Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 56: Shopping com a Sophia

Minhas mãos tremiam com a ansiedade que eu estava sentindo, e o fato de a Sophia e seu motorista estarem calados só ampliava o meu desconforto. Eu nem sequer me lembrava que o shopping fosse tão longe. Tinha a sensação de que já havia se passado uma hora desde que saímos da praça do colégio, mas percebi que estava errado quando consultei o relógio: não havia se passado nem dez minutos ainda.

— Então o senhor é o Diogo, sobre o qual a senhorita Sophia tanto fala? — o motorista, um homem de meia-idade calvo e de bigode bem-feito, puxou o assunto.

— Beto! — exclamou Sophia.

— Perdão, senhorita, não foi minha intenção.

Eu me senti ainda mais nervoso. Notei que a fala de Beto carregava um sotaque diferente, talvez sulista. Ele era o típico mordomo de filmes dos anos 30.

— Sou eu sim — respondi. — Eu me chamo Diogo Kido, muito prazer.

Beto me lançou um olhar pelo retrovisor.

— Sobrenome peculiar — disse ele.

— Um pouco. É de origem japonesa.

— Sua família é japonesa? — estranhou Sophia, estreitando seus olhos sobre mim como se quisesse encontrar algum traço oriental.

— Hã… Eu não sei, exatamente. — Eu começava a ficar receoso quanto ao assunto. — Não há nada de japonês no meu pai, pelo menos nas características físicas. Talvez algum tataravô dele, não sei.

Sophia riu, embora eu não tivesse a intenção de ser engraçado. Mas sorri com a bela risada da garota.

As luzes dos postes das vias já se acendiam, indicando que o céu começava a escurecer. Notei que todos os estabelecimentos pelos quais passávamos estavam cheios: hamburguerias, restaurantes, pizzarias, lojas etc. Apesar de morar em Honorário há meses, eu ainda achava impressionante a diferença entre a cidade e minha terra natal.

Pensei diversas vezes em puxar assunto com Sophia a fim de quebrar o clima tenso, mas não sabia como, portanto não houve conversa durante o restante do trajeto. Queria olhá-la melhor; apreciar sua beleza; ouvir o som de sua voz. Decidi que aproveitaria ao máximo o passeio ao lado da garota.

Quando finalmente saímos do Mercedes, após Beto entrar num estacionamento e manobrar o veículo, fui tomado por lembranças não tão distantes. Foi naquele estacionamento que Riku desarmou a primeira bomba, antes de subirmos para o shopping e termos que enganar um vampiro para encontrar a segunda bomba.

— Algum problema? — perguntou Sophia.

— Não, nenhum.

Beto continuou dentro do carro, o que foi um alívio. Por algum motivo, pensei que o mordomo nos acompanharia a noite inteira.

— Senhorita, às nove e meia virei buscá-la. Estarei num barzinho qualquer tomando uns… drinques. Mas nada que altere minha sobriedade, devo dizer.

— Tá ok, Beto, pode ir. E por favor, lembre-se de que meu pai não pode saber.

— Tudo bem. Ligue-me, caso precise de algo. Até breve.

Assim que Beto se foi e começamos a caminhar em direção ao elevador, fiz a pergunta:

— O que seu pai não pode saber?

— Sobre o… encontro — respondeu ela, aparentemente receosa em proferir a última palavra.

— Entendi…

Estremeci ao me lembrar da feição nada amigável de Sandro Macedo.

— Mas não precisa ficar com medo — riu Sophia, fazendo com que eu me sentisse constrangido.

— Eu não estou! Quer dizer, não tem por que ficar com medo, né?

Sophia deu de ombros.

E o início do passeio foi tímido para ambos os lados.

Não havia como eu não me lembrar de quando saía com meus pais quando criança. Para todo canto que olhava, lá estava uma família com filhos pequenos. Os corredores estavam movimentados e as praças de alimentação estavam cheias. Eu já queria ir em algum fast food, mas deixei que Sophia escolhesse os lugares que gostaria de ir primeiro.

— Às lojas, claro! — disse ela, e entrou na primeira.

Conforme examinava as blusas e calças, pedia a minha opinião, mal sabendo que eu era péssimo para escolher roupas, especialmente peças femininas. Imaginei se Sophia gastaria o sábado inteiro fazendo compras. Era pior que sermos acompanhados por Beto.

— Me desculpa — disse ela de repente.

— Hã? Por quê?

— Prometo que essa vai ser a única loja que vou entrar hoje.

— Que isso! Fica em paz, eu não ligo não — menti, para não a decepcionar. — Pode fazer suas compras à vontade. Eu sou acostumado com isso. — Pensei na minha mãe e ri.

— Idiota. Qual é a graça?

— Nada — respondi rapidamente. — É que… você me lembra a minha mãe.

Sophia arqueou uma sobrancelha, então deu risada.

— Quer saber, vamos comer alguma coisa — disse ela, desistindo da camiseta que pretendia comprar. — Estou morrendo de fome!

Achei engraçado a mudança repentina de planos da garota.

— Eu também, hein. Onde você quer comer?

Olhei para os restaurantes mais sofisticados possíveis, torcendo para o meu pobre dinheiro dar conta de pagar tudo. Sophia parecia o tipo de garota acostumada a comer em lugares caros, daqueles que só vendem comida saudável e feita com ingredientes importados.

— Méqui ou BK — respondeu ela. — Qual você prefere?

Fiquei surpreso, e encarei a garota imediatamente. Decidi apenas responder:

— Méqui. Apesar de que não vejo tanta diferença entre um e outro.

Então encaramos a enorme fila do McDonald 's, uma dentre as dezenas de lanchonetes que rodeavam a praça de alimentação abarrotada de gente daquele andar. Um casal de mãos dadas se abraçou bem na nossa frente, me causando um certo desconforto. Apesar da vontade que sentia de fazer o mesmo com Sophia, não acreditava que tinha a coragem necessária para fazê-lo.

— Meu tio me trazia aqui sempre que dava — disse Sophia em dado momento. — Digo, neste shopping. É um lugar que me traz lembranças muito boas, como uma espécie de túnel do tempo que me leva ao passado.

Estranhei o fato de a garota citar o tio ao invés do pai. Por outro lado, começava a compreender por que justamente aquele shopping, já que havia lugares mais próximos — e até mesmo um shopping mais próximo — para a garota escolher.

Então algo me ocorreu.

— O tio que você fala… é aquele que morreu?

A garota fez que sim, agora entristecida. O brilho dos seus olhos castanhos diminuiu, como se a felicidade tivesse se dissipado feito uma luz que se apaga.

— Ele era como um pai para mim . Um pai que nunca tive.

Fiquei dividido entre continuar com o assunto — pois talvez a garota quisesse desabafar — e mudá-lo para algo mais alegre. Sinceramente, não queria que o encontro fosse marcado por conversas tristes.

— E aí, o que você vai pedir? — disse ela, talvez para evitar um possível choro. Decidi que seguiria a maré.

Optamos por um combo família, que vinha quatro lanches + refrigerante + muita —  realmente muita — batata frita. Eu queria pagar sozinho, mas a garota insistiu muito para que a conta fosse dividida. Depois tivemos que procurar minuciosamente por uma mesa na agitada praça de alimentação.

A princípio, eu não tinha certeza se conseguiríamos comer tanto. No fim, queríamos pedir mais.

— Sua bochecha está suja de ketchup — riu Sophia, enquanto comia as últimas batatas. Peguei um guardanapo e me limpei.

— Pronto?

— Mais ou menos — disse a garota, com um risinho suspeito.

No momento em que fiz menção de pegar outro guardanapo, Sophia foi rápida em me sujar novamente, caindo na gargalhada em seguida.

— Ah, filha da mãe! — Pegou um sachê de maionese e dei o troco, também rindo, quase caindo da cadeira ao desviar de uma segunda investida da garota. E nós dois só paramos porque já havíamos chamado atenção demais.

 

— Que filme você quer ver? — perguntei quando paramos diante de uma das máquinas de autoatendimento do cinema do shopping. Como Sophia parecia indecisa, fiz uma sugestão.

— “O Ataque dos Vampiros”? — estranhou ela. — Não, parece ser chato. Esse aqui deve ser legal: “Um Casal Perfeito”. — Ao meu sinal negativo, perguntou: — Por que não?

— Porque é romântico.

As pessoas que aguardavam pela nossa escolha começaram a ficar impacientes.

— Tem esse aqui, de comédia. “Férias na Casa do Tio. — Eu me imaginei passando férias na casa do tio Michael e ri.

— Não gostei. Prefiro esse aqui: “Uma História de Amor”.

— Melhor não. É romântico demais para o meu gosto.

Uma sensação familiar me alertou. “Caçador por perto” pensei. Antes que eu começasse a vasculhar o perímetro, uma voz conhecida disse:

— Vocês poderiam assistir “Um Amor Quase Perfeito”. É uma comédia romântica. Assisti essa semana e gostei muito. — Era o Yago.

Estranhei a presença do meu amigo, especialmente pelo fato de ele estar acompanhado por outros dois garotos que eu nunca havia visto antes: um branquelo de cabelo baixo e que usava óculos e um negro de expressão carismática.

— Parece ser um bom filme — disse Sophia.

Comprei logo os ingressos, antes que fôssemos agredidos pelas pessoas da fila.

— E aí, cara, o que faz por aqui? — perguntei ao Yago.

— Trabalhando, como sempre. — Havia um sentido duplo em sua fala. Eu só não sabia se devia me preocupar. — E você, Diogo, só num passeio romântico, né? Oi, moça, eu sou o Yago, amigo do Diogo. — Apresentou-se para Sophia. — E esses dois aqui são Eslei — apontou para o de óculos, que assentiu com a cabeça — e Salatiel. — Salatiel deu um sorriso.

— Hã, olá — disse a garota.

— Então você é o Diogo Kido — disse Eslei, me olhando com certa curiosidade.

— É um grande prazer, meu chapa — sorriu Salatiel. — Não é todo dia que encontramos um Kido por aí…

Yago deu uma cotovelada no amigo, como que para alertá-lo. Sophia olhou confusa para mim. Yago interveio:

— Temos que ir. Bom passeio pra vocês. Até mais, Diogo.

Assim que o trio se distanciou, a garota comentou:

— Não entendi nada.

Dei de ombros.

— Quer pipoca ou chocolate? — perguntei, antes que a garota começasse a fazer perguntas.

— Ué, por que tenho que escolher entre um e outro sendo que posso comer os dois? — Ela riu.

Além da pipoca e do chocolate, compramos também salgadinho, refrigerante e bolacha. Sophia comentou algo sobre engordar uns cinco quilos só naquela noite, mas eu tinha certeza de que seu corpo continuaria bonito mesmo que engordasse dez. Demos mais uma volta no shopping antes de retornarmos ao cinema, onde as filas se esticavam.

E o filme até que foi legal. Houve momentos comoventes e houve também momentos engraçados. Apesar de a sala estar cheia, era como se só houvesse nós dois lá dentro, especialmente nas cenas românticas.

— Preciso ir ao banheiro — falei quase na metade do filme, aproveitando que a cena parecia ser irrelevante, imergindo no corredor escuro que dava acesso ao lado de fora.

O corredor do lado de fora das salas estava vazio por ser isolado do shopping e repleto de cartazes com filmes que estavam disponíveis ou que estreariam em breve. Senti um arrepio; era esquisito haver um lugar tão silencioso dentro de um estabelecimento abarrotado de pessoas.

Os banheiros ficavam no fim do corredor.

Ao terminar, lavei as mãos e novamente senti o arrepio. No momento em que olhei para o espelho da pia, vi-me acompanhado por dois homens altos e magros. Embora não tivessem olhos vermelhos, eu sabia exatamente do que se tratava.

— Droga! Vocês me perseguem? — perguntei, irritado.

— Relaxa — disse o de nariz meio torto —, nós só queremos um pouco do seu sangue. — Ele sorria com malícia e, enfim, fez seus olhos alterarem  para o vermelho vivo.

Suspirei. Deveria suspeitar de que as coisas estavam indo bem demais para ser verdade. Tirei o anel dourado do dedo e o transformei na Takohyusei.

— Hoje era minha folga — reclamei. — Vocês tinham a semana toda pra aparecer!

O outro vampiro, o que tinha a barba malfeita, rosnou com a presença da espada, expondo não só seus olhos escarlates, como também seus dentes pontiagudos.

— Somos nós quem escolhemos o dia da nossa refeição! — vociferou a criatura, que agora tinha uma aparência horripilante devido às veias que saltavam de seu rosto.

Eu me preparei. Seria ruim lutar em um ambiente fechado contra dois vampiros provavelmente evoluídos. Mas não estava na posição de escolher.

— Deixe-os com a gente, Diogo — disse Yago invadindo o banheiro abruptamente. — Estávamos de olho nesses dois aí já tem uns dias. Parece que os encontramos no lugar certo. — Atrás, Eslei e Salatiel surgiram armados com espadas.

Os vampiros trincaram os dentes, recuando alguns passos. Tinham garras afiadas prontas para o ataque.

De certo modo, fiquei aliviado. Não por ser protegido, mas porque meu encontro não seria atrapalhado. E notei que Yago empunhava uma espada diferente da habitual: a lâmina era fina feito uma agulha e o guarda-mão tinha um formato esférico, de forma que protegesse sua mão.

— Não sabia que você era esgrimista.

— Meu clã é especializado em todo tipo de espada — sorriu o garoto, como se os vampiros não estivessem ali. — Este é o sabre tradicional da família e a minha Takohyusei. Top, né?

Eslei e Salatiel, em contrapartida, empunhavam espadas de formato comum. Eslei disse:

— Vá curtir seu encontro, Diogo. Deixe-os com a gente.

De repente, o vampiro do nariz torto ergueu seu punho e o desferiu contra mim, mas consegui desviar a tempo, observando assustado o espelho se rachando ao receber a pancada da criatura.

— Boa sorte — desejei aos garotos.

Yago assentiu e deu um passo para frente. E o que iria acontecer dali por diante, eu não saberia; dei o fora do banheiro e retornei à sala de cinema.

— Perdi muita coisa? — perguntei para Sophia, que parecia vidrada no filme. Ela fez que não e rapidamente explicou o que tinha acontecido nas cenas que perdi.

E eu fiquei preocupado com o meu amigo. Queria a todo momento voltar ao banheiro para verificar o que tinha acontecido. Por outro lado, dizia a mim mesmo que Yago com certeza tinha experiência contra vampiros e que daria conta numa boa. Decidi que confiaria nele.

Ainda assim, demorou um tempo para a minha ansiedade ir embora. O filme era bastante divertido apesar de possuir inúmeras partes comoventes. Em determinadas cenas, tive a impressão de que Sophia segurava o choro. Eu não conseguia entender como filmes românticos conseguiam emocionar alguém. O único filme que chegou a me fazer cair em lágrimas foi “Sempre ao Seu Lado”.

Então nossas mãos se encontraram. O simples toque fez o meu coração bater mais forte. Até pensei em recolhê-la, tímido, mas tomei coragem e decidi que não o faria. Sophia também não recolheu, e dali em diante assistimos ao filme de mãos dadas.

 

— Eu gostei muito! — disse ela ao sairmos da sessão, com uma alegria que a deixava ainda mais bonita.

— É, confesso que também gostei — fui sincero. Tentava acumular coragem para pegar na mão da garota novamente, mas era como se a realidade fosse outra com as luzes acesas. 

— O que você quer fazer agora? — perguntou Sophia.

“Te beijar” era o que eu queria responder. Consultei o relógio: oito e treze.

— Ah, vamos dar mais uma volta por aí — sugeri. — Temos tempo ainda.

— Vamos jogar! — Sophia olhava com empolgação para um espaço repleto de luzes coloridas e máquinas de jogos de todo tipo.

— Agora você falou a minha língua!

Começamos jogando hóquei de mesa; eu venci. No pebolim também. Fomos para as máquinas de fliperama e mais uma vez eu saí vencedor. Percebendo que Sophia começava a ficar desanimada, decidi deixá-la com a vitória no jogo de corrida, recebendo muita caçoada em troca.

Depois tentei a sorte em uma das máquinas gruas de pelúcia e consegui agarrar um ursinho de primeira. Sophia o aceitou com um grande sorriso. Em seguida, avistou uma cabine de fotografia e correu para ela.

— Vem! — chamou.

Após esperarmos na pequena fila, injetei uma ficha na lateral da máquina e nos acomodamos no banco interno em frente à câmera. Ainda estávamos nos ajeitando, quando…

Flash!

Sophia rapidamente chegou mais perto de mim e tomei coragem para abraçá-la.

Flash!

Ela deu um beijo no meu rosto e…

Flash!

Na quarta foto nós fizemos caretas.

Flash!

E, na quinta e última foto, decidimos encostar os rostos, assim como casais de verdade fazem.

Flash!

As fotografias foram impressas na outra lateral da cabine. Tenho que confessar que ficaram muito bonitas — exceto pela primeira, que ficou tremida. Sophia guardou-as na mesma sacola do urso de pelúcia e disse que zelaria por elas como recordação.

Alguns minutos depois, estávamos sentados num banco de mármore tomando sorvete. Lembrei-me da fonte com a estátua de uma mulher com vestes gregas bem no centro da praça; foi onde procurei pela bomba antes de deduzir que ela estava, na verdade, na tubulação de ar do shopping. Quem diria que meses depois eu estaria no mesmo cenário, mas numa situação diferente?

— Foi uma noite incrível — disse Sophia, limpando a boca ao finalizar o sorvete. — Temos que marcar mais vezes.

Eu contemplava os belos olhos da garota. Fiz que sim, tímido, ao me dar conta do que fazia.

— Vamos marcar sim. Quando você quiser.

— Se você conseguiu me aguentar um dia, pode aguentar outros — brincou ela.

— Ah, você nem é tão chata assim — eu disse. — Não chega a ser insuportável.

Sophia arqueou uma sobrancelha, então nós rimos.

Era difícil de acreditar que o encontro havia dado certo. Exceto pelos vampiros do banheiro, nada saiu da linha. O único problema era que eu ainda me achava tímido perto da garota, que era bem mais extrovertida que eu.

— Por que aqueles caras tinham olhos vermelhos? — perguntou ela de repente.

Eu engoli em seco. O pensamento de que Sophia havia descoberto sobre os vampiros do banheiro me assustou.

— Caras? Que caras? Como assim?

— Vamos, Diogo, eu não sou idiota. Aqueles… abusadores do beco — disse ela com nojo — em quem você deu uma surra para me salvar. Eu vi os olhos vermelhos deles! E não é a primeira vez que isso acontece. Você sabe de alguma coisa, então me diga!

Aliviei-me ao entender a quais vampiros ela se referia. Andei investigando, e ela realmente não caça, lembrei das palavras do Riku. Na verdade, Sandro esconde isso dela.

— E o mais estranho é que você jogou uma espada nele e ele… virou areia. — Sophia estava pensativa. — Eles eram o quê? Demônios, zumbis ou algum tipo de vampiro? Eu quero uma explicação.

As coisas estavam ficando complicadas. Eu sabia que não poderia contar a verdade por ser uma opção do próprio pai da garota, muito embora ela tivesse presenciado uma batalha entre um caçador e quatro vampiros sem qualquer tipo de censura.

— É uma longa história — foi o que consegui pensar em dizer. — E eu… prefiro mudar de assunto.

Os olhos da garota se tornaram intimidadores. Havia uma fúria contida em seu olhar, como se ela estivesse a ponto de sacar uma espada e proferir uma ameaça a fim de me fazer contar a verdade em troca de não cortar minha garganta.

No fim, Sophia apenas suspirou e disse:

— Você ainda vai me contar tudo.

Eu respondi:

— Prometo que sim.

Então me lembrei do que aconteceu após a tal batalha, quando ela confessou que gostava muito de mim. Se havia uma oportunidade, aquela era a hora.

— Eu queria te dizer uma coisa — falei.

— Sim?

Minha respiração começou a ficar ofegante. Que sensação era aquela? Eu não conseguia me concentrar. Tudo o que havia ensaiado parecia ter sumido totalmente de minha mente. Mas precisava dizer algo, pois já havia começado.

— Eu gosto de você — disse rápido até demais.

Ela sorriu.

— Você já me disse isso, Dio. Você até me pediu em namoro.

Eu me lembrava muito bem, e me arrependia. Não pelo pedido, mas pela forma como ele foi feito. Não era o momento adequado.

— Sim, verdade. Eu… quer saber? É melhor eu te entregar isso logo.

Eu me levantei para apanhar algo do bolso e nesse momento Sophia ficou vermelha, percebendo que as pessoas ao redor olhavam para nós. Dando-me conta também, eu rapidamente me sentei, sentindo o rosto aquecer de maneira rápida.

— O que é isso? — perguntou ela, observando a caixinha vermelha que eu segurava. Era de veludo.

— É um presente meu para você.

Eu a abri e revelei um colar dourado. Por bastante tempo, guardei dinheiro e decidi que o gastaria somente com algo realmente importante. A princípio, imaginei que compraria um videogame moderno ou uma televisão nova, ou até mesmo uma moto para dar um rolê de vez em quando. Mas quando conheci Sophia, decidi que ela era a garota que sempre procurei e que seria nela o meu investimento. E não me arrependia nem um pouco.

— Que lindo — admirou-se ela. — Mas eu… não posso aceitar. Deve ter sido muito caro, Diogo.

— Você é muito mais valiosa que uma simples corrente de ouro. 

Sophia pareceu sem palavras, e me olhou com uma curiosidade nova. Como seus olhos eram envolventes… Mas decidi que não perderia a concentração. Retirei o colar da caixinha e pedi permissão à garota para que o colocasse em torno de seu pescoço. Não tive tanta dificuldade porque treinara o movimento durante dias em uma das bonecas da minha mãe — pois precisava simular de fato uma garota, devido aos cabelos longos. E ficou ótimo nela. Como era um colar pequeno, não chegava a descer ao busto, e combinou perfeitamente com a roupa que ela estava usando.

— Eu quero que você guarde este momento na memória — falei, sentindo-me, pela primeira vez na noite, valente perante a garota. — Jamais se esqueça do nosso primeiro encontro, pois pra mim está sendo um dia incrível. Não precisa usá-lo todo dia, tá? Pode usar quando quiser. Mas enquanto você o tiver, mesmo que guardado na última gaveta do seu guarda-roupa, lembre-se que eu também estarei com você. Eu… definitivamente não sou o cara mais romântico do mundo, nem o cara mais confiante… Na verdade nem sei direito como tratar uma garota. — Ela riu. — Mas o que sinto por você, Sophia, é verdadeiro, e eu gostaria que este momento fosse eternizado. Pelo menos pra mim será inesquecível. Então, hã… por favor, nunca se esqueça de mim, que eu prometo que jamais me esquecerei de você.

— Eu amei — disse ela, com um sorriso meigo que parecia não querer ir embora. — Amei cada momento ao seu lado, amei estar com você, amei o presente… Amei tudo! E pode deixar que você pra sempre estará aqui. — Ela falou colocando a mão sobre o peito.

Nossos olhos estavam fixados um no outro e ninguém parecia querer desviar. Era como se algo nos atraísse, como se houvesse um campo magnético que tentava nos conectar. De maneira automática, nos aproximamos, ficando a centímetros um do outro. Nossos rostos estavam quase se tocando.

Senti o coração ficar frenético. Sophia estava muito perto, era possível sentir sua respiração. Ela tinha um cheiro doce, agradável, sedutor. Seus lábios eram finos e delicados. Ela fechou os olhos; parecia uma princesa de tão bela. Faltava pouco…

Então parou, abrindo os olhos.

— Não podemos.

Não podemos?

Eu não sabia se ficava confuso ou frustrado.

— Por quê?

“Faltou tão pouco!” pensei, desesperado por dentro.

— Você precisa falar com o meu pai antes.

Meu coração pareceu ganhar uma tonelada.

— Falar com o seu pai?

— Sim. Diogo, eu prefiro fazer as coisas da maneira correta. E se você quer mesmo que eu seja sua namorada, precisa conversar com ele primeiro, pelo menos é assim que eu prefiro.

A felicidade que senti ao saber que a garota gostaria de aceitar meu pedido de namoro — que fora feito há meses — quase ocultou o receio que eu tinha de dirigir a palavra ao Sandro.

— Você está certa — falei motivado. — Eu vou falar com o seu pai o mais rápido possível!

Sophia abriu um lindo sorriso.

— Está bem — disse com a voz meiga. — Vou pedir para o Beto ligar para ele amanhã, o que acha?

Engoli em seco.

— Tranquilo. Amanhã. Por mim está tranquilo.

A garota riu.

— O que foi? — perguntei.

— Nada. — Então ela me abraçou forte. — Eu ficarei feliz se ele aceitar. Quero muito ficar com você.

Sem dúvidas, aquela foi a melhor noite que eu tive até então. Não sabia explicar o sentimento que aquecia meu peito. Estar ao lado de Sophia me fazia esquecer de todos os problemas. Torcia muito para aquele tipo de momento ser frequente entre nós dois. E decidi que precisava preparar bem as palavras que usaria para convencer o pai da garota a nos deixar namorar, pois Sandro definitivamente não parecia ser o tipo de pessoa que aceitava as coisas numa boa.

De uma forma ou de outra, eu estava satisfeito pelo meu primeiro encontro.



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