Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 1 – Arco 4

Capítulo 46: Aprendizes? Não mais! O encontro com o profeta da casa velha

Ok, tudo bem, eu já estava acostumado com coisas estranhas.

Primeiro descobri que existem vampiros: seres que contém olhos vermelhos e dentes pontiagudos; que são carnívoros; que se alimentavam do sangue humano. Até aí normal. Descobri sobre os caçadores, que existem para combatê-los, e descobri também sobre os místicos — aqueles que se parecem com os mutantes de X-Men. Isso sem mencionar os ogros, piratas, monges profetas, sacerdotes e uma outra dimensão que era conectada à Terra através de portais.

Mas, armaduras caçadoras era demais. Ainda mais armaduras que sequer possuíam um corpo para controlá-las (presumi isso porque ambas foram destruídas, e ambas se refizeram, sem ninguém aparecer). Isso soava mais bizarro que qualquer outra coisa.

Simplesmente não estávamos entendendo nada.

— Vocês estão de zoação com a nossa cara, né? — Natsuno parecia tão atônito quanto eu.

As armaduras ficaram em silêncio, e foi nesse meio tempo que Riku pensou algo e decidiu perguntar:

— Vocês são... do clã dos espíritos?

A armadura prata fez que sim, fazendo com que Riku arregalasse os olhos. Era raro vê-lo assim.

— Clã dos espíritos? — estranhei.

— Nunca ouvi falar — afirmou Natsuno, como se dissesse por Pedro e por Jhou também.

— Nós fazemos parte do clã Rogers, mais conhecido, como vocês perceberam, como clã dos espíritos — explicou a armadura dourada, que tinha a voz mais calma. — Nosso clã tem um dom especial abominado pelos demais clãs. Um dom que nenhum outro clã possui.

— Que tipo de dom?

— Eles conseguem sair de seus corpos e penetrar em outros — foi Riku quem respondeu, receoso.

— E isso é possível? — perguntei pasmo.

— No nosso caso sim — respondeu a armadura prata. — No entanto, só podemos entrar em um corpo vazio.

— Como assim vazio? — Jhou era o que estava mais confuso dentre nós.

— Cadáveres ou armaduras.

— Entendi — falei, encarando os irmãos. — Tem que ser um corpo sem espírito.

— Exatamente.

Ele disse como se fosse uma coisa natural, mas eu estava aterrorizado. Eles podiam entrar em qualquer corpo morto, assim causando danos enormes à sociedade. Danos psicológicos. Era assustador pensar naquilo.

— E qual era o objetivo de vocês, afinal? — Riku foi ao ponto. — Duvido que só queriam nos testar.

As armaduras "se entreolharam" e depois viraram para nós. A prata começou, com a sua voz grave:

— Somos os guardiões do Monte Zentaishi há anos, nosso intuito é provar jovens caçadores que querem deixar de serem aprendizes, todo mês fazemos isso. Esta é uma tarefa que o Conselho impôs a nós quando soubemos dos planos do nosso clã e fomos denunciá-los. Vocês sabem, o Conselho dos Clãs Especiais é encarregado de manter a paz entre os caçadores.

— Sejam mais diretos — exigiu Riku

A armadura pareceu considerar, mas então continuou:

— O Bispo Soberano Sócrates logo nos informou sobre uma profecia importante que mencionava os Nove Escolhidos. A profecia dizia que cinco deles subiria o Monte Zentaishi, e seriam avisados por dois caçadores espiritistas sobre seu destino. Não tenho dúvida que são vocês. Estamos há anos aguardando por este momento.   

— Mas de que destino você fala? — perguntei. — É algo tão importante assim?

A armadura "respirou fundo" e respondeu:

— Nosso clã será peça fundamental em uma guerra. Uma guerra que promete muito sangue e destruição.

Olhei para os meus amigos, confuso. Riku explicou, sem tirar os olhos das armaduras:

— O clã Rogers é conhecido por ser um dos mais perversos dos mundos. Não faz parte de nenhuma tribo, pelo fato de serem ambiciosos e egoístas, tanto que é temido até pelos clãs Medeiros, Meicons e Kabeiyama. — Riku assumiu uma expressão mais séria e falou: — Eu não imaginava que estavam planejando uma guerra. 

Natsuno, Pedro e Jhou tinham a mesma expressão que a minha: temor. Natsuno já me contara sobre guerras do passado, eu só não havia pensado mais seriamente no assunto. Imaginei as consequências que uma guerra entre caçadores poderia trazer.

— E quando vai acontecer essa guerra? — perguntou Natsuno, também sério.

— Não sabemos ao certo — disse a armadura dourada. — Entretanto, os preparativos já estão bastante avançados. Acreditamos que em poucos anos será iniciada o que o Conselho está chamando de Guerra Maldita. A Profecia do Fim menciona sobre a libertação de Onikira, deus dos vampiros. Nosso clã planeja libertá-lo para manipulá-lo. Está tudo entrelaçado. Mas Onikira é um Patriarca, ser de poder imensurável e indomável por qualquer criatura que conhecemos. A guerra pode resultar no fim dos mundos.

— Meu Deus — falei estremecendo. — Libertar o deus dos vampiros… Que loucura!

Eu nem sabia ao certo o que pensar. A única coisa que me perguntava era se o meu pai já estava sabendo.

— E por que vocês estão nos avisando sobre isso? — Pedro soou desconfiado.

— Somos diferentes dos membros do nosso clã. Nós nunca concordamos com o ponto de vista deles. Decidimos não seguir a tradição Rogers.

— Queremos estar nessa guerra — disse a armadura prata —, porém não ao lado dos nossos parentes. Não queremos o fim da existência; muito pelo contrário.

— E confiamos em vocês cinco, pois a esperança é escassa aos nossos olhos considerando as alianças que nosso clã já fez nas últimas décadas. Confesso que já não nos sentíamos motivados, achávamos que este dia nunca iria chegar, mas… aqui estamos.

— Agora, basta vocês aceitarem fazer parte das nossas tropas. A chave para salvar os mundos é aceitar o destino.

Apesar de confuso, eu sentia que aquelas armaduras estavam sendo sinceras. Pensei em Onikira sendo liberto, pessoas sendo mortas, caçadores se matando e vidas sendo destruídas. Eu definitivamente não poderia ficar de braços cruzados, precisava me mexer, treinar, ficar mais forte. E se fazíamos parte dos Nove Escolhidos (o que quer que aquilo significasse), não poderíamos em hipótese alguma recusar o “convite”.

— Podem contar comigo — eu disse com convicção. — Se tenho algo a oferecer para proteger pessoas, então podem ter certeza que farei o possível.

As armaduras apenas fizeram um tipo de reverência, juntas.

— Vamos vencer essa guerra — disse Natsuno ao meu lado, como se estivéssemos falando de um jogo.

— Se isso que vocês estão falando for mesmo verdade, vai ser um grande problema — disse Riku, ainda abalado com as informações. — Mas estou aqui para honrar os meus pais, que dariam a vida pelo que parecesse certo.

— Isso é um “sim”? — indagou Natsuno, arqueando uma sobrancelha. 

Riku não respondeu, o que já respondia.

— Nós também podemos lutar nessa guerra? — pediu Jhou, me surpreendendo. — Sabe, eu acho que posso ser útil.

— Depois de muito treino, talvez — corrigiu Natsuno.

— Que seja. Sou forte, não sou? Acho que já é alguma coisa.

— E quanto a você? — a armadura prata perguntou ao Pedro, que se encolheu desconfortável. — Sabemos que você é um vampiro, mas não é muito difícil ver a bondade em seu coração. Acredito que seus amigos precisarão muito de você. Você também faz parte dos Nove Escolhidos.

Pedro olhou para nós quatro de uma forma diferente, aparentemente com medo. Medo de alguma coisa, por sinal. Mas eu sorri, falando:

— Verdade, Pedro, não podemos lutar sem você. Nós somos um quinteto.

— Pois é — disse Jhou.

— O Dio tá certo — disse Natsuno.

Pedro sorriu.

— Também quero lutar.

Por mais que não pudéssemos ver os rostos das armaduras, eu sabia que estavam satisfeitas. Eu só não conseguia pensar em como as coisas se desenrolariam a partir dali. Nos dariam uniformes de soldados?

— Vocês precisam continuar o caminho de vocês — disse a armadura dourada, quebrando o silêncio. — É fundamental que consigam experiências novas para que lá na frente saibam liderar. E o começo é deixando de serem aprendizes.

— Hã, certo — eu disse. 

As armaduras tornaram a se entreolhar e a prata falou, olhando para nós cinco:

— Até breve.

Então, de maneira súbita, ambas as armaduras desabaram no chão e se estraçalharam.

— Já voltaram aos seus corpos originais — explicou Riku, sereno.

— E esqueceram de nos falar os seus nomes — ironizou Natsuno.

 

Após sair da casa de tijolos, continuamos subindo a gigantesca escadaria em forma de caracol. Todos estávamos motivados, portanto subíamos correndo, na intenção de chegar o mais rápido possível, pois assim poderíamos ir embora logo. O ar já começava a ficar pesado, e ventava muito.

Era um vento sufocante.

Todos tinham dificuldade para respirar, menos... o Riku. Ele parecia mais enérgico, mais vivo, mais forte. Era como se aquela ventania lhe desse mais forças.

— Estamos chegando? — perguntou Jhou, com a respiração ofegante.

— Jhou, você pergunta isso a cada cinco minutos! — Natsuno disse impaciente.

— Mas eu estou cansado — resmungou o grandalhão; o sol já começava a aparecer no fim do horizonte e, não fosse pelas nuvens e a forte neblina, imaginei que teríamos uma visão magnífica dali de cima.

Corremos por mais algum tempo, até eu começar a ver o fim da escada, onde havia um torii idêntico ao torii da entrada lá embaixo. Apressamos os passos, mais empolgados. Enfim chegaríamos ao nosso destino.

— Deve ser uma mansão — palpitou Jhou.

— Acho que não — interveio Natsuno. — No máximo um templo.

Era nítida a ansiedade nos olhos dos meus amigos, afinal, encontraríamos pela primeira vez um monge profeta. E quando o fim chegou, uma enorme surpresa: havia apenas uma casa velha e pequena.

— Hã, emocionante? — Natsuno estava tão surpreso quanto o restante de nós. — A casa das armaduras espiritistas era mais bonita.

Além da casa, havia rochas enormes nas extremidades do pico. Provavelmente serviam para proteger a casa de vendavais ou algo do tipo, uma vez que aquele lugar era muito frio. Fora isso, o topo da montanha era vazio, contendo apenas a pequena casa bem ao centro. Eu não entendia o motivo de o tal monge morar naquele lugar, isolado de tudo e de todos. Sem falar que para chegar em casa ele teria que subir aquela escada inteira!

Olhei para o rosto de cada um, e pude notar cansaço no Jhou, ironia no Natsuno, calma no Pedro e desinteresse no Riku. Depois olhei para a casa e falei:

— Acho melhor batermos na porta.

Caminhamos ao seu encontro, todos ansiosos para conhecer o tal profeta.

— Já até imagino como é a aparência do velhinho — riu Natsuno. — Um velho rabugento de cabelos mal tratados e uma barba enorme. Acho que ele nem escova mais os dentes. Isso se ele não for um banguela.

Jhou gargalhou descontroladamente, imaginando a cena.

— Acho que o Papai Noel é mais bonito.

Paramos diante da minúscula porta de madeira.

— Então... chamamos? — perguntei.

— Vou bater na porta — disse Jhou.

— Não! — gritou Natsuno, parando em frente ao grandalhão. — Deixa que eu bato. Aliás, não queremos deixar o bom velhinho no prejuízo.

Natsuno deu meia-volta e, quando fez menção de bater, ela se abriu sozinha, fazendo-o recuar um passo.

— Entrem — disse uma voz calma, vindo de algum lugar distante.

Nós trocamos olhares surpresos e engolimos em seco, mas entramos. Foi aí que veio a maior surpresa:

— Nossa — dissemos Natsuno, Jhou e eu ao mesmo tempo em que olhávamos em volta do cenário. A casa era incrível! Era enorme, muito bem cuidada e... dourada. Isso mesmo, a casa tinha as paredes e o teto dourados! Havia poltronas vermelhas de couro no canto da enorme sala e tapetes pelo chão, também vermelhos. As lâmpadas fortes iluminavam todo o ambiente, mesmo dentro de lustres de cristal. Não havia janelas nas paredes, mas o clima era fresco e agradável. Havia várias portas abertas, todas numa madeira chique e belíssima. No fim, aquele lugar nem parecia a velha casa que vimos pelo lado de fora.

— Estou sonhando? — Jhou se beliscou.

— Parece que não, grandão — disse Natsuno, ainda encantado.

— Nunca vi nada parecido — afirmou Pedro.

— Não tem ninguém aqui — observei. Apesar de ser luxuosa, não havia móveis nem televisão na sala.

— Vamos ali — apontou Natsuno, para a porta que dava, aparentemente, num lugar aberto da casa.

Caminhamos naquela direção, ao mesmo tempo em que ainda olhávamos em volta, maravilhados. Nunca imaginei entrar num lugar desses, nem mesmo nos meus sonhos mais esquisitos. Passamos pela porta e ficamos mais encantados ainda. O jardim era lindo. Havia plantas num verde muito claro e vivo, todas em vasos ou em formas de gramado. O lugar era bem florido e a iluminação nos dava a sensação de estarmos em um ambiente aberto, mesmo havendo um teto de vidro lá em cima, muito alto. Havia poucas árvores e uma estradinha de terra que nos levava para uma casa de madeira simples, que era rodeada por arbustos bem aparados.

— Esse lugar é melhor do que eu pensava — admiti, falando por todos.

Nos esgueiramos até a casinha e entramos. Era repleta de mesas e bancos de madeira, dando ao lugar um clima muito leve e prazeroso. Na extremidade oposta à entrada, havia um senhor de idade regando plantas sobre um balcão. Presumi que era o monge profeta.

— Não posso dizer que estou surpreso por vê-los aqui, mas admito que meu coração se sente alegre — disse de costas para nós.

Ander até ele, hesitante, e o homem virou-se com um sorriso branco, como se quisesse mostrar que o Natsuno estava errado. Sua feição era a de um homem sábio e tranquilo, possuindo olhos enrugados e azuis. Sua barba branca era enorme e bem cuidada, e seu cabelo era curto, branco e muito liso.

— Como vai, senhor Kido? — o homem me perguntou, me analisando com aqueles olhos intimidadores.

— Vou bem — respondi, nem tão surpreso por ele saber meu sobrenome. Ainda assim eu estava sem jeito. — Muito prazer em conhecê-lo…

— Pode me chamar de Zaoi — sorriu ele.

O profeta olhou para os outros e mostrou felicidade nos olhos, como se estivesse recebendo visita de pessoas raras. Ele deixou o regador em cima de uma das mesas e caminhou até o Jhou. Quando parou em frente ao grandalhão, pediu para ele se abaixar. Jhou não o fez de início, mas depois pensou melhor e se abaixou. Zaoi pôs sua mão sobre a cabeça do garoto e fechou os olhos.

Jhou mostrou uma expressão estranha, de medo, e o velhinho, calmo, começou a falar:

— Forte, medroso, mas que no fundo possui uma valentia inacreditável, enorme... — Zaoi pausou e segurou risos, dizendo: — Nossa, come muito. — Todos rimos, e o grandão ficou sem jeito, vermelho feito um tomate. — E... seu pai... — Jhou mudou sua expressão para tristeza, no entanto o profeta não concluiu a frase.

O velhinho soltou a cabeça do garoto e Jhou se levantou, segurando as lágrimas, olhando para o chão.

Zaoi o olhou nos olhos e sorriu:

— Nunca desista. Se você tentar, não vai se decepcionar, tenho certeza.

Aquelas simples palavras mexeram com o grandalhão. Ele parecia levemente esperançoso.

O profeta olhou para Pedro e caminhou até ele. Acho que devido a ser um vampiro, Pedro deu um passo para trás, mas Zaoi foi mais rápido e conseguiu colocar a mão sobre a cabeça dele, fechando os olhos:

— Grande comandante! — O profeta estava surpreso. — Respeitado, ordenador... Incrível o seu senso de organização e estratégia... Vai se dar bem na guerra... — Pedro pareceu surpreso, e talvez um pouco ansioso. Zaoi abriu os olhos e concluiu: — Ser vampiro não é tão ruim assim.

Pedro sorriu. Zaoi dirigiu-se até Natsuno e fez a mesma coisa:

— Diz só coisa boa, velhinho — pediu o Kogori, entusiasmado.

O profeta sorriu e fechou os olhos, dizendo:

— Brincadeiras exageradas... Não gosta de estudar... — Natsuno ficou vermelho, mas deu um sorriso tímido. — Tem bom coração e é muito corajoso. Um dos escolhidos, sem dúvida. O Caçador do Relâmpago. Mas cuidado, muitos perigos estão por vir... — O velhinho assumiu uma expressão tristonha, preocupando a todos nós.

— O que foi? — Natsuno estava com medo.

— Nada — tentou disfarçar Zaoi, enganando a todos, menos a mim.

O profeta tirou a mão da cabeça de Natsuno, mas dessa vez não sorriu, apenas o olhou bem nos olhos. Um olhar que mexeu não só com o meu melhor amigo, mas comigo também. Ele estava escondendo algo.

O velho se virou e caminhou até Riku. O Medeiros recuou, mas Zaoi foi ligeiro e colocou sua mão sobre a cabeça do garoto.

Zaoi ficou em silêncio, com uma expressão estranha, enquanto Riku se mostrava desinteressado, todavia eu sabia que aquilo era apenas um disfarce.

— É um dos escolhidos. Seu objetivo é proteger o mundo ao lado dos outros oito... — Ficou em silêncio por mais alguns segundos. — Mas uma ambição fala ainda mais forte. Futuro sombrio... Entretanto, você é valente e a sua agressividade será marcante no seu caminho. Às vezes irá te atrapalhar, no entanto você é muito importante para os seus amigos, lembre-se disso.

Riku não parecia surpreso com aquelas palavras, como se já soubesse de tudo.

Zaoi soltou a cabeça dele e abriu os olhos.

O próximo seria eu.

Fiquei ansioso para ver o que ele iria me falar, por isso eu caminhei até o velhinho. Ele olhou nos meus olhos, depois pôs sua mão sobre minha cabeça. Senti que algo no meu cérebro estava quente, como se Zaoi estivesse puxando meus pensamentos, e então ele começou a falar:

— Um dos Nove Escolhidos…

Zaoi ficou em silêncio, deixando todos na expectativa. Porém, ele não falava nada. Ficou muito tempo mudo, com uma expressão de quem estava sentindo dor.

— O que foi, senhor Zaoi? — perguntou Pedro, preocupado.

— Seu futuro... — disse a mim. — Seu futuro é especial.

— O que você está vendo? — perguntei, agora muito assustado.

— Não posso falar. Ele não deixa.

— Ele quem? — perguntei junto de Natsuno.

— O Guardião.

Riku pareceu ter levado um susto, pois recuou alguns passos. Todos olhamos para ele, e era evidente que o Medeiros sabia de alguma coisa. O garoto me olhava como se estivesse olhando para a própria morte, não acreditando no que acabara de ouvir. E meu coração acelerou graças a isso...

O velhinho me soltou. Eu me aliviei e respirei fundo, sentindo-me mais tonto do que quando Riku me girou, durante o nosso confronto com a armadura. Zaoi fez a mesma coisa; ficou me olhando como quem olhava para um estranho.

— O que aconteceu? — Jhou perguntou, assustado.

Zaoi voltou a sorrir.

— Nada demais — disse. — Bom, eu presumo que vocês vieram aqui para deixarem de ser aprendizes, correto?

— Sim — respondeu Riku. — Eu não preciso, mas eles sim. — Ele apontou para mim e para Natsuno.

— Me deem os seus anéis — pediu o profeta, estendendo a mão; tiramos nossos anéis e demos a ele. — Me sigam.

O homem saiu da casa de madeira e nos guiou até uma fonte d'água que tinha no jardim, muito tranquilo. No centro da fonte havia uma estátua cinza de um homem segurando uma enorme espada. Logo notei que era a lendária Ko-Kyuketsuki.

— Quem é ele? — perguntou Jhou, analisando o caçador de pedra.

— O Primeiro Caçador Lendário — respondeu Natsuno. — Seu nome era Diogo, e ele fazia parte do clã Kido.

Os olhos dos meus amigos voltaram-se para mim, me deixando sem graça.

Zaoi mergulhou os dois anéis na fonte e os entregou para mim e para Natsuno. Fizemos eles se transformarem nas Takohyuseis e, de repente, as espadas começaram a brilhar e mudar. Estavam evoluindo e ficando um pouco maior.

O anel do Riku também começou a brilhar, então ele o tirou e o transformou na espada prateada, que também começou a evoluir. As três brilhavam intensamente e se esticavam bem pouquinho, preenchendo o ambiente com uma sensação muito boa. Auras laranja, roxa e prata rodeavam a minha espada, a do Natsuno e a do Riku.

Eu me sentia mais forte, mais vivo. Riku e Natsuno pareciam sentir a mesma coisa. Enfim, os brilhos cessaram.

Estavam no nível 3, agora.

— Parabéns — disse Zaoi —, agora vocês são oficialmente... caçadores de vampiros.

Natsuno e eu trocamos um olhar alegre. Aquele era o nosso objetivo desde que caçamos juntos pela primeira vez, na aldeia de zumbis. Eu não sabia qual seria a diferença exata entre aprendiz de caçador e caçador oficial, no entanto, ser considerado enfim um caçador, nos dava um ânimo novo — além disso, meu pai ficaria orgulhoso.

— Agora precisamos voltar para casa — lembrou Natsuno, suspirando.

— Mas e aqueles vampiros lá embaixo? — Jhou estremeceu-se por completo.

— Não se preocupem — sorriu o profeta. — Tenho um portal especial.

Ele nos conduziu até o final do jardim, que ficava na extremidade oposta à entrada, um lugar que era repleto de árvores grandes. Num dos troncos havia o portal — roxo, giratório, vivo. Uma imagem surpreendente.

— É esse aí.

— E pra onde vai nos levar? — perguntei, fitando o círculo roxo.

— Pense num lugar, e você sairá nele.

Ficamos surpresos.

— Então, se quisermos, podemos sair nos Estados Unidos? — indagou Natsuno.

— Sim, se você tiver a imagem de algum lugar de lá.

— Vamos então para o Rio de Água Pesada — sugeri, pois era o único lugar que eu considerava seguro para aparecer de um portal súbito.

Meus amigos assentiram.

Olhei para o velhinho e sorri, muito agradecido.

— Até mais, senhor Zaoi.

Ele também sorriu.

— Até mais — disseram Pedro, Natsuno e Jhou.

— Até mais, jovens. Quando quiserem, podem vir me visitar.

Ele sorriu, no entanto não era o sorriso alegre de sempre. Ocorreu-me que ele deveria se sentir solitário em meio ao vazio daquela montanha.

Sentindo pena do bom velhinho, pulei para dentro do portal, imaginando a margem do rio que cortava uma das regiões da floresta sul de Honorário. Confesso que não imaginei que passaríamos por tanta coisa para chegar até onde chegamos, e essa era uma motivação a mais para que continuássemos a nossa trajetória sem medo do que viria, experiências que surgiriam e surpresas que nos mostrariam mais sobre o mundo no qual vivíamos. A viagem ao Monte Zentaishi serviu não só para deixarmos de ser aprendizes, como também para descobrirmos sobre a raça do Jhou e percebermos que o Pedro poderia ser fundamental nas batalhas que viriam a seguir.

A viagem serviu para eu ter certeza que tinha verdadeiros amigos, que nos protegeríamos mutuamente com todas as nossas forças, em qualquer desafio.



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