Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 2 – Arco 7

Capítulo 83: A dignidade do clã Vinográdov

Lá em Belém, eu nunca fui muito próximo dos parentes da minha avó. Não havia aquela mesma proximidade que eu tinha tanto com os amigos que deixei lá quanto com os que fiz em Honorário, o máximo que acontecia era eu e minha mãe visitarmos a casa de alguma tia dela que tinha filhos beirando a fase adulta. E adolescentes mais velhos não curtem muito brincar com crianças, o que era o meu caso.

Lembro uma vez que não me deixaram jogar videogame com eles. Disseram que não fazia sentido uma criança de dez anos enfrentar “adultos” numa partida virtual de futebol. Eu não queria ganhar de ninguém ou provar qualquer coisa, só queria me divertir. Mas quem nunca passou por isso, não é mesmo?

Nossa família era muito fechada em nós quatro — eu, minha mãe, tio Michael e vó Rose — por conta de detalhes. Tia Carmelita era fofoqueira que doía; tio Roseval só aparecia para pedir dinheiro emprestado; e tia Margarida — que até hoje não entendo o grau de parentesco que tenho com ela — era egoísta e transformara os filhos em adolescentes-quase-adultos mimados demais para terem coragem de levantar a bunda da cadeira do computador para procurar emprego.

No fim das contas, vovó Rose sempre foi fora dos padrões para a família. Depois que eu soube da história da “adoção” da minha mãe, agradeci por ela ter sido abandonada na casa certa, se é que posso dizer esse tipo de coisa. Não queria imaginar se eu tivesse crescido numa casa onde falar da vida dos vizinhos era rotina ou fosse menosprezado por primos que se achavam superiores. Deixa isso para o Harry Potter.

De qualquer forma, meus únicos parentes próximos, além, claro, dos meus pais, eram os dois: dona Rose e tio Michael. Eu sempre soube que não tínhamos o mesmo sangue, e mesmo assim era como se este detalhe não existisse. Não faltava amor nem respeito da parte deles. Muito pelo contrário; sobrava para dar e vender. Então foi um baque quando descobri que os Ninjas da Noite eram meus parentes biológicos. E o fato de eles serem um grupo de assassinos e ladrões me fez preferir que a família que citei nos primeiros parágrafos fosse a verdadeira — mesmo com todos os defeitos comuns que seres humanos têm.

Tem como as coisas ficarem mais estranhas? Ah, tem sim. Sempre tem.

Eu caminhava imerso em pensamentos relacionados ao que descobri — e vi — na noite anterior. Passara a tarde na casa da Sophia, onde assistimos a um filme e comemos pipoca doce feita por ela. Meus machucados já estavam bem melhores, foi fácil inventar a desculpa de que foram obra de vampiros. Sophia ainda estranhava quando o assunto era citado, como se ainda não tivesse caído a ficha, e pedira para eu tomar cuidado da próxima vez.

“Sempre tomo cuidado” foi a minha resposta. Mas não era bem assim. No percurso para casa, estava tão pensativo que não percebi que alguém me seguia. Exceto pelas avenidas, as ruas dos bairros que eu precisava atravessar não eram tão movimentadas de dia, que dirá à noite, e foi numa delas que fui cercado por três sujeitos, no mínimo, esquisitos; um deles me ultrapassou na calçada e se virou para mim. Quando olhei por cima do ombro, havia outros dois na minha retaguarda, incluindo um torcedor do Santos FC.

— Diogo Kido — disse o que me parou. — Precisamos falar com você. — Esse vestia jaqueta de couro, apesar do calor.

Como imaginei que fossem vampiros, saquei a minha Takohyusei e me pus em posição de luta.

— Falar comigo, né? — ironizei. — Conheço bem essa história.

Eles não se moveram. Não pareceram se sentir ameaçados com a espada.

— Nós somos do clã Vinográdov — continuou o sujeito, cuja voz carregava extrema serenidade. — Tivemos um encontro desagradável essa semana. Peço, inclusive, que nos perdoe…

Antes que ele pudesse terminar a frase, fugi. Deixei o trio para trás e tentei alcançar a avenida; até parece que deixaria aqueles três me levarem ao bando deles para levar outra surra. Parei quando vi o da jaqueta de couro utilizando o poste de energia do outro lado da rua como trampolim para saltar bem na minha frente. Desviei o caminho para um beco — o mesmo que salvei a Sophia certa vez — e, de novo, tive que parar; com uma agilidade fora do normal, o estranho com a camisa do Santos usou os postes de ferro para pegar impulso e me barrar.

Fugir parecia inútil.

— Precisamos da sua ajuda — disse o suposto ninja, olhos negros que fundiram à sombra do seu rosto. Em seguida, os outros dois aterrissaram ao seu lado numa cena invejável de parkour: correram pela parede, pisaram na lateral do poste e finalizaram um com um salto-mortal e o outro com uma cambalhota. Não havia como negar: eles eram mesmo ninjas.

Houve silêncio entre nós. Eu estava apavorado, uma vez que um grupo deles se juntou para me espancar e a sensação não foi boa. Aqueles três, no entanto, pareciam inofensivos, embora já tivessem demonstrado suas habilidades em poucos minutos de aparição. 

Nesse meio-tempo sem conversa, analisei melhor os três indivíduos que tinham aparência semelhante: narizes pontudos (da minha mãe), olhos e cabelos pretos (dela também) e pele clara como pelo de ovelha (dela de novo). A diferença entre eles eram os formatos do cabelo e as roupas que usavam. Era até difícil não achar engraçado a forma como estavam vestidos. Depois refleti melhor e me lembrei de que moravam no topo de uma montanha; eu não podia culpá-los.

Por serem homens magros de mais ou menos trinta anos de idade, possuírem aparência gótica e estarem sérios, falei a mim mesmo que caras como aqueles deveriam vestir camisetas pretas de bandas de rock ou camisa flanelada com jeans surrada. Esse era o estilo dos branquelos de cabelos pretos. Mas não daqueles. Como falei, um deles vestia camisa de futebol — do Santos, a listrada —, o segundo usava jaqueta de couro marrom e o terceiro vestia uma camiseta havaiana amarela. Até aí tudo bem. O problema era que todos eles vestiam calça preta que, reparando melhor, fazia parte do traje de ninja. Se estavam tentando ficar disfarçados, aquele não era o caminho, pois calças daquele estilo não combinavam com a camisa do Santos, nem com a camiseta de surf, muito menos com a jaqueta de couro marrom. Alguém precisava dar uma aula de moda para eles.

Os ninjas trocaram um olhar entre si e assentiram. Eu até pensei que estavam combinando que aquele era o momento de me matarem, mas o santista apenas se apresentou:

— Eu me chamo Aleksandr. — Depois apresentou os outros dois: o surfista era o Dmitri e o da jaqueta o Ivan.

— As coisas estão saindo do controle — já foi dizendo Dmitri. — E isso está ficando cada vez mais perigoso.

— Não sou bom em decifrar enigmas — falei. Procurava um meio de fuga, pois não era muito agradável estar num beco escuro acompanhado por três assassinos.

— Você provavelmente já deve ter ouvido falar sobre o nosso clã antes do nosso primeiro encontro…

— Que quase resultou na minha morte — adicionei, e ele continuou, como se não tivesse me ouvido:

— … mas nunca fomos assassinos. Apenas exímios saqueadores.

Ele disse “saqueadores” como se o termo fosse bom. Ocorreu-me uma coisa.

— Tentar matar um recém-nascido não conta? Pois foi isso o que o seu clã tentou fazer com a minha mãe.

O ninja pareceu sem resposta. Quietos, agora eles se pareciam mais com o grupo que me atacou na outra noite, pois eu me lembrava bem de suas expressões faciais e da postura cautelosa, que os fazia se parecerem com bonecos de pano que jamais se moveriam. Claro que era só a aparência. Quando fiz menção de sacar minha Takohyusei, todos os ninjas sacaram suas armas em sincronia. Quando Glen os ordenou que nos atacassem então, Natsuno e eu fomos envoltos por sombras negras e impiedosas.

Não era bom subestimar aqueles três. Por isso segurei minha espada a todo momento, pelo menos para ter uma chance de defesa.

Ivan, o ninja da jaqueta que foi o primeiro a me barrar na noite, deu um passo à frente e começou:

— Alguém invadiu o nosso palácio e cometeu um genocídio brutal. Estávamos fora em missão e não imaginávamos o que encontraríamos. Veja bem, morávamos no topo da maior montanha do Oeste de Venandi e éramos os únicos capazes de subi-la. Somos treinados desde pequenos para isso. Mas as nossas mulheres estavam mortas, todas elas. Nossas crianças… — ele falhou a voz e baixou a cabeça. Quando retomou, uma lágrima escorreu pelo seu rosto. — Todas brutalmente assassinadas. E não fazemos ideia de quem foi.

— Nós perdemos tudo — disse Dmitri. — Nosso templo foi arruinado. Nosso tesouro, roubado. E junto dele a nossa dignidade.

Eu odiava os Ninjas da Noite. Odiava Glen, seus capangas, uniformes e tudo o que vinha de brinde. Mas fiquei em choque — e abalado — com a história. Ainda tinha, vivo na memória, o rosto de cada pessoa que vi no pátio do templo que visitei com o Hara. Embora soubesse, claro, que a geração era outra, eu imaginava aquelas pessoas de 1980 sendo aniquiladas por desconhecidos.

— Esse foi o principal motivo que nos trouxe para a Terra — reatou Aleksandr, sua voz voltando à serenidade de antes. — Encontramos, entre os cadáveres da nossa família, um par de óculos que aponta que os assassinos moram aqui. Em Venandi, os óculos não têm esses tipos de símbolos de marcas — disse ele apontando para a própria camisa, onde havia uma logo da Nike na altura do peito direito. — E o óculos em questão tinha uma espécie de letra “O” nas hastes, que posteriormente identificamos ser o símbolo de uma marca.

— Oakley? — estranhei.

O ninja santista anuiu com a cabeça. Ivan tomou a palavra:

— Com essa pista, estávamos decididos de que buscaríamos vingança a todo custo e que, quem ousasse cruzar nosso caminho, sofreria as devidas consequências.

Senti um arrepio por causa do ódio e da amargura que sua última fala carregou.

— E decidiram sair roubando e matando tudo o que encontraram pela frente — falei, temendo que fosse atacado em seguida.

— Não tivemos escolha.

— Assim como não tiveram quando assaltavam lá em Venandi?

“Agora sim serei atacado” pensei. Pelo menos ainda não, apesar de eu ter notado um certo incômodo na expressão dos três. Foi Dmitri, o surfista, quem explicou. Não pareceu muito simpático ao ter que fazê-lo.

— Roubávamos para sobreviver, ou acha que o Conselho se importa com os clãs menores? Pois está escancarado que vilas enriquecem enquanto os pequenos vilarejos vão padecendo e sendo extintos. E só costumávamos roubar quem fazia parte dessa desigualdade tão gritante, no caso, os ricos.

Eu ainda não estava convencido. Até o ponto que entendi, os Ninjas da Noite saqueavam quem tinha muitas riquezas para manterem a sobrevivência, depois perderam tudo e chutaram o pau da barraca. Foi isso o que eu concluí, porém fui contrariado logo em seguida, quando Aleksandr, um pouco mais calmo que seu primo — ou irmão, sei lá — continuou a história:

— As coisas pioraram quando eles apareceram.

Mais uma vez, os três se olharam. Percebi que a coisa era séria quando houve raiva e dor nas expressões que até então pensei que não demonstravam sentimentos.

— Quem? — perguntei.

— Não sabemos muito a respeito — respondeu Aleksandr. — Glen, o nosso líder, e alguns membros mais velhos tiveram um encontro com alguém importante. Um grupo secreto, com dinheiro e ambições. Eles requisitaram alguns serviços em troca de muito dinheiro. Mas que sentido faz alguém pagar um milhão para outra pessoa roubar cem mil? Desde o começo desconfiamos que havia algo por trás disso. Não podia ser coincidência aparecer ótimas oportunidades de fazer dinheiro, justo quando não tínhamos mais nada.

— Suspeito mesmo — concordei.

— Começou com assaltos a bancos em Moscou, cidade que tem o portal mais próximo do nosso palácio — disse Ivan. — Depois, tesouros e itens mágicos em Venandi, o que praticamente anulava o nosso objetivo, que era procurar os assassinos do nosso clã aqui na Terra. Nosso líder ficou cego enquanto fazíamos o trabalho sujo para o grupo secreto. Ele parecia obcecado, não era mais o Glen que conhecíamos. E aí começou a matar. A princípio, os Heróis Herdeiros que negaram nos entregar suas Takohyuseis. Com o tempo, matar virou rotina. Pessoas inocentes que nem sequer reagiam ao assalto, mas que mesmo assim tiveram suas vidas… tiradas.

Ivan cerrou os punhos, trêmulo. Ele abriu a boca para continuar, mas não conseguiu. Aleksandr pós a mão sobre o seu ombro, embora também parecesse desolado.

Dmitri tomou a palavra:

— Finalmente chegamos em Honorário, e foi aí que tivemos convicção de que este grupo secreto tinha objetivos misteriosos. Todos esses crimes que você viu pela TV… tudo fachada.

— Como assim? Fachada pra quê?

— Era isso que queríamos descobrir, mas só os mais velhos sabem. Glen recebeu algum tipo de ordem confidencial. Ele não podia nos contar, apenas que faríamos alguns trabalhos aqui na cidade para tirar o foco de todo mundo.

Eu estava confuso. Se a intenção dos ninjas era tirar o foco, eles estavam falhando miseravelmente. Todos os holofotes estavam centrados neles: polícia, população, nós caçadores e, se duvidar, até mesmo os vampiros.

— Nosso clã é amaldiçoado — disse o cabisbaixo Ivan. — Glen não era para ser o nosso líder. Ele nunca deveria ter sido escolhido como Herói Herdeiro.

— Não diga uma coisa dessas! — repreendeu Dmitri.

Ivan o encarou irritado.

— Que líder quebra a tradição do próprio clã? — questionou. — É ele quem está nos fazendo perder a dignidade. Por que os outros não enxergam? Somos apenas peças de um jogo de tabuleiro?

Eu estava boiando — e receoso para os dois iniciarem uma briga. Dei um passo para trás, chamando a atenção dos três imediatamente. Fui rápido em pensar em alguma coisa para dizer:

— Já que vocês não concordam com as atitudes do Glen, deveriam sair fora antes que sejam obrigados a matar mais pessoas.

Pareceu ser uma coisa boba a dizer.

— Não é tão fácil — disse Aleksandr. — Apesar de haver uma regra na nossa tradição que abomina matar, há algumas exceções. Uma delas é em relação a trair a família.

Dizem que poucas pessoas chegaram a ver seus rostos sem máscara, e quem viu, não sobreviveu para contar a história, lembrei também das palavras do seu Juca, provavelmente outra exceção que fez eu me perguntar se seria assassinado por estar vendo os rostos dos três ninjas. E, claro, pensei também na minha mãe que só não foi assassinada porque minha avó cometeu a loucura de fugir dos ninjas e saltar da montanha.

— O clã de vocês é bem esquisito — tive que dizer. — Minha mãe era bebê quando um de vocês tentou matá-la. Não me levem a mal, mas matar uma criança que mal veio ao mundo é uma puta covardia!

— É por esse motivo que eu mencionei que o nosso clã é amaldiçoado — disse Ivan. — Tudo começou aí, no nascimento da sua mãe. Não era para ela ter nascido.

Fixei um olhar feroz no sujeito. Não podia acreditar que aquele cara estava dizendo algo do tipo na minha frente.

— Ele não se expressou da maneira correta — foi dizendo Dmitri, provavelmente percebendo minha raiva. — Nosso calendário é subdividido num ciclo de quarenta anos. Ao final de cada ciclo, o Herói Herdeiro é obrigado a deixar seu posto e a Takohyusei é passada para a próxima criança que nascer. Mas quando a criança nascida é do sexo feminino, isso é sinal de maldição para a próxima geração, a não ser que ela seja… morta.

— Fico impressionado como alguém pode achar isso normal — comentei indignado.

— Os anciões contaram que não conseguiram cumprir a tarefa — continuou Dmitri. — E a Takohyusei foi passada para a última criança que havia nascido naquela época, no caso o irmão da sua mãe.

Não fiquei surpreso por Glen ser meu tio porque eu já tinha minhas suspeitas depois que viajei no tempo. Glen era uma versão mais velha minha, e o menino de 1980 era uma versão minha criança.

— E as consequências foram aparecendo — disse Ivan, mal-humorado. — A liquidação das mulheres e crianças do nosso clã, a quebra da tradição, a perda da dignidade… Vocês ainda acreditam que não fomos amaldiçoados?! Perdemos tudo e, ainda por cima, temos um líder que só está nos levando à decadência! Como se já não estivéssemos no fundo do poço…

Os outros dois não responderam de imediato. Parecia doloroso demais lembrar das desgraças que estavam vivendo.

— Glen nem sempre foi assim — disse Dmitri, olhos que transmitiam decepção. — Não podemos descartar todos os esforços que ele fez pelo clã só por causa das atitudes do último mês. Ele se tornou alguém irreconhecível. E é por isso que precisamos da sua ajuda, garoto. Você é diferente dos caçadores que encontramos, posso sentir isso.

— E em que vocês acham que posso ser útil? — estranhei. Eu não tinha nenhuma ideia.

— Glen era amigo do seu pai — disse Aleksandr. — Talvez Tony Kido seja capaz de convencê-lo a quebrar o vínculo com o grupo que está acabando com o nosso clã. Não queremos que encontrem o assassino que invadiu nosso palácio, isso nós mesmos somos capazes de fazer. Nós só queremos que o nosso líder abra os olhos, e não conseguimos pensar em nenhuma outra pessoa para fazer isso a não ser o seu pai.

— Glen era amigo do meu pai?

Os ninjas fizeram que sim, e esperaram pela minha decisão. Eu hesitei. E se tudo aquilo fosse uma mentira para que meu pai caísse numa emboscada? Era difícil confiar em homens que tinham orgulho em dizer que são assaltantes.

Ivan se jogou de joelhos diante de mim.

— Por favor — disse de cabeça baixa. — Não sabemos mais o que fazer. Nosso clã já está percebendo que não estamos de acordo com as decisões que estão sendo tomadas e nossas vidas estão a um passo de terem o mesmo destino que todos aqueles que matamos.

Dmitri também se ajoelhou.

— Não queremos que mais pessoas se machuquem — disse. — Já causamos problemas demais e é só questão de tempo até que algo pior aconteça com o nosso clã.

— Você é a nossa última esperança — foi a vez de Aleksandr se prostrar. — Estamos completamente desesperados. No fundo do poço…

Por algum motivo, aquela cena me remeteu ao dia em que Léo foi perdoado pela multidão de revoltados que o estava perseguindo. O líder do grupo havia se ajoelhado também, e Léo disse uma coisa que eu me vi na obrigação de repetir para aqueles três:

— Jamais façam isso. Se vocês estão mesmo indo contra a loucura do seu clã, é sinal que são diferentes e têm força de vontade. Mas se ajoelhar é um mero sinal de fraqueza.

Os três me olharam um tanto surpresos, um olhar trêmulo que denunciou que nada daquilo que estavam dizendo era balela. Que estavam mesmo sofrendo e que precisavam acabar com a tortura que era perder o pouco de dignidade que lhes restavam e precisavam também cessar os assassinatos. Sentia raiva, sim, de imaginar tantos inocentes perderem a vida, mas também sentia um remorso sem entender o porquê. Era como se tudo fosse minha culpa.

Os três ninjas se levantaram devagar. Decidi que falaria com o meu pai e tentaria ajudá-los de alguma forma. Sendo mentira deles ou não, meu pai certamente saberia. Eles, pelo menos, haviam ganhado a minha confiança.

— Vou ver o que consigo fazer — falei.

Os três se entreolharam, e dessa vez eram olhares de triunfo e que carregavam esperança.

— Daqui a dois dias — disse Ivan, o ninja da jaqueta de couro. — Diga ao seu pai que o nosso próximo roubo será na Comércios Andrade, às onze da noite. Tenho certeza que ele saberá o que fazer.

Comércios Andrade era o shopping mais importante e luxuoso de Honorário, situado num dos bairros nobres da zona norte da cidade.

— Entendemos sua desconfiança — disse Dmitri. — Mas saiba que o destino do nosso clã está nas suas mãos. E confiamos em você.

— Hã, ok — falei, agora sentindo como se tivesse um saco de cimento nas costas. — Comércios Andrade, certo? Pode deixar.

Com isso, o trio inclinou o corpo para frente numa espécie de reverência e sumiu feito vultos.

Soltei um suspiro demorado — de alívio, de surpresa, de receio. Seria esquisita a próxima conversa que eu teria com o meu pai, pois trataria sobre um irmão perdido, um parentesco inesperado com um clã de ninjas e, por fim, o pedido feito pelos três.

Se tudo aquilo fosse novidade para ele, falei a mim mesmo que Tony Kido sofreria um infarto com tantas informações.



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