Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 58: A semifinal do interclasses

Na terça-feira, os picos de conversas entre os alunos do colégio Martins eram sobre a primeira semifinal do campeonato de futebol, que iniciaria na última aula e teria a presença de grande parte da escola.

Os garotos da minha sala só conseguiam pensar no jogo; eu, por outro lado, pensava também na conversa que teria com o pai da Sophia. Pensei que aconteceria na segunda-feira, mas não tive coragem de ir até a garota para combinar, uma vez que as amigas dela não saíam de perto dela.

Na terça o problema foi outro: os jogadores do time decidiram, por algum motivo, que ficariam juntos a manhã inteira, o que me impedia de qualquer tipo de comunicação “externa”.

Ninguém se concentrou nas aulas. Os professores tiveram dificuldades para acalmar os ânimos dos alunos da sala 2, não só os jogadores do time, como também o restante da turma, que depositava confiança e rasgava incentivos para cada um de nós.

O jogo aconteceria às onze e meia, mas fomos autorizados a descer às dez e quarenta e cinco para o ginásio no intuito de ter uma melhor preparação. Enquanto vestíamos o uniforme, o treinador Rubens Almeida passava instruções e tentava nos motivar tanto com palavras quanto com estatísticas. No outro vestiário era possível ouvir gritos de guerra dos jogadores do 3ºC, o que eu percebi que começava a intimidar meus companheiros.

Trocados, nos dirigimos ao Miniestádio. Jhou comentava que suas pernas estavam trêmulas. Os jogadores de linha fizeram aquecimento enquanto o goleiro Lucas era treinado por Rubens. Aos poucos, as arquibancadas foram preenchidas por alunos de outras salas, o maior público que eu vira até então. Minha ficha começou a cair. Meu time estava entre os quatro melhores da escola!

— Caramba, olha quanta gente — comentavam alguns garotos impressionados.

— Parece que a escola inteira está aqui! — comentavam outros.

O time adversário, trajado com uniforme listrado de preto e amarelo, apareceu minutos antes da partida e sequer se aqueceu. Estranhei o fato de a professora Kátia, uma mulher branquela e esguia que dava aulas de Sociologia, ser a treinadora do 3ºC. Ela nunca havia mencionado nada em sala de aula sobre gostar de futebol, muito menos que era a técnica de um dos times do campeonato. Pelo menos suas ausências em algumas aulas estavam explicadas.

— Vê se ganha, hein Diogo! — gritou alguém do meio da multidão. Tive que procurar nas arquibancadas, e foi atrás de uma das balizas que encontrei Yago e um grupo de amigos. Dentre eles, além de alguns garotos do time do 2ºH, os dois caçadores que o acompanharam no embate contra os vampiros do shopping.

Fiz sinal de positivo para ele e virei-me após alguém tocar em meu ombro.

— Salve, Diogo. Que surpresa te encontrar aqui.

Era Joaquim, um garoto de olhos puxados que morava no meu bairro e que sempre estava pela quadra do parque, batendo bola com os adultos. Joaquim jogava muito bem.

— Eu não sabia que você era do 3ºC — admiti, feliz por ver o colega, mas preocupado por ter que enfrentá-lo.

— Lembra que combinamos de nos enfrentar na fase final do campeonato? Pois é, aqui estamos nós.

Nós dois sorrimos.

Quando Joaquim dirigiu-se até onde seus companheiros se reuniam, Natsuno comentou:

— Você o conhece, maninho? Ele foi um dos destaques do ano passado, mesmo sendo um volante. Joga muita bola!

— É, eu tô sabendo — respondi. — Ele mora perto da minha casa.

Tivemos a atenção chamada pelo grito retumbante do locutor da partida:

— E AQUI ESTAMOS NÓS PARA PRESENCIAR A PRIMEIRA SEMIFINAL DO INTERCLASSES!!! DE UM LADO, O BADALADO 3ºC, COM JOGADORES QUE FICARAM COM O VICE ANO PASSADO E QUE PARECEM FAMINTOS PARA DAR A VOLTA POR CIMA. DO OUTRO, O ESTREANTE E TRIUNFANTE 1ºB E SEU ESPÍRITO DE SUPERAÇÃO. E O VENCEDOR TERÁ O TÃO DISPUTADO ACESSO À GRANDE FINAL!!!

O árbitro deu o primeiro apito, indicando que os times deveriam se posicionar para o início da partida. Jogadores de vermelho de um lado e de preto com amarelo do outro, faltava pouco para o início. O Miniestádio ficou em silêncio. Nesse pequeno instante consegui avistar os alunos da minha sala e Sophia entre eles. Ela deu um sorriso quando nossos olhos se cruzaram.

Após o juiz apitar pela segunda vez, o locutor anunciou:

— COMEÇA O JOGO!!!

Assim como Rubens alertara, o 3ºC trocava muitos passes entre os defensores e os meio-campistas, então pressionamos na marcação a fim de tomar a bola o mais rápido possível. Mas, ao mesmo tempo em que passavam a bola entre si, eles avançavam suas linhas lentamente. Quando menos percebemos, estávamos vendo o adversário trocar passes perto da nossa grande área. Até que um dos atacantes recebeu perto da meia-lua, limpou um zagueiro e chutou forte no canto. Lucas teve que se esticar para espalmar a bola para fora.

— QUASE SAI O PRIMEIRO GOL! LUCAS ESPALMA PARA ESCANTEIO!  

— Recomposição! — gritou Rubens Almeida do banco de reservas.

O time adversário jogou a bola para a área, que encontrou a cabeça do grandalhão Jhou. No momento em que um jogador inimigo se preparou para pegar o rebote, Pedro foi mais esperto, antecipando-o e passando a bola para mim, que disparei...

“É agora” pensei.

Corri sem olhar para trás com o máximo de velocidade possível, ultrapassando a linha do meio-campo e deixando dois jogadores do 3ºC para trás. O último defensor adversário que sobrou tentou um carrinho, porém sem sucesso: dei um leve toque embaixo da bola e saltei; a perna do jogador de preto e amarelo não conseguiu tocar nada. Mesmo perdendo um pouco de velocidade com o movimento, continuei conduzindo a bola, dessa vez solitário, tenso, acompanhado pelos gritos entusiasmados da torcida. Aproximei-me do goleiro e chutei forte no canto…

A rede estufou.

— GOOOOOOOOOOOOOOOLLLLLL!!!! — berrou o narrador.

Os jogadores do 1ºB me abraçaram com alegria. Era difícil explicar o que estava sentindo. Vibrei muito por poder estar ajudando meus companheiros.

— Boa, Dio! — bradou Natsuno.

— Golaço! — elogiou Otávio.

Contente, olhei para a direção onde Sophia estava. Ela sorria de felicidade.

— Bora, galera, o jogo ainda não acabou! — disse para meus amigos. Eles se reposicionaram e a partida recomeçou.

O primeiro tempo se resumiu nas duas equipes atacando e se defendendo muito bem. O jogo estava bonito de ser assistido, ninguém segurava muito a bola. Enquanto o 3ºC tinha a característica de trocar muitos passes, meu time era mais vertical: atacava rápido e com poucos passes, muito mais objetivo que o oponente. Em dado momento, recebi a bola perto da grande área e, como estava marcado, passei para Natsuno, que apareceu penetrando entre os zagueiros. Ele dominou a bola deixando os adversários para trás e chutou forte. O goleiro, no entanto, fez grande defesa e mandou a bola para escanteio.

— Pedro se prepara para a cobrança… — disse o locutor. — É o último lance do primeiro tempo!

Pedro cruzou para a área e muita gente pulou. Mas foi Riku quem conseguiu subir mais alto, cabeceando forte na trave, deixando todo mundo ainda mais tenso e agitado. E foi naquele momento que eu percebi que aquele era o meu dia de sorte. Ao perceber que a bola vinha na minha direção, tentei uma bicicleta — e, caído no chão, pude observar a rede se estufando novamente.

— GOOOOOOOOOOLLLLL!!!! E QUE GOLAÇO!!! — Locutor e torcida foram à loucura. — DIOGO, NOVAMENTE, PARA O 1ºB, APÓS VIRAR UMA LINDA BICICLETA!!!! 

Ainda incrédulo, antes mesmo de me levantar, quase fui esmagado por meus companheiros de time. O árbitro nem nos esperou terminar a comemoração: apitou o fim do primeiro tempo.

A expressão no rosto de cada jogador do 1ºB era de confiança. Eu particularmente me sentia feliz, pois a vitória estava próxima e dificilmente escaparia. Rubens Almeida, entretanto, não tinha sorriso no rosto.

— Parabéns pelo resultado parcial — disse assim que todos estávamos reunidos no banco de reservas —, mas o jogo está longe de terminar. O primeiro tempo deixou claro, apesar dos dois gols que marcamos, que o 3ºC é um adversário muito forte. Qualquer descuido do nosso time pode ser fatal, então mantenham o foco!

Recebi inúmeros elogios durante os dez minutos de descanso. Ainda não conseguia acreditar que fora o responsável direto pelos dois gols que estavam dando a vitória ao nosso time. Mudara o quadro da partida totalmente: antes, meus amigos se sentiam intimidados pelos gritos de guerra do adversário no ginásio; agora, todos estavam confiantes.

Quando os times se reposicionaram no campo, notei que o adversário não parecia preocupado. Joaquim estalava os dedos das mãos e alongava o pescoço enquanto me encarava tranquilamente. Eu não estava com uma sensação muito boa.

O jogo recomeçou. E o 3ºC não mudou seu estilo de troca rápida de passes. Dessa vez eles tinham muito mais volume, até os zagueiros participavam. Na teoria, ficaria fácil para o nosso time armar um contra-ataque caso roubássemos a bola. Mas, na prática, estávamos sendo sufocados e obrigados a recuar.

— O que é isso?! — disse o locutor. — O 1ºB não consegue pegar na bola de jeito nenhum!!!

E assim sucedeu por vários minutos. Os atacantes Riku e Natsuno até recuaram para ajudar na marcação, o que tirava de vez a estratégia do contra-ataque. Até que finalmente saiu o primeiro gol, após o oponente tabelar e sair na cara do goleiro Lucas. Joaquim ameaçou chutar, mas deu o passe para seu companheiro, que empurrou a bola para dentro.

— GOOOOOOOOOLLLLLLL!!! HEITOR DIMINUI A DIFERENÇA PARA O 3ºC!!!

Heitor pegou a bola no fundo da rede, sem comemorar muito, e a levou até o meio de campo para a partida ser reiniciada rapidamente, enquanto a torcida fazia bastante barulho.

Suspirei, preocupado. Sabia que o gol sofrido poderia deixar meu time desestabilizado.

Riku se aproximou e disse:

— Entendi o que está acontecendo. O condicionamento físico deles é superior, por isso esses otários — apontou para os jogadores do nosso time — não estão conseguindo acompanhá-los com a mesma intensidade do primeiro tempo.

— Caramba, faz sentido — falei, percebendo que era verdade. — Então, como vamos pará-los?

— Não dá. Temos que segurar o jogo ao máximo e encontrar uma brecha na bola parada. É o único jeito.

O jogo recomeçou com o 3ºC pressionando ao máximo o erro do nosso time. Não demorou muito para conseguirem a bola e começarem novamente a troca de passes. Nenhum jogador de preto com amarelo parecia cansado, ao contrário dos garotos de vermelho, que já não aguentavam ficar correndo atrás da bola. Eu me esforçava ao máximo para atrasar o time adversário, e consegui algumas vezes, mas não estava sendo o suficiente.

Nesse meio-tempo, conseguimos roubar a bola poucas vezes, e mesmo assim não dava para contra-atacar, pois a marcação do 3ºC era muito eficiente. O desgaste físico estava sendo o principal obstáculo para nós; era como se o gol estivesse a um quilômetro de distância.

Então o 3ºC empatou, após Joaquim dar um passe por cima para um dos atacantes que passava entre os zagueiros Jhou e Nícolas. Ele ainda conseguiu driblar o goleiro antes de marcar.

— GOOOOOOOOOOLLLLL DO 3ºC!!! — narrou o locutor. — QUE EMPATE EMOCIONANTE!!!

Foi aí que eu percebi o ponto chave do time adversário. Informei rapidamente aos meio-campistas Carlos e Otávio, que entenderam o recado.

Eu só esperava que estivesse certo.

***

Depois do gol de empate, o 3ºC não conseguiu manter a mesma intensidade na troca de passes, deixando Rubens admirado com a visão de Diogo. Joaquim, o coração de seu time, agora estava sendo marcado de perto por três jogadores que se revezavam conforme o garoto mudava de lado: Diogo o marcava quando ele estava centralizado, enquanto Carlos e Otávio ficavam responsáveis pela marcação quando Joaquim ia para os lados do campo.

A bola sempre passava pelos pés dele, Rubens percebeu, como um maestro que ditava o ritmo de uma orquestra. E como Joaquim já não conseguia mais ter liberdade para distribuir passes entre seus companheiros, o 3ºC já não conseguia sufocar o 1ºB e, ainda por cima, dava brechas para contra-ataques.

— Bem pensado — comentou o treinador, observando Diogo, que se esforçava para tentar pegar a bola, com uma curiosidade nova. Decidiu fazer duas substituições.

— Entra Luan e Rafa no lugar de Pedro e Carlos! — anunciou o locutor.

O time se tornou mais compacto, pois Luan e Rafa eram mais corpulentos que Pedro e Carlos, embora não tão técnicos. O 1ºB ganhou força física, o que dificultava qualquer tipo de jogada rápida do time adversário, que não tinha mais Joaquim para ajudar na posse de bola.

***

Rubens foi cirúrgico ao colocar a dupla Luan e Rafa no jogo, eu precisava admitir. Os adversários não tinham mais recursos com uma marcação tão acirrada em cima de seu volante armador.

Enfim, conseguimos contra-atacar, da mesma forma que fizemos quando marcamos duas vezes no primeiro tempo. O lateral baixinho, Anderson, foi quem deu início ao roubar a bola de um dos adversários. E só não foi gol de cabeça do Natsuno porque o goleiro mandou para escanteio.

— O 1ºB FINALMENTE SAI DO SUFOCO E QUASE MARCA O TERCEIRO! ESCANTEIO! E SERÁ O RIKU O COBRADOR DA VEZ!

Eu iria para a cobrança, já que Pedro havia sido substituído, mas fui barrado por um Riku sério.

— Deixa comigo — disse ele. Parecia tão confiante que não tinha como recusar.

Os zagueiros Jhou e Nícolas, como eram altos, se posicionaram na área entre os marcadores. Riku respirou fundo enquanto encarava sério a bola. Pegou distância para a cobrança.

O árbitro autorizou com um apito. O locutor anunciou a cobrança. Em seguida, gritou gol.

— RIKU MARCA UM GOLAÇO! UM GOL ICÔNICO! UM GOL OLÍMPICO!!!

A curva enganou a todos, especialmente o goleiro. O Miniestádio explodiu em gritos de alegria quando o falso cruzamento se transformou num chute que atingiu o fundo do gol. Todo o nosso time correu para comemorar com o Riku, mas decidimos que não o abraçaríamos; Riku não era o tipo de pessoa que gostava daquele tipo de coisa.

— Golaço, Riku! — Tive que dizer. — Esse jogo é nosso!

Surpreendentemente, Riku deu um sorriso — embora muito discreto. Eu pensava que ele só conseguia sorrir de maldade, quando enfrentava vampiros.

Entre os jogadores de preto e amarelo, Joaquim parecia não acreditar no que estava vendo. Rubens aproveitou para tirar Natsuno e colocar Mike, assim o time ficou mais seguro com três zagueiros.

E o 3ºC não conseguiu fazer mais nada. A retranca que nós formamos no final da partida parecia impenetrável, e não ousamos tentar puxar outro contra-ataque. Seria arriscado demais.

Até que o árbitro apitou.

Fim de jogo.

A torcida ficou eufórica. Nós corremos para todos os lados com a empolgação no ápice.

— E O 1ºB VENCE POR TRÊS A DOIS E AVANÇA PARA A GRANDE FINAL!!!!

Alguns jogadores, como Anderson e Jhou, caíram em lágrimas, enquanto outros mais discretos somente agradeciam, a quem quer que fosse, pela suada vitória. Eu fiquei no meio-termo.

Percebendo que os garotos do 3ºC ficaram desolados com a derrota, reuni meus companheiros para cumprimentá-los. Joaquim me parabenizou pela vitória e me desejou boa sorte na final — pois, segundo ele, eu precisaria.

— Eu estou montando um time de quadra e seria uma honra tê-lo entre nós — ainda comentou. — Pense bem e depois me dê sua resposta.

Eu fiz que sim, embora soubesse que seria meio difícil conciliar escola com futsal e vampiros. Decidi que pensaria na proposta depois, pois precisava comemorar muito a classificação para a final. 

Enquanto comemorava com meus companheiros diante da parte da arquibancada onde se concentravam os outros alunos da nossa sala, lembrei-me do primeiro treino, onde tive que jogar de goleiro e sofri um certo preconceito por ser novato na escola. Era admirável o quanto o time havia evoluído. Ninguém imaginava que chegaríamos à final do campeonato com tantas turmas do terceiro ano na disputa. Eu só conseguia sentir orgulho.

 

— Parabéns pela vitória! — disse Sophia quando pisei na praça frontal do colégio, após tomar banho no vestiário e vestir minha roupa casual. Ela conversava com suas amigas antes de eu chegar, mas despediu-se delas quando me avistou e se aproximou.

— Hã, obrigado — falei tímido. Sophia tinha um belo sorriso no rosto.

— Eu estava te esperando para irmos até o meu pai. Ele está lá em casa e aceitou te ouvir.

Senti o corpo gelar. Por algum motivo, meu estômago começou a revirar, e eu suspeitava que fosse medo.

Sophia não parava de sorrir. Era nítida a felicidade em seus olhos. Ela parecia confiante.

Respirando fundo, eu assenti. Sabia que cedo ou tarde aquele momento iria chegar. Finalmente estava tendo a chance de iniciar um relacionamento com a garota que mexia com os meus sentimentos. Só esperava que desse tudo certo.



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