Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 62: Pedras e madeiras

Passei a manhã inteira do dia seguinte ansioso para resolver o outro problema pelo qual Leonardo estava passando: a opressão de seus vizinhos. Pensei tanto em como o faria que mal consegui me concentrar no último treino do time antes da tão esperada final, que aconteceria em menos de vinte e quatro horas.

A escola estava agitada com a repercussão do jogo. Meus companheiros de time ficaram eufóricos após Abigail entrar na sala e anunciar que os alunos das turmas finalistas poderiam convidar parentes e amigos para assistir ao jogo. Porém minha mente parecia querer fugir dali e me levar ao bairro do garoto-cachorro o quanto antes.

Na hora do intervalo, deixei meus amigos cientes do plano que elaborei e, após sairmos da escola, levei-os ao local de encontro que havia marcado com o Léo. Riku, que não fez questão de ir, foi substituído por um Yago disposto a ajudar e por tio Michael, que nos aguardava em frente à escola com Billy no colo.

— Preparado? — perguntei ao garoto-cachorro quando já estávamos na praça onde semanas atrás tivemos um embate.

Léo não parecia convicto, mas fez que sim.

— A gente não vai mesmo bater neles? — Jhou insistiu no meio do caminho.

— Eu não diria “bater” — respondi. — A não ser que a situação saia do controle, então não teremos outra opção a não ser nos defender. — Enfatizei bem a última palavra.

Léo morava numa rua larga que só não era movimentada de carros porque um pequeno córrego a cortava em certo ponto. Atravessamos a pequena ponte de metal sobre ele, envoltos num aroma nada agradável de esgoto, e então chegamos ao destino. 

A casa do Léo tinha um portão grande e chapado com a tinta desgastada. Estava todo depredado. Não havia pedras na calçada, que Léo explicou terem sido recolhidas por sua mãe naquela manhã, mas os amassos no alumínio indicavam que a casa havia mesmo sido — e muito — atacada.

— A coisa aqui foi feia — observou Natsuno.

— Eles não jogam só no portão — inseriu Léo. — Muitas pedras passam por cima dele e acabam acertando a porta e a janela de casa. Somos obrigados a ficar lá no fundo para não sermos atingidos.

— Que crueldade! — falei indignado. — Como as pessoas conseguem chegar a esse ponto?

— Isso é horrível — concordou Yago.

Entramos.

O quintal era descoberto e estava cheio de objetos pelos cantos, um deles sendo uma bicicleta verde de tamanho médio que provavelmente pertencia ao garoto. Havia uma bola também, e o chão de concreto estava todo riscado com giz. Entre os rabiscos, o desenho de uma amarelinha.

Antes que chegássemos à entrada da casa, a porta foi aberta e, dela, saiu um homem que rapidamente arregalou os olhos num susto.

— Quem são vocês? — Ele segurava duas pequenas tábuas numa mão e um martelo na outra.

— Eles são os amigos de quem te falei, pai — explicou Léo, de olhos grudados no que o pai segurava.

O pai do Léo era um homem baixo, talvez um metro e sessenta de altura, e possuía um porte físico um pouco acima do peso. Ele tinha grandes entradas nos cabelos castanhos, que estavam penteados para trás, indicando que a calvície estava próxima. Sua feição era a de um homem de poucos sorrisos e seus olhos fundos apontavam que ele não andava dormindo muito bem.

Ele acenou na nossa direção sem tanta emoção e posicionou uma das tábuas sobre a janela quebrada, tapando-a. Tirou um prego do bolso da camisa, mantendo a tábua pressionada contra a parede com o antebraço, e começou a bater com o martelo.

Senti o coração afundar, observando a gravidade da situação.

— Vejam a que ponto chegamos — disse o homem após dar algumas batidas e pegar outro prego, sem olhar para trás. — Enquanto não encontro outra casa pra alugar, este é o único jeito de manter a minha família a salvo daqueles vândalos!

Ele bateu o segundo prego e foi para a outra extremidade da tábua, pegando mais um e iniciando novas pancadas.

Na porta, surgiu uma garotinha de olhos tristes. A semelhança que tinha com o irmão era nítida, apesar da pele um pouco mais clara, como a do pai. Ela correu para abraçar Léo.

— Oi, Martinha — sorri quando ela nos fitou, acuada. — Nós somos os amigos do Léo.

— Oi… — ela respondeu tímida.

— Eles vieram nos ajudar — explicou Léo para a irmã. — As coisas vão melhorar, Martinha, eu prometo.

Em seguida, foi a vez da mãe do Léo aparecer na porta. Ela forçou um sorriso ao notar nossa presença, mas seu semblante não deixava enganar: ela não tinha ânimo nos olhos. Era uns dois ou três centímetros maior que o marido e um pouco gordinha. Sua pele era morena como a do Léo. Seus cabelos eram curtos e enrolados. Ela nos cumprimentou com uma voz rouca e serena.

Enfim, foram feitas as apresentações.

O pai do Léo, que se chamava Leomar, concluiu seu serviço e nos convidou para entrar.

A casinha era bem arrumada, apesar de pequena. A tela da televisão de quarenta e duas polegadas estava toda trincada, provavelmente resultado de uma pedrada. Eu conseguia imaginar a cena das pedras invadindo a janela e acertando as paredes da pequena sala.

Fomos até a cozinha.

— Eu não fiz o almoço ainda — explicou a dona Marli, carregando um tom de vergonha na voz. — Ninguém consegue comer a esse horário, pois é quando… Vocês sabem…

Houve um momento de silêncio entre meus amigos e eu.

— Nós entendemos — disse tio Michael. — Quando isso tudo começou?

— Já tem alguns meses — foi o seu Leomar quem respondeu. — A escola me ligou no trabalho e informou que havia algo de errado com o Leonardo. Ele havia surtado e tiveram que contê-lo com a ajuda dos seguranças. O meu filho estava amarrado quando cheguei para buscá-lo! Na época, eu fiquei transtornado!

Ele estava vermelho, mas era difícil deduzir se era de raiva ou de vergonha. Os olhos do Léo estavam baixados, como se a história lhe causasse desconforto.

— Nós o trouxemos pra casa com muita dificuldade e demorou horas pra ele se acalmar — continuou Leomar. — Não entendíamos o que tinha acontecido e ficamos preocupados. Procuramos alguns psicólogos. Não adiantou. Ninguém compreendia o real problema. Ele demorou para voltar a surtar, mas quando retomou, foi um surto atrás do outro. Ele fugia da escola e causava transtorno por aí, fazendo com que pessoas ficassem com medo em alguns casos, mas com muita raiva em outros. O nosso filho, quem educamos com tanto cuidado, se transformava em outra pessoa e destruía tudo o que via pela frente! Por quê? — Havia um tom de súplica em sua voz. — E agora isso… quero dizer, o ataque desses vândalos, que não entendem que não temos culpa de o Leonardo fazer essas coisas.

Percebi que Leomar estava amargurado, como se acreditasse que Léo fosse culpado pelo descontrole. Fiquei incomodado com essa sensação. O garoto-místico deveria se sentir pior ainda.

— Se pelo menos entendêssemos o que se passa com o nosso filho — disse Marli, mais para si mesma, depois olhou para nós. — Ele disse que vocês poderiam ajudar. Mas como? E, se vocês sabem o que se passa com o Léo, por favor, nos expliquem.

Tio Michael e eu trocamos um olhar significativo. Anuí com a cabeça, como se para dar espaço para ele explicar:

— Algumas pessoas são premiadas com habilidades especiais, digamos assim. São chamadas de “místicos” e estão espalhadas por todo o mundo. Alguns famosos, acreditem ou não, se aproveitam desta “pequena” vantagem.

— Místicos? — repetiu Leomar, olhando para o meu tio com indiferença. — Que história é essa? Quer dizer que há outros como o Leonardo por aí? Então, como nunca vimos na mídia antes?

— Sim, místicos. Também há outros como o Léo, apesar da habilidade dele ser um pouco rara. E a mídia omite muitas coisas, seu Leomar, coisas que ninguém imagina. De qualquer forma, eu sou como o seu filho. Sofri na pele tudo o que vocês estão passando. Notaram que ele assume a aparência de um “cachorro” quando “surta”, como vocês dizem?

Marli e Leomar olharam para o filho, como se pela primeira vez dessem conta da aparência do garoto, que continuava de cabeça baixa.

— Além disso — continuou Michael —, os místicos são caracterizados por terem olhos verdes. Eu e o Léo assumimos esses olhos apenas quando estamos transformados, mas os místicos que têm “habilidade constante” possuem olhos desta cor a todo momento. O Jhou é um exemplo.

Jhou deu um sorriso tímido quando as atenções voltaram para ele.

— Ele tem super força — explicou Natsuno. — E a gente tem um colega que consegue ficar invisível. Ah, e a Zoe pode rastrear qualquer pessoa só em imaginar o seu rosto.

Leomar olhou para Natsuno com uma das sobrancelhas levantadas.

— Eu ainda estou confuso com toda essa história — disse, agora encarando tio Michael nos olhos, tentando parecer firme. — Você está dizendo que o nosso filho nasceu com defeito?

— Isso está longe de ser um defeito! — Eu não consegui ficar calado. — O Léo tem um poder que pode ser controlado e usado para coisas positivas. O meu tio é um exemplo. Ele já salvou muitas pessoas graças à sua forma de tigre e ele quer ajudar o Léo a ter domínio sobre si. Ele não tem nenhuma doença, como vocês estão pensando. Ele é saudável como qualquer outra pessoa!

Léo, pela primeira vez, ergueu a cabeça, direcionando olhos vivos na minha direção.

Leomar pareceu sem palavras por algum momento. Se ele iria responder alguma coisa, ninguém saberia. Fomos despertados por estrondos feitos pequenas explosões.

Martinha se escondeu atrás do irmão e Billy começou a latir. Yago perguntou:

— O que foi isso?

Leomar, olhando para a direção da porta da sala, respondeu:

— Começou.

Uma sequência de explosões preencheu o ambiente. Era o som das pedras atingindo o portão com força.

Lá fora, um grupo de pessoas com pedras e madeiras nas mãos gritavam insultos na direção da casa. Atiravam pedras enormes contra o portão, furiosas, causando ainda mais danos no alumínio maltratado.

Recuaram quando abri o portão. Surgi acompanhado pelo tio Michael e os outros garotos.

— Boa tarde pra vocês também — ironizou Natsuno.

Ao avistar Léo atrás de nós, alguém gritou:

— VEJAM! A ABERRAÇÃO DECIDIU SAIR DE CASA!

O grupo de rebeldes se recompôs. Eram homens e mulheres de expressões duras e olhares ferozes. Um homem todo sujo de graxa, aparentemente o mais velho de todos, exigiu:

— Saiam da frente! Não pouparemos esforços em atropelar quem aparecer no nosso caminho!

— Não é assim que se resolve as coisas! — falei abrindo os braços, pois não deixaria ninguém passar.

— Quem você pensa que é para querer nos dizer o que fazer? — berrou uma mulher alta e magricela.

— Quem vocês pensam que são para quererem fazer justiça com as próprias mãos? — rebati, atento a qualquer movimento. Percebi que alguns vizinhos assistiam a tudo pelas janelas. Nenhum deles fazia nada, talvez por medo de serem agredidos, ou por concordarem com os vândalos. 

— Essa aberração está nos causando muitos problemas! — vociferou o homem da graxa. — Nós queremos que ele vá embora pra bem longe! Esse moleque é o demônio em pessoa!

Dessa vez, foi Michael quem se sentiu indignado.

— Veja o que você está dizendo! Meu Deus! Essa pessoa que vocês estão perseguindo é apenas um garoto. Será que não conseguem enxergar?

 — Um garoto que deixou a minha mãe internada — rebateu uma menina gordinha, que segurava um pedaço de madeira. — Ela está toda machucada, consequências desse animal!

— O meu carro foi destruído! — gritou alguém entre o mar de pessoas.

— Ele acabou com a minha lanchonete! — uma senhora furiosa emendou.

— Matou o meu cachorro!

— Perseguiu a minha filha em plena luz do dia!

Eu começava a ficar desesperado. Aquelas pessoas tinham motivos. Léo de fato havia causado estragos na vida delas. Parecia impossível fazê-las mudar de ideia.

— Ele precisa ser exorcizado, isso que ele precisa — disse a mulher magricela. — Ninguém aqui aguenta olhar pra cara dele!

Os demais concordaram.

— Eu entendo a revolta de vocês, mas ainda assim ele não tem culpa — insisti.

— Como não?!

— Ele se transforma num cachorro e acaba perdendo o controle.

Alguns riram como se fosse uma piada, outros pareceram ainda mais enfurecidos.

— Ele se transforma num cachorro? — ironizou o rapaz da graxa. — Essa é a desculpa?

— Não é desculpa nenhuma — disse meu tio. — Eu me transformo num tigre desde que me conheço por gente. E também me descontrolava quando tinha a idade dele.

As gargalhadas aumentaram. Mas o homem da graxa, que provavelmente era o líder do grupo, trincou os dentes com força.

— Vocês só podem estar brincando com a nossa cara! Saiam da frente! É a última vez que aviso!

— Ou o quê? — Michael deu um passo para frente. — Vocês vão matar essa criança?

A simples pergunta causou hesitação não só no sujeito, como no restante dos rebeldes.

— Alguém precisa fazer alguma coisa — foi a resposta que ele encontrou, mas eu vi ali a brecha que precisava.

— Vocês estão fazendo um inferno na vida de uma família que não tem culpa do que aconteceu — falei. — Lá dentro daquela casa tem uma garotinha de seis anos que está morrendo de medo, sem nem sequer entender o que está se passando.

— Nós entendemos que o Léo causou transtorno na vida de vocês — disse Yago, impulsionado pela minha insistência —, mas estamos aqui para garantir a vocês que isso não vai mais ocorrer.

— É um pouco tarde pra isso, vocês não acham? — gritou a gordinha.

— Os prejuízos que tivemos não serão pagos sozinhos! — vociferou a mulher idosa.

— A gente se responsabiliza pelos danos materiais — interveio tio Michael rapidamente. — Agora, quanto aos danos físicos e psicológicos… Eu peço que sejam compreensivos quanto a isso.

Ninguém pareceu muito convencido, apesar da fúria do grupo aparentemente ter sido amenizada. Natsuno cutucou meu tio e disse:

— Que tal mostrar a sua forma animal pra esses otários?

Tio Michael olhou para mim, e eu fiz que sim com a cabeça, embora receoso com a reação que obteríamos.

— Por favor — disse ele aos rebeldes, gesticulando em forma de defesa —, peço que não se assustem. Prometo que é só uma demonstração.

Ele semicerrou os olhos e sua aparência começou a mudar. Seu nariz se tornou um focinho e sua pele ganhou pelos alaranjados. Os olhos castanhos alternaram para um verde-esmeralda e suas orelhas ficaram pontudas. Meu tio, agora, tinha presas no lugar dos dentes e seus músculos ficaram mais inchados.

Atônitos por um momento, de repente todos ficaram agitados; os vândalos ameaçaram uma investida, atiçados pelo surgimento de “outra aberração!”, como alguns gritaram. Jhou, Yago e Natsuno já estavam prontos para a batalha, mas fui rápido em chamar:

— Modo Ataque!

E Billy saltou de algum lugar, transformado num cachorro gigante e feroz, fazendo todos pararem onde estavam.

— Agora, escutem! — gritou Michael, cuja voz continuava a mesma. — Essa é a aparência que eu assumo quando quero, mas isso não significa que me torno um demônio. Pelo contrário! Continuo eu mesmo! Um pouco mais feio, é verdade. Porém, tenho total controle sobre os meus atos, e a minha intenção é ensinar o garoto a dominar sua transformação. Assim como ele, eu não me controlava e acabei causando muitos problemas. Também fui perseguido e também fui chamado de aberração. O resultado de tudo isso? Traumas e mais traumas. Vocês acham mesmo que estão sendo justos com este jovem garoto? — Tio Michael apontou para Léo, acuado atrás de mim.

— Ele não tem culpa dos estragos que causou — acrescentei, dando alguns passos e ficando ao lado do meu tio. — Queremos resolver tudo da melhor forma, ao contrário de vocês, que chegaram ao extremo. Vejam e analisem as atitudes que decidiram tomar, e contra uma família! Contra um pai que precisa garantir o sustento; contra uma mãe preocupada e sem entender o que se passa com o filho; contra uma garotinha que sequer tem noção do porque a sua casa é apedrejada todo santo dia!  Contra um menino que teve sua vida normal afetada em todos os sentidos… — Lágrimas brotaram em meus olhos sem que eu controlasse. — Eu me recuso a aceitar esse tipo de violência! Vocês querem tanto fazer justiça que acabaram se esquecendo da moralidade! Estão orgulhosos de si mesmos? Garanto que eu não estaria! — bradei para o rapaz da graxa.

— Eu sou um místico — disse Léo pela primeira vez, chamando a atenção de todos, ficando ao meu lado. — Místicos são pessoas que nascem com algum tipo de poder. No meu caso, eu me transformo num cachorro. Não controlo ainda, mas pretendo me esforçar ao máximo para conseguir, pois não quero causar mais nenhum tipo de transtorno.

O portão foi aberto outra vez. Leomar e Marli chegaram ao lado do filho. Não deixariam mais ele enfrentar tudo sozinho. Quando a Martinha apareceu, Leomar disse:

— Filha! Falei pra você não vir. É perigoso…

Ela ignorou o pai e abraçou o irmão por trás.

— Não é mais — assegurou tio Michael, encarando um grupo de pessoas que, agora, não pareciam mais tão revoltadas. — Não é mesmo?

O líder olhou para trás, percebendo que as pessoas começaram a trocar olhares entre si. Quando se virou para Michael, sua expressão estava diferente. 

— Eu… nem sei o que… dizer…

Ele soltou a pedra que segurava e começou a andar na direção do Léo.

— O que você está fazendo? — perguntou tio Michael, retornando à sua forma humana; as pessoas ainda o encaravam com curiosidade. Considerando que Billy não o impediu, o rapaz não parecia ter más intenções.

— Eu sinceramente não consigo entender como puder ir tão longe — respondeu, de olhos abaixados, erguendo-os para o garoto quando chegou perto dele. — Por favor, me perdoe por esses absurdos.

Pensei que Léo recuaria com a aproximação, mas não. Ele deu um passo na direção do homem e lhe estendeu a mão.

— Perdoado — sorriu, simplesmente.

Uma lágrima escorreu no rosto sujo de graxa do rapaz, que imediatamente a apertou e, em seguida, se ajoelhou.

O ato causou grande choque em seus seguidores. Observei a multidão largando suas armas aos poucos, as expressões rígidas sendo substituídas por culpa e arrependimento, alguns indivíduos inclusive imitando o gesto do aparente líder do grupo.

— Cara, por essa eu não esperava — comentou Natsuno com o Jhou, que concordou. O grandalhão tinha os olhos marejados, a ponto de chorar.

— Não façam isso — Léo disse alto o suficiente para todos escutarem. — Se ajoelhar é apenas um sinal de fraqueza. E aprendi com um amigo que não devemos ser fracos. — Ele virou-se para mim.

As pessoas se levantaram. A mulher alta e magra foi a segunda a pedir perdão, depois os pedidos começaram a vir em sequência. Léo respondia a cada um deles, aparentemente sem nenhum tipo de rancor, o que eu considerava admirável.

— Eu me encarrego pela troca do seu portão. Sou serralheiro — disse um homem barbudo, se aproximando.

— Eu pago pelos prejuízos da casa — disse a senhora da lanchonete. — Faço questão! É o mínimo depois de tudo o que fizemos…

Decidi que nesses detalhes não iria me intrometer. Observei grande parte do grupo se dissipando. Alguns permaneceram para entrar num acordo com a família do garoto acerca dos transtornos materiais. Por fim, ficou combinado que cada um arcaria com seus próprios prejuízos, uma vez que ambos os lados tiveram suas perdas e culpa.

— Eu não sei como agradecê-los — disse dona Marli quando o rapaz da graxa, o último do grupo a ficar, se despediu e foi embora. — Isso que vocês fizeram… não tem dinheiro que pague!

— Obrigado — emendou seu Leomar, com os olhos molhados. — Vocês não só ajudaram com os ataques, como também nos ajudaram a entender o que estava se passando com o Leonardo. Confesso que fui duro com ele em alguns momentos. Pensei que ele tinha culpa. Mas não. Ele era tão vítima quanto nós... — Ele deu um abraço no filho, que retribuiu com um sorriso. — Me desculpe, filho. Eu te amo muito.

Olhei para cada um dos meus amigos, que estavam tão contentes quanto a mim. Michael não perdeu tempo e marcou o primeiro treino para o dia seguinte. Não queria ver Léo se descontrolando de novo e causando mais problemas. Daria muito trabalho apaziguar os ânimos de um segundo grupo de vizinhos revoltados.

— Obrigado, Diogo — disse o garoto-cachorro, cujo semblante mudara totalmente desde a primeira vez em que nos encontramos. — Eu me sinto até outra pessoa. Graças a Deus você me encontrou naquele dia.

— Eu fiz o que estava ao meu alcance, cara, não precisa me agradecer. Espero que as coisas melhorem daqui pra frente, pois você é um bom garoto. Quanto ao encontro que tivemos naquele dia, agradeça ao Billy. Foi ele quem te achou — sorri, lembrando-me da cena dos dois, Léo e Billy, rosnando um para o outro.

— Au! — latiu o cãozinho. Todos demos risada.

Quando já estava pronto para dormir, pensando sobre o assunto percebi que acalmar uma multidão de furiosos e ajudar uma família me deixara aliviado pelo garoto-cachorro, satisfeito comigo mesmo, grato pela ajuda do tio Michael e dos meus amigos e, além de tudo isso, extremamente leve para a final do campeonato da escola.

Eu estava mais preparado do que nunca para o dia agitado que estava por vir.



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