele não parecia fazer esforço, era como se conhecesse o estilo do ninja e tivesse um meio de “counterá-lo”.

Os outros ninjas não se moviam. Pareciam atentos a qualquer pedido de ajuda de seu líder. Aproveitei que estavam focados na batalha e puxei meus braços com força, na tentativa de me desvencilhar da dupla de imobilizadores e ajudar o meu pai.

Foi um erro terrível.

Não sei bem o que fizeram, mas senti os ossos quebrando. Gritei tão alto que meu pai perdeu a atenção da luta por um segundo e foi atingido em cheio na cara por um chute.

— Diogo! — ele gritou, correndo até mim.

Vislumbrei Glen erguendo o braço, ordenando que seus fantoches o atacassem novamente. Tony teve que parar no meio do caminho para se defender da enxurrada de ataques.

Senti como se fosse desmaiar, tamanha era a dor e a fraqueza que estava sentindo. Era como se os ossos dos meus cotovelos estivessem queimando e latejando de forma que drenasse minhas forças. 

— Mova-se novamente e arrancaremos os seus braços — avisou um dos ninjas.

Eu não estava em condições de desobedecer. Nem a Takohyusei eu consegui manter empunhada; ela caiu da minha mão e reapareceu no meu dedo em forma de anel.

 Tony agora tinha dificuldades. Glen se juntou aos ninjas, fazendo com que a batalha deixasse de ser acirrada. Aquilo era demais para o meu pai. Ele até desviava dos ataques mais letais — de katanas, kunais, foices, etc. — mas acabava sendo atingido por pancadas que quase o derrubavam.

— Me matar não vai trazer paz para o seu clã, Glen — ele disse em dado momento. — Abra os olhos!

Glen parecia lutar com raiva. Seus golpes eram mais intensos que os golpes dos ninjas.

— Não preciso de paz! Não nasci pra isso! Você sabe muito bem!

— Eu te conheço o suficiente para saber que você sempre foi submisso à tradição do clã. Não é à toa que você foi escolhido como Herói Herdeiro dele, para cumprir com as diretrizes e manter as coisas em ordem. Mas isso o que você está fazendo… é totalmente o oposto.

Glen trincou os dentes. Seus movimentos se tornaram tão agressivos que os demais ninjas tiveram que recuar para que o líder não os acertasse. E mesmo assim meu pai conseguia defender a maioria dos golpes, embora não conseguisse mais contra-atacar.

— O clã Vinográdov jamais se venderia a alguém dessa forma — continuou ele, agora em meio a arfadas. — Pare de receber ordens da Eclipse do Caos, Glen! Eles só estão te usando!

O ninja sacou sua Takohyusei das costas, uma katana de lâmina longa e reta que reluziu ao brilho da lua imediatamente. Ele a desceu na direção do meu pai e, nesse momento, lâminas se chocaram.

— A lendária Ko-Kyuketsuki — ouvi um dos ninjas dizer. Exceto pelo aviso que eu havia recebido dos que estavam me imobilizando, era a primeira vez que eu ouvia algum comentário deles no campo de batalha.

Bloqueando a katana do Glen, a espada lendária estava nas mãos do meu pai. Maior que ele, e com detalhes que faziam sua presença ser ainda mais significativa: a lâmina prateada era grossa e curvada, conectada ao cabo preto por linhas ondulares bronzeadas e brilhantes.

— Olha só, se não é a famosa espada do Caçador Lendário — zombou Glen, sorrindo e olhando meu pai nos olhos.

Tony não respondeu, apenas forçou a espada para frente e fez Glen recuar. Chutou-o no peito e desferiu-lhe um golpe com ela. Mesmo sem equilíbrio, Glen bloqueou com a katana, porém ela caiu das suas mãos, tamanha foi a força do ataque.

— Ela é realmente poderosa — admitiu Glen, desviando do segundo ataque e saltando para longe. — Mas vamos ver que diferença fará contra os meus ninjas. — Ele ergueu o braço mais uma vez e, junto do clã quase inteiro, avançou na direção do meu pai.

O fato de a espada ser poderosa não anulava um segundo fator: seu peso. Não precisava prestar muita atenção para perceber que os movimentos dele ficaram mais lentos. Tony até conseguiu atingir alguns ninjas. Pela primeira vez, eu comecei a ver sangue entre os trajes negros deles. Mas ele também foi atingido mais vezes. Quase todo o clã Vinográdov o enchia de porrada, chutes e golpes de katanas. Quase todos exceto pelos meus dois imobilizadores e… três homens que não se moviam.

— ARGH! — Foi o primeiro grito de dor do meu pai na noite. Depois vieram outros. Não demorou para ele ficar só na defensiva. Embora ainda empunhasse a espada, não conseguia mais fazê-la ser útil.

Eu estava desesperado. Os braços dele sangravam, apesar da jaqueta grossa de couro. Ele levou uma pancada no nariz que faria qualquer um desabar na hora, mas manteve-se de pé, tentando, inutilmente, se safar dos outros ataques.

Era impossível lutar contra quarenta ou cinquenta homens de uma só vez. Homens que eram especializados em artes marciais, que haviam treinado a vida inteira para manterem um alto nível, homens que não tinham nenhum pingo de compaixão.

Então aquele era o clã que Ivan e os outros dois queriam salvar? Um clã que escolhia um homem justo como vítima e o atacava na maior covardia?

Eu senti raiva. Deles e de mim. Enquanto meu pai era massacrado, lá estava eu, retido por simplesmente dois ninjas.

O desespero era tanto que comecei a olhar em volta na esperança de aparecer alguém que pudesse nos ajudar. Tio Michael, talvez, ou o Hebert com agentes da organização. Ou até mesmo Hara, quem dizia ser meu Guardião e já me salvara da morte.

Nada. Havia só nós dois no meio de dezenas de ninjas assassinos. Numa praça ampla o suficiente para que nenhum morador local percebesse o que estava havendo e chamasse a polícia…

Meu coração apertou quando vi meu pai recebendo golpes cada vez mais frequentes. Ele agora era um saco de pancadas. E se continuasse daquela maneira, era capaz de acabar morrendo…

Joguei meu corpo para frente num último ato de desespero, pensando que daria certo. Os ninjas que me detinham, no entanto, não estavam distraídos. Eles puxaram firme meus braços quebrados — berrei com a dor infernal — e um deles gritou:

— Eu avisei que os arrancaríamos!

Esperei pelo pior, horrorizado. Mas arregalei os olhos quando a dupla caiu no chão após receber pancadas na cabeça. Os três ninjas que observei estarem alheios à batalha instantes atrás foram os responsáveis por me salvar.

Isso fez com que o clã inteiro parasse de atacar o meu pai. Todas as atenções, inclusive a de Glen, agora estavam centradas nos três.

Houve um momento tenso de silêncio absoluto. Então:

— O que vocês pensam que estão fazendo? — Glen perguntou, afiado.

Os três levantaram as máscaras. Ivan, Dmitri e Aleksandr tinham expressão séria no rosto. Foi Dmitri quem tomou a palavra:

— Tony Kido está certo. Nós não somos assassinos e não deveríamos trabalhar para ninguém!

Glen Vinográdov começou a caminhar na nossa direção, devagar, sorriso falso no rosto.

— Você agora quer ditar o que somos ou o que não somos? O que devemos ou o que não devemos fazer? A essa altura do campeonato?

— Dmitri tem razão — disse Ivan, e começou a olhar para o restante do bando. — Abram os olhos! Não percebem que o nosso clã está caindo em ruínas por causa dele? Onde está a nossa honra?

Glen começou a gargalhar. Parecia despreocupado com a reação dos outros ninjas. Eu não conseguia entender como ninguém se dava conta do que estava acontecendo.

Olhei para o meu pai, ajoelhado no chão e cheio de machucados. Eu queria que ele me retribuísse o olhar para combinarmos de fugir, mas Tony Kido tinha uma expressão vazia no rosto, como se estivesse fora de si.

— Não acredito que vocês são tão ingênuos ao ponto de pensar que podem passar por cima das minhas ordens — ganiu Glen, amargo, tomado por ira. — Só tem uma palavra certa para isso: traidores. É isso que vocês são! E traidores são a pior raça que existe, pois estão do seu lado, ouvem seus segredos e saem espalhando por aí. Agora consigo entender como o Tony sabe tanto. Foram vocês! Vocês falaram pra ele que fomos contratados, não foi? Por isso não apareceram no galpão ontem à noite!

— Pedimos sim, por ajuda — admitiu Aleksandr —, pois não aguentamos mais ver o nosso clã fora dos trilhos. Nós já perdemos a nossa família, a nossa casa… Não queríamos perder a nossa dignidade também! E você, Glen, é o verdadeiro culpado! Não conseguimos mais enxergá-lo como líder! — Ele virou-se para os Ninjas da Noite e, assim como Ivan, tentou alertá-los.

Glen arregalou os olhos de fúria. Parecia a ponto de explodir. Ele ergueu o braço e gritou:

— Acabem com esses traidores!

E todo o restante do bando foi para cima do trio. Sem hesitar. Obedientes natos às ordens de seu líder. Covardes.

Fiquei paralisado vendo os três sendo engolidos pelas trevas silenciosas. Nem pareciam fazer parte do mesmo clã. Era como se fossem meros desconhecidos para os Ninjas da Noite, que estavam mesmo cegos, não havia outra explicação. E pensar que eu tinha o mesmo sangue nas veias que eles…

Ivan, Aleksandr e Dmitri só foram deixados de lado quando já não conseguiam se mover. Ficaram estatelados no chão com o corpo repleto de cortes, feridas e inchaços, num estado crítico, pior que o do meu pai. O gramado da praça estava manchado de sangue.

— Cruel demais — ouvi a voz fraca do meu pai dizer. Ele pareceu recobrar a consciência, e olhava pasmo para os três rapazes inconscientes.

— Gostou, meu amigo? — sorriu Glen.

— Jamais imaginei que você um dia fosse chegar tão longe… O Glen que eu conhecia, ele parece estar…

— Morto por dentro? Acertou na mosca! Um homem se torna um nada quando perde tudo. Eu queria que algum dia você sentisse isso. Pena que esse será o seu último dia de vida. Pois eu mesmo vou te matar.

O nariz do meu pai jorrava sangue. Sua jaqueta estava um trapo, toda rasgada e suja de sangue. Era horrível vê-lo derrotado, o homem que um dia pensei ser invencível. Mas eu não sentia vergonha nem nada do tipo, não era esse o sentimento, era algo mais doloroso, como se eu sentisse na pele a humilhação que ele provavelmente estava sentindo, pois fora feito de saco de pancadas na frente do próprio filho.

Glen avançou na sua direção com a katana erguida. Parecia saber que meu pai não conseguia mais levantar um dedo sequer. Exigiu:

— Diga-me, Tony, quais são suas últimas palavras?

Não houve resposta. Dando de ombros, Glen investiu com um corte reto, na intenção de enfiar a espada no peito do homem mais importante da minha vida. Vislumbrei Tony fechando os olhos e meu coração parou.

De repente, meu pai os abriu — amarelos como um girassol — e respondeu:

— Punho de Fogo!

Ele esticou o braço mais rápido que a lâmina da katana e enterrou uma mão fechada e flamejante no estômago de metal do ninja. Glen foi jogado para longe com tanta força que seu corpo quebrou uma fileira de três troncos de árvores ao meio.

Ele sumiu do meu campo de visão.

Aproveitei a oportunidade e corri na direção do meu pai, que ainda estava com o punho esticado e rodeado por chamas alaranjadas. Sem dúvidas, aquele Punho de Fogo era muito mais poderoso que o meu. 

— Pai! — gritei.

Mas nunca cheguei até ele. Mesmo sem receberem nenhum tipo de ordem — até porque Glen desabou fora do campo de batalha — os Ninjas da Noite engoliram o meu pai com mais ataques violentos. Tony Kido estava à beira da morte, não precisavam fazer aquele tipo de coisa.

Olhei na direção dos meus três primos, gravemente feridos e deitados no chão, e fiquei surpreso por encontrar um deles olhando para mim. Aleksandr. E ele parecia deprimido.

Você é a nossa última esperança, ele dissera na noite anterior. Estamos completamente desesperados. No fundo do poço…

Prometi ajudar, mas no fim eu estava sendo um completo inútil. Após tantas perdas, eles só queriam a dignidade de volta. Quando, na verdade, fariam mais uma vítima. O meu pai.

— Parem com isso! — berrei com toda a minha voz. — Lembrem-se de quem eram os Ninjas da Noite antes de todas as perdas e sofrimentos. Vocês podem ser qualquer coisa, mas não são desse jeito!

Alguns ninjas pararam e, feito zumbis que sentiram o cheiro de carne humana, se viraram. Outros foram fazendo a mesma coisa, aos poucos, numa cena meio macabra. Senti que eles viriam ao meu encontro para acabar comigo. Pelo menos cessaram os ataques.

Pude ver que meu pai finalmente estava no chão, cuspindo sangue e com o corpo trêmulo. Ele sequer conseguia me olhar.

— Vocês podem dar a volta por cima — continuei, nervoso, mas sendo sincero. — Meu pai e eu… nós estávamos conversando sobre o que aconteceu com o clã de vocês, e queremos, hã, ajudar a encontrar quem fez aquilo. Tenho certeza que a organização Ko-Ketsu pode contribuir. Não precisam mais continuar com esses… essas missões — encontrei a palavra. — E nem precisam se esconder! Só nos deem uma chance. Uma chance para descobrirmos quem foram os monstros responsáveis por tirar tudo de vocês.

Obviamente, eu não iria conseguir induzi-los a mudar de ideia, mas minhas palavras serviram de gatilho para os meus três primos, pois Aleksandr fez força para se levantar, ensanguentado, depois foi a vez dos outros dois. Fiquei aliviado por eles ainda estarem vivos.

— O Diogo tem razão! — gritou Ivan.

Ivan cambaleava e chorava. Estava prestes a desabar e apagar. Ele só conseguia manter um olho aberto. Mesmo com tudo isso, esforçou-se para dizer:

— E além disso, o que as nossas mulheres diriam se nos vissem fazendo tudo o que fizemos nos últimos meses? E as nossas crianças? Será que elas ainda nos teriam como heróis ou pelo menos como referência? Sempre fizemos o melhor para mantê-los bem… mas isso o que estamos fazendo… é uma ofensa para a memória delas.

Pela primeira vez na noite eu vi alguns ninjas se entreolhando como se fossem humanos normais em vez de fantoches. Poderia ser impressão minha, mas alguns deles pareceram considerar as palavras do Ivan.

Aleksandr ajudou Ivan a manter-se de pé, embora ele também estivesse a um triz de apagar. Dmitri acrescentou:

— Não somos assassinos… Não temos o direito de tirar a vida de ninguém! Isso nos tornaria semelhantes àqueles que invadiram as nossas casas e destruíram tudo o que tínhamos. Deveríamos sair à procura de quem fez aquilo em vez de matar as únicas pessoas que se importaram com a nossa causa. Por favor, abram os olhos…

Ouvi alguns balbucios em meio ao mar de homens mascarados. Parecia até um sonho; os Ninjas da Noite estavam se dando conta da merda que estavam fazendo! O que poderia significar que sairíamos vivos…

Todas as atenções foram chamadas quando alguém começou a bater palmas.

— Bravo! — disse Glen Vinográdov. Ele havia se levantado e retornara ao campo de batalha com alguns machucados no rosto, mas inteiro. Batia palmas com uma farsante animação. — Vocês poderiam ser ótimos palestrantes se quisessem. Até eu me comovi! Vocês só esqueceram de mencionar uma coisa. — Ele sacou novamente sua katana e concluiu: — Nenhuma dessas pessoas que você citou, Ivan… essas que se envergonhariam de nós, sabe?... Nenhuma delas está aqui. Elas foram torturadas, espancadas, assassinadas. E onde vocês estavam? Onde nós estávamos? Nosso clã perdeu a honra há muito tempo, mas vocês só perceberam isso agora. Estamos no lixo e vivendo com ajuda de aparelhos. Pergunte a qualquer um aqui se a vida dele tem algum sentido. Não tem! E sabe por quê? Porque nós perdemos tudo!

Os ninjas cessaram o que quer que estivessem comentando. Era como se, mais uma vez, tivessem colocado a venda invisível nos olhos.

De repente, Glen virou na minha direção e estreitou seus olhos pretos. Ele disse:

— E você, garoto, vai se arrepender de ter tentado se intrometer em assuntos que não são seus. A intenção era matar o seu querido paizinho primeiro, mas, mudanças de planos. É hora de você dar tchau.



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