Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 54: 1ºB versus 2ºA, a superação da defesa!

Nota do autor:

Eu sei que muita gente não gosta de futebol, mas é uma trama que acho necesssária na história para um desenvolvimento futuro do personagem. Ainda assim, para que a leitura não fique enfadonha, dá para pular essas partes tranquilamente que não afetará em nada no entendimento da novel. Mas cuidado para não pular o capítulo inteiro.

Dito isso, boa leitura!

A Rocha Milenar pertenceu a um dos maiores magos que Venandi já viu. Não se sabe ao certo seu verdadeiro poder, há apenas hipóteses formadas em razão dos inúmeros relatos no decorrer da história de que o Mago Brim enfeitiçava e manipulava suas vítimas com ela. O mago, no entanto, portava um cajado com a Rocha Milenar na ponta, o que dificultava saber se o feitiço vinha só da pedra ou do próprio cajado.

Após a morte de Brim, os monges da época acharam por bem pousar o cajado em um de seus templos para que não caísse em mãos erradas, e assim sucedeu por várias décadas, até que decidiram se desfazer dele com a justificativa de que a Rocha Milenar atrai energia negativa. O cajado foi, então, levado para o museu da Vila Manassés, uma das maiores vilas de Venandi, extremamente protegida por caçadores de alto nível e lá ficou por séculos, intocável e impotente. Ninguém ousava penetrar as defesas da vila, repleta de clãs perigosos, mas as tribos inimigas sempre estiveram de olho em qualquer tipo de movimentação. Sabiam que um dia o cajado teria que deixar o local, bastava esperarem pacientemente.

Com o passar dos anos, outras vilas evoluíram e se fortaleceram, ganhando grande destaque em Venandi. Sendo assim, achou-se por bem transferir os artefatos do museu da Vila Manassés para outras vilas mais protegidas, incluindo o cajado do Mago Brim. Cada objeto transportado recebia uma escolta bem treinada para que não houvesse contratempos no meio do caminho. Mas mal sabiam que inimigos estavam à espreita aguardando por esse momento.

Era como se uma realeza estivesse trafegando pelas estradas de Victanzil, o país onde se localizava não só a Vila Manassés, como também o Palácio do Relâmpago. Os habitantes das aldeias próximas às estradas pelas quais as carruagens trilhavam ficavam encantados com o comboio que, ao mesmo tempo em que esbanjava sofisticação, mostrava-se impenetrável. Os cavalos utilizados para a tração das carruagens trajavam armaduras bem polidas que lhes cobriam todo o corpo, exceto pelos pés e olhos. Galopavam em velocidade, treinados justamente para aquele tipo de situação, resistentes ao ponto de suportarem horas de tráfego mesmo diante do sol escaldante ou do frio intenso da noite.

As cinco carruagens da frente e as cinco de trás eram ocupadas por caçadores armados com todo tipo de arma branca, atentos a qualquer movimento externo, observando cada detalhe da floresta. Nada poderia se aproximar da carruagem central, responsável pela carga valiosa que era o cajado com a Rocha Milenar. Por outro lado, a noite era a companheira ideal das dezenas de sombras que preenchiam o território ao redor, vultos que nem mesmo a lua cheia conseguia evidenciar. A escuridão da noite se misturava às trevas silenciosas que cada vez mais envolviam as carruagens, e quando os homens caíram por si, já era tarde.

Estrategicamente, os atacantes encapuzados abateram os cavalos nas pernas através de shurikens, e em seguida jogaram bombas de fumaça para que a visão dos caçadores fosse nula. O silêncio da floresta foi substituído por relinchos dos animais e gritos de dor e agonia dos agentes da escolta. Sangue espirrou pela lataria dos veículos e poças vermelhas molharam o chão da estrada quando a investida teve fim. Tudo de repente ficou quieto, não havia um sobrevivente sequer, nem mesmo os pobres cavalos se safaram.

Os sujeitos encapuzados ficaram imóveis feito estátuas quando a fumaça se dissipou e os cadáveres ficaram evidentes. Apenas o líder dos ninjas se movia em direção à carruagem central, observado serenamente por seus capangas que nem pareciam que acabara de assassinar duas dúzias de caçadores de alto nível. Ele não se importava em pisar nos corpos dos seguranças pelo caminho, queria apenas concluir seu objetivo: obter o cajado do Mago Brim que possuía a famosa e poderosa Rocha Milenar.

***

Meu final de semana pareceu durar meses. O jogo do campeonato da escola estava próximo e meus amigos só falavam nisso. Quase todos os jogadores do time me visitaram, e faziam sempre a mesma pergunta:

— Você vai conseguir jogar com a gente, né?

Mas era difícil responder. Eu recorria ao doutor Sanchez. Ele alegava que, embora a minha recuperação estivesse ocorrendo de maneira eficaz, ainda não era possível saber se meu corpo estaria cem por cento na segunda-feira. Era quase impossível suportar a ansiedade que se estabelecia em mim.

Apesar disso, eu estava feliz. Os dias que fiquei no hospital serviram para eu perceber que tinha grandes amigos. Natsuno estava por ali sempre; usava a justificativa de que outro ataque poderia acontecer a qualquer momento, parecia até empolgado para entrar em ação novamente. Jhou e Pedro também fizeram visitas mais de uma vez. Mas a visita que me deixou mais contente foi a da Sophia.

Não houve muita conversa devido à timidez de ambos. Sophia fez perguntas genéricas e eu dei respostas também genéricas. Não importava; o fato de ela estar ali era o que provocava um sentimento quente em meu coração. Ouvir a voz da garota e vê-la de perto já fazia meu dia melhorar e meus problemas serem esquecidos.

Até que chegou segunda-feira. Um grande desânimo me envolveu durante toda a manhã; pelo jeito eu não poderia ajudar meus amigos na partida do campeonato. Virei para o lado e decidi que dormiria o dia inteiro, só assim para não ficar deprimido pensando no jogo.

— Diogo, como você está se sentindo? — perguntou Hamano Sanchez ao entrar no quarto.

Eu prontamente me levantei como uma espécie de resposta, tomado por esperança e ansiedade. Meus braços doeram um pouco, mas eu jamais informaria isso ao médico.

— Ótimo, recuperado.

Doutor Sanchez me lançou um olhar suspeito.

— E que hora é o jogo da escola?

— Umas onze horas, doutor, por quê?

O médico verificou o seu relógio e respondeu:

— Se eu fosse você, eu correria, porque já está quase na hora.

Não sei explicar a dimensão da felicidade que senti. Quase que imediatamente minha mãe entrou no quarto com uma mochila.

— Dio, eu trouxe roupa pra você, caso receba alta hoje — disse ela.

“Na hora certa!” pensei. Peguei a mochila, corri para o banheiro e comecei a me despir das roupas hospitalares. Ouvi o doutor Sanchez explicando para Sara que eu havia recebido alta e que precisava chegar a tempo para o jogo. Quando minha mãe percebeu, eu já estava pronto e perto da porta.

— Obrigado, mãe! Até outro dia, doutor!

O médico riu e dona Sara suspirou. Disse algo sobre eu ser um menino hiperativo e sorriu.

Ignorei os elevadores para descer as escadas feito um vulto. Quase ninguém me reparou no saguão principal de tão rápido que passei. Chegando na calçada, o clarão do dia fez meus olhos doerem por um momento, ao mesmo tempo em que o agradável ar puro sem qualquer resquício de cheiro de hospital invadiu minhas narinas.

Disparei pelas ruas sentido ao colégio. O relógio eletrônico do canteiro da avenida marcava dez e quarenta e cinco, alertando-me de que não poderia ficar parado ali. Precisava chegar a tempo!

Minutos depois, atravessei a praça frontal do colégio para me direcionar à entrada lateral do edifício. Imergi no corredor da secretaria e fui logo dizendo:

— Oi, eu preciso entrar.

Ofegava e suava. Meu coração acelerado me causava um pouco de dor no interior dos braços, embora eu tentasse ignorar. A “filha da senhorita Abigail”, por outro lado, me encarou pacientemente através da janelinha do cômodo que mais parecia uma prisão.

— Seu nome, por favor.

— Diogo Ribeiro Kido — a resposta saiu muito rápida.

— Por que faltou hoje? 

— Estava internado.

— E por que quer entrar se já está quase na última aula?

— Minha sala vai jogar pelo campeonato de futebol e não posso perder esse jogo! — Eu começava a ficar desesperado, não tinha certeza do horário, precisava entrar o mais rápido possível.

— Mostre-me sua identidade.

Cocei a cabeça; meus documentos estavam com a minha mãe, eu nem pensei em pegá-los. Retornar ao hospital para buscá-los definitivamente estava fora de cogitação.

— Moça, eu imploro, me deixa entrar. O jogo vai começar agora!

Os pequeninos olhos por trás dos óculos de grau pareceram me analisar com mais atenção, causando-me certa angústia devido a sua infeliz semelhança com Abigail. Ela disse:

— Terei que falar com a inspetora.

Quase caí onde estava. Abigail jamais me autorizaria a entrar. O jogo estava perdido.

A mulher continuou com os olhos fixados em mim, murmurando algo sobre sua cabeça estar doendo, até que:

— Ah! Lembrei de você! É o menino que pulou do primeiro andar porque estava passando mal. 

Era difícil saber se isso era motivo de alívio ou preocupação; eu apenas assenti. 

— Por que mesmo você fez aquilo?

— Depois eu explico — falei acelerado. — Vai me deixar entrar, agora que sabe que estudo aqui?

— Hum, não sei…

 

As arquibancadas do Miniestádio estavam cheias de alunos aguardando para ver os times em ação. Garotos de uniformes vermelhos — meus amigos — estavam posicionados diante de outros garotos de uniforme laranja-claro. Rubens Almeida andava inquieto na beira do campo com olhos fixos no árbitro, que aguardava o horário certo para dar início à partida.

Assim que pisei no campo, a torcida pareceu aumentar o volume de seus gritos, chamando a atenção de ambos os times.

— É o Diogo! — ouvi alguém gritando.

— Você veio! — disse Luan, que era o gêmeo do goleiro Lucas.

Cheguei ao banco de reservas dando o maior suspiro de alívio da minha vida. 

— E aí, galera — falei. — Parece que cheguei a tempo.

— Cadê o uniforme? — bradou Rubens, então virou-se para o árbitro. — Robson, dá tempo de ele se trocar?

— Ele tem dois minutos — respondeu Robson, um dos professores de Educação Física.

— O que você está esperando? — Rubens voltou-se para mim. — Vista-se!

Como que de forma programada, os garotos que estavam no banco de reservas me envolveram num círculo fechado e eu recebi o uniforme de alguém. Troquei-me ainda mais rápido que no hospital e calcei as chuteiras. Depois percebi que só havia nove jogadores de vermelho no campo, como se Rubens soubesse o tempo todo que eu chegaria antes do início da partida.

— Caramba, Dio, nunca mais você repete esse feito, hein? — disse Natsuno.

— Chegou nos quarenta e cinco do segundo tempo — brincou Jhou. — Quer dizer…

— Eu entendi, Jhou — falei, rindo. — E prometo que farei o meu melhor para ajudá-los!

Todos assentiram. Ainda dei uma última olhada no banco de reservas, grato pela ajuda dos meus amigos para me vestir a tempo, então o juiz apitou: começava a partida.

— COMEÇA O JOGO! — vociferou o locutor. — Jogo importantíssimo pelas quartas-de-final do campeonato de futebol do colégio Martins!!!

O time adversário iniciou a partida tocando a bola entre si no campo de defesa. Isso se arrastou por um longo tempo. A torcida começou a sentir tédio, ninguém gostava de ver um jogo daquele tipo, os espectadores queriam ver gols, ou pelo menos tentativas. Mas não era isso que estava acontecendo.

De maneira natural, nosso time foi adiantando as linhas, sedentos por tomar a bola e partir ao ataque. Era tudo o que o 2ºA queria, percebi, pois foi assim que sofremos a primeira ameaça: aproveitando as linhas ofensivas e a defesa exposta, o adversário veio com tudo e só não marcou o gol porque o goleiro Lucas saltou muito alto para impedir que o atacante segundanista cabeceasse.

— QUE CONTRA-ATAQUE AVASSALADOR! — empolgou-se o locutor. — Mas Lucas impede o cruzamento e salva o 1ºB do primeiro gol!!!

A partir dali, o jogo se tornou morno. O 2ºA manteve sua estratégia de tocar a bola com paciência, mas sem agressividade, uma vez que já conhecíamos sua estratégia, e o nosso time, por outro lado, optou por não se arriscar; deixamos a posse de bola com o adversário e ficamos esperando o momento certo para roubá-la. Vez ou outra, havia algum tipo de falha tática ou individual de algum dos times, e era nessas horas que as chances de gols eram criadas. Mas o primeiro deles saiu somente no final do primeiro tempo, quando o lateral Anderson acabou cometendo um pênalti.

— PENALIDADE MÁXIMA!! — informou o locutor. — Anderson recebe apenas uma advertência verbal, mas coloca seu time em uma situação desconfortável!

Percebendo que o baixinho ficou cabisbaixo, aproximei-me dele e disse:

— Acontece, mano, fica de boa. Temos o segundo tempo inteiro para revertermos o placar, caso a gente leve o gol.

Anderson assentiu, embora receoso. E todos lamentamos quando o meio-campo do 2ºA fez o gol. Lucas até conseguiu espalmar a bola, mas ela subiu para o travessão e voltou para as suas costas, entrando então no gol.

— GOOOOOOOOOOLLLLL!!! QUE AZAR DO GOLEIRÃO! E O 2ºA ABRE O PLACAR NO MELHOR MOMENTO POSSÍVEL!!!

Enquanto o adversário comemorava com sua torcida, Lucas socou o chão com remorso. Eu não podia deixar o nosso goleiro se abalar.

— Você foi bem, Lucas, só deu um pouco de azar. A gente confia em você!

Os demais jogadores confirmaram.

No momento em que os times retornaram às suas posições e Natsuno deu a saída de bola, Riku chutou dali mesmo, um foguete que pegou todos desprevenidos; a bola acertou o travessão com força e saiu. Imediatamente, houve silêncio nas arquibancadas. Ninguém esperava por uma ação tão rápida e perigosa. Natsuno e eu trocamos um olhar surpreso.

— QUE BOMBA! QUE SURPREENDENTE! RIKU QUASE MARCA PARA O 1ºB!!!

Com isso, o primeiro tempo teve fim e as torcidas voltaram a entoar os cânticos genéricos de estádios.

O segundo tempo foi idêntico ao primeiro. Nenhuma das equipes estava a fim de se expor tanto. No entanto, era nítido que o nervosismo tomava conta conforme o jogo progredia. As chances de alguém errar aumentavam a cada minuto, e eu sabia disso mais do que qualquer um. Até que encontrei a oportunidade que tanto esperava.

— Olha o Diogo! Ele conseguiu roubar a bola e agora parte ao ataque! Ele está na entrada da grande área, vai chutar?!

Mas eu apenas ameacei. Os defensores se distraíram e não viram quando Natsuno chegou. Passei para ele que, ao driblar zagueiro e goleiro juntos, acabou ficando sem ângulo, mesmo assim chutou. Não seria gol, não fosse por Riku, que surgiu do nada e teve o simples trabalho de empurrá-la para dentro…

— GOOOOOOOOOOLLLLLL DO 1ºB!!! BELO LANCE, BELA JOGADA!!! RIKU, O CAMISA 11, EMPATA A PARTIDA, APÓS BELA JOGADA DE DIOGO E NATSUNO, DEIXANDO TUDO EM ABERTO!!!

O jogou ficou mais nervoso. Os jogadores do segundo ano já não conseguiam manter a estratégia da posse de bola, cientes de que qualquer descuido na frente do nosso trio de ataque seria prejudicial. Os zagueiros começaram a chutar a bola para frente ao serem pressionados, com medo de perdê-la na defesa, e os jogadores de frente pareciam ansiosos demais para dominá-la, portanto, a bola sempre escapava e acabava ou saindo do campo ou sobrando para alguém do nosso time. Já o nosso time quase marcou diversas vezes. Nos tornamos incisivos, velozes e astutos. Obrigamos o goleiro oposto a encharcar a camisa de suor. Agora era jogo de ataque contra defesa, isso estava nítido e agradava muito a torcida, que já estava cansada daquele jogo monótono de minutos atrás.

Em dado momento, comecei a sentir uma queimação no interior do corpo, especialmente nos braços. Lembrei-me do sofrimento causado pelos Punhos de Fogo e minha confiança foi diminuindo. E se a dor ficasse insuportável? Meu medo de desmaiar na frente de centenas de pessoas tirou minha concentração ao ponto de eu nem perceber que estava com a bola nos pés.

— Dio, acorda! — gritou Natsuno.

Eu rapidamente despertei, antes que o marcador adversário chegasse perto demais, mas meu instinto me mandou chutar. Uma dor insuportável envolveu a minha perna por dentro na hora exata do chute e a bola acabou ganhando uma força absurda. Subiu na vertical, rasgando a rede que cobria o Miniestádio e sumindo no céu, fazendo com que todos ficassem em extremo silêncio pela segunda vez no dia.

— O que foi isso? — alguém estranhou.

Todos os olhares se voltaram para mim. Eu não sabia como reagir. Talvez para quebrar o clima pesado, Rubens Almeida gritou:

— Juiz! Substituição!

E então…

— Diogo!

Se os presentes no campo ficaram surpresos com o chute, a chamada do treinador os deixou totalmente espantados. Rapidamente pode-se ouvir os comentários incrédulos dos meus amigos.

— E entra Samuel no lugar de Diogo, faltando poucos minutos para o fim do jogo! — disse o locutor.

Inconformado, andei a passos pesados em direção ao banco de reservas, acompanhado por muitos olhares curiosos. O jogo continuou e eu suspirei, sem entender por que Rubens fizera aquilo.

— Cara, como você chutou tão forte? — quis saber Luan.

— Eu, hã… não sei — respondi. E realmente não sabia. Nunca havia chutado tão forte antes, era como se minha perna tivesse ganhado vida. A dor no corpo, pelo menos, parecia estar diminuindo.

Percebendo que o treinador me olhava com significado, decidi ir até ele. Rubens estava muito sério.

— Não adianta me esconder — disse ele.

Levei um susto. Foi inevitável não imaginar que a minha profissão havia sido descoberta.

— E-esconder? Esconder o quê… exatamente?

— Eu sei que você ainda sente dor. Natsuno me contou que você estava internado. Eu nem deveria tê-lo colocado pra jogar.

Então veio o alívio. Rubens não havia descoberto nada a meu respeito. Pelo menos por enquanto.

— Eu estava confiante — assegurei. — Nem estava sentindo mais nada. Eu tô de boa, treinador, é sério.

— Hum, ok.

Passados alguns minutos, outro lance marcante para o jogo. Após ser muito pressionado, o 2ºA encontrou um ataque. O atacante viu Lucas adiantado e chutou a fim de encobri-lo, já saindo para comemorar. Mas observei o baixinho Anderson correndo a toda velocidade para impedir que a bola entrasse, num esforço plausível que infelizmente resultou num pênalti; após tropeçar no meio do caminho, ele caiu no chão e a bola bateu acidentalmente em sua mão, sendo amortecida para que Lucas pudesse agarrá-la, mas o juiz não pensou duas vezes em apitar.

— ANDERSON SALVA O GOL, MAS É PÊNALTI!!! — A voz do locutor ecoou por todo o Miniestádio, acompanhada pela euforia das arquibancadas. — PENALIDADE MÁXIMA!!! E CARTÃO AMARELO PRA ELE!

O baixinho ameaçou chorar enquanto se levantava. Fui até a beira do gramado e gritei:

— Valeu, Anderson, agora é só deixar com o Lucas! Bora Lucas!!!

Lucas parecia preocupado. Observou o mesmo cobrador do pênalti anterior ajeitar a bola na marca da grande área e deu pequenos saltos de aquecimento. Todos estavam ansiosos. O meio-campo do 2ºA respirou fundo e se preparou. O juiz autorizou a cobrança.

O jogador bateu forte no canto, mas, num pulo de gato, o goleiro a rebateu de qualquer jeito, levando a torcida à loucura.

— DEFESAAAAÇA!!! MAS A BOLA CONTINUA VIVA NA GRANDE ÁREA!

Um jogador chutou, outro bloqueou, houve um segundo chute, outra interrupção, até que a bola parou nos pés do lateral baixinho. E foi aí que ele disparou.

— ANDERSON DISPARA EM VELOCIDADE! CONTRA-ATAQUE PARA O 1ºB!! MEU DEUS, QUEM PARA ESSE GAROTO?!!

Fiquei admirado com a velocidade dele. Além de rápido, a bola parecia estar grudada em seus pés. Ninguém conseguiu alcançá-lo; Anderson driblou um oponente facilmente pelo caminho e só parou ao ser bloqueado por um defensor. Ele passou para Pedro, posicionado no círculo central, o único que o acompanhara no contra-ataque, e Pedro viu o goleiro adiantado, mas não conseguiu chutar, pois a marcação rapidamente se aproximou.

— Pedro! — gritou Riku, livre na ponta.

Pedro deu um passe de “trivela" para o amigo, que dominou com perfeição e chutou. Como não subiu muito, a bola ganhou velocidade e estufou a rede, sendo impossível de ser agarrada pelo goleiro.

— QUE GOLAAAAÇOOOOOO!!! — O locutor berrou com toda a sua voz. — GOOOOOOOOOOOOOOLLLLLLL!!!! RIKU NOVAMENTE, RIKU OUTRA VEZ, RIKU PARA O 1ºB!!!

Houve muita comemoração entre o nosso time e grande parte das arquibancadas — exceto por Riku, que parecia não ter emoções. Eu nem me lembrei de que estava sentindo dor, minha felicidade transbordava em sorrisos com meus amigos, todos em pé no banco de reservas. E com esse placar, o jogo acabou.

— E O 1ºB AVANÇA PARA A SEMIFINAL!!! NUM JOGO DE SUPERAÇÃO, NA RAÇA, NA CONFIANÇA! LUCAS BRILHOU, ANDERSON DEU A VOLTA POR CIMA E RIKU… QUE CHUTAÇO DO CAMISA 11!!!

Meus amigos e eu dividimos entre comemorar e consolar o time adversário, reconhecendo sua força e honestidade. E a primeira coisa que Anderson fez quando já estávamos no vestiário do ginásio foi me agradecer pela força.

— Eu não teria ânimo para puxar aquele ataque se não fosse por você. Obrigado, cara.

— Os méritos são seus — falei com sinceridade. — Seu esforço nos deu a vitória hoje!

Lucas também me cumprimentou com alegria, mas a comemoração logo foi interrompida por Rubens, que surgiu com uma prancheta em mãos.

— Parabéns a todos, mas já temos que pensar no próximo jogo. Com a vitória de hoje, já temos os próximos confrontos definidos. Vejam só.

Em um lado da chave, o 1°B enfrentaria o 3°C, enquanto o 2°H enfrentaria o 3°E na outra chave. Ninguém gostou muito de saber que éramos os únicos novatos vivos no campeonato.

— A sala do Yago passou, então — comentei.

— Com uma vitória de cinco a zero em cima do 3°D — enfatizou Rubens, para a surpresa de todos. Lembrávamos bem da força do 2°H e sabíamos que seu único defeito era sua maior qualidade: a dependência da estrela do time, Yago Cordeiro.

— Já empatamos com eles uma vez — falei em alto e bom som, percebendo que a confiança dos meus amigos havia sumido. — Nosso time ganhou experiência, basta treinarmos algumas jogadas novas para poder superá-los. Eu confio no nosso time!

— Mas vamos enfrentar um terceiro ano de novo — lamentou Nícolas.

— A gente só se lasca — disse Samuel.

Eu sorri.

— Esse título é nosso, eu não tenho dúvidas — garanti. — Ninguém pode nos parar, pois temos o que muitos não têm. União.

— O Dio tem razão — acrescentou Natsuno. — Ano passado a gente se abatia fácil com os nossos próprios erros. Ninguém incentivava ninguém. Esse ano tá sendo diferente, e esse é o grande diferencial do nosso time.

— Obrigado mais uma vez, Diogo — disse Lucas, atraindo a atenção de todos. — Você nos trouxe isso. Suas palavras motivacionais nos passam uma confiança que você nem imagina, e estamos aprendendo isso com você. Você é a peça fundamental que faltava pra gente, você e o treinador Rubens.

Todos concordaram, e até Rubens pareceu levemente surpreso — ou será que foi impressão minha?

— Graças ao treinador, temos um estilo de jogo bacana que pode mudar de acordo com o adversário — incrementou Pedro. — E isso de uma forma que extraia o melhor de cada um. Então sim, eu também acredito não só na nossa vitória no próximo jogo, como também no título!

Os demais garotos não pareciam mais os mesmos de minutos atrás. Havia convicção estampada no rosto de cada um, sorrisos de motivação, olhos determinados. Mais do que nunca eu tinha certeza de que fazia parte de uma equipe vencedora — embora ainda não soubesse que todas aquelas experiências seriam cruciais para o meu desenvolvimento como caçador.

 

Havia poucas pessoas na praça frontal do colégio quando desci os degraus da entrada principal do edifício. Uma delas era Sophia que, sentada num dos bancos de pedra, esperava pelo seu motorista. Diferente da aparência habitual de menina patricinha, ela parecia triste, dava para perceber em seus olhos, e eu imaginava o motivo.

— O Natsuno me contou que vocês estavam jogando agora pelo campeonato de handebol — puxei assunto ao me aproximar.

— Sim — respondeu ela me olhando surpresa; até aquele momento, Sophia não havia percebido minha aproximação. — O jogo terminou há pouco tempo.

— Como vocês se saíram?

A garota contorceu a boca, o que já era uma resposta.

— A gente tentou, mas não deu. Perdemos para o 1ºE de goleada! Lá tinha uma menina bruta… — Sophia cruzou os braços e bufou. — Me dá raiva só de lembrar dela! A professora Inês ficou indignada…

Embora sentisse pena da garota, eu não pude deixar de notar que mesmo da forma que estava — brava, suada e de cabelo desarrumado — Sophia era linda. Eu gostava de ouvi-la, ficar perto dela. Estar ao lado da garota me causava uma sensação que era difícil de explicar.

— Tenho certeza de que vocês se esforçaram — falei em tom de consolo. — Além disso, chegaram muito longe. Precisam ter orgulho dessa trajetória.

Mas Sophia parecia a ponto de cair em lágrimas. Sem pensar muito — pois se pensasse talvez não o faria —, eu a abracei. E foi um abraço que serviu de conforto para nós dois.

De repente, uma buzina. Rapidamente nos desvencilhamos. Sophia parecia um tomate de tão vermelha que estava. Considerando que minhas bochechas queimavam, concluí que eu não estava diferente.

Era o Mercedes preto que sempre a buscava.

— Eu tenho que ir — disse a garota olhando tímida para qualquer canto.

— Sophia. — Tomei coragem. Se consegui abraçá-la, por que não fazer o pedido?

— Sim?

Sophia esperou. O olhar que fixava em mim me deixava intimidado. Nunca me achei confiante para chegar nas garotas, ainda mais pela segunda vez após tê-la desapontado.

— Eu quero sair com você — disse muito rápido, assim não travaria no meio do caminho.

A garota me observou por um tempo. Tive certeza de que diria “não”. Eu estava até conformado: ninguém gostava de levar toco no primeiro encontro, muito embora o toco fosse consequência de vampiros emboscadores.

— Não vai me deixar esperando dessa vez? — foi sua resposta.

— Eu prometo que não. — A esperança me iluminou.

— Tudo bem — sorriu ela. — Quando você quer ir? E pra onde?

Decidi que não queria perder tempo. Quando a convidei pela primeira vez, o intervalo entre o pedido e o dia marcado foi de quase um mês.

— Sábado — sugeri. — Após o seu balé? Podemos ir ao shopping, se você quiser.

A princípio surpresa pela resposta, Sophia assentiu. Então sorriu.

— Beijo, Diogo, até amanhã.

Com um aceno, a garota entrou no carro e foi embora. Em seguida, chegou Natsuno, dizendo:

Isso que é o amor.

Fiquei totalmente sem jeito, me perguntando se Natsuno nos observara aquele tempo todo.

— Eu gosto dela — decidi assumir.

— Quem não sabe?

Encarei meu melhor amigo.

— E você, Natsuno?

Natsuno arqueou uma sobrancelha.

— Eu o quê?

— Não gosta de ninguém? Duvido que não tenha alguma menina aí nesse seu coração elétrico. — Então me ocorreu que Natsuno pareceu atraído pelo fantasma que nos salvou na semana anterior. — Talvez seja… a Pandora?

A interrogação deu certo: Natsuno ficou completamente desconcertado. Parecia que aquele de fato era seu ponto fraco.

— Dio, tenho que ir nessa — embaraçou-se ele. — Prometi à vovó que chegaria antes das duas. Falou, maninho, amanhã a gente se vê.

Ri quando Natsuno foi embora. E fiquei satisfeito pelo dia, embora ainda com dores pelo corpo; além da vitória importante no campeonato, eu agora tinha um encontro e descobri que não estava sozinho no barco dos apaixonados. Torcia para não ser surpreendido por vampiros novamente.



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