Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 2 – Arco 6

Capítulo 71: O vulto da floresta

Depois de um longo percurso pela floresta, Pedro e Natsuno decidiram parar, completamente esgotados. Natsuno se inclinou para frente na tentativa de recuperar o fôlego enquanto Pedro investigava o perímetro com a lanterna. Nenhum dos dois entendia como a silhueta que eles perseguiam simplesmente havia desaparecido.

— Ele… deve… ter… se escondido — disse Natsuno pausadamente por conta do cansaço.

— Você tem ideia de quem seja? — perguntou Pedro. — Algum outro caçador da vila, talvez?

— Cara, eu… não faço… ideia. Mas como ele… cortou a energia da… cabana? E… por quê? Isso tá… muito esquisito.

Natsuno também começou a vasculhar.

— Mais alguém sabia que iríamos pregar a peça nas meninas? — Pedro continuou o questionamento.

— Não que eu saiba. Mas, pensando melhor, as meninas podem ter comentado com alguém que iriam procurar fantasmas.

— Sim. Ou então alguém armou pra elas antes disso. Talvez os responsáveis pelos boatos das vozes na cabana?

— Pode ser… Isso explicaria a agilidade do fugitivo que estamos procurando — refletiu Natsuno. — Se não for um caçador, com certeza é um místico ou vampiro, embora eu duvide que exista algum místico além do Jhou lá na vila e um vampiro além de, hã, você.

Eles pararam de vasculhar.

— Temos que pensar em todas as possibilidades — disse Pedro. — Inclusive naquela em que alguém não está fazendo isso por brincadeira.

— Se esse for o caso, então por que fugir? Digo, ele cortou a energia e poderia muito bem ter nos pegado desprevenidos. — Então Natsuno chegou a uma conclusão. — A não ser que…

— … ele quisesse que nos separássemos — completou o outro.

Os dois imediatamente trocaram um olhar preocupado.

— Isso significa que o Jhou e as meninas correm perigo! — disse Pedro, alarmado.

— Temos que retornar à cabana! Não sabemos quantos são!

Dito isso, um vulto surgiu no meio deles, fez as lanternas voarem de suas mãos e uma sequência de ataques se iniciou tão rapidamente que nenhum dos dois garotos teve tempo de reagir: um murro enterrado no estômago do Natsuno, uma joelhada no estômago do Pedro e dois ganchos certeiros fez com que ambos caíssem e apagassem onde estavam. Não houve sequer um murmúrio de dor.

Pedro e Natsuno estavam derrotados na neve.

 

Na cabana, Jhou estava mais apavorado que as duas garotas e com uma sensação de que algo ruim estava para acontecer. Ele se questionava a todo momento como era possível seus amigos terem a brilhante ideia de entrarem na floresta e deixá-los sozinhos no meio do escuro. Era burrice — e maldade também. Jhou só era forte e resistente, nada mais que isso. Não saberia lidar com um bando de vampiros caso eles invadissem aquela casa velha e inofensiva. Se ele ao menos tivesse uma espada…

Ainda assim, Jhou se manteve de pé e com o peito estufado. Não tinha a menor intenção de deixar transparecer medo para aquelas pobres meninas que contavam com ele. O que seus amigos diriam se ele ficasse encolhido a noite toda à espera do retorno deles? Precisava passar segurança, mostrar que sua coragem era inabalável.

Então ele se assustou quando as duas meninas gritaram de repente.

— O que foi? — perguntou ele, coberto por calafrios e tremores.

— Uma sombra, lá fora! — disse Jéssica quase sem voz, apontando para a janela.

Com grande esforço — e engolindo em seco —, Jhou apontou a luz da lanterna para a direção indicada. Para seu alívio, não havia ninguém.

— Foi muito rápido! — explicou Ana, a mais apavorada das duas. — Era um vulto!

— Vai lá ver, Jhou.

Os olhos do grandalhão ficaram incrédulos.

Eu?

— Quem mais seria? — replicou Jéssica. — Você é o único garoto aqui! E bem forte, né?

— Mas… É… Não posso deixar vocês sozinhas — Jhou encontrou uma resposta. — Enquanto estivermos aqui dentro, estamos seguros.

A janela foi atingida por algum objeto pesado que estraçalhou boa parte do vidro. Jhou quase deu um pulo com o susto, e, mais uma vez, as meninas abriram um berreiro.

— AAAAAHHHHHH!!!!

Era uma pedra quase do tamanho de um tijolo.

— Cadê os meninos? — sussurrou Ana.

— Cadê a Sophia? — Jéssica levantou a grande questão.

***

Sophia andava nos meus calcanhares mais encolhida de medo do que propriamente de frio. A aura da floresta escura contribuía para a permanência da tensão que se formara entre nós. Não conversamos nada desde que deixamos a ponte para trás. Minha maior preocupação era a segurança dela, embora eu ainda tentasse processar qual o tipo de perigo que estava sobre nós.

Tudo estava silencioso demais. Eu não sentia nenhuma presença por perto. Então por que estava com um mal pressentimento?

— Será que isso tudo não é uma pegadinha dos seus amigos? — ela finalmente disse. Momentos antes eu havia explicado a ela sobre o plano do Natsuno.

— Se foi algum deles, então disfarçaram muito bem — falei.

— Então quem foi? E por quê?

Essa era a grande questão. Não era possível que algum vampiro tivesse armado tudo aquilo: os bilhetes marcando o encontro e os boatos de fantasmas na cabana.

Pensei numa coisa.

— Você sabe dizer quem contou para a Jéssica sobre a cabana?

— Não… — Sophia esbarrou em mim de repente. — Desculpa, eu tropecei…

— Tudo bem.

Continuamos nos esgueirando pela floresta. A intenção era chegar à cabana e nos juntar ao outro grupo antes que algo — ou alguém — fechasse o cerco sobre nós.

— Sabe, elas são as minhas melhores amigas e tudo, mas nem sempre estamos juntas — Sophia adicionou depois de algum tempo. — A Jéssica é obcecada por filmes de natal e coisas do tipo, por isso acordava mais cedo pra ficar andando pela vila e tirar fotos por aí e “tals”. Foi assim que ela fez amizade com algumas pessoas que nem eu e nem a Ana conhecemos ainda. Dessa forma ela começou a saber de muita fofoca que estava rolando por esses dias. Você sabia que tem uma menina de quinze anos que está grávida? Ela está hospedada perto da gente, inclusive. Bom, são esses tipos de coisas que a Jéssica fica sabendo através desses novos “amigos” dela. Até que falaram sobre as vozes da cabana.

Ela parou de falar e eu imaginei que fosse para recuperar o fôlego. Não consegui conter o riso. Minha vontade era de olhar para trás e vê-la tagarelar tudo novamente.

— O que foi? — quis saber Sophia.

— Nada — fui rápido em dizer. — Eu gosto de ouvir sua voz.

— Ah… E aí? Acha que tem alguma relação? A Jéssica pode ter mencionado sobre mim e você a essa galera, por isso nossas assinaturas nos bilhetes.

— Talvez — respondi. — Eu só não consigo entender como esses possíveis novos amigos dela saberiam qual era a minha cama e como entraram nas pousadas. Alguma coisa não está se encaixando. Por enquanto, prefiro ficar com a hipótese de que isso é obra do Natsuno e das meninas.

A verdade era que, quanto mais procurávamos alguma explicação, mais perdidos e confusos ficávamos.

***

Jéssica se levantou do sofá convicta e aproximou-se da pedra. Pegou-a e andou a passos firmes na direção da porta.

— Ei, aonde você vai? — Jhou entrou em seu caminho.

— Sai da frente, Jhou! Estou cansada dessa palhaçada! Se você não vai lá fora, eu vou!

Ana correu até a amiga.

— Espera aí, eu também vou! Não quero ficar sozinha com esse medroso!

Apesar de todo o medo que estava sentindo, o grandalhão foi tomado por um constrangimento maior que sua super força. Duas garotas estavam sendo mais corajosas que ele! Inadmissível. Com uma mescla de indignação por si mesmo e vergonha, ele tomou uma decisão.

— Deixem isso comigo. Não posso deixá-las fazer o trabalho sujo quando eu mesmo posso fazer. Eu vou!

Antes que as duas dissessem alguma coisa, Jhou girou nos calcanhares e se lançou em direção à porta, rápido o suficiente para não mudar de ideia. Abriu-a, trêmulo, então passou para o lado de fora. Um vento gelado o atingiu em cheio imediatamente, lembrando-o de onde estava: no meio de uma floresta trevosa e apavorante.

Jhou respirou fundo antes de prosseguir. Não podia ceder ao medo, precisava demonstrar sua valentia. Apertou forte a lanterna, cheio de si, tomado por uma coragem que nunca sentira antes. Quem quer que estivesse de gracinha, ia se ver com ele.

Plaftch! A lanterna quebrou em sua mão, extinguindo o foco de luz branca no mesmo instante, fazendo toda a coragem do grandalhão se esvair feito o ar escapando de uma bexiga. Mas ele não podia voltar. Com que cara seria recebido pelas meninas? Começou a vasculhar os arredores da cabana, cauteloso a qualquer detalhe irregular. Foi até os fundos e não encontrou nada. Nenhum ruído sequer. Se houvesse alguém por perto, talvez estivesse escondido na floresta, lugar em que ele decididamente não entraria sem uma lanterna.

Depois de alguns minutos de exploração, decidiu que era hora de retornar à cabana. Estava orgulhoso de si por ter vencido o medo. No fim das contas, percebeu que nem havia motivo para se amedrontar. Mesmo que houvesse alguém tramando contra eles, essa pessoa dificilmente seria páreo para o seu poder místico.

Jhou ficou pálido ao abrir a porta e se deparar com uma cena inusitada. As luzes de duas lanternas que estavam no chão iluminavam os pés do sofá, onde Jéssica e Ana estavam caídas lado a lado, com as mãos atadas às costas e as bocas grudadas com fita adesiva. Elas faziam um esforço falido para conseguir se levantar. Quando avistaram o grandalhão abrindo a porta, arregalaram os olhos para ele.

Jhou não soube o que dizer, tampouco o que pensar. E a julgar pelo desespero nos olhares delas — pois as duas se debatiam como se estivessem tendo um ataque epilético — Jhou também estava correndo sério perigo.

***

— Você ouviu isso? — perguntou Sophia de repente.

— Ouvi. Veio dali — apontei a lanterna para a direita.

— O que a gente faz?

Eu não tinha dúvidas de que havia alguém por perto. Minha vontade era de seguir na direção do ruído e tentar descobrir quem era o stalker, mas não podia arriscar a vida da Sophia.

— Vamos continuar em direção à cabana — decidi. — Depois eu vejo com o Natsuno o que a gente faz.

— Eu sei que você quer ir atrás — disse a garota sem rodeios. — E eu confesso que também estou curiosa. Vamos lá ver, não precisa se preocupar comigo. Quanto antes acabarmos com isso, melhor, né?

Eu a encarei. Não imaginava esse posicionamento da parte da garota.

— Pode ser perigoso — argumentei. — Eu não acho uma boa ideia.

— Mas você tem uma espada, e sabe karatê, não é mesmo? Nunca vou esquecer a surra que você deu naqueles caras. Se é que posso chamá-los assim…

Sophia estava entrando na minha mente. Talvez não fosse uma ideia tão ruim assim ir averiguar quem estava escondido. Pelo menos assim acabaria o mistério.

— Fica bem perto de mim — falei, por fim, dando-me por vencido. — E se eu falar pra você correr, você corre como nunca.

Sophia fez que sim prontamente. Confesso que fiquei admirado pela sua coragem.

Seguimos o rastro. Por vários minutos. Vira-e-mexe ouvíamos o mesmo ruído de antes, que era semelhante a passos no cascalho. Era como se o fugitivo soubesse que o estávamos seguindo, mas tinha receio de correr para não chamar a atenção e denunciar de vez onde estava. Simultaneamente, não corríamos para não o espantar.

Depois de muita caminhada, chegamos a uma área aberta que dava na mesma ponte de antes. E a presença havia, mais uma vez, se dissipado.

— Eu não estou gostando disso — disse Sophia.

— Quem quer que armou isso, por algum motivo nos quer aqui — falei preocupado. — Por quê?

— Acho melhor a gente ir embora mesmo, Diogo. Isso tudo é assustador.

Vislumbrei um movimento minúsculo do outro lado da ponte; era como se fosse uma sombra. Estreitei meus olhos para ter um foco melhor, pois a fraca iluminação da lua começou a ser obstruída pelas nuvens. E finalmente vi, antes de a escuridão dominar o ambiente, um sujeito com brilhantes olhos verdes mirados na nossa direção.

— Um místico — falei sozinho.

No momento em que Sophia começou a me perguntar alguma coisa, o cara evaporou; num piscar de olhos, ele não estava mais lá, simplesmente sumiu, como se fosse mágica. Atrás de mim, alguém — a voz de um homem — disse:

— Olá, Diogo.

***

Natsuno acordou com as insistentes sacudidas do Pedro, cuja voz começou a chamá-lo distante, depois foi se aproximando até ficar bem perto:

— Natsuno! Natsuno!...

Ele não se lembrava onde estava ou o que havia acontecido, nem por que estava caído no chão. Sua cabeça latejava sem parar e não era possível enxergar nada. Natsuno presumiu que ou sua visão estava turva, ou então eles estavam dentro de uma cela de prisão escura.

— O que eu fiz? Por que eu tô preso?

— Nós estamos na floresta. — Pedro ajudou-o a ficar de pé. — Alguém nos apagou, e eu estou preocupado com o pessoal da cabana. Consegue andar?

Natsuno assentiu. Pedro lhe entregou sua lanterna e eles começaram a andar apressados na direção que ele tinha certeza que levava à cabana. O garoto teve o cuidado de reparar nos diferentes tipos de trilhas e nas árvores singulares durante a perseguição. Suas únicas preocupações eram a quantidade de tempo que haviam ficado desmaiados e a segurança do Jhou e das meninas.

Quanto ao Natsuno, aos poucos suas memórias foram sendo recuperadas, o que não anulava o fato de tudo ser tão confuso para ele. De onde surgiu o vulto que os atacou? E como conseguiu derrotá-los tão fácil? Não fazia o menor sentido.

— Devemos retornar à vila e avisar o seu pai que tem alguém perigoso por aí — disse Pedro, apressando cada vez mais o andar.

— Um lunático, você quis dizer, né? Parece até que estamos dentro de um jogo, manipulados por alguém. Espero que o grandão esteja seguro com as chatinhas.

— Falando nisso, a Jéssica comentou algo sobre a Sophia antes do blecaute… — Pedro ficou pensativo, mais preocupado que nunca. — E parando pra pensar, antes de assustá-las, eu vi quatro lanternas do lado de fora da cabana.

— Caraca, Pedro, eu também vi! Isso significa que a Sophia estava com eles antes do susto! Isso significa que… Ai caramba, isso não está me cheirando bem… 

Os dois se alarmaram quando um grito ecoou de repente. Era um alto e inconfundível grito feminino que vinha da direção oposta à cabana e parecia distante.

— Só pode ser ela! — disse Natsuno se virando.

— O que a gente faz?

— Vamos nos separar: eu vou atrás do grito e você vai investigar a cabana. Leva as meninas de volta pra vila e avisa o meu pai. Caramba, cadê o Dio nessas horas?

Sem perda de tempo, cada um dos dois garotos seguiu seu caminho como se suas vidas dependessem daquilo.

***

Eu me assustei mais com o grito da Sophia do que com a aparição repentina do sujeito de olhos verdes. Saquei minha Takohyusei e fiquei entre ele, que estava perto das primeiras árvores da floresta, e ela. Era possível identificar um sorriso maldoso estampado no rosto do místico.

— Quem é você? — perguntei sem enrolação.

Devido à dificuldade de enxergá-lo com clareza mediante à escuridão da floresta, tive que apontar a luz da lanterna para o seu rosto, mas ele prontamente bloqueou-a com a mão. Parecia querer se esconder.

— Tem certeza que quer saber? — foi sua resposta.

— Chega desse joguinho! Diga logo quem é você!

Ele deu um passo na minha direção e eu recuei. Mantive minha espada em punho e a luz apontada para o mesmo lugar. O cara desceu a mão, deixando o rosto exposto, e disse:

— Tire suas próprias conclusões.

Eu tive certeza que não o conhecia, mas os traços do seu rosto eram extremamente familiares. O nariz grosso, demarcado no meio por uma dobra ligeira, e as sobrancelhas grossas que lhe conferiam um ar rígido. A costeleta escura e o queixo quadrado. Até mesmo o tom de pele, meio pardo, além de outros pequenos detalhes.

 Aquele cara era idêntico ao meu pai.

— Você é parecido…

Não consegui completar, espantado demais.

— Com o Tony Kido? — O sorriso do místico cresceu ao notar minha reação, carregando agora um deboche intenso e irritante. — É porque ele também é o meu pai. Prazer em te conhecer..., irmãozinho.



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