Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 2 – Arco 7

Capítulo 75: De volta a Honorário! A quadrilha de ninjas assassinos

Danilo era conhecido pelos seus colegas de trabalho como Pança, um apelido que ilustrava bem o seu porte físico meio arredondado, consequência das milhares de calorias que ele consumia todos os dias. “Talvez fosse coisa de família, esse negócio de estar acima do peso”, ele dizia a si mesmo. As poucas fotos que tinha de seu pai lhe serviam como evidências; o velho jamais foi magro, é verdade, mas também não chegava ao ponto de carregar uma barriga tão inchada de modo a parecer prestes a dar a luz.

Este era Pança. Morava com a mãe de aluguel num apartamento pequeno, lá pelo centro, e gastava a maior parte do salário nos inúmeros fast foods espalhados por Honorário. Devido a isso, seu maior desafio era ficar em pé durante uma hora inteira. Sua função não permitia nem que ele encostasse na parede para amenizar o peso sobre seus pés — norma da própria empresa. Ainda assim, ele quebrava as regras de vez em quando. Ninguém conseguia ficar doze horas numa mesma postura, era loucura! Pança só não podia deixar que alguém do seu turno o visse descansando, ou então correria o risco de perder o emprego imediatamente — o único meio de sustento da família, já que sua mãe havia sido demitida do emprego de diarista. 

O que sua mãe diria se ele chegasse em casa com uma notícia tão tenebrosa? Ele já fracassara nos estudos, fracassara no esporte, e a única coisa que lhe restava era o registro na carteira, o primeiro em mais de uma década de maioridade. Mas precisava apoiar as costas por alguns minutos, era só tomar cuidado; se houvesse alguém se aproximando, Pança com certeza ouviria o eco dos passos devido ao saguão do museu ser tão amplo. Bastava ele encostar atrás de uma coluna e ficar com os ouvidos atentos. Se ouvisse o som de alguém pisando no chão, saberia que era seu supervisor ou qualquer outro colega de trabalho e rapidamente reassumiria sua postura de guarda.

Mas não foi bem assim que aconteceu. Quem quer que tenha se aproximado — Pança só pôde vislumbrar uma sombra, antes de perder a vida — era silencioso o suficiente para não chamar a atenção de nenhum guarda. Pança foi o primeiro a ter uma lâmina atravessada no peito; os outros sete guardas, espalhados por todos os corredores do estabelecimento, tiveram o mesmo destino trágico. As sombras foram ágeis e eficientes. Nenhum grito de dor foi ouvido, não houve tempo. No fim das contas, Pança não precisaria se preocupar com nenhum supervisor, apenas com o sangue que rodeava o seu corpo e manchava o piso numa poça que só aumentava.

Em poucos minutos, todos os funcionários estavam mortos e o caminho para o segundo passo do plano da quadrilha misteriosa estava livre: saquear o museu. E foi somente na manhã seguinte, na troca de turno entre os guardas, que perceberiam as mortes e os objetos roubados. O mais esquisito foi que os assaltantes agiram sem se importarem em desconectar as câmeras de segurança. O museu se encheu de policiais e de repórteres, e a notícia que repercutiria seria a de que homens vestidos de ninja roubaram uma grande quantidade de objetos históricos que valiam uma fortuna. E fizeram isso de um modo que nenhuma autoridade local viu antes na história de Honorário.

Quanto ao Pança, esse não faria falta nem para as redes de fast food.

***

Foi impossível não notar as dezenas de viaturas policiais entrando numa das avenidas da cidade, todas em alta velocidade e com as sirenes berrando para que os outros veículos, incluindo o ônibus que eu estava, abrissem passagem, mas o sono era tanto que eu nem me importei e acabei retornando ao meu cochilo; não conseguira dormir no avião com o Jhou pulando do assento a cada dez minutos para ir ao banheiro vomitar.

Depois de quase duas semanas fora, era bom estar de volta à movimentação caótica de Honorário, onde o trânsito já se fazia presente mesmo às sete e meia da manhã.

— Pelo jeito a coisa foi feia — ouvi minha mãe comentar. — E deve ter sido aqui perto.

— Se for algo sério, com certeza vai passar nos jornais — falei de olhos fechados. A verdade era que eu estava evitando conversar com ela desde que saímos do aeroporto. Fiquei muito feliz por reencontrá-la, com certeza, mas quando minha mãe me deu seu abraço caloroso, eu só consegui pensar no segredo do meu pai. Seria difícil guardá-lo até eu ter uma conversa mais esclarecedora com ele.

Chegando em casa, fui direto para o meu quarto. Segundo dona Sara, o Billy estava passando uns dias na casa do tio Michael para acompanhá-lo no treinamento do Léo. Decidi aproveitar para descansar da viagem. Deitei na cama sem ao menos trocar de roupa, e só acordei perto do almoço.

— Agora sim — falei ao chegar na cozinha. Havia sido o cheiro de frango cozido que me despertara para almoçar.

— A comida está quase pronta, Dio — avisou minha mãe, secando alguns pratos e os colocando na mesa. — E seu tio Michael deixou um recado.

— Ele já quer treinar? Eu mal cheguei.

— Ué, você pensou mesmo que ele ficaria satisfeito em te dar férias tão longas? Ele, o Léo e o Billy estão treinando no Rio de Água Pesada desde cedo. Vai lá chamá-los para almoçar. É o tempo certinho.

E eu fui. Era até meio esquisito andar por alguma floresta que não fosse de taigas. Pisar na grama em vez de neve também foi meio estranho. O lado bom era que o sol escaldante fazia com que o clima ficasse quente, o que era muito agradável para mim. Eu definitivamente estava enjoado do frio.

Billy me deu as boas-vindas saltando para o meu colo e enchendo as minhas bochechas de saliva. Sua pelagem fofa e vermelha estava quente devido ao calor de Honorário.

— Que saudade de você, meu garoto — disse eu.

— Au!

— Vejam só se não é a Bela Adormecida — disse Michael baixando o jornal. Ele estava sentado na grama, encostado a uma pedra enorme, de óculos escuros e chapéu de palha.

— Pensei que estivesse rolando um treinamento aqui — estranhei.

— E quem disse que não está? — Ele apontou na direção do rio, onde Léo fazia um enorme esforço para se manter de pé. Era uma cena bem engraçada.

— Ei, Léo!  — gritei, acenando para ele. — Aí sim, hein!

Léo retribuiu o aceno e caiu de bunda. A julgar pelo cabelo e camiseta encharcados, aquela não foi a primeira queda.

— Estamos nesse passo do treinamento há quatro dias — informou meu tio, naturalmente. — Ele até que está indo bem.

Não consegui decifrar se ele estava ironizando ou sendo sincero, uma vez que eu só precisei de um dia inteiro para conseguir me equilibrar.

— Você já o ensinou a controlar o Modo Ataque? — perguntei.

— Foi o primeiro passo. Deu um trabalhão! Por sorte, eu sou expert no assunto e consegui ensiná-lo em apenas cinco dias. Para o alívio dos pobres esquilinhos, que foram muito perseguidos durante esse tempo. Tadinhos… E as férias, como foram?

Sentei-me também, acompanhado por Billy.

— Até que foram boas — respondi, tentando pensar só nos pontos positivos. — Aprendi snowboard, visitei alguns lugares tops, fiquei um pouco com a Sophia…

“Fui atacado por um irmão que eu não sabia que tinha; descobri que meu treinador é, na verdade, meu Guardião; caí de um precipício mais alto que o maior arranha-céu de Honorário… “. Pensei em dizer tudo isso, porém era assunto que eu não podia tocar no momento.

— Fico feliz que você tenha conseguido descontrair a mente um pouco — disse meu tio. — Depois de passar por tanta coisa maluca aqui em Honorário, seu descanso foi merecido.

Quase soltei uma risada.

— Aproveite mais alguns dias — continuou Michael. — Assim que o Léo concluir esse passo, no próximo precisarei de você.

— E qual será o próximo?

— Artes marciais, claro. Quero ensinar esse menino a se defender. Ou você acha que a vida de um místico é fácil?

Eu já ia me esquecendo o que me levou até o meu tio.

— O almoço está pronto — falei me levantando num pulo. — É melhor a gente se apressar, tio. Você sabe como é a minha mãe, né?

— Pontual, certinha, gosta das coisas em seu devido lugar. Sim, eu a conheço muito bem.

Foi uma frase simples e despretensiosa, mas que novamente me deixou triste e bravo com a covardia do meu pai. Minha mãe não merecia aquilo.

 

Após o almoço, dirigi-me ao parque do meu bairro no intuito de encontrar a Zoe por lá e acabei encontrando o Riku também. Eles estavam longe um do outro, cada um sentado num banco diferente, ambos assistindo aos adolescentes brincando de vôlei numa parte da quadra e a alguns garotos chutando bola na outra. Talvez por conta das férias, havia muita movimentação de crianças por toda parte, fazendo com que fosse impossível haver uma partida séria de futsal na quadra. Zoe se levantou assim que parei diante dela e me deu um abraço.

— Eu já estava com saudade! — disse ela.

— Não era só você — garanti.

No momento em que iríamos nos sentar, Riku apareceu, dizendo:

— Preciso falar com você.

Ele deu as costas e retornou ao outro banco; simples assim. Olhei para Zoe como quem queria pedir desculpas.

— Eu te espero — ela disse.

Acompanhei o meu amigo de poucas palavras e me sentei ao seu lado, curioso para saber o que era de tão importante.

— Diz aí — falei.

— Eu descobri por que o otário do Shin queria matar aquela menina no hospital.

Eu havia me esquecido do quanto o Riku era surpreendente. Ele se referia à pequena Lia que, segundo o doutor Hamano Sanchez, estava em coma no Hospital Independência havia alguns meses após sofrer um “acidente” de carro.

Riku continuou:

— Existe, por aí, uma organização secreta chamada Eclipse do Caos que parece ter certas ambições malignas. Ninguém sabe ao certo quem é o líder ou quando foi criada, mas ela é formada por caçadores da tribo Minetsu e isso inclui os malditos Shin e Shaong. — Ele disse o último nome com um tom desprezível. — A menina já causou problemas antes ao grupo, e o mandato do assassinato foi para os malditos se assegurarem de que não aconteceria novamente.

— Era só o que faltava — falei, incrédulo. — Precisávamos mesmo de uma quadrilha do mal! E quanto a essa motivação, o doutor Sanchez já havia comentado sobre isso; sobre ela ser um perigo para a tribo Minetsu. O grande problema é que ninguém sabe o porquê. 

— Isso eu também descobri. Ela é uma mística capaz de ter visões do futuro.

Eu senti cada parte do meu corpo arrepiar. Era como se eu estivesse a ponto de ter um ataque de calafrios. Lembrei da pequena garotinha em seu sono profundo, vulnerável, cercada por vários equipamentos hospitalares que a ajudavam a se manter viva. Ela conseguia prever o futuro?

— Que loucura — foi a única coisa que veio à minha mente. — E como foi que você descobriu tudo isso, Riku?

— Estive infiltrado na Vila Royal, do clã Hatsu, na última semana. Esta vila fica localizada no país do extinto Palácio da Terra e é repleta de membros da tribo Minetsu, que são fáceis de soltar informações sigilosas quando enchem a cara de bebida. Tive que retornar logo para não ser descoberto.

— Eu não sabia que você trabalhava como espião também.

Riku não respondeu. Ele não era do tipo que aceitava bem uma brincadeira.

— E o que a gente faz em relação a isso? — perguntei.

— Nada. Não há o que fazer no momento. Seu pai apareceu ontem à noite lá em casa e nos deu uma missão importante.

— Meu pai?

— Domingo — continuou Riku, ignorando minha pergunta. — Prepare-se até lá; logo mais te passo os detalhes. Eu avisarei o Natsuno.

Ele se levantou e foi embora. Retornei para onde estava a Zoe, que ainda me esperava.

— Como foram suas férias? — ela perguntou quando me sentei.

— Foram legais — respondi, pensando no fato do meu pai ter passado uma missão ao Riku e não a mim. Afastei o pensamento e inseri: — Se você tivesse ido, Zoe, não tenho dúvidas de que teria gostado.

Zoe deu risada. Era bom ouvi-la rir novamente depois de tantos dias longe dela.

— É impressão minha ou você está me alfinetando?

Eu também ri. Era impressionante como os seus olhos de esmeralda ainda me deixavam encantado. Talvez por ter a pele morena — um pardo semelhante a um bronzeado — os olhos da Zoe ganhavam muito mais destaque. Acabei me lembrando dos olhos malignos do Tácio, que tinham a mesma cor apesar de serem carregados de maldade, mas não deixei que o pensamento permanecesse por muito tempo.

— Você parece ter se divertido bastante — disse Zoe, agora com o seu casual sorriso meigo.

Eu fiz que sim, e comecei a assistir aos adolescentes jogando vôlei na quadra.

— Fazíamos uma fogueira todas as noites, pra bater papo e contar histórias de terror. Aprendemos a descer montanhas de snowboard, o que foi meio trabalhoso devido ao nosso amigo desastrado Jhou, que toda hora caía de um jeito diferente, e conhecemos um monte de lugares “da hora”. Depois te mostro umas fotos que os meninos tiraram.

— E a Sophia? — ela perguntou de repente. E quando comecei a gaguejar, Zoe pegou na minha mão e acrescentou: — Não vou ficar chateada. Olha pra mim.

Assim que fiz o que ela pediu, meu coração se acalmou. Não havia nenhum resquício de tristeza em seus olhos, como houve outras vezes. Muito pelo contrário; Zoe parecia realmente alegre e disposta a aceitar a verdade.

— A gente se beijou — respondi, embora um pouco receoso ainda. Desviei meus olhos para a quadra, sentindo uma mescla de pena da garota e vergonha de mim mesmo.

— Finalmente! — disse ela, triunfante. — Vocês são muito lindos juntos.

Eu a encarei surpreso e ela sorria contente. Zoe era mesmo uma garota incrível. Eu também sorri, mesmo que não tivesse intenção de contar todos os detalhes.

E ficamos a tarde inteira jogando conversa fora, como éramos acostumados a fazer. Tomei muito cuidado para não citar o nome do Tácio nem sobre a aparição do meu Guardião, pelo menos não até resolver tudo, mas confesso que a tentação era grande, pois eu precisava desabafar com alguém, e a Zoe era a pessoa perfeita. De qualquer forma, acabei percebendo que estar ali conversando com a garota era uma das coisas que mais me fazia bem.

 

A novela das nove foi interrompida pelo noticiário emergencial, deixando a minha mãe louca da vida. Havia uma repórter de frente para o que eu reconheci ser uma agência de banco, e havia muita movimentação de policiais, jornalistas e viaturas com suas sirenes piscando em vermelho e azul. Ela começou:

— Interrompemos a nossa programação para informar que o Banco de Honorário foi invadido e assaltado por dezenas de homens vestidos de preto. Não se sabe ao certo o valor exato, mas estima-se que os criminosos conseguiram roubar cerca de cem mil reais. As imagens das câmeras de segurança ainda não foram divulgadas pela polícia, pois o delegado alega que houve pelo menos cinco assassinatos de seguranças que trabalhavam no local na hora do crime. É importante ressaltar que o sistema de segurança das agências dos Bancos de Honorário é considerado um dos melhores do país, o que parece não ter sido um problema para a quadrilha que, em menos de vinte e quatro horas, já cometeu o seu segundo assalto sangrento, uma vez que o assalto ao Museu Honorariano hoje pela manhã também foi obra dela. Seriam esses criminosos exímios lutadores de artes marciais? Voltaremos com mais informações a qualquer momento. Boa noite.

A novela retornou e minha mãe disse:

— Isso explica a quantidade de viaturas hoje cedo. O Museu Honorariano fica próximo ao aeroporto.

— Homens vestidos de preto? — falei comigo mesmo. — Isso não está me cheirando coisa boa.

— Avise o seu pai. Talvez sejam vampiros.

O que soava bem estranho, pensei. E no dia seguinte houve outro assalto, dessa vez no Shopping José Pinheiro, onde os criminosos invadiram sem se importarem com as centenas de testemunhas presentes e furtaram mais da metade de uma joalheria, causando um prejuízo de quase oitenta mil reais.

— Eles pareciam vultos! — narrou uma mulher à reportagem, semblante totalmente apavorado. — Saltavam pelas paredes e se penduravam em tudo o que viam pela frente!

— Foi horrível! — disse uma senhora de cabelo curto e grisalho, em outro canal, também uma das testemunhas oculares do shopping. — Eu nunca vi aquilo em toda a minha vida! Um deles quase esbarrou no meu marido, que sofreu um infarto na mesma hora. Graças a Deus ele está bem…

— Eles são ninjas, eu tenho certeza — disse um adolescente que parecia mais admirado do que propriamente assustado. — Eles usavam roupa e máscara preta, daquelas que só mostram os olhos, e eu juro que vi muitos deles com espadas japonesas nas costas. Eu não tenho dúvidas de que são ninjas asiáticos!

A cidade estava em alerta. Qualquer programa de TV aproveitava a situação para falar sobre os “ninjas”, até mesmo os jornais esportivos, embora eu tentasse entender qual a conexão que havia entre futebol e assaltos.

— Vocês ficaram sabendo dos ninjas assaltantes? — perguntou Jhou na sexta-feira, enquanto esperávamos o nosso almoço na Lanchonete Lendária.

— Impossível não saber, né? — disse o Natsuno sem tirar os olhos de seu joguinho de cartas mobile. — Todo mundo só fala nisso!

— A população está bem assustada — inseriu o Pedro. — Essa quadrilha já cometeu três assaltos significativos em apenas dois dias. E a polícia não faz a mínima ideia de onde procurá-los.

A comida chegou, trazida pelo simpático seu Juca, proprietário e cozinheiro do estabelecimento. Ele nos serviu, sorridente.

— Eu tenho algumas suspeitas de que sejam os mesmos ninjas que causam problemas em Venandi — Natsuno disse, guardando o celular e encarando seu prato bem-servido; era arroz, feijão, salada e uma boa quantidade de batata frita. — Embora não faça o menor sentido, então descarto essa ideia.

Na televisão perto do balcão, mais um programa mencionava os assaltos dos “ninjas”.

— Será que eles são místicos? — perguntei aos meus amigos. — Isso explicaria a facilidade dos roubos e o porquê de não serem encontrados. 

Era inevitável não pensar no poder de teletransporte do meu irmão.

— Mas ninguém notou os olhos verdes — disse Jhou. — Quer dizer, se eles fossem mesmo místicos, acho que alguém teria notado esse detalhe.

Natsuno o fitou espantado. Digamos que não era costumeiro o grandalhão dizer algo tão inteligente.

— O senhor sabe alguma coisa sobre os ninjas de Venandi, seu Juca? — decidi perguntar.

— Ninjas de Venandi? Vejamos… Existe, de fato, uma gangue deles por lá que, como o Natsuno mencionou, causa sérios problemas por onde passa. São conhecidos como os Ninjas da Noite, e todos eles fazem parte do mesmo clã, que é um dos clãs mais tradicionais e antigos do mundo; o clã Vinográdov.

Ocorreu-me que eu já tinha ouvido esse nome antes. Posteriormente, Natsuno me lembraria que foi ele quem mencionou sobre o clã, e duas vezes: a primeira quando disse que um dos membros era apaixonado por uma princesa do clã Bancroft que, por sua vez, se envolveu amorosamente com um membro do clã Aickman. O ninja matou o pobre coitado, desencadeando, assim, uma terrível guerra entre os três clãs. Bancroft e Aickman, arquirrivais até então, se uniram para tentar liquidar o perverso clã Vinográdov.

Parecia, sinceramente, uma mera história fantasiosa. Enfim.

A segunda vez foi na noite da nossa última caçada, alguns dias antes de viajarmos ao Canadá, quando Natsuno trouxe uma informação/fofoca do seu pai de que os ninjas roubaram o cajado do Mago Brim em uma das estradas de Venandi, cajado esse que continha uma pedra mágica capaz de enfeitiçar pessoas, conhecida como Rocha Milenar.

— Os Ninjas da Noite — disse seu Juca — cometem assaltos na surdina, sempre na surdina, ou seja, sem fazer qualquer tipo de alarde, e os boatos dizem que o motivo de roubarem tanto é para sustentarem as mulheres e crianças do clã. Eles só roubam coisas muito valiosas, desde tesouros perdidos a objetos históricos, assim fazendo com que seus assaltos não precisem ser frequentes.

— E ninguém faz nada para detê-los? — falei intrigado.

— Ninguém consegue. Dizem que poucas pessoas chegaram a ver seus rostos sem máscara, e quem viu não sobreviveu para contar a história. Eles são extremamente habilidosos no que se refere a lutar. O local onde vivem também é desconhecido. Os ninjas são como se fossem fantasmas, quase inexistentes até mesmo para o Conselho.

— Assustador — comentou Jhou, de boca cheia. Seu prato era uma mistura de macarrão com estrogonofe de frango, carne moída e bastante feijão preto.

— E agora podem estar em Honorário — disse eu, rindo comigo mesmo. — Caçadores que deixam de caçar vampiros para roubar bancos e museus vestidos de ninjas. Essa é novidade.

— Se forem eles mesmos, o que eu quero acreditar que não, eu gostaria de entender o porquê. — Seu Juca franziu o cenho, confuso.

— Talvez seja porque eles pensam que aqui há mais coisas de valor do que em Venandi.

— Ah, isso é impossível. As cidades e vilas de Venandi guardam tesouros muito mais valiosos que o dinheiro da Terra. E há um segundo fator que pode anular de vez as chances de ambas serem a mesma gangue.

Até o Natsuno, que parecia indiferente à conversa, mostrou-se curioso. Mas foi o Pedro quem perguntou:

— Qual?

— Os Ninjas da Noite podem ser tudo, mas eles não são tão cruéis. Seja quem for os integrantes dessa quadrilha que está assolando a nossa cidade, eles estão matando pessoas inocentes e isso significa que ou eles não são, de fato, os Ninjas da Noite, ou os Ninjas da Noite não estão mais matando só quem viu os seus rostos.

 

Naquela noite não houve nenhum assalto, mas os ninjas não saíam da telinha. Minha mãe ficou irritada porque cancelaram a novela das nove para prolongar o telejornal, só para levantarem teorias sobre quem eram os assaltantes, de onde vieram e os possíveis lugares que eles poderiam tentar invadir. Comecei a alterar de canal para confirmar minhas suspeitas: tudo era relacionado a eles. Eu já ia ligar a Netflix quando uma senhora dando entrevista me chamou a atenção.

— Era o primeiro emprego do meu gordinho — dizia ela, entre choro e soluço, visivelmente abalada. Os olhos enrugados estavam inchados, e a todo momento ela os enxugava com um pano. — Foi indicação de uma amiga minha, que era casada com um funcionário do museu. É tudo minha culpa! Eu que insisti para ele aceitar! Ficava irritada por vê-lo o dia inteiro naquele computador, comendo besteira e ganhando mais peso… Não era para eu ter perdido o meu gordinho… Nunca vou me perdoar pela morte dele…

Da maneira que ela falava, imaginei que seu filho fosse um adulto que havia acabado de sair da adolescência e que estava iniciando no mercado de trabalho. Mas a foto dele apareceu na tela, me contrariando. Era um homem rechonchudo que com certeza estava na casa dos trinta. Na legenda: DANILO: UMA DAS VÍTIMAS DA GANGUE MISTERIOSA.

A entrevista continuou e eu decidi desligar a televisão. Parece que você sente a dor da família na pele quando conhece um pouco sobre ela e a pessoa que ela perdeu. Eu me senti péssimo pela morte do rapaz que eu nem ao menos conhecia. Era como se aquilo fosse também minha culpa.

Quem eram os malditos ninjas? Comecei a me sentir na obrigação de ir atrás.

E fiquei pensando tanto no assunto que acabei tendo, depois de muito tempo, um pesadelo.

— Que lugar é esse? — eu me perguntei em meio ao escuro.

Não havia nada que eu pudesse enxergar, o que chegava a incomodar os meus olhos. Eu tinha a sensação de estar no fundo de um poço gigantesco.

— Você vai morrer! — disse uma voz em tom sibilante, ecoando por todo o lugar.

— Quem está aí?! — gritei, fazendo o movimento que sempre fazia quando tirava o anel do meu dedo, então senti o sangue gelado; ele não estava lá.

Houve uma explosão de passos rápidos por toda parte, como se um grupo de pessoas estivesse pisando em poças d’água, e não demorou para eu perceber que quaisquer que fossem os donos, eles corriam ao meu redor.

— O que vocês querem? — insisti. Estava me sentindo completamente desprotegido.

Os passos ficaram mais intensos e mais próximos. O círculo estava se fechando. Finalmente, o mesmo homem gritou:

— MORRA!

Não hesitei em atacar:

— Punhos de Fogo!

Meu ataque flamejante iluminou vagamente o espaço à minha frente e desapareceu na escuridão. O som dos passos havia cessado. Eu estava sozinho novamente, no fundo de um poço amplo e escuro. De repente, o mesmo ruído de pessoas correndo retornou, mas em vez de elas estarem me circundando, elas vinham de uma só direção e ao meu encontro!

Mais uma vez eu ataquei. E mais uma vez não acertei ninguém. Até que surgiu uma sombra escura no último segundo antes de a luz do meu golpe apagar, uma silhueta cujos olhos amarelos brilhavam forte, saltando na minha direção com um objeto reto e longo erguido acima da cabeça. Era uma espada, que faria um corte vertical em mim. Eu só tive tempo de fechar os olhos e gritar:

— Não!

Meus olhos estavam bem abertos, e imediatamente reconheci o meu quarto. Aliviei-me ao perceber que meu corpo não fora partido ao meio. Foi apenas um pesadelo. E eu tinha certeza que as pessoas correndo nele e a sombra que me atacou com a espada eram justamente os ninjas do noticiário.

Não sei explicar o porquê, mas tive um leve pressentimento de que os nossos caminhos, cedo ou tarde, iriam se cruzar. Muito embora meus inimigos fossem vampiros, e não assaltantes de banco.



Comentários