Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 63: A tão aguardada grande final!

Meus pensamentos fervilhavam diante do barulho eufórico da torcida lá fora; eu estava em êxtase total, ainda assim tentava manter o foco nas palavras motivadoras do treinador Rubens Almeida, que nos buscara na sala de aula meia hora antes do início da partida.

Ele nos encorajava com argumentos muito bem selecionados, relembrando tudo o que tivemos que enfrentar para chegarmos à grande decisão. Além disso ressaltava a qualidade de cada jogador, deixando explícito que acreditava vigorosamente na conquista do título.

Pensei no momento em que meus amigos e eu íamos saindo da sala ao chamado do treinador, alguns minutos atrás. Todos os alunos da sala — inclusive a professora de Inglês — vibraram e gritaram palavras de incentivo. Sophia levantou-se antes que eu atravessasse a porta e fincou seus olhos nos meus.

Houve um pequeno silêncio entre a turma, que provavelmente ficou na expectativa sobre o que iria acontecer.

— Boa sorte, Diogo — disse ela.

Eu fiz que sim com a cabeça, e ela me abraçou.

— Dio — chamou Natsuno, cutucando-me de leve com o cotovelo e me puxando de meu devaneio. — Tá pensando em quê?

— Não era nada.

Rubens falava sobre observações que fez desde o início do campeonato, quando de repente soltou:

— A equipe do 2ºH é a mais forte até aqui.

Todo o time trocou olhares entre si, estranhando a fala do treinador.

— Nós conseguimos empatar com eles — disse Luan, um dos gêmeos.

— O nosso time também é bom, ou não teríamos vencido tantos outros! — protestou o baixinho Anderson.

Rubens assumiu uma postura rígida, fechando a cara e cruzando os braços, como fazia sempre que queria fazer demonstração de inteligência; era um traço dele que eu já vinha percebendo há algum tempo.

— É bem verdade que o confronto que tivemos com eles ficou no empate, mas analisem bem: tivemos que executar uma estratégia desesperada que montamos de última hora. Fez com que eles ficassem desnorteados, o que lhes custou a vitória. Hoje — sejam sinceros comigo — vocês acham que o raio vai cair pela segunda vez no mesmo lugar?

Natsuno ameaçou dizer alguma coisa — ele provavelmente conseguia fazer um raio cair duas vezes no mesmo lugar —, mas foi a vez de eu lhe cutucar.

— O senhor disse agora a pouco que confiava na gente — resmungou Samuel.

— E confio! Em nenhum momento falei que não podemos vencer. Ou falei?

Agora, Rubens nos encarava com um olhar desafiador que eu também reconhecia. Ele tinha uma solução para o problema que trazia.

— Qual é o plano que o senhor tem em mente, treinador? — decidi perguntar, esperando ouvir orientações de jogadas ensaiadas e táticas mirabolantes.

Rubens abriu um sorriso indecifrável e descruzou os braços.

— Você — respondeu.

Todos se viraram em sincronia para mim.

— Eu?

— Você me lembra o fogo — emendou o treinador, me deixando em choque. — Não o fogo que queima e se alastra, causando destruição e medo, mas aquele que acende e esquenta o entorno, que dá vida ao que está gelado e revigora o que está morto. O fogo é uma analogia para o estímulo. Ele inflama ao contato com o combustível, dificilmente está sozinho. Acho que não preciso dizer mais nada.

Eu temi, a princípio, que Rubens Almeida soubesse sobre minha profissão e que eu fazia parte do clã Kido. Mas não. O treinador só tentava usar uma analogia que eu, assim como os outros garotos, compreendi parcialmente.

— Nós somos os combustíveis — Pedro explicou, atraindo a atenção, talvez na tentativa de esclarecer melhor a fala do técnico —, o que significa que dependemos do Diogo tanto quanto ele depende de nós. É isso o que o treinador quer passar e eu concordo com ele.

— Jamais vou me esquecer do primeiro treino coletivo que fizemos — interveio o Rafa, trazendo os olhares para si. — Perdíamos o jogo até o final do primeiro tempo, quando Diogo nos reuniu e mudou o que viu de errado. E olha que ele era o goleiro!

— Foi quando descobri que jogo melhor de zagueiro — disse Nícolas.

Que inclusive se tornara o zagueiro titular da equipe no decorrer do campeonato, o treinador frisou.

— E eu, que pensei ser um bom lateral, virei atacante e até fiz alguns gols — riu Samuel, me agradecendo e me chamando mais uma vez de Diego.

Senti as bochechas queimarem quando o restante da turma mostrou sinais de concordância. Não era a primeira vez que me tratavam como alguém fundamental para o time. Diferente de quando eu cheguei.

— Não podemos nos esquecer do primeiro jogo do campeonato — disse alguém entrando no vestiário, apoiado numa muleta e com um sorriso no rosto.

Marcelo juntou-se ao treinador, no centro do grupo, os longos cabelos amarrados num rabo-de-cavalo.

— Vocês acharam mesmo que eu ficaria de bobeira lá na sala? Posso até não jogar agora, mas estou me preparando. Acredito que mês que vem já posso reforçá-los no Torneio da Cidade. Porque eu sei que vocês vão se classificar — foi rápido em dizer.

A presença do amigo fez todos ficarem contentes. Ele havia mudado muito desde que eu o conhecera. Marcelo continuou:

— Voltando ao assunto, lembro que perdíamos para o 3ºA por três a dois até os minutos finais da partida. Nem imaginávamos que conseguiríamos marcar sequer um gol contra um time de terceiro ano! Foi quando o Diogo entrou e mostrou que poderíamos ir longe sim. Ele fez o gol do empate e garantiu o nosso improvável primeiro ponto no campeonato.

— Depois vencemos facilmente aquele time agressivo do 1ºG — continuou Natsuno. — Caras, eu pensei que não chegaríamos vivos em casa! Cogitei seriamente em buscar um psicólogo depois de toda aquela violência.

Alguns riram da ironia do garoto, outros relembraram que foi na referida partida que Marcelo teve a lesão.

— O Dio entrou no segundo tempo e fez dois gols — concluiu o garoto de cabelo roxo. — Acho que deu uma assistência também. Eu só não lembro pra quem.

— Foi pra mim — disse Riku, surpreendendo a todos. Ele sempre ficava quieto no seu canto. — Não só aquela, como várias outras. Concordo que ele seja útil para nós.

Ficamos ainda mais impressionados com a fala, especialmente eu, que o conhecia como ninguém.

— Mas a partida mais marcante, pelo menos pra mim, foi contra o 2ºH — encorajou-se em dizer Kai, cujo rosto assumiu uma vermelhidão imediata ao perceber que o foco agora estava nele. Ele respirou fundo, ajeitando os óculos, meio desengonçado, e continuou: — Foi nessa partida que ficou claro que o Diogo é um ótimo líder. Além de ter descoberto o ponto fraco do oponente, foi responsável por me fazer jogar sem medo. Isso sem falar nos três gols que ele fez.

— Você foi monstro naquele dia — concordou Samuel, dando tapinhas nas costas do nerd.

— Pra caramba! — disse Natsuno. — Desarmou o Yago e iniciou o contra-ataque que resultou no empate.

Fiquei feliz pela forma que meus amigos estavam tratando Kai, que quase fora rejeitado pelo time quando eu mesmo o sugeri para tapar buraco.

— Então veio o mata-mata — disse o grandalhão Jhou.

— O jogo que o capitão me ajudou — disse o baixinho Anderson. — Cometi um pênalti que fez a nossa equipe levar um gol, depois cometi outro pênalti! Mesmo assim o Diogo me motivou. Ele não desistiu de mim e impediu que eu me abalasse psicologicamente.

— E aí você deu a volta por cima — lembrou o goleiro Lucas. — Cometeu o pênalti porque nos salvou de levar o gol. Consegui defender e você salvou outro gol!

— E o gol da nossa vitória saiu a partir desse lance — Pedro também recordou. — Nunca vi o Anderson correr tão rápido quanto ele correu naquela hora!

A lembrança arrancou risadas de todos.

— E finalmente veio a semifinal — Rubens retomou a palavra. — Diogo fez dois gols que deixaram o time acomodado. Até eu pensei que venceríamos fácil. Mas não foi bem assim.

— O 3ºC veio com tudo contra nós no segundo tempo, chegando a empatar o jogo de maneira muito rápida — disse Thiago, um garoto negro que era o lateral esquerdo do time. — Sorte nossa que o Riku fez aquele golaço de escanteio. Eu não sei se estava preparado para ir a uma decisão de pênaltis.

No fim das contas, percebemos que estávamos satisfeitos com a jornada que trilhamos, e meus amigos pareciam reconhecer que o fator crucial para estarmos naquela final era a minha presença. Geralmente sou modesto, mas não tinha como não concordar com eles.

— O nosso time é merecedor de ter chegado até aqui — falei com um sorriso convicto, confiante. — Citamos aqui alguns exemplos entre tantos outros de superação, o que só comprova que ninguém pode nos subestimar. Empatamos com o 2ºH na fase de grupos, mas dessa vez as coisas serão diferentes. Nós vamos ganhar! E vamos ser campeões!

Todos gritaram em concordância, motivados pelas lembranças e pelas palavras carregadas de certeza. Vi Rubens Almeida sorrindo com a energia positiva que pairava sobre o vestiário. Se sua intenção era acender o grupo, ele havia feito com maestria.

 

As arquibancadas nunca estiveram tão cheias. A escola inteira estava presente; todos os alunos, professores e funcionários, além dos nossos convidados que geralmente eram parentes. Eu podia jurar que vi a senhorita Abigail em algum ponto por ali.

O 2ºH, trajado com o seu uniforme verde, já se aquecia no campo, alguns treinando com bola, outros fazendo exercícios básicos de alongamento. Yago conversava sorridente com um de seus companheiros. Quando percebeu a minha presença, encarou-me com olhos confiantes e acenou com a cabeça.

— Ei, Diogo, dê o seu melhor! — Tio Michael gritou de algum lugar. Talvez porque eu não o estava encontrando, insistiu: — Aqui! Atrás do gol!

Finalmente o achei — e fiquei triste ao perceber a ausência do meu pai. Michael segurava Billy no colo e estava acompanhado por minha mãe e Bruna. Decidi que eles estavam lá e era isso que importava.

— Eu quero ver pelo menos um gol, Natsuno!

Natsuno arregalou os olhos, surpreso por ver Hebert atrás da outra baliza, gritando palavras de motivação. Ao seu lado, quieto feito uma estátua, o que era um contraste com o restante da torcida, uma companhia inusitada.

— Se liga, Dio — disse Natsuno, me cutucando, embora eu já tivesse percebido.

Sandro Macedo me encarava sério, uma presença que causava pressão natural em mim.

— Por que a Sophia fez isso comigo? — murmurei sozinho.

— Duvido que tenha sido ela, maninho. Meu pai deve ter chamado ele. Esses dois vivem grudados.

Fiquei contente por ver meus amigos animados. As mães do grandalhão Jhou e do tímido Pedro estavam juntas, amontoadas entre outros pais de alunos de ambas as equipes. Então fiquei triste. Havia alguém que não tinha um pingo de entusiasmo.

Riku jamais demonstrava alegria ou coisas do tipo, mas dessa vez ele parecia abatido, mesmo que de leve. Eu o conhecia o suficiente para saber quando seu humor estava diferente. Por mais que tentasse disfarçar, seus movimentos denunciavam que a ausência dos pais o abalava.

Nosso time e o time do Yago ainda tivemos cinco minutos para nos aquecer antes que o árbitro apitasse para nos posicionarmos. Nesse meio tempo, encontrei uma Sophia sorridente entre alunos da minha sala, me olhando como se quisesse me motivar, linda como sempre.

— Finalmente teremos o início da grande final do interclasses! — anunciou o locutor, extasiado. — Duas equipes que ultrapassaram inúmeros obstáculos para chegar até aqui e sonham com o caneco! E prometem fortes emoções!

Senti um frio na barriga diferente de todos os outros. Jamais podia imaginar que estaria ali, cercado por centenas de pessoas, numa final de campeonato escolar com um time que parecia desunido no início.

O juiz apitou e a voz contagiante do locutor ecoou por todo o Miniestádio:

— E COMEÇA A TÃO ESPERADA DECISÃO!!!

Riku tocou para Natsuno, que imediatamente deu a bola para mim.

O frio na barriga transformou-se numa agitação frenética no peito. Gritei:

— Atacar!

Pelo menos seis jogadores de vermelho avançaram em sintonia em direção ao gol, trocando passes rápidos entre si, mas cessando diante do paredão de verde.

O 2ºH havia se fechado surpreendentemente rápido. O que restou para nós foi tocar a bola de maneira mais lenta e calculada, cautelosos para que o oponente não a roubasse, tentando encontrar uma brecha para marcar o gol.

— O duelo já iniciou acirrado! — narrou o locutor. — Se por um lado há uma equipe que tenta surpreender ofensivamente, por outro há uma equipe que sabe bem montar um escudo impenetrável!

Houve muita troca de passes até eu conseguir driblar um marcador e chutar com técnica. O tiro foi forte e fez uma curva de fora para dentro, tendo o ângulo da trave como alvo, fazendo a torcida segurar o fôlego para gritar. Até mesmo eu ameacei comemorar o gol.

Ninguém contava, entretanto, que o goleiro Giuliano fosse pular tão alto para encaixar a bola, uma defesa que deixou a todos impressionados.

— DEFESAÇAAAA!!! — berrou o locutor.

Giuliano caiu no chão e se levantou num pulo. Sua expressão era a de um guerreiro valente pronto para ir à guerra.

— Agora é a nossa vez! — gritou para seus companheiros, que assentiram.

Ele mandou a bola para um dos laterais, que conduziu o contra-ataque, passando por Carlos num drible eficiente e tocando para o volante no círculo central. O volante recebeu e lançou para um dos alas que, por sua vez, disparou em grande velocidade pelo espaço à sua frente. Pedro e eu tentamos persegui-lo.

Yago e outros dois atacantes o acompanhavam, apesar de bem marcados. Não, notei que os marcadores não estavam interessados nos dois jogadores, apenas no caçador.

O ala, que estava com a bola, parou na entrada da área com a presença do grandalhão Jhou. Ele viu seus três companheiros se aproximando e deu o passe na direção do Yago. Yago ameaçou chutar. Os jogadores do 1ºB correram para bloquear o chute, mas foram surpreendidos quando o garoto fez uma proteção com o corpo e deixou a bola passar por suas pernas, parando no pé de um dos atacantes que estavam na jogada. Seu trabalho foi apenas dominar e chutar forte no canto, estufando a rede e fazendo as arquibancadas explodirem de euforia. 

 — GOOOOOOOOOOLLLL DO 2ºH!!! ROBERTO MARCA APÓS UM CONTRA-ATAQUE EFICIENTE, LIVRE NA GRANDE ÁREA, ABRINDO O PLACAR PARA A SUA EQUIPE!!!

Percebi que meus companheiros ficaram surpresos com o gol relâmpago.

— É só o começo! — gritei a fim de motivá-los. — Tem muito jogo pela frente ainda!

Após a comemoração do 2ºH e o reposicionamento de todos os jogadores, foi dada a saída de bola pela segunda vez entre Riku e Natsuno. E ninguém entendeu muito bem o que aconteceu a seguir; quando dei por mim, o 2ºH já estava com a bola novamente e atacando com muitos jogadores. Trocaram passes sem parar de correr até que o outro atacante do time recebeu livre de marcação e de frente para o gol — mais uma vez o foco dos defensores do 1ºB estivera no Yago. O locutor anunciou:

— QUE ISSO! MAIS UM?! GOOOOOOOOOOOOLLLLLLLLL!!!

Yago e seus companheiros vibraram com sorrisos largos de alegria. Eu, por outro lado, não tive reação alguma. Não esperava por um placar de dois a zero em menos de quinze minutos de jogo. Meus amigos pareciam em pânico, como se esperando por uma goleada absurda. Eu não queria nem imaginar as expressões que estavam estampadas nos rostos das pessoas que estavam torcendo pelo nosso time. Olhei somente para Sophia, cujo olhar esmorecido refletia perfeitamente a sensação que estava dentro de mim.

Passaríamos vexame em plena final, diante de centenas de pessoas?



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