Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 49: Caçador contra cachorro

O garoto-cachorro vinha na minha direção com tanta agressividade que me deixava com pouco tempo para pensar no que fazer. Quando ele chegou perto, peguei Billy no colo e saltei para o lado esquerdo, desviando de uma patada que acertou o tronco da árvore em cheio. Mas não tive tempo para respirar, pois ele se virou e desferiu outro ataque. Ainda me equilibrando do primeiro salto, desviei pela segunda vez e ele tentou de novo, mas pela terceira vez eu me esquivei.

“Hora do contra-ataque” pensei. Tentei uma rasteira, mas o garoto saltou e investiu com suas patas. (Eu digo patas porque suas mãos eram peludas e suas unhas eram pontudas, o que poderia ser um risco). Tive que fazer uma acrobacia arriscada: dei um salto-mortal para trás utilizando a mão livre como apoio e suspirei ao perceber que havia escapado — mas me surpreendi quando o garoto já estava muito próximo, babando e rosnando, com um fôlego que parecia ser infinito.

— Quem é você? — perguntei, enquanto desviava dos golpes do garoto. Sua resposta era apenas:

— ARGH!!

Ele parecia fora de si.

Sua agilidade era fora do comum. Ainda assim, eu sentia que podia derrotá-lo caso Billy não estivesse no meu colo. A pancada havia deixado meu cachorrinho mole, eu temia que ele tivesse quebrado algum osso, por isso não podia colocá-lo no chão — especialmente por saber que Billy não assistiria à luta quieto.

Precisava pensar em alguma coisa com urgência, a julgar pelo cansaço que começava a me envolver. Não estava muito a fim de ser atingido pela patada do garoto-cachorro.

— Você, pelo jeito, não fala — observei.

Ele parecia cada vez mais selvagem.

Em dado momento, notei um guincho rebocando um carro numa das ruas que cercavam a praça. Foi aí que tive uma ideia. Se desse certo, seria a minha primeira invenção de uma técnica especial. Precisava dar certo.

Respirei fundo, ainda desviando dos ataques, e me concentrei. Já estava com o corpo todo suado.

— É agora — falei a mim mesmo.

No momento em que ele investiu pela milionésima vez feito um cão descontrolado, inclinei o corpo para trás e reuni energia interna no braço direito, mais precisamente na mão. Golpeei:

— Gancho-faísca!

Sim, inventei o nome também. Dizer o nome do ataque não faz ele ficar melhor reformulado? Foi tio Michael quem dissera.

Atingi o garoto-cachorro no queixo com tanta força que ele recebeu um solavanco para cima juntamente do meu braço, soltando muita baba no processo e desabando no chão desacordado.

Dei um suspiro de alívio ao observar que ele não se movia, apenas respirava.

— Au! — latiu Billy.

Eu coloquei o cãozinho no chão e me deixei cair no gramado, exausto, tentando pensar no que fazer com aquele garoto. Nem mesmo sabia sobre sua identidade e por que me atacara. Billy latia para ele sem parar.

De repente, o garoto se levantou e avançou na minha direção prestes a me abocanhar, um espanto que me fez gritar por impulso:

— Modo Ataque!

Billy expandiu para a sua forma gigante e rugiu. O garoto-cachorro mal saltou e foi atingido, no ar, pela patada do meu cão feroz, que o fez voar e bater as costas no mesmo tronco ao qual Billy havia sido lançado minutos antes.

PLACK!

Fiquei surpreso com a força do cachorro ao mesmo tempo em que fiquei preocupado com o garoto.

Agora sim ele estava inconsciente.

Billy voltou ao normal e corremos até o estranho. Chegando lá, sua aparência estava mudando. Suas presas e dentes caninos estavam desaparecendo. Os pelos pareciam estar entrando em seu corpo, e ele já parecia um humano normal.

 

Depois de muito tempo sacudindo o garoto, ele finalmente começou a mostrar sinais de consciência.

— Caramba, até que enfim — falei.

Ele abriu os olhos e olhou em volta, devagar e desorientado. Pestanejava enquanto tentava entender onde estava e o que estava acontecendo. Demorou um pouco para perceber a minha presença.

— O que houve? E onde estou?

Dessa vez, Billy não latiu, apenas olhava o garoto como se fosse um garoto comum.

— Você não se lembra de nada? — estranhei.

Ele fez que não. Passou a mão sobre a cabeça e se levantou, se espreguiçando.

— AI! — gritou, após se esticar. — Minhas costas, doem!

Fiquei preocupado. Ajudei-o a se sentar novamente no gramado e perguntei:

— Não se lembra de nada mesmo?

— Não...

Billy se sentou ao seu lado e lambeu sua mão; o garoto deu um pequeno sorriso. Perguntei:

— Qual é o seu nome?

— Eu me chamo Leonardo, mas todos me chamam de Léo.

— Eu sou o Diogo e esse aqui é o Billy.

O cãozinho latiu.

Léo forçou um sorriso, claramente descontente. Analisando melhor, supus que ele era mais novo que eu, talvez um ou dois anos. Léo era um pouco queimado do sol e seus cabelos castanhos eram volumosos e bagunçados. Ele me olhava de maneira acanhada, então percebi que seus olhos não eram mais verdes, mas sim castanhos.

— Aconteceu de novo, né? — perguntou ele, desviando o olhar, tímido.

Fiquei pensativo. Eu só podia pensar numa coisa: que Léo era um místico igual ao meu tio, exceto pelo fato de se transformar em cachorro em vez de tigre. Falando em cachorro, ele fedia. Cheirava a jogador de futebol após uma partida no deserto do Saara. Isso sem mencionar suas roupas, uma calça jeans velha e uma camiseta marrom com as mangas rasgadas — eu só não sabia se o rasgo fazia parte do modelo ou se alguém as arrancara. A despeito de tudo isso, Leonardo parecia um garoto inofensivo. Cansado, decepcionado, porém inofensivo.

Por algum motivo, recordei das palavras do tio Michael quando me revelou sobre sua raça: Eu tenho um Modo Ataque. Assim como o Billy. Nessa forma, eu fico muito mais forte e veloz.

Percebi, falei na época, mordendo o sanduíche. Era de presunto e queijo. Mas desde quando… Bem, você sabe. Como isso é possível?

Não sei te explicar, pra ser sincero. Eu já nasci assim. No começo, quando eu era criança, inúmeras vezes eu me transformava, ou em alertas ou em momentos constrangedores.

Tipo o quê?, estranhei.

Sem comentários.

Fitei Léo com curiosidade e pensativo. Um místico do Modo Ataque, sem dúvidas. Talvez percebendo que eu sabia de alguma coisa, ele me encarou e perguntou:

— Você sabe por que isso acontece comigo?

Fiz que sim e contei para ele tudo o que sabia sobre os místicos, que não era muita coisa. Isso fez com que o garoto ficasse olhando para os próprios braços, como se estivesse se estranhando. Perguntou, quando finalizei:

— Então eu sou mesmo... uma aberração?

— Aberração? — ironizei. — Cara, você sabe o que você pode fazer com esse poder? Tanta coisa boa…

Acabei contando, também, sobre os vampiros. Não que Léo fosse caçá-los, isso não era possível, muito menos sua tarefa. Mas eu precisava encontrar uma forma de animá-lo. Ainda assim, o garoto não se mostrou contente. Parecia com vergonha de si, sua expressão facial transpassava isso. Uma lágrima escorreu pelo seu rosto.

— O que foi? — perguntei.

Ele olhou para mim tristonho e respondeu:

— Eu sou uma aberração.

— Não, você não é — repeti.

— Sou sim...

— Você só é especial, só isso.

— E já machuquei muita gente! — Ele parecia se sentir culpado, e adicionou: — Tem uma galera internada por minha culpa… Meus amigos, eles agora me rejeitam e me tratam como um estranho. Todo mundo da minha escola me trata assim, até mesmo os professores. Já chegaram até a chamar a polícia pra ficar me vigiando…

Eu só conseguia pensar no tio Michael, em sua transformação. Ele precisava ajudar de alguma forma, eu tinha certeza de que podia.

Sorri.

— Sei de alguém que pode te ajudar.

Léo pareceu não acreditar muito.

— Já fui a muitos psicólogos — avisou.

— Não tem nada a ver com isso. É o meu tio. Ele é igualzinho a você.

— Ele também é um… monstro?

Eu ri, lembrando da imagem do meu tio transformado.

— Acho que homem-tigre é a palavra certa. Meu tio já salvou muita gente com o seu poder, inclusive o meu pai, que é um homem muito forte.

Léo mostrou-se surpreso. Era possível ver com nitidez um brilho de esperança em seus olhos que piscaram rapidamente para um verde. Nem parecia o Léo descontrolado que me atacara mais cedo.

— Onde você mora e estuda? — perguntei.

— Moro aqui perto, mas… — sua voz falhou.

— Mas...?

— Não estudo mais. Fui expulso essa semana.

— Entendo — foi o que consegui dizer.

Prometi a mim mesmo que faria de tudo para ajudar o pobre garoto. Seu descontrole não causava prejuízo somente para as vítimas, como também para ele mesmo. Eu precisava convencer o meu tio a todo custo.

Combinamos de nos encontrar na mesma praça no dia seguinte ao meio-dia e meia e nos despedimos. Léo sentia dor na coluna, mas conseguia andar de boa. Meu único medo era de ele se descontrolar novamente.

Em casa, a primeira coisa que fiz foi ligar para o tio Michael. Expliquei a situação e Michael não pensou duas vezes e disse:

— Será um grande desafio, mas pode contar comigo.

Eu sorri, feliz.

E treinei a tarde inteira a técnica especial que criara: o Gancho-faísca. Embora fosse meio que o Punho de Fogo de baixo para cima, eu considerava uma técnica nova que seria bastante eficaz em situações futuras. Eu só não sabia dizer se era uma técnica de uma ou duas estrelas.

Danifiquei diversas árvores ao quebrar galhos baixos, sentindo mais dor no interior dos braços pelo uso da técnica do que propriamente por golpeá-los. Essa era a desvantagem de pertencer ao clã do fogo, pois minha energia interna ficava super aquecida antes de ser convertida no elemento em si e deixava minhas mãos bastante doloridas por dentro.

Treinei à beça. Estava empolgado não só pela novidade, como também por ter encontrado alguém que precisava de ajuda. Léo meio que me motivou a treinar o máximo possível para ficar tão forte ao ponto de proteger todas as pessoas que eu amava.

Retornei para casa somente no fim da tarde, esgotado, com o corpo todo dormente e repleto de queimaduras internas. Demoraria um pouco até eu me acostumar por completo.

Quando cheguei nos fundos da minha casa, uma surpresa:

— Estávamos te esperando — disse Natsuno. E encostado a uma árvore com os braços cruzados: Riku.

— Vai ter caçada hoje? — perguntei incrédulo.

Natsuno fez que sim com a cabeça, arqueando uma sobrancelha enquanto analisava meu estado físico.

Eu me senti frustrado. Queria muito caçar, coisa que não fazia desde o dia em que conhecemos o caçador do clã das florestas, mas não imaginava que fosse acontecer sem aviso prévio. Eu simplesmente estava sem condições de lutar.

— Parece que andou treinando — observou Riku, desinteressado como sempre.

Lancei a ele meu melhor olhar de desafio e respondi:

— É pra ficar mais forte que você.

— E acha mesmo que vai adiantar?

— Claro que sim. Quer testar?

Ele descruzou os braços e deu um sorriso sombrio.

— Vem tranquilo.

A frieza como Riku emitia as palavras provocava um forte sentimento de raiva dentro de mim. Ele estava zombando, não precisava ser um gênio para perceber. Cerrei os punhos com força, irritado.

— Não agora, né meus amigos? — disse Natsuno, ficando entre nós dois, impaciente. — Temos uma caçada e já estamos perdendo tempo demais aqui. Só acho.

Suspirei, lembrando da caçada. Eles podiam ter me avisado antes.

— Vocês podiam ter me avisado antes — reclamei.

— Pô, Dio, para de drama! Nem a gente sabia.

Estranhei.

— Como assim?

— Acontece — disse Riku — que um amigo meu descobriu sobre uma missão que a organização do seu pai está preparando para amanhã. Mas nós iremos hoje, sem que ele saiba. Exterminaremos vampiros que dominaram uma das aldeias de Venandi.



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