Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 64: O sentimento da derrota e a confiança para a vitória

As coisas haviam mudado de céu para inferno de um modo tão brusco que eu pensei estar dentro de um pesadelo; aos meus olhos, dois a zero logo de cara era uma punição muito severa. Isso refletiu nitidamente nos minutos seguintes da partida.

Meu time, outrora confiante após a reunião no vestiário, agora estava em completo desespero, dando passes para a defesa toda vez que um marcador do 2ºH chegava perto. Se continuasse daquela forma, eu sabia que seria apenas questão de tempo até sair o terceiro gol.

Em dado momento, após uma série de cruzamentos para a área, onde Riku brigava sem sucesso contra zagueiros muito mais altos que ele, a bola sobrou para mim na linha da meia-lua. Quando ajeitei para chutar, vi que estava bloqueado. O que me restou foi dar um passe para o lateral, que acabara de voltar da linha de fundo após o cruzamento de instantes atrás.

O juiz apitou: impedimento.

Do outro lado da moeda, com um resultado favorável debaixo dos braços, o 2ºH trocava passes lentos sempre que pegava na bola. Yago era o único que não participava do jogo devido à marcação acirrada que recebia. Isso fazia com que os outros jogadores de verde ficassem livres.

Então aconteceu o tão temido terceiro gol. Um dos laterais mandou a bola para a área, tendo o caçador como alvo, mas Yago estava tão bem escoltado que nem conseguiu tocar na bola. O zagueiro, Nícolas, cabeceou para fora da zona de perigo, exatamente onde estava um dos jogadores desmarcados. O jogador chutou forte no canto, rasteiro. Lucas até conseguiu tocar na bola, mas ela sobrou livre na pequena área e um dos atacantes apareceu no rebote.

— GOOOOOOOOOLLLLLLL!!!!! O TERCEIRO! O 1ºB VAI LEVANDO UMA SACOLADA ATÉ AQUI!

Eu imediatamente olhei para os meus amigos. Natsuno, triste; Riku, irritado; os demais, em puro desânimo. Era exatamente o misto de sentimentos que eu estava sentindo.

Então peguei a bola no fundo da rede e a levei ao centro do campo. Nesse momento, o árbitro deu um forte apito.

— Fim do primeiro tempo! — anunciou o locutor. — Três a zero é o placar, surpreendendo até o mais otimista torcedor do 2ºH!

Enquanto os jogadores de verde caminhavam cheios de motivação rumo ao banco de reservas, nós, os de vermelho, nos arrastávamos, devagar e cabisbaixos. Não dissemos nada, muito menos ousamos encarar a torcida. Rubens Almeida nos esperava de braços cruzados.

— O que é que está acontecendo com vocês? — questionou irritado. — Desaprenderam a jogar?

— Nós somos muito inferiores — disse Carlos.

— Eles estão bem mais fortes que antes — lamentou o goleiro Lucas.

Exaustos, alguns jogadores deixaram-se desabar no gramado. Eu fui um deles. Àquela altura, o som da torcida do 2ºH me causava um sentimento de derrota. Por mais que tentasse, eu não conseguia sentir esperança.

Kai se levantou do banco prontamente, dizendo:

— Nós cometemos um erro terrível durante todo o primeiro tempo que nos custou os três gols.

Ele conseguiu chamar a atenção.

— Erro terrível? — alguém perguntou.

Kai e Rubens trocaram um olhar. Eles provavelmente já haviam conversado sobre o assunto. Foi o treinador quem respondeu:

— O Kai e eu analisamos o jogo e percebemos que vocês estão mais preocupados em marcar o Yago do que propriamente jogar bola.

— Precisamos entender — inseriu o nerd — que todos os jogadores adversários são importantes. O 2ºH é forte muito por causa do Yago, mas ele não é o único bom jogador do time. Abram os olhos!

Confesso que fiquei surpreso com a autoridade nas palavras do garoto. Mas seu rosto rapidamente assumiu um tom avermelhado, uma vez que todos o olhavam atentamente.

Cocei a cabeça, percebendo a verdade crua e dolorosa nas palavras dele. Os outros garotos soltaram comentários aleatórios, citando os exemplos dos gols e confirmando que Kai e Rubens tinham razão.

— O Kai está certo, pessoal — falei, ficando de pé. — O que nós estamos fazendo? Já provamos que podemos bater de frente com eles, não precisávamos nos preocupar tanto com o Yago a ponto de não marcar os demais. Mas agora teremos que nos superar e ser melhores que o 2ºH. Chega de só defender e bora pra cima! Eu confio que ainda podemos vencer!

Talvez nem todos acreditassem naquilo, mas as expressões de desânimo nos rostos dos garotos começaram a mudar e isso já era um começo. Falei a mim mesmo que, se fosse preciso, eu correria o campo inteiro para atacar e defender meu time.

Eu daria o meu máximo.

Começou o segundo tempo.

O 2ºH deu o toque inicial e, juntos, Natsuno e eu pressionamos quem estava com a bola. Corremos atrás dela a todo custo, porém sem sucesso. O time verde era muito bem treinado para aquele tipo de situação.

O jogo ficou morno por vários minutos. Por um lado, um 2ºH que administrava o jogo com passes lentos e cautelosos. Do outro, o 1ºB nervoso e, ainda, desanimado. Eu me sentia no dever de fazer alguma coisa para mudar a partida.

Então surgiu a brecha.

Recebi a bola e vi que tinha espaço para avançar. Comecei a correr com a bola nos pés, do jeito que gostava, driblando o primeiro marcador e tabelando com Riku numa jogada que havíamos praticado no último treino. Quando dois jogadores bloquearam meu caminho, concluí o que foi treinado: bati o calcanhar na bola e saí do caminho, confundindo os zagueiros.

Pedro surgiu e chutou com toda a sua força. Giuliano pensou que conseguiria agarrar, mas a bola fez uma pequena curva e saiu do seu alcance.

Feito um míssil, ela bateu no travessão.

— EXPLODE NA TRAVE! — vociferou o locutor. — QUE PANCADA DO PEDRO!

Ela voltou para os pés do Natsuno. Ele foi imediatamente marcado, então passou para mim. Chutei. O chute colocado tinha o canto do gol como destino. Recompondo-se a tempo, Giuliano saltou e conseguiu tocar as pontas dos dedos na bola.

Escanteio.

A euforia da torcida vibrou as arquibancadas do Miniestádio depois de todo aquele lance. Soltei um longo suspiro, pego pelo êxtase da ansiedade. Riku gritou:

— Deixa que eu cobro!

Todo mundo parou para observá-lo pegar a bola e a levar até a marca do escanteio. Lembrando que o Riku já fizera um gol olímpico no campeonato.

— Riku se prepara para a cobrança — disse o narrador. — Os jogadores se posicionam dentro da área. Vem um cruzamento? Ou um chute?

O Medeiros respirou fundo e deu alguns passos para trás. Todos estavam na expectativa, tanto jogadores quanto torcida.

Então Riku chutou; a bola tornou-se um foguete que cortava o vento na horizontal em direção ao gol.

Do outro lado, no entanto, havia um goleiro surpreendente.

— Espalma Giuliano! — bradou o locutor triunfante.

Após a ótima defesa do goleiro, houve uma sequência de lances decisivos: Pedro receberia o rebote na entrada da grande área e estava pronto para chutar. Yago o antecipou e se preparou para mais um contra-ataque. Nícolas apareceu com uma expressão imponente.

— Eu não vou deixar! — vociferou.

Utilizou o jogo de corpo para tirar Yago da jogada e roubar-lhe a bola. Fez menção de chutar, mas desistiu e a deu para Pedro. Pedro vislumbrou um cabelo roxo passando por entre zagueiros e fez um pequeno cruzamento eficiente, no tempo perfeito. Natsuno dominou a bola no peito e bateu, tirando-a enfim do alcance de Giuliano. Porém…

— DE NOVO NA TRAVE!!!

A bola voltou para Riku, que já havia retornado do escanteio, e ele a mandou para a área. Muitos tentaram, mas só um jogador conseguiu tocar nela: um zagueiro de verde. Ele deu um chutão para frente e, eu não acreditei, ela foi parar nos pés do Yago.

Ele sorriu e disse:

— Agora é a nossa vez.

Yago partiu ao ataque, notando que seu único obstáculo seria o Jhou.

Passou facilmente por ele.

— É hora de matar o jogo! — narrava o locutor. — Yago corre livre em direção ao gol, veloz e implacável! Lucas está desesperado!

Eu e os outros nove jogadores de linha do meu time voltamos para a defesa na tentativa de alcançar o garoto. Yago Cordeiro atravessava o círculo central, perseguido por um de seus companheiros, ambos deixando Jhou para trás.

Fiz um esforço que nunca fizera antes. Ultrapassava jogadores de verde e de vermelho feito um carro de Fórmula 1 numa pista de corrida. Yago, no entanto, estava muito à frente, já chegando na grande área.

O goleiro tentou bloquear seu caminho, mas foi facilmente driblado e viu quando o camisa 10 adiantou demais a bola. Ainda assim, Yago se recompôs e, quase sem ângulo, chutou para o gol. Se a bola fosse um pouco mais lenta, Lucas teria evitado.

— GOOOOOOOOOOOLLLLLL!!!

A torcida ficou incrivelmente muda. O ar, carregado de tensão. Presumi que o motivo do total silêncio era o vexame que estávamos passando.

— O 2ºH FAZ QUATRO A ZERO!

Meu time inteiro ficou murcho. O 2ºH nem comemorou com a mesma intensidade. Eu queria ir embora o quanto antes, não estava mais aguentando aquela humilhação toda. Observei meus amigos, que se sentavam no gramado, alguns no ápice do cansaço.

Eu fiz o mesmo. Então deitei.

Meus pensamentos fervilhavam. Lembrei-me das promessas que fiz para Zoe, Marcelo e Sophia. Pensei na confiança que meus amigos estavam sentindo antes da partida. Tudo foi por água abaixo.

E eu não consegui fazer nada para impedir.

Decepcionei a todos, e diante de pessoas importantes. Minha mãe, tio Michael, Sophia, Sandro… estavam todos na arquibancada presenciando a goleada. Ou, pelo menos, assim eu pensava. Será que não haviam ido embora depois daquele quarto gol?

Uma lágrima escorreu pela lateral do meu rosto. O brilho do sol ofuscava minha visão. Eu agradecia; não queria ver mais nada.

Diogo!

Estranhei.

Você não pode desistir ainda.

Então reconheci a voz da Yasmim.

— Yasmim?

Ela se materializou na escuridão. As asas angelicais lhe davam um ar de divindade. Ela tinha um sorriso meigo no rosto e olhos vivos.

Esse não é o seu jeito, disse ela. Você não desiste assim tão fácil. Sua voz rouca produzia ecos.

— Nós estamos sendo massacrados!

Yasmim não mudou sua expressão.

Nada é impossível quando se tem algumas coisinhas básicas. Esforço é uma delas.

— Mas todos os meus amigos estavam se esforçando… Eu dei o meu máximo! E mesmo assim…

Porém, falta mais uma coisa aí. Básica também, mas essencial.

— Falta uma coisa? O quê?

Confiança.

Yasmim sumiu e tudo acendeu. Ouvi um apito e me vi novamente no campo. Meus amigos já estavam em suas posições, olhares baixos, e a torcida voltara a fazer barulho.

Yago passou do meu lado e disse:

— Que vergonhoso, hein, Diogo? Eu esperava mais de vocês.

"Confiança" pensei.

— Vergonhoso será a derrota de vocês ao fim da partida — respondi, sorrindo.

Quem estava por perto arregalou os olhos ao ouvir minha resposta. Fiz um sinal de positivo para os meus amigos. A princípio, ninguém demonstrou reação. Mas Natsuno assentiu. Em seguida, os demais jogadores do 1ºB fizeram o mesmo.

Virei-me para os adversários, convicto de que venceria. Era nítida a preocupação em suas faces.

— Eu vou marcar o primeiro — falei baixinho para Riku, quase num sussurro. — Me ajuda.

— Tá.

Times reposicionados, o árbitro apitou. O locutor anunciou o toque de bola do 1ºB: Riku passou para mim. Sem perder tempo, nós dois partimos ao ataque.

Driblei um adversário, e quando apareceu o segundo, toquei a bola para Riku. Riku avançou alguns passos e, após ameaçar driblar um dos volantes, devolveu para mim.

Dessa vez, fui barrado por dois.

Parei.

Próximo dali, Riku tentava, sem sucesso, se desvencilhar de um marcador que não o deixava em paz. Então ouvi a voz do Natsuno, muito próxima:

— Ei, Dio, passa a bola!

Ele estava perto do Riku. Eu imediatamente passei a bola para ele, e quando Natsuno seria desarmado — bastava ele dominar e tentar algum drible —, ele deu um passe de primeira para Riku, que conseguira se livrar da marcação. Riku adiantou a bola, perseguido por um zagueiro, mas tocou para trás, onde eu me preparava para chutar.

Recebi; a defesa rapidamente se aproximou; fiz menção de chutar, fazendo com que o zagueiro desse um carrinho a fim de bloquear a bola. Era uma armadilha.

Eu dei um corte, deixando o adversário no chão, e invadi de vez a área, completamente livre. Chutei a bola com muita força, no canto.

— GOOOOOOOOOLLLLL!!! — explodiu o narrador, junto da torcida. — Sem chances para Giuliano! O 1ºB marca seu primeiro gol!!!

Busquei a bola no fundo da rede e a levei até o círculo central, ignorando tudo ao meu redor. Não podia me dar ao luxo de me desconcentrar. Riku e Natsuno me acompanharam.

Após minha equipe se posicionar, eu olhei para trás e gritei:

— CONFIANÇA, RAPAZIADA!

Todos assentiram, finalmente com olhares determinados.

O árbitro apitou e o 2ºH deu a saída de bola, tocando para Yago. Riku, Natsuno e eu imediatamente o pressionamos, juntos, rápidos feito um raio. O garoto sequer teve reação; foi desarmado por mim e teve que contemplar nós três avançando novamente, em perfeita sincronia. Tabelamos entre nós, confundindo os adversários de verde que encontrávamos pelo caminho, até eu chegar à meia-lua, bloqueado pelo mesmo zagueiro que, pelo olhar, eu presumi que não cairia na mesma jogada.

Nos meus dois lados, Riku e Natsuno estavam marcados. Olhei muito rápido para trás, cauteloso para não ser desarmado, e vislumbrei Carlos se aproximando. Foi para ele o passe. Seguindo o nosso ritmo frenético, Carlos tocou de primeira para o baixinho Anderson.

Veloz, o lateral carregou a bola até a linha de fundo, deixando dois adversários para trás, e a alçou para a área. De repente, Jhou estava lá, maior do que qualquer outro jogador do 2ºH. Ele saltou e cabeceou.

A torcida comemorou.

— GOOOOOOOOOOOLLLLLL!!! O SEGUNDO! JHOU, IMPLACÁVEL, NUMA FORTE TESTADA!

Todo o nosso time, incluindo os jogadores que estavam no banco de reservas, corremos para abraçar o grandalhão. Eu sorri ao notá-lo enxugar uma lágrima.

Fitei Yago com o meu melhor olhar desafiador, observando que o 2ºH inteiro havia se abalado. Os garotos de verde trocavam reclamações entre si sobre quem deveria estar marcando quem.

Ainda assim, eu sabia que a partida estava longe de acabar. Pela primeira vez, no entanto, eu também estava confiante de que eu e meus amigos sairíamos vitoriosos.



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