Volume 2 – Arco 5
Capítulo 52: Hospital Independência
Eu nunca havia ficado internado antes. Apesar de ter sido uma criança hiperativa, o máximo que me aconteceu na infância foi ter ralado o joelho. Veja bem, eu pratico artes marciais com o tio Michael desde os seis anos de idade, o que significa que aprendi algumas coisas úteis, como cair no chão de forma que não quebrasse nada, e isso incluía acidentes de bicicleta. Doenças, por eu ter a imunidade alta, também nunca foram um problema. No máximo um resfriado ou uma febre, mas nada que me fizesse parar no leito de um hospital.
Por isso estranhei o cheiro, estranhei o ambiente e, principalmente, estranhei a comida. Não era bem temperada como a da minha mãe e era bem escassa. Eu nem pude comer três pães no café da manhã! Eu já queria a minha casa de volta.
Mas eu mal sabia que aquela internação seria somente o ponto inicial para uma série de outras. Não imaginava que o Hospital Independência, situado próximo ao colégio Martins, seria meio que a minha segunda casa. Esse era o lado ruim de ser um caçador de vampiros.
A propósito, passei o dia inteiro como se meus braços estivessem se esfarelando. Qualquer esforço que eu fizesse resultaria em dor. O pior de tudo era que as queimaduras doíam por dentro da pele, ou seja, até quando meu coração acelerava eu sentia um forte incômodo. Uma enfermeira fez eu beber um líquido azul pelo menos umas cinco vezes no decorrer do dia.
E recebi seis visitas naquela sexta-feira de calor. Bom, só o tio Michael apareceu duas vezes, então posso dizer que cinco pessoas me visitaram. Vai fazendo a contagem aí.
Visita 1: tio Michael
Horário: 10h48
Tio Michael foi o primeiro. Eu nem mesmo sabia que podia entrar animais em um hospital, mas lá estava o Billy no colo dele.
— Au! Au! — latiu.
— E aí, Diogo, como se sente?
— Tirando a sensação de que meus braços vão cair, me sinto de boa. Já ficou sabendo o que aconteceu?
— Sua mãe me contou. Ela contou ao seu pai também. Ele não ficou muito feliz. O que foi que deu na cabeça de vocês? Antecipar uma missão da organização… Isso é ousado. Vocês poderiam ter morrido.
— Eu sei, tio, mas a culpa na verdade foi minha. Eu não sabia que iríamos caçar, por isso treinei demais e fui para a missão acabado. Coloquei a vida dos meus amigos em risco…
“E deixamos um sobrevivente morrer” pensei em dizer, ainda frustrado, mas apenas suspirei.
— Tudo é experiência — disse ele. — Que isso sirva de lição. Mudando de assunto, e quanto ao pirralho-cachorro? Você combinou de se encontrar com ele hoje, não foi?
Eu fiz que sim, pensando no Léo e no seu descontrole.
— Tio, você precisa ir no meu lugar. Ele precisa muito da nossa ajuda. Ele se acha uma aberração.
Michael assentiu.
— E pode ter certeza que darei o meu melhor para ajudá-lo. Eu sei bem como é isso, se sentir um lixo. Billy, você consegue me levar até lá?
— Au!
Não desacreditando do Billy, mas por precaução, decidi explicar certinho o caminho ao meu tio. Depois narrei para ele as aventuras da última noite, detalhe por detalhe, incluindo a aparição da tal Pandora.
— Já ouviu sobre ela, tio? — perguntei, lembrando da informação do doutor Sanchez sobre Pandora ser uma mística especial e um dos Dez Condenados da Natureza.
— Ela é um dos Dez Condenados da Natureza. Dizem que só quem está muito próximo da morte é capaz de encontrá-la.
Eu senti o meu corpo inteiro vibrando de pavor.
— E o que são eles, exatamente? Digo, os Dez Condenados da Natureza?
— Ah, isso é uma longa história, depois seu pai te explica. Ele vem hoje, então se prepara para a bronca.
Eu não sabia se ficava feliz ou com medo. Eu não via Tony desde abril, quando ele me mostrou a cidade de Firen e seus lugares importantes. Michael explicara milhares de vezes que as coisas andavam agitadas na organização, portanto eu entendia, embora algumas vezes sentisse vontade de questioná-lo durante nossas ligações. Dois meses de ausência não era normal, ele nunca ficara tanto tempo sem ir para casa. Eu começava a ficar preocupado.
Com um aceno, tio Michael se levantou e foi embora, em seguida foi servido o almoço.
Visita 2: Zoe
Horário: 12h32
Como mencionei lá atrás, fazia muito calor e eu pedi para que deixassem a porta do quarto aberta. Consequentemente, eu podia ver a movimentação lá fora, e uma pessoa andando de muleta me chamou a atenção: era o Marcelo, um colega que estudava comigo.
Eu me levantei com cuidado e fui ao seu encontro. Marcelo estava prestes a entrar no elevador quando o chamei.
Ele se virou e estreitou seus olhos sobre mim, depois os desceu para os meus braços enfaixados.
— Diogo? O que faz aqui?
— Eu, hã… — Tentava procurar uma desculpa convincente, mas estava difícil. Marcelo apenas riu e disse:
— Você está levando a sério mesmo a função de goleiro.
Eu ri para acompanhá-lo, sem jeito. Ele se aproximou e nos sentamos nos bancos que ficavam de frente para as portas dos quartos do corredor.
— E seu pé, está melhor? — perguntei, olhando para a muleta.
— Como você percebeu, já consigo frequentar as aulas normalmente, mas ainda não posso me desfazer da minha companheira — referiu-se à muleta. — Vim fazer alguns exames para ter uma base de quando volto a fazer atividades físicas. Depois das férias pode ser que eu já esteja na ativa com vocês, e quero jogar o Torneio da Cidade, portanto se classifiquem!
Eu fiz que sim com a cabeça, mas a verdade era que eu lamentava por ele. Isso significava que Marcelo não jogaria mais pelo campeonato da escola. Os últimos jogos aconteceriam antes das férias.
Conversamos bastante sobre a escola. Eu lhe contei sobre a partida contra a sala do Yago e que foi após o confronto que as pessoas começaram a dizer que a nossa sala era uma das favoritas a ser campeã. Marcelo disse estar feliz por nós e contou que, quando estava internado, vira-e-mexe recebia visita dos outros garotos da sala. Até o treinador Rubens fez sua parte.
Quando retornei para o quarto, me deparei com a Zoe. Ela estava sentada na cadeira ao lado da cama e tinha os braços cruzados. Eu sorri sem jeito.
— Fazendo um tour pelo hospital, mocinho?
— Oi… Zoe — falei querendo coçar a cabeça, impossibilitado por não conseguir levantar os braços.
Eu me sentei na cama e ela perguntou:
— Você está melhor?
— Sim, tudo tranquilo. E você, está bem?
— Estou. Eu nem sabia que você estava internado. Minha mãe deu a notícia assim que cheguei da escola. Você sabe, nossas mães sempre se encontram no mercadinho bem cedo.
Eu fiz que sim. Zoe, assim como Marcelo, fincou olhos pesarosos nos meus braços. Expliquei para ela o que aconteceu e a primeira coisa que a garota disse foi:
— Graças a Deus não aconteceu nada mais grave com vocês. Vocês poderiam ter morrido! Diogo, você precisa tomar mais cuidado…
— É, pode deixar. Não quero mais passar por essa situação. Acredite, não é nada confortável. Sorte que o Riku pilota bem — falei rindo, mas a garota não viu graça.
Mudei de assunto, recorrendo ao encontro que tive com o Léo, depois a garota se despediu e foi para casa.
— Obrigado por ter vindo — ainda agradeci. Zoe deu o lindo sorriso que eu tanto amava.
E me senti sozinho quando ela se foi.
Visita 3: dona Sara
Horário: 13h15
— Filho, você já almoçou? Se sente melhor? Está confortável?
— Sim, sim e, hã, mais ou menos.
— Eu já deixei seu pai ciente do que aconteceu. Ele não ficou muito feliz com o que vocês aprontaram.
— É, fiquei sabendo. Obrigado, mãe — ironizei.
— A Bruna lhe desejou melhoras. Ela ficou bastante preocupada. Hoje é folga do doutor Sanchez, né? Foi ele quem fez o meu parto, sabia?
— Sério? — Eu realmente fiquei surpreso. Não imaginava que Hamano fosse tão velho.
— Ele não mudou nada — riu minha mãe. — Na época, ele morava em São Paulo. Foi lá que você nasceu. — Isso eu sabia, pois minha mãe sempre dizia que eu era paulistano, e não um belenense. — Foi seu pai quem arrumou esse emprego para ele, aqui em Honorário. Eles são grandes amigos.
— Entendi — falei. — Tem notícia do meu tio?
— Não. Ele está com o Billy. Vocês combinaram alguma coisa?
Falei do Léo para ela também. O rosto da minha mãe mudou para tristeza de forma que eu nunca vi. Decidi perguntar:
— Algum problema, mãe? Você mudou de repente…
— É que acabei me lembrando do seu tio. Ele sofreu tanto na infância… As crianças são maldosas, Dio, elas cometem bullying sem um pingo de receio. Michael vivia chorando escondido. Por isso tenho a absoluta certeza que ele ajudará esse garoto.
Nós conversamos mais um pouco e, mais uma vez, tive que insistir para que minha mãe fosse para casa descansar. Eu não via necessidade de ela perder horas naquele hospital.
Visita 4: Michael novamente
Horário: 14h04
Eu estava lendo uns contos de uma revista quando tio Michael apareceu com Billy no colo. Ele suava e parecia cansado. Estranhei.
— Cara, fiquei até agora lá e nada do pirralho. Tô achando que ele ficou olhando de longe para ver se você aparecia e, como não te viu, foi embora. Eu espero que tenha sido isso mesmo.
— Poxa — lamentei, preocupado. — Tem certeza que você estava no lugar certo?
— Uma praça cheia de árvores. Você deu as coordenadas corretas?
— Claro! E agora, tio?
— Relaxa — sorriu ele. — Tenho certeza que teremos notícias dele mais cedo ou mais tarde. Tomara que não através de noticiários de TV. “Garoto-cachorro ataca pedestres no centro da cidade”. Isso não seria nada bom.
Billy latiu.
Quando Michael foi embora, o sono bateu e decidi tirar um cochilo.
Visita 5: meu pai
Horário: 17h40
Eu acordei e ele estava lá, sentado na cadeira, com os olhos longe do quarto. Tony era um homem de barba rala e cabelo bagunçado pouco volumoso, e ele geralmente até tinha uma aparência de homem novo, mas dessa vez não. Ele parecia cansado, tinha olheiras que mais pareciam rugas e um aspecto de desgaste que lhe proporcionavam uns vinte anos adicionais. Parecia não dormir por dias. Vestia casaco militar escuro, seu estilo de sempre, e a corrente prateada reluzia em seu pescoço — a poderosa e lendária Ko-Kyuketsuki que pertenceu ao seu finado amigo Hernandez Rodríguez, o Décimo Caçador Lendário. Quando notou que eu havia despertado, foi logo dizendo:
— E aí, filho, está melhor?
Tentei mexer os braços, mas sentia um pouco de dor ainda.
— Melhor que ontem — garanti.
— Ótimo. Mas saiba que não aprovo esse tipo de atitude. O que você fez não é certo.
— Mas ficar longe da família por dois meses é? — perguntei com certa rispidez.
Tony me olhou irritado, o que me provocou um certo temor, mas ele apenas suspirou.
— Eu entendo sua indignação, Diogo, porém não tem sido fácil. Eu só espero que você não confunda as coisas. Isso não justifica vocês três irem a Venandi caçar, ainda mais em uma missão da organização. Nunca entre em um território desconhecido sem antes estudá-lo.
— É, ramelamos — assumi.
— Riku me informou sobre a caçada de vocês. Ele disse que vocês foram cercados por dezenas de vampiros evoluídos. É verdade?
— Sim…
— E você derrotou a maioria sozinho?
Havia um ar de surpresa e orgulho na voz do meu pai. Eu acabei me sentindo o tal por algum momento, mas então me lembrei da bebida energética.
— Graças à bebida dada pela Pandora.
— Aí sim — disse ele balançando a cabeça em aprovação.
— Pai, você me ouviu? Foi graças à bebida.
— A bebida agita a energia interna, Diogo, e isso é diferente de dar poder extra. Acho que você me entendeu. Mas enfim, eu não vim aqui pra isso. Esse não é o primeiro problema que você me causa. Um tempo atrás, o Conselho dos Clãs Especiais veio falar comigo a respeito de uma caçada sua em um prédio de uma região da cidade que não faz parte da zona sul de Honorário. Você se lembra?
Antes lisonjeado, eu começava a me sentir frustrado. Meu pai estava ali somente para me dar bronca e me cobrar.
— Lembro — falei seco.
— Fiquei sabendo também que você levou dois amigos que não são caçadores para o Monte Zentaishi mês passado, um vampiro e um místico.
Eu fiz que sim, começando a sentir raiva também.
— E agora isso. Três penalidades. Três situações em que vidas correram perigo.
— Onde você quer chegar, pai? — Eu o cortei. — Quer me tirar o cargo de caçador? É isso?
Tony se levantou.
— Não, filho, isso eu jamais poderei fazer. Mas tenho que te alertar sobre o mundo em que vivemos. Nossa principal tarefa é caçar vampiros, o que não retira o fato de haver outros tipos de perigos e responsabilidades. Você vai entender o que quero dizer por conta própria. Eu só não quero que você pense que pode fazer o que bem entender. Antes de qualquer coisa, saiba que é necessário seguir as regras para poder ser um bom líder no futuro. Disciplina atrai disciplina. Eu tenho que dizer que… Filho, você é diferente do Riku. Assim como eu era diferente do pai dele.
Estranhei.
— O que você quer dizer?
Meu pai suspirou e explicou, baixando o tom de voz:
— Diogo, basta você observar: Riku gosta de seguir seu próprio caminho e leva você e o Natsuno junto porque precisa de vocês. Eu não posso cobrar nada dele porque somos de tribos diferentes, e digamos que ele não gosta de ouvir conselhos. Mas você não precisa fazer igual. Eu sei bem onde tudo isso leva, digo, querer se arriscar demais. O exagero leva à morte, e não quero isso pra você.
— Eu não sou mais criança!
— Mas ainda é meu filho. E preciso instruí-lo a ser um caçador digno. Quebrar regras não é legal e não traz boas consequências. Pense antes de tomar qualquer decisão, pois eu sei bem como é perder alguém por imprudência e posso dizer que a sensação de levar uma culpa assim não é nada legal. Demorei um pouco para entender isso e não quero o mesmo pra você. Filho, ouça este conselho.
Eu sentia a honestidade em sua voz, meu pai estava sendo sincero e eu o entendia. Por outro lado, eu gostava da adrenalina de entrar em uma caçada perigosa e não queria que isso mudasse.
Inevitavelmente, olhei para a corrente do meu pai. Uma sensação de agitação tomou conta de mim, uma vontade súbita de puxá-la quase me induzindo a arrancá-la do meu pai. Eu queria lutar, matar vampiros, liberar mais poder. Era meu corpo pedindo por isso. Mas então tudo foi arruinado pela chamada do meu pai:
— Diogo!
Voltei a mim, sentindo as bochechas quentes e observando um Tony meio confuso. Então me recompus e falei, sem tanta convicção:
— Pode deixar, pai.
Se ele acreditou ou não, era difícil saber, pois eu só conseguia ver cansaço em sua face, especialmente em seus olhos. Até pensei em perguntar o que lhe tirava o sono, com certeza era algo sério, mas meu pai foi rápido em dizer:
— Estamos fazendo de tudo para encontrar logo o Caçador Lendário. Tememos que ele seja encontrado antes pelas pessoas erradas, por isso tenho que voltar à minha tarefa e espero que você me entenda, filho. Profecias apontam que dias maus estão por vir. É o destino do mundo que está em jogo.
Quando ele disse “profecia”, logo me lembrei do profeta Zaoi e das armaduras do clã dos espíritos. Eu apenas assenti e, após isso, meu pai foi embora. E sua visita foi a que mais me deixou pensativo durante um bom tempo.
Visita 6: Natsuno
Horário: 20h27
— Maninho, foi treta aguentar a Sophia preocupada com você. Quase que eu fujo da escola. Toda hora ela fazia perguntas!
Ele entrou dizendo isso. Confesso que fiquei feliz por saber que ela se importava. Tentei soar indiferente:
— Que tipo de pergunta?
— “Ele está bem? O que aconteceu? Quando o Diogo vai receber alta?”. Eu preferia suportar a Abigail.
Não consegui conter o riso. Natsuno acomodou-se ao lado da cama e suspirou. Era engraçado vê-lo irritado.
— Você vai ficar quantos dias internado? — perguntou mais sério.
— Não sei ainda, cara.
— Pelo jeito você vai perder o jogo de segunda, né?
— Acho que sim…
Eu me sentia frustrado. Queria muito ajudar meus amigos, ainda mais em um momento tão decisivo onde enfrentaríamos uma equipe do segundo ano.
— Você vai estar bem até lá — assegurou Natsuno, abrindo um sorriso. Ficou óbvio que ele estava tentando me animar.
Forcei um sorriso e assenti.
— Que horas são agora? — perguntei.
— Oito e meia. E adivinha, maninho: hoje eu vou dormir aqui, com você. Quer dizer, não com você do jeito que você tá imaginando… Ah, você entendeu.
Imaginei que fosse difícil encontrar um amigo assim. Meu coração transbordava de gratidão. Eu estava realmente muito grato pela presença do Natsuno.
Conversamos sobre muitas coisas, uma delas sendo o espírito que Riku chamara de Pandora. Natsuno me explicou que os Dez Condenados da Natureza vivem em um lugar chamado Mundo Espiritual e que são os únicos seres de lá que conseguem se conectar à Terra e à Venandi.
Contei para ele sobre a conversa que tive com o meu pai. Natsuno disse que também levou bronca do pai e combinamos que tomaríamos mais cuidado das próximas vezes. Eu me sentia tão bem que por um bom tempo havia esquecido que estava internado em um hospital. De qualquer forma, muitas horas depois, acabamos pegando no sono.
Eu nem lembro o que sonhei, só sei que acordei com a garganta seca. A julgar pelo silêncio do hospital, deduzi que já era madrugada. Confirmei ao olhar no celular do Natsuno que estava bem ao meu lado: quase três da manhã.
Natsuno dormia tranquilamente na cadeira, coberto por um lençol trazido provavelmente por uma das enfermeiras, talvez a mesma enfermeira que apagou a luz do quarto enquanto dormíamos.
— Caraca, que sede — falei bocejando.
— Quer que eu busque água, maninho?
Natsuno estava falando dormindo, o que eu achei meio assustador.
— Precisa não…
— Eu vou buscar. — Ele se levantou e se espreguiçou. Então abriu os olhos. — Não sai daí.
Esperei por vários minutos, perdendo o sono aos poucos, presumindo que Natsuno desviou a rota para usar o banheiro. Imaginei algo assim no meio de uma caçada, eu ou o Natsuno com mijadeira dentro de um dos prédios abandonados da cidade. Seria hilário.
A única fonte de iluminação do quarto, que vinha do corredor lá fora através da brecha da porta, se apagou. Natsuno começava a demorar demais. Até se estivesse com caganeira já teria retornado. Eu começava a ficar preocupado.
Fui tomado inteiramente por um arrepio. Algo estava errado. Decidi me levantar.
A princípio, andei com receio, temendo sentir fraqueza ou dor. Felizmente, tudo tranquilo. Girei a maçaneta e passei para o lado de fora, notando que a escuridão seguia para os dois lados do corredor. Poderia ser apenas uma queda de energia e o Natsuno ter se perdido, mas meu instinto dizia que não. Eu precisava encontrá-lo, portanto comecei a me deslocar sentido ao bebedouro mais próximo, situado no corredor adjacente. Tive que ativar a fraca lanterna do celular do Natsuno para poder enxergar alguma coisa.
— Ué — estranhei ao chegar lá. Nada dele. — Talvez no banheiro — falei a mim mesmo.
Prossegui diante do escuro e entrei no último corredor, sentindo alívio ao encontrar uma enfermeira. Ela estava parada e de costa, agora, fazendo o quê, eu não fazia ideia.
— Com licença…
Parei estático, sentindo cada pelo do meu corpo eriçar. Iluminei bem o rosto da mulher, que sequer piscou. Ela não se movia nem respirava, cujo olhar estava focado no nada. Então percebi que um de seus pés estava alguns centímetros levantado, como se ela estivesse andando antes de ser paralisada.
— Certo, agora ficou esquisito.
Apontei a lanterna para o seguimento do corredor e encontrei um médico vindo em minha direção. Pelo menos foi o que pensei a princípio, quando na verdade ele também era uma “estátua”.
Então som de passos. Tentavam ser silenciosos, mas o silêncio absoluto do hospital impedia até que uma barata não fizesse barulho, e eles vinham do corredor logo à frente, iluminado de forma vaga provavelmente por outra lanterna. A fraca iluminação reduzia conforme o indivíduo, quem quer que fosse, se distanciava.
Não perdi tempo e corri para a esquina, tentando ver quem era o responsável pelos passos e, até então, a única pessoa que não estava paralisada além de mim.
No entanto, fui tomado pelo mais profundo desespero quando uma mão tocou o meu ombro. Gelei imediatamente e ameacei dar um grito.
— Shhhhhhhh! Sou eu, o Natsuno.
Minha alma retornou para o corpo e o encarei.
— Onde você estava? E o que está havendo? Tá todo mundo…
— Parado no tempo, eu sei. Também não entendi, maninho, eu estava no banheiro quando tudo ficou escuro. Então me deparei com médicos imóveis, como se estivesse num daqueles filmes de terror onde os espíritos malignos sugam a alma das pessoas e…
Fiz sinal para ele parar de falar e tornei a olhar para o corredor, porém estava escuro novamente.
— O que foi? — estranhou ele.
— Tinha alguém ali. Vem, temos que segui-lo.
Imergimos no corredor. Notei que era nesse que se encontravam as escadas. O sujeito provavelmente havia vindo do andar de baixo e, a julgar pelo som dos passos no andar de cima, estava subindo. Natsuno e eu fizemos o mesmo, eu iluminando o chão para não pisarmos em falso ou tropeçarmos.
— Deveríamos chamar o doutor Sanchez — estremeceu Natsuno.
— Hoje é folga dele — respondi.
Após subirmos dois lances de escada, notei que o sujeito chegara ao andar pretendido, pois seguiu pelo corredor lenta e despreocupadamente, ultrapassando duas pessoas que outrora conversavam, mas que também estavam paralisadas. Natsuno e eu o observamos com cuidado. Impossível ver quem era por estar de costas e ser apenas uma silhueta. A única coisa que ficou evidente era que ele tinha mais ou menos a minha altura.
Ele dobrou o corredor e corremos logo atrás. No momento em que fizemos menção de olhar para o cenário seguinte, tudo ficou escuro. Em seguida, o som de uma porta se fechando.
— Ilumina aí, Dio.
Ergui a lanterna e revelei três quartos. Natsuno passou à minha frente e olhou pela fechadura da porta do primeiro. Balançou o indicador e correu para o segundo, mas algo me atraía para o último, portanto foi em direção a ele que eu fui. Eu me inclinei para olhar seu interior, da mesma forma que Natsuno fizera com os outros dois, e de fato havia uma silhueta.
Natsuno veio até mim e lhe entreguei o celular.
— O que você vê? — cochichou.
Eu tentava distinguir o que via, mas estava complicado. O formato da silhueta não fazia muito sentido, parecia que…
Então uma explosão de adrenalina acelerou meu coração e eu ergui o olho. Parecia que o sujeito erguia uma espada na intenção de descer a lâmina na direção de quem quer que estivesse na cama!
Chutei forte a porta e invadi o quarto feito um louco, gritando de imediato:
— Parado aí!
O quarto foi preenchido pela luz da lanterna do celular do Natsuno e fiquei ainda mais surpreso ao avistar quem era o espadachim. Na cama, dormindo um sono tranquilo, havia uma criança com um aparelho respiratório instalado em si, frágil e impotente.
— O que pensa que está fazendo? — gritei para o garoto, irritado e incrédulo ao mesmo tempo. Por mais que soubesse que ele era um cara temperamental, nunca imaginei que fosse capaz de tentar matar uma criança.
Recompondo-se do susto, Shin nos lançou um olhar assassino. Natsuno fez questão de iluminar seu rosto e comentou:
— Cara, eu sabia que você era sujo, mas, sinceramente? Por essa eu não esperava.