Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 47: Conhecendo os veteranos: o cozinheiro alegre e o homem sério!

Um mês se passou desde que Natsuno e eu havíamos deixado de ser aprendizes e a diferença que nós vimos foi: nenhuma.

Não partimos em caçadas arriscadas, não encontramos grandes quantidades de vampiros, nós simplesmente… não fizemos nada. Tudo estava tranquilo demais segundo o Riku, pelo menos pela zona sul de Honorário, responsabilidade que era nossa. Não houve mortes suspeitas nem desaparecimentos misteriosos. E assim se sucedeu o mês de maio inteiro, diferente dos últimos, quando descobri, não necessariamente nesta ordem, sobre:

1º caçadores de vampiros;

2º vampiros;

3º místicos;

4º meu pai ser líder de uma organização de caçadores;

5º monges profetas;

6º um cientista desaparecido;

7º meu tio ser um homem-tigre;

8º e mais uma infinidade de coisas, inclusive sobre um cachorrinho que podia se transformar numa fera, mas que em seu tamanho normal me servia como despertador diário.

Billy me despertou com lambidas no rosto.

— Bom dia, amigão — falei bocejando.

Ele cheirava a urso de pelúcia devido ao fato de tomar banho todos os dias, uma “tortura” causada pela minha mãe. Eu me levantei e vesti o uniforme do colégio Martins.

Quando cheguei na praça da escola, Riku veio com uma notícia:

— Shin mudou de escola.

Para quem não se lembra, Shin era um garoto da nossa sala que mal aparecia nas aulas e que pertencia a um clã da tribo do clã do Riku. Sabe aquele tipo de cara que é tão desprezível que nem os professores aguentam? Pronto, você pensou nele. 

— Mudou de escola? — Estranhei. — Por quê?

— Não sei, mas ele continua na cidade.

O que soava ainda mais estranho. De uma forma ou de outra, eu gostei da notícia. Por outro lado, Marcelo — o camisa 10 do time de futebol da classe — estava de volta. Não poderia jogar futebol tão cedo, uma vez que ainda estava se recuperando, mas já estava apto a participar das aulas normalmente.

— Dio, você devia ir falar com ela, cara. Tá parecendo um filho sem pai com essa cara — disse Natsuno assim que nos acomodamos em nossas carteiras, na sala 2. Ele estava falando da Sophia.

Não conversávamos desde o dia do jogo contra a sala do Yago. Eu a evitava com receio de ser questionado sobre o dia em que a salvei de vampiros. Sophia era uma caçadora sem saber, pois seu pai lhe escondia o fato provavelmente para não vê-la envolvida com as criaturas de olhos vermelhos, e digamos que eu não queria ser responsável por lhe apresentar uma vida que ele lhe escondera por quinze anos.

— Eu… eu vou — falei, observando a garota conversando com suas amigas: Ana, uma branquela de cabelo curto, e Jéssica, uma negra com um belo black power. — Mas não agora. Quando for o momento certo.

— Quando a gente vai pra Venandi de novo? — perguntou meu amigo Jhou, o grandalhão da turma que, apesar de ser negro, possuía intensos olhos verdes por ser um místico de super força.

Venandi era uma espécie de mundo paralelo ao nosso, conectado à Terra por portais.

— Acho que nem tão cedo, grandão — disse Natsuno.

— Eu particularmente não sinto saudades de lá — riu Pedro, nosso amigo vampiro do bem. — Ainda mais depois que quase perdemos nossas vidas para aquele grupo de vampiros.

Tive que concordar. Lembrando também do Monte Zentaishi e do profeta Zaoi, recaí meus olhos sobre meu anel dourado, a minha Takohyusei que evoluíra para o nível 3. Eu me perguntei quando a testaria em sua nova forma. Mal sabia que muito em breve.

Pensei que a manhã tinha sido comum. Porém, assim que cheguei em casa fui logo informado pela minha mãe de que teria que retornar à escola, para levar meus documentos lá.

— Por quê? — ergui uma sobrancelha, indo até a fruteira. — A escola já não tem cópias o suficiente deles?

Dona Sara preparava o almoço. Ela colocou sal no arroz e disse: 

— Parece que os documentos de alguns alunos desapareceram, filho, inclusive os seus.

Pois é, estava bom demais para ser verdade. Obviamente não desapareceram sozinhos, o que não cheirava nada bem.

 

Eu tentava pensar em quem teria roubado os documentos. Se as minhas suspeitas estivessem certas — que foi obra de vampiros, embora eu não entendesse o motivo — Riku e Natsuno também estariam na escola.

E minhas reflexões foram interrompidas quando encontrei minha amiga Zoe pelo caminho, sozinha, de mochila nas costas e com um uniforme diferente do meu; ela estudava em outra escola, que ficava um pouco mais próxima de casa do que o colégio Martins. Assim que me viu, Zoe abriu um sorriso, e quando cheguei até ela:

— Oi Zoe, tudo bem?

— Tudo sim e com você?

— Estou bem.

Mesmo eu tentando disfarçar, a garota percebeu algo a mais no meu rosto.

— Está preocupado com o quê?

Decidi contar:

— Alguém entrou na escola e roubou meus documentos. Estou indo lá agora.

Zoe mostrou-se confusa. Vale ressaltar que ela era uma mística — rastreadora, destaco também — e tinha conhecimento sobre eu ser um caçador, portanto sabia que o ocorrido não poderia ser uma simples coincidência.

— Estranho… Posso ir com você? — perguntou.

— Ué, bora! Talvez assim você conheça o meu melhor amigo, o Natsuno, pois tenho quase certeza de que o encontrarei lá também.

E eu estava certo.

Na secretaria, havia uma fila pequena que começava na porta lateral do colégio e se estendia pelo corredor, mas sem chegar à calçada. Natsuno, Riku e Yago estavam nela, além de mais alguns adolescentes que eu conhecia só de vista. Todos, provavelmente, caçadores, e eu era o último.

Eles entregaram os respectivos documentos à secretária que eu ainda suspeitava ser filha da inspetora Abigail. Quando estava indo embora, notei Natsuno e Riku conversando na praça frontal do colégio. Aproximei-me deles.

— Dio, você soube, né? — me perguntou o Kogori (Natsuno).

— Soube. Quem pode tê-los roubado?

— Não faço ideia.

Ele olhou para Zoe ao meu lado e então decidi apresentá-la:

— Essa aqui que é a Zoe, a minha amiga mística de quem te falei no outro dia.

— Oi, Natsuno — disse a garota.

— Oi... Zoe. — Percebi que o garoto estava com vergonha, por isso não pude conter os risos. — Tá rindo de quê?

— Nada.

Como se para se vingar, Natsuno disse para a garota:

— O Dio falou muito de você.

— Falou, é? O quê?

Recebi um olhar curioso da Zoe, o suficiente para me deixar com as bochechas quentes.

— Muita coisa — disse Natsuno.

Encarei Natsuno com raiva, como se quisesse dizer: "Isso vai ter volta". Ele provavelmente entendeu o recado e riu.

Mas eu fiquei feliz por meus dois melhores amigos estarem se conhecendo. De repente, um Mercedes preto chamou a nossa atenção. Estacionou na ruela que separava a praça da escola e, dela, Sophia desceu.

Nossos olhos se cruzaram e ficaram fixados por alguns instantes, meu coração acelerando no peito, então Sophia os desviou para quem estava ao meu lado: Zoe.

— Vixe — soltou Natsuno.

A expressão da garota ficou dura como o gelo e ela deu as costas, acompanhando seu motorista em direção à secretaria.

Eu fiquei sem saber o que dizer em meio ao clima tenso, mas Natsuno quebrou o meu galho:

— Dio, eu conheço uma lanchonete topzera. Cara, você vai curtir muito! A gente pode ir lá hoje, se você quiser. Vamos, Zoe?

— Por mim tudo bem — disse ela.

— Ah, pode ser — falei. — Riku, você vem?

— Eu tenho mais o que fazer — respondeu ele, arrogante como o conhecíamos. Nós três trocamos um olhar e demos de ombros. Então partimos rumo à tal lanchonete.

 

Para a nossa surpresa, demos de cara com Pedro e Jhou numa das esquinas que dobramos. Os dois garotos acabavam de sair de uma loja de esporte, Jhou com uma sacola na mão cujo conteúdo era a caixa de uma chuteira. Quando nos viram, o grandalhão perguntou:

— Aonde vocês estão indo?

— Na... — Natsuno parecia com receio de responder.

— Lanchonete Lendária — respondi por ele.

Jhou mostrou-se ansioso.

— Podemos ir também?

Fiz que sim, observando que Natsuno suspirava. Ele não gostava muito de comer perto do grandalhão. Chamava muito a atenção.

— Pedro, essa aqui é a Zoe — apresentei, pois Jhou a conhecera no último mês, quando tentamos, sem sucesso, rastrear o seu pai cientista que desapareceu após descobrir a cura de um vírus.

— Oi — disse a garota.

— Oi — sorriu o vampiro.

— Vamos logo! — apressou o grandalhão. — Estou com muita fome!

 

A Lanchonete Lendária ficava na dobra de duas avenidas movimentadas e possuía duas entradas: uma estreita bem na esquina e um conjunto de portas adiante da vitrine que se estendia por uma das paredes. Acima de ambas as entradas havia o letreiro que dizia o nome do estabelecimento. Natsuno optou pela porta da esquina, a menor, alegando que a ala do bar era tranquila durante o dia. 

O sino tocou assim que entramos, chamando a atenção de um barman. A ala do bar era pequena e possuía apenas uma mesa retangular de madeira junto à janela, com sofás booths também de madeira, além do balcão em forma de L e suas banquetas, tudo de madeira. Um cliente solitário dava um gole numa xícara branca.

— Caramba, aqui é da hora — falei, observando o pequeno ambiente.

Um corredor levava ao banheiro e outro levava a um conjunto de portas de vidro. Através do vidro, era possível avistar a outra ala da lanchonete, um saguão amplo repleto de mesas e cadeiras, algumas ocupadas por outros clientes, mas a arquitetura era diferente do bar; enquanto a decoração e a mobília do bar lembravam um saloon de faroeste, a ala das dezenas de mesas era bem simples e iluminada. Onde estávamos, só faltou a música clássica para completar a sensação de estar no século dezenove. 

Nós nos acomodamos nos sofás booths, tendo visão panorâmica da avenida lá fora.

— O que manda, Natsuno? — perguntou o barman, enxugando alguns copos americanos.

— E aí, Leandro. Quero um misto-quente no capricho. E vocês, galera?

Natsuno apontou para uma placa grudada na parede, ao lado das prateleiras do balcão, que informava os lanches e seus valores.

— Pra mim, pode ser um x-bacon — falei.

— Quero um x-calabresa — escolheu Pedro.

— X-salada — foi a escolha da Zoe.

— Jhou? — perguntou o barman, com um olhar curioso.

Jhou lambeu os lábios e disse:

— Três x-tudos.

Somente a Zoe ficou um pouco surpresa.

— Certo — disse Leandro, anotando os pedidos e entrando numa porta no outro extremo da prateleira de bebidas.

Pedro e Natsuno começaram a conversar sobre o motivo de termos ido ao colégio, o que só me deixou mais pensativo. Eu olhava para a movimentação de carros lá fora, tentando imaginar o porquê de quererem os documentos de nós caçadores. Então, alguém disse:

— Jhou, Natsuno! Pensei que haviam se esquecido da minha lanchonete!

— Pô, seu Juca, para de drama — riu Natsuno. — Eu tava sem grana, fazer o quê?

Juca era um homem gordo de meia-idade e de barba rasa e grisalha. Era daquele tipo de cara que possui rugas de risos, o que indicava que era um sujeito bastante carismático. Ele vestia um avental laranja e estava na porta pela qual Leandro havia entrado momentos antes. Presumi que era o cozinheiro do estabelecimento.

— Parece que dessa vez vocês trouxeram amigos — observou o homem, passeando os olhos por cada um de nós.

— Pois é. E adivinha só: descobrimos que o Jhou é um místico!

Seu Juca riu.

— Você até que demorou, não acha? E vejo que trouxe mais uma. Mística, eu digo. — Ele olhava para a Zoe, depois olhou para Pedro e para mim. — E você faz parte do clã Kido, eu suponho.

— Sim. Hã… meu nome é Diogo — me apresentei, surpreso por seu Juca saber tanto. Procurei por alguma explicação no olhar do Natsuno.

— O seu Juca já foi um caçador de vampiros — informou ele.

— E dos melhores — acrescentou o sujeito que tomava o que julguei ser café. Vestia sobretudo e estava de costas para nós.

— E o senhor, quem é? — perguntei.

— Eu me chamo Edson Alencar. Também estou aposentado.

No momento em que Edson nos lançou um olhar, seus olhos puxados alternaram para um amarelo vivo e sombrio. Seu rosto pardo era repleto de pequenas cicatrizes, marcas de inúmeras batalhas, ou pelo menos assim eu deduzi. Os olhos dele retornaram ao castanho e ele tornou a ficar de costas.

— Esses aqui são a Zoe e o Pedro — Natsuno apresentou os outros ao cozinheiro. — E o Dio é aquele meu novo parceiro de equipe de quem te falei, lembra? Mês passado nós deixamos de ser aprendizes!

— Que ótimo! — sorriu seu Juca, radiante. — Mas de acordo com as regras atuais vocês devem ter mais um membro na equipe. Onde está o outro?

— Ele é um pouco antissocial — respondeu Jhou, rindo.

— E ele é Herói Herdeiro de um dos Cinco Elementais, assim como vocês dois? — quis saber Edson.

— Sim — respondi, agora desconfiado. — Como o senhor adivinhou?

— Ouvi boatos sobre um novo trio de heróis dos clãs do fogo, relâmpago e vento que causaram alguns problemas para o Conselho.

No mundo dos caçadores e vampiros, era até fácil identificar quem fazia parte dos clãs Kido e Kogori — fogo e relâmpago, respectivamente. Os membros do clã Kido são caracterizados por terem pontas castanhas pelo cabelo, o que era o meu caso. A característica do clã do Natsuno era ainda mais chamativa; tanto ele quanto seus parentes tinham cabelo roxo.

Quanto ao Herói Herdeiro, cada Clã Especial tem um. É o caçador escolhido para portar a espada Takohyusei que, além de ser um item mágico que evolui conforme seu dono, se transforma em anel. E foi por esse motivo que fiquei impressionado por Edson ter concluído quem éramos num único olhar que ele deu. Além, claro, de ele saber sobre as nossas aventuras arriscadas dos últimos meses.

Percebendo minha cara cismada, seu Juca disse:

— O seu Edson trabalhou muito tempo para o Conselho dos Clãs Especiais, por isso tem informações privilegiadas de lá. Ele era um Caçador de Elite.

Finalmente as coisas fizeram sentido.

— E percebo que vocês andam com um vampiro — disse seu Edson. — Não acham isso perigoso? Pois vocês são caçadores.

Apesar de surpreso por ele também ter identificado o Pedro sem que percebêssemos, eu prontamente disse:

— Ele é nosso amigo.

— Também já tive amigos vampiros. Mas adivinha o que aconteceu.

Todos ficamos em silêncio. O modo de falar do homem trazia uma frieza pesada e intimidadora. Era como se ele tivesse uma resposta para tudo.

— Meus amigos caçadores o mataram — concluiu, sem emoção na voz.

O clima ficou tenso. Pedro parecia desconfortável com toda aquela conversa. Zoe me olhava com desalento.

— Ninguém vai relar um dedo nele — assegurei, convicto. — Terá que passar por cima de mim primeiro!

Seu Juca sorriu.

— Admiro muito o seu jeito protetor — disse, depois lançou um olhar para seu Edson. — Lembra muito alguém que eu conheço.

— Verdade — admitiu o homem sério. — Só que os tempos são outros, agora. Estamos aposentados e longe daquele meio.

— Mas vocês nem estão velhos — observou Zoe, chamando a atenção da dupla. — Por que se aposentaram tão cedo?

As expressões dos dois mudaram assim que ela fez a pergunta. Eles não pareciam mais o cozinheiro alegre e o homem sério. Pareciam agora desanimados. Encarei os meus amigos e ninguém entendia nada, a não ser Natsuno, que provavelmente já sabia do que se tratava.

— Nem todo caçador tem um futuro brilhante — disse seu Juca, desviando o olhar. — Pode acontecer coisas marcantes na sua vida.

— Tipo o quê? — perguntei.

— Uma falha numa caçada, por exemplo.

— O seu Juca não tem parte dos movimentos das pernas — explicou Natsuno, com voz abatida. — Ele foi espancado por vampiros, e só conseguiu sobreviver graças à ajuda que chegou a tempo. Ele chegou a ficar paraplégico.

A informação surpreendeu a todos.

— E como ele consegue andar? — estranhou Jhou.

— Força de vontade — respondeu seu Juca, com um sorriso forçado. — Tentei tudo o que se podia: rituais, bebidas especiais, feitiços e magias de cura... Entretanto, o máximo que eu consegui foi isso.

O cozinheiro fez uma pequena demonstração: caminhou com muita dificuldade por detrás do balcão. Foi até o final e voltou, mancando.

— Entendo — falei, sentindo muito. Enfim, estava vendo o lado ruim de se arriscar caçando vampiros. — E você? — perguntei para o homem que estava tomando café.

Ele não respondeu. Parecia triste demais para falar.

— Seu Edson desafiou os sacerdotes para proteger alguém — explicou seu Juca. — Já faz bastante tempo, contudo as sequelas duram até hoje. Realmente não foi uma coisa muito legal...

Seu Edson estava trêmulo, eu podia perceber. Parecia que até ele tinha uma história triste por trás do semblante firme.

— Hoje eu não tenho controle total do meu corpo — decidiu falar. — Afetaram o meu cérebro com um choque de milhares de volts. Foi a punição que acharam necessária para o que chamaram de imprudência minha. Mas não me arrependo do que fiz.

Ninguém sabia o que dizer. Todos trocamos olhares esmorecidos, interrompidos por seu Juca, cuja voz tornou a ficar alegre:

— Chega de chororô, pois o que passou, passou, não é mesmo? Precisamos erguer a cabeça e olhar para frente. Deus sabe de todas as coisas. Hoje em dia sou dono de uma lanchonete repleta de clientes interessantes, o que é uma maravilha. Quanto a vocês dois, Diogo e Natsuno, protejam a cidade o máximo que puderem!

— Pode deixar! — falei. — Prometo que não medirei esforços!

Nossos lanches, juntos de uma Coca-Cola de dois litros, chegaram, e todos comemos de maneira educada, exceto o Jhou. Ele abocanhava sem parar e parecia engolir tudo sem sequer mastigar; pão, hambúrguer, alface, bacon, ovo frito, presunto, mussarela e demais ingredientes — nada escapava de suas investidas. Quando menos percebemos, ele já havia acabado. No fim das contas, estávamos satisfeitos. Os lanches tinham sido feitos de maneira caprichada.

— Hora de ir embora — disse Natsuno, após pagarmos a conta.

Antes de sair, no entanto, decidi tirar uma dúvida. Os outros estavam saindo da lanchonete enquanto eu me aproximava do balcão, tímido. Seu Juca conversava com seu Edson, mas sua atenção voltou-se para mim quando perguntei:

— Seu Juca, mesmo com a sua vida marcada por uma aposentadoria precoce e a sequela nas pernas, valeu a pena tudo o que o senhor passou? Foi bom ser caçador de vampiros?

Quando pensei que a pergunta o deixaria cabisbaixo, seu Juca olhou para mim e abriu um enorme sorriso amigável.

— Foi uma experiência inesquecível. Para ser honesto, eu não sei o que seria de mim se eu não fosse caçador. A emoção de estar salvando o mundo, a adrenalina que sentimos quando estamos caçando... Não tem como explicar a sensação. Se eu pudesse, seria caçador a minha vida inteira, até os cem anos de idade pelo menos!

Eu já admirava muito aquele homem que acabara de conhecer, por tudo o que ele superou e como lidava com uma coisa negativa que o tirara de cena.

— E por que o nome dessa lanchonete é Lanchonete Lendária?

— É uma referência ao Caçador Lendário, o homem que tem o dever de salvar o mundo. Fui salvo pelo Décimo, e aguardo ansiosamente pelo Décimo Primeiro, pois a esperança de que estaremos todos protegidos está depositada nele.

— Entendi. — Eu sorri satisfeito.

— Ei, Dio, vamos logo! — me apressou Natsuno.

Eu me despedi de seu Juca e seu Edson e fui embora. A Lanchonete Lendária se tornaria um dos meus lugares favoritos da cidade, eu a frequentaria milhares de vezes após aquela primeira, em momentos bons e ruins. Juca e Edson se tornariam pessoas importantíssimas para a minha caminhada, eu só não fazia ideia ainda.

E estava satisfeito. As palavras do cozinheiro surtiram um efeito motivador que me deram mais ânimo para treinar e combater vampiros, embora o ambiente andasse quieto nas últimas semanas.

Eu me sentia orgulhoso por ser um caçador de vampiros.



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