Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 48: As aventuras malucas de um cão travesso

Eu começava a ficar agoniado. Queria caçar, enfrentar vampiros, sentir a adrenalina do perigo, mas a zona sul de Honorário andava tranquila e não podíamos caçar pelas outras áreas da cidade. Não tínhamos boas recordações da última vez que havíamos quebrado a regra. Só para você ter uma ideia, a coisa foi tão tensa que tivemos que ser salvos por um Sacerdote Divino, apenas isso.

O que nos restava era esperar por alguma notícia suspeita — ou então, alguma outra missão arranjada pelo Hebert, pai do Natsuno.

De qualquer forma, na quinta-feira, enquanto tomava o café da manhã, notei que Billy, o meu inofensivo cachorrinho vermelho de estimação, me fitava de maneira estranha. Ele latiu:

— Au!

— O que foi, amigão?

Ele tornou a latir, mas não foi o suficiente para eu entender o que ele queria. Ainda não falava cachorrês.

Quando terminei, peguei a minha bolsa que estava no chão perto da escada e a fechei. Até pensei em tirar alguns livros, devido ao peso demasiado, mas acabei me atrasando um pouco e não estava muito a fim de pegar ônibus.

Me encontrei com a turma de sempre na praça da escola e nos dirigimos à sala 2.

Sophia já estava lá, conversando com suas amigas: Ana, a garota de cabelos curtos, e Jéssica, a afro-brasileira muito bonita. Eu disse um “oi” sem jeito a elas e tomei o meu assento na fileira da janela — percebendo, em seguida, que a minha mochila estava mais pesada que o normal.

— O próximo jogo já é semana que vem, Dio— avisou Natsuno, virando-se para mim.

— A gente vai pegar que sala? — perguntei.

— O 2ºA — respondeu Pedro, ao meu lado.

De repente, ouvi um latido. E vinha da minha mochila!

— Não acredito nisso… — falei

Mais latidos, e todos da sala grudaram os olhos em mim, como se fosse eu o responsável pelo barulho — o que, de certo modo, era verdade.

— Diogo, acho que tem um cachorro aí na sua mochila — o grandalhão Jhou estranhou.

Isso eu já sabia, só não queria acreditar.

Puxei o zíper da minha bolsa e, num pulo de sapo, Billy surgiu e começou a correr pela sala, assustando todo mundo. Ele correu para lá e para cá, abanando o rabo e latindo sem parar. Os alunos começaram a rir com a bagunça, inclusive a Sophia, mas eu estava zangado.

— Billy! — gritei.

Billy parou onde estava e se sentou me olhando com cara de quem havia aprontado e estava se fazendo de coitado.

Oooown — disseram as meninas. Não demorou para o cachorrinho ser rodeado por elas. Billy começou a ser acariciado, o que o deixou ainda mais sem vergonha, pois ele começou a abanar o rabo e a rolar no chão.

 — Que fofinho!

— Ele é muito lindo!

— Nunca vi nenhum cachorro dessa cor.

Esses eram os comentários que surgiam pela sala.

— Pra quê você o trouxe pra escola, maninho? — riu Natsuno.

— Ele entrou na minha mochila sem eu perceber — expliquei, suspirando. — Esse Billy é fogo, cara.

— E fofinho também — disse Sophia, surgindo de repente e fazendo meu coração acelerar. Seus olhos castanhos tinham um encanto único, e me olhavam com carinho. — O nome dele é Billy, né?

— I-isso — respondi, sem jeito.

— Onde você conseguiu um cachorrinho dessa cor? — estranhou ela.

— Presente do meu pai.

Sorrimos um para o outro. Era impressionante como eu me sentia bem perto da Sophia. A forma como ela me olhava fazia com que eu me derretesse todo.

Natsuno me trouxe das nuvens:

— Dio... eh, eu acho melhor você esconder o Billy. Será muito chato se a professora aparecer e levá-lo à diretoria.

— Puts, verdade. — Peguei o travesso no colo, salvando-o da “tortura” de carinhos. — Fica quietinho aí, amigão, senão sobra pra mim.

Eu o deixei debaixo da minha cadeira. Billy latiu pela última vez e ficou em silêncio até a hora do intervalo. Pedi para ele me esperar — ele deu um latido de protesto — e desci para o refeitório. Quando retornei para a sala, lá estava Billy de novo brincando com os meninos e com as meninas, fazendo graça e se exibindo. Fiquei até feliz. Percebi que o cachorrinho estava sentindo falta de brincar, então ocorreu-me que era esse o motivo de ele me encarar daquela forma no café da manhã.

Eu só esperava que ele não se transformasse. Daria um problemão.

O professor chegou e todos foram para os seus lugares. Por pouco Billy não foi descoberto. Coloquei-o debaixo da cadeira, onde ele permaneceu até o início da última aula, quando descemos para a aula de Educação Física — que na verdade era o treino do time de futebol com o treinador Rubens Almeida.

Tive que explicar para ele sobre a vinda inesperada do meu cãozinho para a escola. Rubens me autorizou soltar Billy, contanto que ele não saísse do Miniestádio, o que não foi problema, pois algumas meninas ficaram com ele.

Fizemos treinamento físico. Rubens estava preocupado com o próximo jogo, uma vez que o 2ºA ficara em primeiro lugar em seu grupo. No dia seguinte faríamos um treino-jogo coletivo, para definir táticas e jogadas ensaiadas.

Enfim, a sineta das meio-dia e vinte. Coloquei Billy dentro da mochila e retornamos ao edifício do colégio, para então irmos embora. Quando já estávamos no corredor do primeiro andar, a mochila foi aberta e Billy fugiu, disparando por meio dos alunos!

— Billy! — chamei, mas ele já estava longe. Não tive outra escolha a não ser correr atrás dele. Natsuno, Pedro e Jhou vieram comigo.

— Que cachorro travesso! — riu o vampiro.

— Argh! — murmurei, irritado.

Billy entrou no corredor da esquerda, passando por vários alunos facilmente por conta do seu tamanho minúsculo, o que era um problema para nós.

— Volta aqui! — gritava Natsuno.

Eu esbarrava em muita gente, levando sempre um resmungo ou um xingamento como ataque. Mas o meu foco naquele momento era capturar o cãozinho, apenas isso.

— Diogo, eu tô cansado — resmungou Jhou, atrás de mim.

— Você precisa fazer exercícios — ironizou Natsuno. Billy começou a descer a escada que levava ao pátio principal. — Puts, ele está indo direto para o olho do furacão. É lá que a Abigail fica nesse horário.

Não fiquei muito feliz com a informação. Se a Abigail o visse, com certeza o pegaria e… Eu não queria nem imaginar.

Desci os degraus desesperado. Tinha que pegar o Billy de qualquer jeito, contudo, no pátio seria muito mais difícil porque era um lugar amplo e extremamente cheio.

Perdemos o cachorro de vista.

Paramos.

— Parece que ele sumiu — falei coçando a cabeça, preocupado.

— E agora? — perguntou Pedro. — Ele está aqui, com certeza.

Jhou estava suado e cansado.

— Nunca mais quero correr tanto assim — afirmou o grandalhão; Natsuno, Pedro e eu riríamos com a cena engraçada, não fosse o momento tenso. Tínhamos algo muito importante em mente: encontrar o mascote.

— Vamos nos dividir — falei, sem escolhas. Dei os caminhos que cada um tinha que seguir e começamos a procura.

Dois minutos depois estávamos reunidos novamente no ponto de partida, na base da escada. Ninguém tinha achado o cãozinho, e o pátio ainda estava cheio. Os adolescentes são assim: não veem a hora de ir embora, mas quando essa hora chega, preferem ficar enrolando na hora da saída e conversando entre si, o que, naquela circunstância, era ruim. Billy ainda estava perdido. Eu tinha medo de ele ter saído da escola e de alguém tê-lo roubado.

— Nada? — perguntei aos outros.

— Nada — os outros responderam juntos, lamentando.

— Onde esse cachorro deve ter ido? — resmungou Natsuno, um pouco impaciente.

— Não deve estar muito longe — disse Pedro.

Jhou fixou os olhos verdes numa direção, analisou bem e exclamou:

— Olha ele ali! — E apontou para uma mancha vermelha entre calças e sapatos. 

O cãozinho estava sentado se coçando em meio à multidão, portanto nos dirigimos em sua direção, com cuidado.

— Finalmente o encontramos— falei aliviado. Mas só depois percebi que a encrenca era maior do que eu imaginava: Billy estava atrás de uma Abigail assustadora, postada entre alunos em sua prazerosa função de observar a movimentação à procura de alguma inconformidade.

Meus amigos e eu nos entreolhamos, assustados, e por sorte a inspetora não estava vendo o cachorrinho — ainda!

Até que Billy levantou uma das patas traseiras, da mesma forma que cachorros fazem quando vão urinar...

— Não! — gritamos em uníssono.

Ele não podia fazer aquilo de jeito nenhum!

Avancei em sua direção, na óbvia intenção de impedi-lo, mas era tarde demais: Billy estava mijando na perna da senhorita Abigail.

— Hã? — estranhou a velha rabugenta, com a cara de quem estava sentindo que algo estava errado. (Mal ela sabia que havia um cachorro molhando sua calça).

— E agora? O que a gente faz, Natsuno? — Eu estava desesperado, perplexo e sem reação.

— Eu não sei! — Natsuno estava do mesmo jeito.

— Tive uma ideia! — disse Pedro; ele rapidamente nos contou.

 

Assim que Abigail fez menção de se virar para tentar entender por que sua perna estava úmida, Natsuno e Jhou surgiram de algum lugar.

— Senhorita Abigail! — Natsuno sorriu, fingindo estar alegre; a mulher o encarou e perguntou, bruta:

— O que vocês querem?!

— Está de peruca nova? — perguntou Jhou, também abrindo um sorriso falso.

Abigail ficou sem jeito, e sorriu — provavelmente ela estava mesmo de peruca nova.

— A senhorita está linda com esse novo modelo — mentiu Natsuno, referindo-se ao penteado encaracolado.

— Você acha mesmo, é? — perguntou a velha inocentemente. — Er... Obri... — ela não conseguia agradecer, como se a palavra "obrigado" não existisse em seu vocabulário.

— Muito melhor do que aquela outra peruca — disse Jhou, ainda de sorriso forçado. — Ela te deixava, hã, mais velha?

Não foi a coisa certa a ser dita: Abigail inspirou o máximo de ar que pôde e soltou tudo de uma só vez.

— O QUE VOCÊ DISSE?! — berrou, fulminando os dois com o olhar por cima dos óculos de grau elevado; Natsuno e Jhou deram um sobressalto.

— Nada, nada! — gaguejaram. Antes que se enrolassem mais, decidiram dar o fora.

Abigail lembrou-se que tinha algo estranho com a sua perna e se virou, mas Billy não estava mais lá, pois enquanto Natsuno e Jhou lhe distraíam, Pedro e eu pegávamos o cachorro com extremo cuidado.

De longe, vi que a inspetora tocou em sua calça e levou a mão ao nariz a fim de farejar o cheiro. Foi aí que sua fúria foi ao máximo:

— QUEM-FEZ-ISSOOO??!!

Seu berro ecoou por todo o pátio, chamando a atenção dos alunos, que ficaram em silêncio. Inevitavelmente, eles começaram a dar risada, deixando Abigail ainda mais vermelha de raiva.

Ainda bem que já estávamos descendo os degraus que levavam à praça frontal do colégio. Soltamos, juntos, um longo suspiro de alívio.

— Essa foi por pouco — eu disse.

— Por que a parte mais difícil ficou pra mim e para o grandão? — resmungou Natsuno, irritado, apavorado e aliviado ao mesmo tempo.

— Vocês são melhores atores do que nós. — Pedro riu.

Olhei para Billy e falei:

— Agora vamos embora, você já causou problemas demais por hoje.

O cãozinho latiu como se nada tivesse acontecido. Era impossível ficar zangado com ele.

 

Billy e eu caminhávamos lado a lado pela calçada, quase na metade do caminho, quando o cachorrinho parou e começou a rosnar:

— Rrrrr…

— Billy? — estranhei. — O que foi?

De repente, ele disparou por uma rua repleta de árvores, feroz como era raro eu vê-lo

— Billy, espera!

Mas ele continuou correndo. Suspirei e fui atrás.

Billy corria rumo a uma praça localizada no fim da rua. Eu tentava alcançá-lo, mas estava exausto por conta do treino e da “missão” de minutos atrás. O que me restou foi observar de longe o cachorrinho entrar na praça e correr para atrás do tronco de uma árvore. 

— O que foi dessa vez? — perguntei, alcançando-o.

Paralisei.

— Rrrrr…

— Rrrrr…

Agora eram dois rosnados, um do Billy e o outro… de um garoto?

Era isso mesmo, Billy estava cara a cara com um garoto com características caninas. Ele tinha cabelo castanho totalmente bagunçado e meio volumoso. Os olhos do garoto eram verdes e selvagens. Ele babava, exibindo dentes pontiagudos. Mas não era um vampiro. Vampiros tinham olhos vermelhos e não latiam.

— Au! — latiu ele.

— Au! — latiu Billy.

— Billy — chamei, cauteloso. — Vem pra cá.

Mas ele não parecia me ouvir, tinha olhos fixos no garoto-cachorro. No momento em que saltou numa investida, levou uma patada que o fez voar contra uma árvore.

— Billy! — gritei.

Eu corri até meu cãozinho, que rapidamente se levantou e tornou a rosnar.

Virei-me para o pirralho.

— Quem é você? — exigi. — E o que pensa que está fazendo?!

O garoto-cachorro rosnou ainda mais feroz, me fulminando com um olhar assustador. Ocorreu-me que ele poderia ser um místico, baseado nas experiências que tive com o meu tio que se tornava homem-tigre. Um místico que decidiu me atacar.

— Merda — falei, observando-o avançar na minha direção, babando e rosnando feito um animal feroz. — Era só o que me faltava.



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