Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 51: Fogo perigoso que destrói tudo

Se fugir de vampiros numa caminhonete velha por uma floresta escura já era ruim, aproximar-se da beira de um penhasco enquanto seus predadores estão atrás é pior ainda.

E, de novo, depois que a nossa ponte caiu por água abaixo, pensei que as coisas não poderiam piorar.

Como eu estava iludido.

Riku ficou desesperado, e percebi o motivo quando o vi pisar no freio repetidas vezes. O problema era que a caminhonete não estava parando. Nos dirigíamos em direção à morte em grande velocidade, balançando de um lado a outro, passando por buracos e lama, quando o Medeiros gritou:

— Pulem!

Era a nossa única alternativa.

Nós três pulamos e caímos sobre o gramado alto enquanto a caminhonete atropelava o vampiro da faca e despencava precipício abaixo. Claro que não esperamos para ver a cena; nos levantamos e disparamos. A boa notícia: eu conseguia correr. A má: não sabia por quanto tempo. Talvez fosse o desespero em não querer virar comida o responsável pelo fôlego extra. Pudemos ouvir o barulho da caminhonete explodindo lá embaixo antes de entrar no emaranhado de árvores.

— Essa noite tá sendo uma maravilha — arfou Natsuno.

— Uma das melhores — completei, desejando que ninguém tropeçasse em nada, coisa que sempre acontecia nos filmes. Os vampiros que nos perseguiam não pareciam tão piedosos.

— Estamos alcançando vocês! — eram seus gritos de satisfação.

Riku sacou sua Takohyusei. Não tinha jeito, teríamos que lutar. Era só questão de tempo até sermos encurralados.

No momento em que uma imagem se materializou diante de mim, parei abruptamente, com o sangue gelando e meu corpo estremecendo.

Start!

*Uma breve descrição do ser humano que surgiu na minha frente (se é que posso dizer que era um ser humano): uma menina um pouco mais alta do que eu, muito bonita apesar do rosto de criança. Seus cabelos negros e longos desciam livres por suas costas e sua franja lhe cobria toda a testa. Sua pele era muito pálida e seus olhos inocentes eram de um tom verde incandescente. A menina sorria feito uma, hã, menina. Vestia uma roupa apertada preta e verde — parecida com um traje de espião — e carregava uma gigantesca mochila em suas costas, tão grande quanto a mochila que Jhou levara ao Monte Zentaishi.*

Riku e Natsuno, percebendo que eu não os acompanhava, também pararam e olharam para trás, provavelmente confusos com o fato daquela garota estar no meu caminho.

— Quem é você? — foi o que consegui perguntar em meio ao embaraço que se formava na minha mente. Ela sorria despreocupada e, para minha surpresa, percebi que era ela o fantasma que eu havia visto lá atrás.

Como resposta, a garota esquisita ergueu uma garrafa amarela para mim. Olhei para o objeto com curiosidade, sem entender.

— O que é isso? — perguntei ao pegar, mas a garota havia desaparecido, deixando apenas o som dos seus risos para trás. Risos meigos e tranquilos.

Procurei por alguma resposta no olhar dos meus amigos; Natsuno gritou:

— Os vampiros! Estão perto!

Riku também:

— Beba, depressa!

Somando a confusão da aparição da garota ao desespero do momento, decidi obedecer ao Medeiros, embora receoso.

Virei a garrafa e bebi tudo, sentindo o sabor de um refrigerante barato e sem gelo. Entretanto, no momento em que o líquido começou a descer pela garganta, uma pressão começou a fazer meu corpo vibrar. Eu podia sentir tudo dentro de mim ficar agitado. O cansaço parecia estar indo embora ao mesmo tempo em que meu sangue ficava quente e se locomovia por minhas veias com grande alvoroço.

Eu estava recuperado.

Não, mais que isso. Eu me sentia forte e poderoso, era como se minha energia interna pedisse para ser liberada. Então entendi para quê servia a bebida estranha.

— É hora de parar de fugir! — falei, me virando para os vampiros e jogando a garrafa no chão. Eu estava ativo e confiante, louco para atacar.

Sorri.

Posicionei meu corpo e me concentrei. Conforme fazia com que minha energia interna fosse movida para os meus braços, eu os sentia queimando, mas era uma dor que eu precisava suportar. Respirei fundo, observando as dezenas de vampiros a poucos metros, todos com sorrisos maldosos no rosto e olhos cor-de-sangue. Em breve eu acabaria com aquela alegria.

— Se preparem para morrer! — vociferei com autoridade. Eles iam pagar por terem matado pessoas inocentes.

— Dio? — ouvi Natsuno ao meu lado. Ele fez menção de vir até mim, mas foi barrado por Riku. Natsuno olhava para as chamas que rodeavam as minhas mãos, chamas que me queimavam por dentro e que pareciam estar esperando por ordens.

Ordens minhas.

Respirei fundo, posicionando mais ainda o corpo e, quando o amontoado de criaturas já estava ao meu alcance, ataquei:

— SUPER PUNHOS DE FOGOOOOOOOO!!!!!!

Se você me perguntasse de onde saiu tanto poder, eu não saberia te responder. O fato é: atingi todos os vampiros que consegui ver com centenas de bolas de fogo que pareciam meteoros colidindo em metal! A rajada de ataques acertava os vampiros com tanta agressividade que a floresta foi preenchida por berros de dor e sofrimento. Inúmeras árvores foram atingidas em cheio pelos corpos das criaturas. O cheiro de queimado começou a pairar em nosso meio, mas eu não parava, precisava derrubar todos, eles mereciam aquilo.

— HÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ!!!!!!! — intensifiquei o ataque.

Por outro lado, as dores internas ficavam insuportáveis. Eu sentia como se meus músculos estivessem se desintegrando, tudo queimava por dentro. Conforme as bolas ficavam mais agressivas, a dor aumentava. Mas ainda restavam alguns, eu não podia parar…

— Dio! — gritou Natsuno.

— Sai de perto, Natsuno! — gritei, ainda liberando o máximo de fogo que podia. — Eu estou… quase… lá! — falei com dificuldade. Eu me sentia fraco, drenado, estava sendo difícil continuar de pé.

— AAAAAAHHHHHH… — gritavam os vampiros.

— ARGH!

— URG!!

Nunca me senti tão quente em toda a minha vida. A sensação era de estar mergulhando na lava de um vulcão. Eu já não aguentava tanta dor. Pior: eu nem me suportava de pé. Portanto, quando menos percebi, já estava inconsciente.

 

Eu estava no fundo de um buraco. A única iluminação vinha de um círculo a muitos metros acima da minha cabeça. Tateei as paredes ao redor de mim e estavam úmidas. Era impossível escalar. Não havia nenhuma corda que eu pudesse subir. Eu estava preso no que, devido à água rasa e a parede circular em torno do meu corpo, presumi ser um poço.

— Socorro! — gritei. — Alguém aí?

Nenhuma resposta. Eu nem mesmo sabia como fora parar ali. Persisti:

— Socorro!

Tentei escalar os tijolos úmidos, sem obter sucesso. Se as paredes ao menos estivessem mais próximas, poderia subir de outro jeito.

Ouvi um ruído que vinha de cima. Havia alguém na beirada do poço, era possível ver apenas a silhueta devido ao céu escuro ao fundo.

Finalmente ajuda. Depois, mais silhuetas se juntaram àquela, e todas olhavam na minha direção. Eu não sabia ao certo se conseguiam me ver, mas não podia perder a oportunidade. Gritei:

— Estou aqui embaixo! Me ajudem!

Ninguém disse nada, por isso estranhei. Para aumentar a estranheza, pularam.

Sombras voaram para dentro do poço com braços abertos e brilhos vermelhos no lugar dos olhos. Fui envolvido pelo mais profundo pavor. Não era ajuda.

Apavorado, procurei pela minha Takohyusei, mas não havia nenhum anel em meu dedo. Eu estava encurralado. Os vampiros caíram sobre o meu corpo feito feras demoníacas, abocanhando com dentes pontiagudos de forma que rasgavam a minha pele, e a única coisa que tive a fazer foi aceitar a morte. Então eu acordei.

Estava sentado numa cama e avistei uma janela. A janela estava aberta e um vento gelado entrava no quarto através dela.

Um quarto; eu estava em um quarto. Mas não conseguia entender como chegara lá. Então me lembrei da floresta, dos vampiros e dos meus amigos.

— Natsuno! Riku! — gritei alarmado. Fiz menção de me levantar, mas alguém me segurou.

— Filho, não se levante!

Olhei para a esquerda e, com um rosto preocupado, lá estava a minha mãe, sentada ao lado da cabeceira.

— Mãe…

— Eles estão bem — disse ela. — Preocupe-se com você. Seu corpo está bastante danificado.

Assim que ela disse isso, foi como se meu cérebro lembrasse de passar a dor para o meu corpo. Eu sentia meus braços frágeis e queimados. Eles estavam enfaixados.

— Onde eu estou? — perguntei.

A porta atrás da minha mãe foi aberta e um médico alto entrou no quarto. Assim que nossos olhos se encontraram, percebi suas íris alternando de azul para amarelo por um segundo. Eu estava num hospital e o médico era um caçador.

— Que bom que acordou, Diogo — disse ele. Sua voz era calma e seu sotaque era um pouco puxado para o espanhol. — Eu me chamo Hamano Sanchez e você está no Hospital Independência. Pode me dizer o que sente? 

Além dos braços queimados por dentro — e talvez por fora —, eu sentia minha cabeça latejando e meus olhos ardendo. Passei todas as informações para ele.

— Entendo. Esse é o risco de fazer parte do clã do fogo. Você se lembra de alguma coisa?

— Sim, lembro de tudo. Onde estão os meus amigos? Nós estávamos em apuros, até que surgiu aquela garota com uma bebida estranha e…

— Você consumiu bebida energética, seus amigos me contaram. Essa bebida agita sua energia interna de forma que você possa liberá-la de uma só vez, mas o risco para clãs de destruição é exatamente esse: o fogo quase aniquilou seus braços por dentro.

Ouvi minha mãe soltar um “meu Deus…” e perguntei:

 — Eu… vou conseguir me recuperar, doutor?

Hamano Sanchez respondeu com um sorriso.

— Fique tranquilo, isso é recorrente entre os mais poderosos caçadores do clã Kido. Eu só peço que você não se esforce por alguns dias. Vou chamar seus amigos.

— Dias? — perguntei, assustado. Minha mãe contorceu o lábio em forma de lamento e se levantou. Acompanhada pelo médico, saiu do quarto e deixou a porta aberta para Riku e Natsuno entrarem.

— Dio! Como você se sente, cara?

Eu ri com ironia.

— Você também virou médico, Natsuno?

— Otário! Você não precisava virar a garrafa toda — advertiu Riku, não tão ignorante como o habituado, mas também nem tão amigável.

— Foi mal…

— Você se lembra de tudo? — perguntou Natsuno.

— Lembro — falei. — Vampiros, floresta, fantasma… Espera, vocês sabem quem era ela? Nunca vi algo do tipo…

— Eu também nunca vi, só ouvi, maninho. Mas ela era bem gatinha, né?

Estreitei meus olhos sobre ele, esperando por resposta. Foi Riku quem informou:

— Pandora é um dos Dez Condenados da Natureza, uma mística especial submetida a ajudar jovens caçadores em momentos passíveis de morte. Eu já fui auxiliado por ela antes.

Dez Condenados da Natureza, mística especial… Eu queria fazer perguntas sobre, mas minha cabeça doía tanto que a única coisa que eu desejava era descansar. Um relógio de parede marcava quase cinco da manhã. Imaginei o trabalho que deu para os meus amigos me levarem até o hospital, situado em Honorário. E de pensar que horas antes estávamos num vilarejo de Venandi totalmente infestado por vampiros…

— O homem do poço! — recordei de repente. — Vocês… o salvaram?

Riku não demonstrou nenhuma expressão, já o Natsuno baixou a cabeça.

— Natsuno… — insisti.

— Nós até voltamos lá, Dio, mas ele havia sido…

— Havia sido?...

— Devorado vivo — respondeu Riku sem rodeios.

Meu coração se entristeceu. Eu era ele no pesadelo de minutos atrás. Cerrei os punhos com força, me sentindo o cara mais estúpido do mundo.

— Se eu estivesse cem por cento na caçada — rosnei zangado comigo mesmo —, talvez ele estivesse vivo ainda... Até a vida de vocês eu coloquei em risco. É tudo minha culpa!

— Não, cara, nada a ver — tentou argumentar Natsuno. — Você não pode ficar se culpando. Nós fizemos o que era possível, e infelizmente não pudemos salvar ninguém.

— A missão era limpar o vilarejo — interveio Riku, duro feito uma pedra. — Salvar sobreviventes não estava nos planos. Agora, ficar se lamentando não vai mudar nada, aceite o que aconteceu e ponto, bola pra frente.

Eu não conseguia parar de pensar no pedido de ajuda vindo do poço, portanto me sentia péssimo e nada que meus amigos dissessem alteraria isso. Decidi não rebatê-los.

— Eu estou preocupado com o jogo — falei, mudando de assunto. — O doutor Sanchez deu a entender que vou ficar internado por alguns dias… — Então olhei para a dupla. — Vocês o conhecem?

— O Riku conhece — respondeu Natsuno. — Parece que o clã dele faz parte de uma tribo aliançada à nossa. Eu não imaginava que havia um caçador do clã da medicina bem perto da minha casa, maninho, isso é maneiro.

— Clã da medicina — repeti, confuso. — E quanto aos vampiros? Consegui derrubar todos?

— Alguns fugiram — disse Riku —, mas tenho certeza que não durarão por muito tempo. Em Venandi, somente vampiros em bando sobrevivem, já que necessitam de sangue humano para se manterem fortes.

— Mas deperizamos os vampiros inconscientes, Dio, o que significa que recolhemos muito pó e viemos pra casa com uma porrada de frascos cristalinos cheios.

— Menos mal — falei arrasado. — Pelo menos uma boa notícia em meio a isso tudo.

Outra coisa veio à minha mente: Léo. Eu havia combinado de encontrar o garoto no dia seguinte perto da escola — dia seguinte entre aspas, considerando que já era madrugada. Expliquei tudo aos meus amigos.

— Podemos encontrá-lo pra você, maninho — ofereceu Natsuno. — É só você me falar o lugar certinho e a aparência dele.

— Não acho uma boa ideia. Léo é um garoto bastante desconfiado. Acho que vou deixar isso com o meu tio Michael, ele deve saber lidar com o assunto.

A porta abriu novamente e o doutor Sanchez apareceu. Apesar de jovem, era um homem cujo olhar transpassava uma vasta firmeza. Hamano tinha cabelo castanho penteado para o lado e era magro e alto.

— Acho que o nosso amigo Diogo precisa descansar um pouco, rapazes. Foi uma noite longa e cansativa.

Agradeci aos meus amigos pelo companheirismo e eles se foram. Hamano Sanchez me desejou bom sono e minha mãe entrou para ficar de acompanhante.

— Está melhor, filho?

— Estou sim, mãe, pode ficar despreocupada. — Quando ela se ajeitava para dormir na cadeira ao lado da cama, eu falei: — Mãe, pede um Uber e vai pra casa. Pode descansar.

— Não vou deixar você sozinho aqui!

— Não sou mais criança — falei rindo. — Eu já posso me cuidar. Por favor, mãe, vá pra casa, o Billy deve estar se sentindo solitário.

Seus olhos pretos demonstravam extrema preocupação. Eu não a condenava; as mães sempre se preocupam com os filhos, ainda mais quando eles são caçadores de vampiros.

— Por favor… — eu insisti.

Suspirando, dona Sara disse:

— Está bem, mas qualquer coisa chame os enfermeiros, viu?

— Tá bom — sorri.

— É só gritar.

— Tá.

— Se estiver com fome, também, apesar que eles te servirão cedo. Mas se sentir fome antes, você já sabe, né?

— Sei.

— Ah, e se por algum acaso você sentir dor…

— Mãe! — a interrompi, rindo. Ela parou de falar e me deu um beijo no rosto.

— Se cuida, Dio, você é o que eu tenho de mais precioso.

Eu fiz que sim e ela se levantou. Quando ia passando pela porta, eu chamei:

— Mãe.

Sara parou e se virou, com verdadeiros olhos entristecidos.

Sorri para acalmá-la, então falei:

— Eu te amo.

O sorriso que ela abriu fez meu coração esquecer todas as aflições e, graças a isso, consegui ter um restinho de madrugada tranquila de sono. Tranquila depois de uma das noites mais agitadas da minha vida.

 

***

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