Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 53: Batalha no quarto! Reencontro de velhos amigos

A fúria que os olhos do Shin transmitiam o tornava muito mais velho do que ele era. Eu ainda não conseguia acreditar no que estava vendo; ele com uma espada maior que a minha Takohyusei erguida e prestes a cortar uma criança internada e inconsciente. Vendo isso, trinquei os dentes e cerrei os punhos com força, ignorando toda a fraqueza e dor nos meus braços.

Ele é um mala, dissera Natsuno um tempo atrás. Eu só queria te avisar isso, Dio: fica esperto com ele. Esse Shin é um traíra!

Eu só não podia imaginar que, além de traíra, o garoto fosse também sujo e covarde. Como vestia camiseta regata, era possível ver uma tatuagem curiosa marcando seu tríceps do braço direito. Consistia em um sol azulado coberto pela lua preta com uma cruz branca bem no centro. Uma espécie de eclipse. 

Analisando a criança deitada na cama, percebi ser uma garotinha de cabelo cacheado, tão inocente e vulnerável que imaginei que ninguém seria capaz de machucá-la.

Talvez voltando a si ao me observar olhando para a garota, Shin se recompôs e se preparou para atacá-la.

— Vocês precisam aprender a não se meterem no caminho de ninguém! — gritou, e então desceu a espada.

Concentrei toda a energia que tinha no braço direito e arranquei força de onde não tinha. Jamais deixaria alguém machucar uma criança indefesa.

— Punho de Fogo!

Ataquei Shin não só com indignação, mas também com vontade. A dor chegava a ser insuportável, mas seria prazeroso acertar a cara de malícia dele e lhe quebrar pelo menos o nariz.

Mas Shin se virou no último instante, bloqueando meu golpe com extrema facilidade. Ele ainda segurava a espada com a mão esquerda enquanto agarrava meu punho com a direita. Nossos olhos ficaram próximos, e ele sorriu.

— Essa é a força de um Kido?

Em uma fração de segundo: a espada sumiu, Shin agarrou meu braço com as duas mãos e me lançou por cima da cama contra a janela do quarto. Perdi todos os meus sentidos ao perceber que estava caindo de uma enorme altura em direção ao chão. Acredite, a sensação não é muito boa.

***

— AAAAAAHHHHHHHH!!!

— DIOOOO!!! — gritei desesperado.

No momento em que fiz menção de correr para a janela, Shin entrou no meu caminho e abriu os braços.

— Não vai passar, Kogori, só depois que me derrotar!

Eu tinha que salvar o Dio a qualquer custo, não podia perder tempo. Ataquei o coreano cabeça-de-fogo com um chute lateral, obrigando-o a fazer pose de defesa, mas cancelei o golpe no último instante e o driblei para alcançar a janela. Então fui derrubado por trás por uma rasteira.

— Eu falei que você só vai passar depois que me derrotar!

Eu me levantei rapidamente e arregalei os olhos ao me virar para ele e notar que Shin havia sacado sua Takohyusei novamente. E ele a descia na minha direção!

Não havia tempo de me desviar. Proteger o corpo também seria inútil. E até eu sacar a minha espada, já estaria fatiado ao meio feito carne de açougue.

Então…

— Rajada Potente!

Uma forte corrente de ar acertou o coreano e o jogou contra a parede ao lado da janela num grande impacto, livrando-me da morte por um fio. Quem dera ele também tivesse caído lá na rua. Olhei assustado na direção da porta e lá estava o Riku.

— Bem na hora — falei aliviado, ficando de pé com as pernas trêmulas.

Riku, como sempre, tinha a expressão de quem não via graça em nada. Mas decidi que não era bom ficar de costas para o traíra do Shin, uma vez que ele era capaz de matar até garotinhas.

Shin se levantava devagar e com uma feição de raiva, aparentemente com dor nas costas devido ao baque. Bem-merecido, preciso dizer. Mas eu ainda estava preocupado com o Dio.

— Riku, esse desgraçado jogou o Dio pela janela! — informei de imediato.

A raiva do Shin foi alterada para uma felicidade maliciosa.

— Eu só dei a ele o prazer de saber como é voar prédio abaixo. E quem diria, hein? Não imaginei que fosse encontrar os três idiotas numa só noite. Bom, um já foi, agora só restam vocês dois.

— Não era você quem eu esperava encontrar por aqui — disse Riku —, mas também serve. Shaong vai saber como é perder alguém, porque vai ser aqui que eu vou te matar, maldito!

Engoli em seco. Riku conseguia ser assustador nas palavras.

Shin, por outro lado, riu. Eu odiava sua risada. Ele apontou sua espada na direção do Riku e disse:

— Acho que você está muito enganado. Eu não vou morrer aqui, muito menos nas suas mãos. Você é um babaca, Medeiros!

Eu tive que olhar para Riku a fim de ver sua reação. Ele não expressou nada, apenas partiu na direção do Shin que, rápido feito um raio, já havia partido também e o atacou com um chute. Riku bloqueou com o antebraço. Shin recolheu a perna e desferiu uma rasteira, obrigando Riku a pular, então girou o corpo e atacou com a espada em um corte horizontal.

— Morre!!

No ar, de alguma forma Riku deu um segundo pulo para trás, safando-se do corte e contra-atacando com um chute solado de cima para baixo. Mas Shin era muito ágil com a espada, pois rapidamente se recompôs e protegeu-se com a lâmina, atingindo Riku em seguida com um chute e o fazendo cair perto de mim.

Riku deu um mortal no ar e caiu em pé, como se fosse a coisa mais fácil. Agora, pelo menos, estávamos lado a lado.

— Eu fiquei sabendo da sua sede por vingança, “Rikinho” — provocou Shin, suspirando com sutileza. Ele sorria melancolicamente. — Sabe, eu queria saber o que se passa na cabeça de uma pessoa que viu os próprios pais morrerem diante de si e de forma trágica. Ela deve se sentir envergonhada, porque ver os pais morrerem e não fazer nada… Isso aí é coisa de criança covarde e medrosa.

— Riku, do que ele tá falando? — perguntei.

— Eu sempre soube da traição, Medeiros — continuou Shin. — Na verdade, sempre soube do plano arquitetado pelo meu pai. Ele fez tudo certo, tudo mesmo. Ganhou a confiança dos Medeiros para então… — ele fez um gesto de cortar a garganta com o dedo indicador, fazendo com que Riku trincasse os dentes.

— Riku — falei em alerta. Ele agora tinha o mesmo rosto agressivo que assumia quando confrontava vampiros; um Riku completamente diferente do habitual. Shin parecia saber como mexer na ferida.

— Eu quebrarei seus dois braços e depois arrancarei sua cabeça — disse ele numa espécie de rosnado. — PREPARE-SE PARA O PIOR, MALDITO!

A resposta do Shin foi um sorriso. Eu não conseguia entender como ele não se sentia intimidado. Até eu me sentia assim. Riku estava fora de si.

— É só vir, Medeiros. Ou melhor — ele estreitou seus olhos e falou, baixo: —, “Rikinho”.

Os passos do Riku na direção do Shin eram lentos, porém pesados e carregados de ira, eu podia sentir a pressão. Um poder emanava de seu corpo e preenchia todo o quarto, então percebi que sua pele cintilava em um tom prateado e seu corpo era rodeado por uma ventania que aumentava aos poucos. Tentei entender o que se passava, mas eu estava confuso. Até Shin parecia inseguro.

— Então… é essa a transformação? — Shin perguntou para si mesmo, recuando alguns passos. — Essa é a transformação do Caçador Elemental que meu pai mencionou?

Finalmente me dei conta, embora ainda não conseguisse acreditar. Riku nunca dissera nada! E ele estava ainda mais assustador que antes. Carregava o vento consigo conforme uma aura prateada lhe envolvia por completo.

— Esse vai ser o início da minha vingança — disse Riku com uma fúria contida. Então explodiu: — ACABAREI COM A SUA VIDA, DEPOIS COM A DO SEU PAI. ELE VAI SE ARREPENDER DO QUE FEZ E VAI SOFRER TODAS AS CONSEQUÊNCIAS!!

Riku preparou um ataque. Shin recuou mais ainda. Eu arregalei os olhos ao sentir toda a pressão que envolvia o quarto. Era como se estivéssemos no olho de um furacão!

— Rajada Poten-

Um vulto entrou pela porta e agarrou Riku antes que ele pudesse completar o ataque. Um homem alto e robusto, forte o bastante para imobilizar o Medeiros por completo.

— Shin, essa é a sua chance! — gritou. — Mate-o!

Demorou alguns segundos para Shin se recompor, ainda assustado com o poder do Caçador Elemental.

— Pode deixar, pai! — disse, por fim.

— ME SOLTA! — Riku tentava se desvencilhar, mas o sujeito era forte. Seus braços eram tão musculosos que poderiam fazer o The Rock parecer uma menininha indefesa. — DESGRAÇADO!

Além da pele prateada, as íris do meu amigo estavam totalmente amarelas. Eu nunca o vi tão enfurecido e descontrolado como estava vendo.

No momento em que Shin fez menção de golpear com sua espada, eu ataquei:

— Socos Relâmpagos!

Meus flashes dourados serviram apenas para atrasar o filho da mãe — Shin viu-se obrigado a bloqueá-los com sua espada, e ele fez isso com grande facilidade. Apesar de sentir os braços formigando, tentei um segundo ataque, com ainda mais intensidade:

— Socos Relâmpagooosss!!!

Novamente sem sucesso. Seria inútil atacar Shin enquanto ele estivesse armado. Até pensei que ele se voltaria para mim, mas não; Shin partiu na direção do Riku na intenção de lhe desferir um corte vertical.

— Morra, desgraçado!

Só deu tempo de o Riku arregalar os olhos antes do golpe final.

"Já era" pensei.

Mas algo alertou meus instintos. Em seguida, ouvi alguém gritar. Um vulto entrou pela janela feito um cometa e colidiu com a parede do outro lado da cama.

— Argh! — Shin gritou de dor.

Pestanejei, finalmente entendendo que o "cometa" levara o coreano junto de si até a parede num impacto estrondoso. Os dois caíram no chão e meus olhos se encheram de esperança.

— Dio! — falei.

Arfando, Dio se levantou prontamente e virou-se para Shaong enquanto Shin permanecia no chão.

Como ele havia sobrevivido à queda de não sei quantos metros de altura, eu não fazia ideia. A única coisa que sei é que a minha vontade era de abraçá-lo e lhe tascar um beijo no rosto.

Ok, não é pra tanto.

***

Não imaginei que as coisas ficariam tão esquisitas no pouco tempo que estive fora.

A começar pela ventania que envolvia o quarto. A cama da menininha pelo menos estava intocada, o que foi um grande alívio. Natsuno não deixara Shin fazer nenhuma besteira.

Demorou alguns segundos até eu perceber que quem o brutamontes estava segurando era o Riku, coberto por uma espécie de luz prateada e com os olhos alternados para um amarelo brilhante. Antes que falássemos qualquer coisa, o grandalhão o espremeu e ele gritou, então desmaiou e caiu.

— Riku! — gritou Natsuno. A ventania se dissipou.

Olhei bravo para o grandalhão e de cara notei a semelhança entre ele e Shin. Mas não havia comparação entre a maldade e melancolia que o rosto dos dois esbanjava. Era como comparar uma lagartixa com um jacaré. Shin era a lagartixa.

— Quem é você? — exigi com a minha Takohyusei em punho.

— Nem queira saber — riu ele, fazendo meu corpo estremecer. Sua voz era grave e intimidadora. — Um mini Kido? Parece inofensivo, hahaha!

— Dio, cuidado — disse Natsuno. — Este é Shaong Kabeiyama, um dos caçadores mais nojentos e cruéis que existem!

— Que exagero — ironizou Shaong.

— Ele é também pai do Shin e o homem que matou os pais do Riku…

Imediatamente, olhei para Riku caído inconsciente. Seu maior objetivo era se vingar, mas pelo jeito ele não havia sido nem páreo para Shaong.

— Ele ainda se lembra? — brincou mais uma vez o assassino. — Que besteira! Passado é passado.

No momento em que tornei a olhá-lo com ainda mais raiva, ouvi Shin se mexendo bem devagar.

— Você é um maldito, Kido — disse ele, provavelmente se levantando.

Natsuno saltou por cima da cama e grudou suas costas nas minhas sem perder tempo, também armado, assim eu não estaria tão vulnerável.

— Natsuno, deixo o Shin com você. Eu cuido desse aqui. — falei, embora não estivesse tão convicto devido às dores que ainda sentia nos braços e, principalmente, devido ao fato de Shaong ter acabado com o Riku sem fazer esforço. Ele parecia ser capaz de quebrar uma parede apenas esmurrando-a, visto que seus braços tinham a mesma largura que meu corpo inteiro.

— Acha mesmo que pode contra mim? — questionou Shaong. — Veja seu amiguinho aqui. Nem transformado no Caçador Elemental ele foi capaz de aguentar um simples aperto.

— Você o pegou desprevenido, seu covarde! — vociferou Natsuno.

Shaong era ruivo igual ao filho e também usava um corte moicano. Seu rosto era marcado por várias cicatrizes e seus olhos enrugados sinalizavam muita experiência — em assassinato, talvez. Também usava regata e também tinha a tatuagem do eclipse azulado no braço direito.

Cheguei à conclusão de que os dois faziam parte de alguma gangue que assassinava garotinhas.

— Não sei como você sobreviveu, Kido — disse Shin —, mas nem você e nem o Kogori vão escapar da morte!

— Eu vou quebrar cada um dos seus ossos — Shaong disse para mim. — Sempre odiei o seu clã. Vai ser um grande prazer!

Eu apertei forte a minha espada. Shaong poderia ser forte, mas não me derrotaria tão fácil. Eu só esperava que Riku estivesse bem e que pudéssemos sair dali vivos. Então caiu a ficha que a situação era mais complicada do que eu pensava, pois a vida da garotinha também estava em jogo. Ela morreria caso Natsuno e eu não derrotássemos aqueles dois. E a julgar que Shaong fez Riku dormir apenas com um aperto…

Eu estava preocupado, e pra caramba! Começava a perder as esperanças.

— Au! Au!

"Latidos?" me perguntei. Latidos que se aproximavam e soavam de um modo agudo que eu conhecia muito bem. Ainda assim, não baixei a guarda, e notei Shaong lançando um olhar significativo para Shin, aparentemente nervoso. Ambos saltaram por cima da cama e ficaram próximos da janela.

— Precisa de ajuda, Diogo? — perguntou tio Michael, surgindo na porta com Billy no colo.

Eu nunca me senti tão feliz e aliviado na minha vida. Para melhorar, outros dois sujeitos entraram no quarto com ele, armados com espadas e de feição nada amigável.

— Pai! — gritamos Natsuno e eu ao mesmo tempo.

Sim, Tony Kido e Hebert Kogori também estavam lá. Hebert entrou de olhos grudados na dupla do mal, mas meu pai os ignorou e foi direto até a cama onde estava a menina internada.

— Quanta covardia — disse ele, mais para si mesmo. Era possível notar uma fúria contida.

Tive que olhar para Shaong, que não parecia mais tão assustador. Shin, ao seu lado, começava a suar, observando o reforço que havia chegado. Billy latia com intensidade para os dois, claramente irritado.

Hebert abaixou-se e pressionou dois dedos contra o pescoço do Riku a fim de conferir sua pulsação.

— Ainda está vivo — disse.

Natsuno e eu trocamos um olhar aliviado. Eu me sentia seguro perto do meu pai, pois ele agia com tranquilidade e firmeza de maneira que quisesse dizer que podia enfrentar tudo. Além disso, eu sabia do poder que Michael possuía e tinha ciência que Hebert também não deveria ser fraco. Então me senti protegido e despreocupado.

— Bom vê-los novamente, meus velhos amigos — riu Shaong, adquirindo a expressão maligna novamente.

Ninguém disse nada. Billy parou de latir e começou a rosnar. Eu começava a sentir dores no braço já que meu sangue estava esfriando.

— Essa garotinha… — disse meu pai. — A que nível você chegou, Shaong?

Notei que meu pai estava de cabeça baixa e com o punho direito cerrado. Ele o apertava tão forte que chegava a tremer. Então entendi sua indignação. Não, era mais do que isso.

— Monstros são monstros — disse Shaong —, não importa a idade.

— Monstros — repetiu meu pai, erguendo a cabeça devagar. Eu não conseguia ver seu rosto por ele estar de costas para mim, mas Shaong deu um passo para trás abruptamente. — O ÚNICO MONSTRO AQUI É VOCÊ!

— Tony! — surpreendeu-se Hebert.

— Shin, vamos! — gritou Shaong.

Eu senti um poder forte. O punho cerrado do meu pai foi rodeado por chamas. No momento em que ele atacou, Shin e Shaong saltaram pela janela.

— Punhos de Fogo!!

Bolas poderosas de fogo atingiram a parede da janela com tanta força que rachaduras começaram a se transformar em buracos. Os dois malfeitores fugiram, escapando da morte por um triz, pois o ataque do meu pai fez com que o concreto explodisse e abrisse uma cratera para a madrugada gelada.

Eu fiquei de boca aberta. Ele sequer fez esforço e pareceu não sentir dor.

O quarto ficou silencioso após a fuga dos coreanos de cabelos vermelhos. Curiosamente, a luz do corredor acendeu e o monitor cardíaco do quarto voltou a funcionar. O som vago de vozes começou a ecoar pelo hospital indicando que a paralisia temporal havia cessado.

Esperei que meu pai explicasse por que Shin e Shaong queriam matar a menina, mas ele não dirigiu nenhuma palavra a mim, disse apenas que precisava levá-la a algum lugar seguro uma vez que já haviam descoberto sua localização.

Hebert foi responsável por ligar para o doutor Sanchez, que estava de folga, e Michael fez com que Natsuno e eu retornássemos para o meu quarto. Riku, ainda inconsciente, seria levado para casa, portanto não tínhamos com o que nos preocupar.

Frustrados por não obter nenhum tipo de resposta, a única coisa que nos restou foi criar teorias.

Depois de quase duas horas, Hamano Sanchez apareceu no quarto para esclarecer o que estava nos deixando loucos.

— O nome daquela garotinha é Lia e ela está internada aqui já tem alguns meses. Ela sofreu um acidente grave de carro junto de seus pais, ao qual somente ela sobreviveu. A pobrezinha ainda estava consciente quando chegou, mas quando apagou, não acordou mais. Ela está em coma desde o ano passado.

Eu senti o coração afundar com a informação. Tratava-se de uma mera criança que perdera os pais e que provavelmente estava à beira da morte… 

— Mas por que o Shin veio matá-la? — Essa era a minha dúvida.

— Porque ela é especial e, provavelmente, uma ameaça para a tribo Minetsu. O atentado desta madrugada serviu para confirmar o que seu pai já suspeitava.

— Como uma criança poderia ser uma ameaça para uma tribo inteira? — estranhou Natsuno.

Doutor Sanchez deu de ombros.

— Eu honestamente também não consigo entender. Eu fui o médico responsável por atender a Lia às pressas, ainda acordada, e de cara atribuí seus olhos verdes à raça que chamamos de místicos. Informei ao seu pai imediatamente e ele a deixou aos meus cuidados. Mas eu falhei em minha missão…

— Você não tem culpa, doutor — consolei-o, notando que ele parecia deprimido. — Aqueles malditos… Eles provavelmente esperaram o momento certo para atacar. Acho que só não esperavam que Natsuno e eu estaríamos aqui.

"E que sorte eu ter sentido sede na hora certa" pensei me dando conta pela primeira vez.

— Tá — disse Natsuno —, ela é uma mística que sobreviveu a um acidente horrível, mas ainda não consigo entender o que a faz tão ameaçadora!

— Acredito que só saberemos quando ela acordar — respondeu o doutor. — Ela será levada para a organização, onde receberá um cuidado maior. Quanto a vocês, gostaria de parabenizá-los. Vocês salvaram uma vida.

Eu queria me sentir feliz, mas estava tão confuso com tudo o que aconteceu que receber créditos por ter feito apenas o meu dever não me parecia tão relevante.

— Dio, eu ainda não consigo entender o que faz a tribo Minetsu ter medo daquela garotinha — comentou Natsuno quando o doutor saiu.

— Eu também tô confuso — admiti. — E o tempo? Tudo estava parado, exceto nós e quem entrou no quarto depois. Você sabe algo do tipo?

Natsuno balançou a cabeça em negativo.

— Espero que meu velho me explique tudo depois — disse ele. — Bizarro demais.

Eu tive que concordar.

Conversamos mais um pouco sobre a madrugada esquisita e, de certa forma, frenética. Natsuno ainda estava surpreso quanto ao Riku ser o Caçador Elemental e o famoso caçador maligno Shaong Kabeiyama ser o assassino dos pais dele, mas a todo momento retornava ao assunto da garotinha e sua ameaça aos inimigos. Ele nem mesmo se deu conta de perguntar como eu havia sobrevivido, embora fosse um assunto para outro momento.

Ficamos despertos até quase seis da manhã, após encerrarmos o assunto dos Caçadores Elementais. Natsuno não sabia tanto sobre eles, apenas que eram raros e que surgiam num ciclo de cem anos.

Quando finalmente a adrenalina foi embora, eu senti todo o cansaço físico e mental. Minhas pálpebras foram pesando e eu já não conseguia controlar. Acho que nunca dormi tanto na minha vida como naquele dias que se sucederam à batalha do quarto.


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