Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 2 – Arco 7

Capítulo 76: Passeio romântico e boas histórias malucas para contar

A primeira coisa que a minha mãe fez, quando deitei no sofá depois de tomar o café da manhã, foi perguntar:

— Por que você está com essa cara pensativa?

— Nada não, mãe — respondi.

— Tem a ver com o grito que você deu essa madrugada?

Sara parou de costurar uma das minhas camisetas que rasguei numa caçada e passou a me estudar minuciosamente com os seus exagerados olhos negros. Ela era, de longe, a pessoa que melhor me conhecia.

Dei-me por vencido.

— Sim. Sonhei que estava sendo atacado por ninjas. Acho que os noticiários estão mexendo com a minha cabeça.

— Avisou o seu pai?

— Avisei. — O que era uma mentira. Deixei essa tarefa com o Natsuno, que já havia alertado Hebert sobre os assaltos dos últimos dias. — Houve mais notícias? — perguntei.

Então percebi que a minha mãe assistia à Netflix, logo ela que nunca foi muito fã de filmes ou séries, a não ser para acompanhar eu e o meu pai.

— Até o momento em que tirei do canal aberto, não. E mesmo assim os programas continuam falando só nisso. Veja só ao que tive que recorrer.

Um minuto depois, alguém tocou a campainha. Era o meu tio Michael, segurando Billy no colo, e o Léo.

— Acho que já passou da hora de você me devolver o Billy, hein — fui logo dizendo.

— Bom dia pra você também, sobrinho. Billy, você quer voltar pra casa?

— Au! Au!

Todos nós entendemos que sim.

— Você venceu — disse tio Michael. — A propósito, chegou a sua hora de entrar no treinamento.

Fitei um Léo mais alegre que o habitual.

— Você conseguiu se equilibrar no Rio de Água Pesada? — perguntei.

— Sim! — respondeu ele, animado. — Foi treta pra caramba, mas finalmente me livrei daquele…

Michael pigarreou.

— … quero dizer — corrigiu-se o garoto —, finalmente superei o segundo passo. Agora vou aprender lutinha!

— Artes marciais — corrigiu meu tio. — E garanto que será o passo mais árduo e doloroso até agora.

Léo continuou sorridente. Era gratificante vê-lo feliz depois de tudo o que ele teve que passar.

— Estou preparado — garantiu o garoto-cachorro. — Se eu consegui controlar a fera dentro de mim e parar de machucar pessoas, tenho certeza que conseguirei aprender karatê também.

— Não é só karatê — insistiu Michael, impaciente. — Karatê é só uma parcela do que eu vou ensinar. O meu estilo é único, lembre-se sempre disso.

Resumindo: era uma mistura maluca de várias modalidades diferentes, mas é claro que eu preferi não cortar o barato dele.

E treinamos até a hora do almoço. Na primeira hora, fiquei observando o tio Michael ensinar os posicionamentos básicos ao Léo. O garoto aprendeu da forma mais difícil que lutar ia muito além de dar murros e chutes. Havia toda uma preparação antes, desde a inclinação certa do corpo ao atacar e defender até o controle da força utilizada nas pernas e nos pés ao manter o equilíbrio ou executar algum movimento.

A metodologia do meu tio consistia em ensinar um pouco de tudo todos os dias, ao contrário de muitos professores que, segundo ele, preferiam ensinar uma coisa por vez. Explicando melhor, Léo aprenderia uma hora de posicionamento, uma hora de golpes básicos, e depois partiria para a briga. Esse cronograma seria diário e só mudaria quando Michael achasse que deveria.

— Mas hoje não vou poder ficar muito tempo — eu havia dado a triste notícia aos dois, ainda antes de chegarmos ao Rio de Água Pesada para começar o treino. — Pretendo encontrar a Sophia. Faz dias que não falo com ela.

— Tudo bem — disse Michael, consultando as horas. — Agora são dez e quinze. Faremos a pausa do almoço às uma e meia da tarde. Serão um pouco mais de três horas de treino.

E foi na terceira hora que eu entrei em cena. Minha tarefa era testar as habilidades do Léo; obviamente ele não aprendera muita coisa, tornando o desafio um pouco mais complicado, pois eu precisava me segurar para não o machucar.

— Ele não vai perder o controle — dizia o meu tio a todo momento, impaciente, pensando ser esse o motivo de eu estar me segurando.

Depois do almoço, eles retornaram ao treino na floresta e eu subi para tomar um banho. Quase uma hora depois, eu já estava na porta da casa da Sophia, apertando a campainha. Ela mesma que me atendeu.

— Oi, Soph…

— Diogo!

Não consegui completar. Sophia me deu um selinho e me abraçou. Seus cabelos eram macios e estavam cheirando a óleo de coco. Aproveitei o momento não só para sentir o aroma, como também o toque de sua pele quente na minha.

Sophia avisou Beto de que estava comigo e nós começamos a caminhar pelas ruas do seu bairro, de mãos dadas. Ela vestia um belo vestido azul e seus cabelos estavam soltos, caídos em camadas bem feitinhas. Típico dela.

— Milagre o Beto não vir atrás da gente — comentei.

— Eu falei pra ele que não preciso de guarda-costas vinte e quatro horas por dia, ainda mais agora que tenho um namorado. Ele pediu desculpa e disse que ainda era difícil pra ele assimilar que eu não sou mais a menininha que pedia a companhia dele o tempo todo. Às vezes eu fico com dó, sabe, mas daqui a pouco ele se acostuma. O que foi? — ela perguntou após me perceber rindo.

— Nada não. — Eu achava engraçado quando ela se empolgava e começava a atropelar as palavras.

— Hum… E você, está bem?

— Acredito que sim.  E você?

— Estou. Mas não paro de pensar naquela noite. São tantas dúvidas, tantas coisas que não fazem sentido…

Eu sabia exatamente como ela estava se sentindo. A essa altura, o sol já não estava tão forte quanto mais cedo, e uma brisa fria vinha da nossa direita. Viramos uma esquina e demos na avenida que levava ao colégio Martins.

— O Natsuno me contou uma coisa — decidi aproveitar para tocar no assunto, atraindo o olhar da garota imediatamente. — Sobre algo que você possa ter feito.

— Ele acha mesmo que fui eu? — Sophia pareceu levemente decepcionada. — Não tem como eu ter feito aquilo. Eu… não posso congelar pessoas.

A julgar pela rapidez com que ela entendeu sobre o que eu estava me referindo, deduzi que Sophia passara a semana inteira pensando no assunto. Um ônibus público parou ao nosso lado no momento em que passávamos por um ponto de ônibus. Duas pessoas desceram e cinco subiram.

Ela sabe que somos caçadores de vampiros, dissera o Natsuno. Quer dizer, não especificamente, mas desconfia pra caramba. E eu sinceramente não sei se dá pra inventar alguma história em cima disso. Essa é com você, Dio

E ele não estava errado. Eu já estive na mesma situação que a Sophia e a minha cabeça quase enlouqueceu com tantos questionamentos. Eu não podia deixá-la passar pela mesma tortura; não com tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo.

— Eu também demorei a aceitar que tenho certa, hã, imunidade ao fogo — comecei, tentando selecionar a melhor forma de contar a verdade a ela. — Lembro uma vez que a minha mãe estava fazendo hambúrguer e teve que atender a porta, mas deixou a frigideira no fogo. Eu tinha uns oito ou nove anos nessa época. Nem sabia que hambúrguer demorava pra ficar pronto, então, em vez de simplesmente apagar o fogo, eu tirei a frigideira de cima do fogão. Acabei derrubando-a no chão e levei uma baita bronca da minha mãe.

— E o que isso tem a ver?

— Acontece que eu tive que me apoiar no fogão para não cair quando escorreguei no óleo derramado também. E quando me dei conta, minha mão estava em cima do fogo aceso. Claro que eu a tirei assim que percebi, mas pelo tempo que passou, com certeza era pra ter feito um estrago.

Os olhos da Sophia desceram para a minha mão esquerda, que ela segurava, depois foram para a minha mão direita, onde permaneceram por algum tempo, talvez porque Sophia tinha certa curiosidade em relação ao meu anel dourado.

— Elas não têm nenhuma cicatriz de queimadura — observou. — Em outras circunstâncias eu diria que você está brincando comigo, mas depois de ver de perto tanta coisa maluca… Ainda assim, como isso explica o fato de eu ter congelado o seu… aquele cara?

O meu irmão, ela ia dizendo. Encarei a movimentação de carros na avenida. Eu nem sabia ao certo como contar à Sophia que ela pertencia a um clã de caçadores de vampiros. “Será que Sandro Macedo iria me odiar por revelar a verdade a ela?” eu me perguntava. Em contrapartida, não havia mais como ocultar a existência de vampiros e místicos quando ela própria esteve perto deles o suficiente para saber do que eles eram capazes. Sophia foi uma das poucas testemunhas do poder de teletransporte do Tácio.

Então, pensando no meu irmão, encontrei uma forma de iniciar uma introdução.

— Existem alguns tipos de pessoas que não são humanos comuns — expliquei, puxando-a para uma rua que eu sabia que daria numa praça. — E podemos dividir essas pessoas por raças, a começar por nós, caçadores. Eu e você pertencemos a este “grupo”.

— Eu nunca cacei nada na minha vida — estranhou ela, fazendo uma expressão engraçada.

— Você não, mas o seu pai sim.

Sophia me olhou ainda mais confusa. Mesmo assim, ela não me interrompeu. Parecia curiosa demais para saber o que viria a seguir. Continuei:

— Os caçadores têm a difícil tarefa de exterminar criaturas que fazem parte de outra raça. Tenho certeza que você vai se lembrar deles, dos caras que te atacaram naquele beco. Eles eram vampiros.

Eu esperava alguma reação de surpresa da garota, mas ela continuou calada, como se as coisas começassem a fazer sentido em sua cabeça. Aproveitei para adicionar mais alguns detalhes:

— Todo esse lance de caçar vampiros é um negócio que passa de geração pra geração. Não é qualquer pessoa que pode fazer o que nós somos capazes. E isso inclui transformar os vampiros em pó.

— Foi o que aconteceu naquele dia — observou Sophia, pensativa. — Você brigou com aqueles caras e fez o corpo deles se desintegrar. Agora eu consigo entender…

Então chegamos à praça, que estava repleta de crianças correndo por todo canto.

— Eu fiquei sabendo de tudo isso que estou te contando há poucos meses — continuei, enquanto nos acomodávamos num dos bancos, Sophia ainda com uma expressão de reflexão. — Foi quando o antigo diretor da nossa escola entrou no meu quarto e me atacou…

Finalmente uma reação; a garota esboçou um semblante pasmo e ao mesmo tempo horrorizado.

— O diretor Pacheco? Mas ele sempre foi tão simpático…

— Você não diria isso se tivesse visto sua verdadeira aparência. O cara parecia um demônio, e tentou me devorar! Até que o meu pai apareceu, empunhando uma espada que, pra mim, só existia em filmes, e o cortou ao meio.

— Que horror! Isso também explica a demissão repentina dele… Mas, ainda assim, que horror! — ela repetiu.

— Desde então eu soube que fazemos parte de uma família, digamos, diferente das demais. O termo correto é Clã Especial. Esses clãs existem há milhares de anos, e até entre eles existe certa distinção. Quer dizer, o meu clã é conhecido por manipular o fogo. E o seu… Bom, você e seu pai fazem parte do clã da água. Por isso você foi capaz de congelar o Tácio. Isso é parte de você; sempre foi. Sophia?

Sophia tinha os olhos marejados. Eu não sabia ao certo o motivo, portanto decidi fazer uma pausa. E ficamos em silêncio por vários minutos. O sol começava a baixar, indicando que o fim da tarde estava próximo. Em breve teríamos que retornar à casa dela.

— Tudo isso que você me contou… sobre meu pai ser de um clã de caçadores… tem a ver com a ausência dele?

Ela ligou rápido os pontos. Mais uma vez, pensei na desaprovação do Sandro quando ele percebesse que abri a caixa de Pandora para sua filha. Suspirei e, com a cabeça, confirmei.

— Ele faz parte de uma organização de caçadores liderada pelo meu pai. E essa organização fica instalada, hã…

— Onde? Em outra cidade? Outro… país?

Cocei a cabeça. Eu ainda tinha medo de ela pensar que eu estava inventando toda aquela história, pois tudo era muito absurdo.

— Fica em outra dimensão — respondi, relutante. — Existem portais que conectam o nosso mundo a essa dimensão. Eu sei, é meio doido esse negócio, mas eu juro que não estou mentindo.

— Meio doido? — ironizou Sophia, rindo de forma forçada. — Completamente doido, acho que é isso que você quer dizer. Mas como eu falei antes, depois das coisas que vi, o que me resta é aceitar a verdade. Pelo menos agora tudo está se encaixando.

Tudo o que eu queria era ter um encontro romântico com ela. Trocar beijos, carícias e coisas do tipo. Depois de vários meses de flertes e conversas, enfim eu a tinha como namorada. Entretanto, revelar à Sophia sobre a nossa origem e o verdadeiro mundo em que vivíamos foi tirando, mesmo que aos poucos, o peso das minhas costas. Eu não precisava mais esconder tudo dela, como tive que fazer inúmeras vezes, especialmente no dia em que faltei ao nosso primeiro encontro.

Continuei tirando grande parte das dúvidas dela. Revelei que o Riku e o Natsuno eram meus parceiros de caça e que às vezes embarcávamos em missões pela cidade. Contei também sobre os místicos, a terceira raça, e que as raças eram definidas através das cores dos olhos — embora eu não soubesse com exatidão como os caçadores faziam seus olhos ficarem amarelos e como alguns vampiros conseguiam disfarçar os olhos vermelhos.

— Quer dizer que o Jhou tem um poder tipo aquele cara que disse que era seu irmão? — ela mostrou-se admirada quando citei o grandalhão como exemplo.

— Pois é — falei me lembrando de algumas situações, como o dia em que o Jhou parou um caminhão apenas com as mãos para me salvar.

Sophia disse que passaria a enxergá-lo com outros olhos, assim como o restante dos meus amigos. O único sobre o qual evitei me aprofundar foi o Pedro. Expliquei que ele era um vampiro do bem (Sophia alegou que já ia me perguntar se todos eram maus), mas não contei sobre o ocorrido do Canadá — quando ele perdeu o controle e atacou o Jhou e o Natsuno. Não achei muito conveniente.

Enfim ela soube o que me levou a faltar ao nosso encontro e pediu desculpas por ter me tratado mal na época, embora não houvesse motivos para que eu a culpasse. Sophia também fez um monte de perguntas específicas: o que aconteceria se um vampiro ficasse preso por décadas, sem comer ou beber qualquer coisa, ou como o corpo dele reagiria caso fosse envenenado; se eles eram afetados por alho, sal, água benta e coisas do tipo, e se o sol os matava; quem foram os responsáveis pela fabricação dos anéis que viravam espadas; por que as pessoas não tinham conhecimento dos vampiros, já que existiam tantos por aí; como era possível as pessoas da Terra se comunicarem por telefone com as pessoas de Venandi etc. Eram todas perguntas para as quais eu não tinha resposta, e algumas eu duvidava que algum dia conseguiria responder.

Até que chegamos num assunto que me deixou surpreso. Eu havia acabado de narrar a noite em que o Natsuno e eu tivemos que invadir a escola para descobrir onde ela morava, uma vez que ela ficou ausente por vários dias. Eu achava que era culpa minha, e foi dessa forma que nós dois descobrimos que ela também era caçadora, já que o clã Macedo era muito conhecido em Venandi. Então Sophia explicou o que realmente aconteceu.

— Eu tinha viajado para Osasco naquela semana, para ir a um velório, por isso faltei à escola por tantos dias. — Sua expressão mudou para tristeza, e Sophia teve que se esforçar para continuar falando, pois sua voz começou a falhar. — Foi um dos piores momentos da minha vida… Recebi a notícia de que meu tio Sérgio, que era o meu tio favorito, havia sofrido um acidente fatal. Ele morreu atropelado, tão novo… Foi um baque enorme para a nossa família. Vi meu pai chorar pela primeira vez…

Não era a primeira vez que ela falava sobre o tio. Eu sabia que Sophia havia perdido um tio, mas não que foi esse o motivo de ela ter ficado ausente por uma semana inteira. E foi justamente na semana em que o Riku me informou que o Herói Herdeiro do clã da água havia sido encontrado morto próximo ao Rio Sangrento. Será que…

— Você é parecido com ele — disse a garota, cortando meus pensamentos. — O jeito, eu quero dizer. Meu tio era bem atrapalhado.

Ela riu, e eu não sabia ao certo se a comparação era uma forma de elogio ou brincadeira.

— Mas ele também era muito valente — continuou ela com os olhos que pareciam levemente admirados fixados em mim. — Lembro uma vez que ele defendeu uma mulher de alguns ladrões. Eu não imaginava que meu tio era bom de briga, ele derrubou os três caras sem fazer muito esforço. Eu era bem pequena, mas jamais vou me esquecer dos olhos firmes dele ao proteger uma completa desconhecida. Os mesmos olhos que vi em você no dia que me defendeu daqueles vampiros.

Considerando que Sophia aparentava admirar seu tio Sérgio mais do que qualquer pessoa no mundo, decidi que a comparação era de fato um elogio.

— Ele também era um caçador? — perguntou ela de repente.

— Se ele for irmão do seu pai, é bem possível.

— Sim, ele era…

Eu preferi não dizer que havia grandes chances de o tio dela não ter morrido de um acidente de carro.

— Acho que agora você deve entender os motivos de o seu pai nunca ter sido tão presente — mudei um pouco o assunto.

Sophia abriu um sorriso discreto, e olhou para o céu.

— Sabe, eu estou orgulhosa dele. Ele deve ajudar muitas pessoas.

— Disso eu não tenho dúvidas.

— E você também — disse ela em seguida. — Não é qualquer pessoa que tem essa coragem de se arriscar em caçadas de vampiros que se escondem em prédios abandonados. Meu Deus, olha o que estou dizendo. Vai demorar um tempo ainda até eu me acostumar com tudo isso.

— Vai mesmo — eu disse. — Eu mesmo ainda não me acostumei totalmente. E a cada dia me surpreendo mais. O Tácio é um bom exemplo.

— Ele é mesmo seu irmão?

Eu queria acreditar que não.

— Pelo jeito sim — respondi. — Tenho que conversar com o meu pai ainda a respeito disso. Ele tem muito o que explicar.

— Complicado… — Sophia olhou para as próprias mãos. — E pensar que eu o congelei... 

Ficamos algum tempo em silêncio. Deixei que Sophia processasse sozinha todas as informações que recebeu, embora eu soubesse que ela tinha muitas perguntas a fazer. Depois de alguns minutos, ela comentou:

— Eu queria entender melhor essas minhas “habilidades” de caçadora. — Ela fez o sinal das aspas com os dedos.

— Você vai ter muito tempo pra isso.

— Será que algum dia eu vou poder caçar vampiros ao lado de vocês?

Sophia me encarou. Fiquei sem saber o que dizer. Nunca me imaginei lutando ao lado da garota. A ideia soou esquisita.

— Se bem que eu preciso aprender a lutar primeiro — ela respondeu para si mesma. — Depois penso nisso com mais calma.

— Melhor — confirmei.

Sophia apoiou a cabeça no meu ombro. Não houve mais perguntas ou explicações sobre caçadores e vampiros após isso, apenas uma conversa mais comum, sobre coisas sem sentido. Nos divertimos com algumas histórias engraçadas que contamos um ao outro, a maioria envolvendo outras pessoas, como quando o meu tio foi à feira comprar tomate e acabou trazendo caqui; ou quando o Beto rolou pela escada e caiu em pé, alegando que não foi nada. Sophia chegou sozinha à conclusão de que seu motorista — e mordomo, e guarda-costas — também era um caçador, pois, segundo ela, ele era o principal passador de pano de seu pai, o que só podia significar que ele sabia sobre o trabalho secreto de Sandro Macedo.

E, para a minha alegria, nós nos despedimos com um beijo. Eu a deixei em casa assim que anoiteceu, uma vez que a nossa cidade não era das mais seguras, e Sophia ainda disse:

— Obrigado por todos os esclarecimentos. Você é o melhor namorado do mundo!

Eu fui embora sorrindo a cada dois minutos. E me surpreendi ao encontrar o Riku e o Natsuno sentados no sofá da minha casa assistindo TV com a minha mãe e o Billy, todos comendo bolo.

— Pô, Dio, você demorou — reclamou Natsuno, de boca cheia.

— Pensei que a missão fosse só amanhã — estranhei.

— Mudança de planos — disse Riku se levantando, ainda com o pedaço de bolo intacto na mão. — Espero que você esteja preparado.

— Certo — falei. — Eu só vou ao banheiro rapidinho e já desço.

Minha mãe também ficou de pé, com uma cara não muito boa.

— Por que seu pai não te disse nada a respeito dessa missão? Isso não está me cheirando bem, Diogo. Não sei se vocês deveriam ir. Já falei para esses dois teimosos que eu nunca vi uma missão assim.

Natsuno pareceu sem jeito e Riku finalmente deu uma mordida no bolo, o que eu presumi ser um ato de desconforto. Ele estava intimidado pela minha mãe? Por essa eu não esperava.

— Boa pergunta, mãe — respondi, então me virei para os meus amigos. — Que missão misteriosa é essa, rapaziada? Riku, você ficou de me passar os detalhes e não passou.

— Transformar alguns vampiros em pó — ele disse serenamente.

— E não fazemos isso sempre?

Dessa vez, foi Natsuno quem respondeu:

— Acontece, maninho, que os vampiros que nós vamos deperizar… a gente não vai precisar caçá-los. Eles já estão mortos.



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