Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 1 – Arco 4

Capítulo 44: A casa mal assombrada

Jhou, quer dizer que o Rodrigo é o seu pai?

— Sim — respondeu ele com a voz embargada, e então voltou os olhos inteiramente curiosos na minha direção. — De onde você o conhece?

Foi Riku quem respondeu:

— Rodrigo é o cientista que descobriu uma cura para a contaminação do vírus de vampiro. Ouvi muito sobre ele. E sobre o seu paradeiro também.

— Paradeiro? — Pedro perguntou, então olhamos para o grandalhão, que parecia estar segurando as lágrimas.

— O meu pai desapareceu já faz alguns anos — reforçou ele, deixando escorrer uma lágrima pelo rosto. — Eu o procurei em todos os lugares, mas não o achei, nem mesmo a polícia o encontrou.

Parecia que Jhou se sentia culpado, cujo olhar demonstrava tristeza. Nem parecia o mesmo Jhou bobo de sempre.

Ele deu um soco no chão, fazendo o gramado afundar um pouco.

— Eu não estava com ele quando ele precisou... — foram as suas últimas palavras antes de seguirmos adiante.

 

As horas seguintes na floresta foi de extremo silêncio. Jhou ainda estava triste, pois não falava mais nada, apenas segurava as lágrimas. Aquilo me deixava mal, ver meu amigo daquele jeito. Eu nem imaginava que o pai dele era o tal cientista. Meu pai tinha que saber.

— Vamos acampar aqui — falei, assim que anoiteceu. O silêncio era preenchido apenas pelo zumbido de alguns insetos pequenos.

Peguei a barraca da minha mochila e a armamos no chão da clareira. Fizemos uma fogueira e ficamos conversando um pouco em volta dela. Riku era o único que não falava nada, e Jhou já voltava ao normal.

Natsuno e eu contamos como foi nossa missão no colégio Martins, esta que teve a ajuda inesperada do treinador Rubens. Depois conversamos sobre o campeonato da escola e, por fim, explicamos para Jhou e Pedro como era ser um caçador de vampiros — ou aprendiz, claro.

Foi uma noite ótima.

 

Acordei cedo.

Saí da barraca e me espreguicei. Pensei que todos ainda estavam dormindo, mas percebi que estava errado assim que olhei para cima: Riku estava no galho de uma árvore muito alta, sentado com os olhos fechados.

“Ele está meditando?” me perguntei.

— E aí, Riku — o chamei. Calmamente, ele abriu os olhos e olhou na minha direção, um cinza forte que ainda me surpreendia. — Vamos treinar um pouco?

E como se fosse a coisa mais fácil do mundo, ele saltou do galho para o gramado e meio que planou enquanto caía, dando a sensação de que estava de paraquedas.

Aterrissou a alguns metros diante de mim, na ponta dos pés.

Nossos olhos se cruzaram muito de perto, e o cinza das suas íris alternou para um amarelo vivo por um único segundo, permanecendo apenas a pupila preta, que diminuiu nesse meio tempo.

— Você é fraco, ainda.

Suas palavras soaram como uma provocação, provocação esta que fez com que as minhas bochechas queimassem de raiva. O filho da mãe gostava de me ver bravo.

— Por que você está dizendo isso?

— É evidente. Você não pode com os seus inimigos, nem consegue controlar o seu poder. Acha que poderia me desafiar?

Trinquei os dentes. Riku estava conseguindo me irritar. Eu não gostava de ser subestimado daquele jeito.

— Então vamos lutar — falei, sério. — Você vai ver que eu sou mais forte que você.

Riku não demonstrou nenhuma expressão de ânimo, mas disse:

— Tem certeza? Não tem medo de levar uma surra?

— Está falando com o cara errado. Nunca vou apanhar pra você!

— Que piada.

Ele me olhava com outros olhos agora. Não parecia mais o Riku que eu conhecia; aquele Riku era diabólico, como se sua personalidade tivesse sido alternada subitamente para uma mil vezes mais sombria.

— Então vamos fazer o teste! — falei.

Eu não sei de onde estava saindo tanta confiança, talvez pelo fato de que Riku e eu tínhamos uma luta não terminada, ainda.

— Como quiser.

Ele se distanciou, dando alguns passos para trás, e nos preparamos para a luta.

— Pode vir! — gritei; ele apenas deu um sorriso de quem estava confiante.

Corremos um na direção do outro prontos para o ataque, eu concentrando forças na minha mão e Riku preparando algo — seu olhar dizia isso. Porém, surpreendendo a nós dois, Pedro surgiu de algum lugar, entre o Medeiros e eu, segurando a minha mão aquecida e a perna do Medeiros — um chute que, sem dúvida, me acertaria em cheio, pois Riku havia girado o corpo enquanto corria e me pegaria desprevenido.

Mas o Pedro estava ali, entre nós dois. Parecia que não fizera esforço para bloquear ambos os ataques — uma coisa assustadora.

— O que estão fazendo? — perguntou ele, com uma voz suave, sem sequer nos olhar.

Notei que Riku estava tão surpreso quanto eu, talvez pelo fato de nunca ter imaginado que o nosso amigo vampiro fosse tão rápido assim. E então eu me dei conta de que ele segurava o meu Punho de Fogo como se estivesse segurando uma mão comum.

Natsuno apareceu de dentro da barraca e perguntou, franzindo o cenho:

— Por que vocês dois estão atacando o Pedro?

Pedro soltou a minha mão e a perna do Medeiros, então recuamos. Respirei fundo, fitando o vampiro, enquanto Riku apenas dava as costas.

— Eles só estavam treinando — disse Pedro como se nada tivesse acontecido.

Isso fez com que eu me perguntasse se ele era um vampiro evoluído. Ocorreu-me que eu nunca havia lhe perguntado. Mas então pensei no fato de Pedro não ter sido transformado, pois seu pai era um vampiro e teve relação com sua mãe humana, resultando num filho mestiço.

Decidi afastar aqueles pensamentos.

Jhou também apareceu, ao lado de Natsuno, bocejando.

— Vocês fazem muito barulho!

— O grandão tem razão — disse Natsuno, sonolento. — Da próxima vez eu vou eletrocutar todo mundo!

Sorri por ironia. Não era todo dia que você era rodeado por amigos diferentes: Natsuno manipulava o elemento relâmpago e Riku manipulava o vento; Pedro era um vampiro e Jhou possuía superforça. Formávamos, sem dúvidas, uma grande equipe anormal, e isso meio que me dava mais segurança para continuar a viagem.

 

Andamos mais algumas horas pela floresta e paramos apenas para almoçar. Era incrível a quantidade de comida que o Jhou comia, e a sua mochila continuava cheia! Pedro e Riku comiam de maneira mais educada; já o Natsuno comia de boca aberta. O sol escaldante provocava um forte calor. Um calor que deixava o meu corpo mais enérgico que o normal.

Continuamos o nosso caminho rumo ao Monte Zentaishi que, segundo o Riku, não estava mais tão longe. Parávamos para descansar por causa do grandalhão, que volta e meia precisava “abastecer as energias” — ou seja, comer. Quando começávamos a caminhar de novo, no entanto, só parávamos depois de algumas horas.

— Que lugar é esse? — Natsuno perguntou assim que avistamos uma casa velha no meio de uma clareira; já era noite novamente.

— Acho que não tem ninguém aí — observou Pedro.

— Podemos passar a noite — sugeri. — Parece seguro.

— Mas é assustador — Jhou murmurou, claramente apavorado. — Será que é uma casa mal assombrada?

Pedro e eu rimos na hora. Natsuno lançou-lhe um olhar de desdém e disse:

— Você é o mais forte de nós cinco. Como ainda tem medo?

Jhou não respondeu.

A casa de tijolos sequer possuía reboco, sendo cercada pelo gramado mal cuidado e por algumas árvores de troncos retorcidos. O telhado caía aos pedaços, tomado por mofo e muita sujeira e igualmente as paredes, dando ao lugar um ar de assombro.

Que fedia. Era uma mistura doida de rato morto com alho e xixi de bêbado. Quase desisti de acampar naquele lugar. Entretanto, era melhor dormir em um abrigo rodeado por mal cheiro do que ao relento.

Caminhei, acompanhado dos meus amigos, até a porta de entrada, cuja madeira estava estragada. Nós a abrimos devagar — o ruído da porta se abrindo fazia todos os meus pelos se eriçarem — e adentramos na mais profunda escuridão.

Isso até a nuvem revelar a lua que, com os seus feixes prateados, invadiu o pequeno cômodo através das janelas quebradas. Pudemos ver então o quão abandonada estava a casa, com móveis de madeira apodrecidos jogados pelos cantos e portas  caindo aos pedaços. Quem quer que morava ali, não havia voltado há décadas — muito embora eu pressentisse que o lugar havia sido visitado recentemente, pois o chão empoeirado era decorado por pegadas de sapato. O silêncio era atormentador.

— Podemos dormir aqui — disse Pedro, com a voz ecoando sombria.

— Na casa mal assombrada? — Jhou fez uma expressão amedrontada, olhando para todos os cantos com certo medo e desconfiança. Percebi suas pernas tremendo.

— Melhor do que ficarmos lá fora — falei. — Aqui parece seguro.

Como se fosse uma resposta contraditória, ouvimos um barulho.

Vinha de fora.

— O que foi isso? — choramingou o grandalhão. Agora todos estávamos assustados.

Riku olhou em nossa volta e falou, calmo e direto:

— Caímos numa armadilha.

E vampiros invadiram a pequena moradia saltando pelas traiçoeiras janelas quebradas, olhos vermelhos cintilantes que, em meio ao escuro, lembravam dezenas de vaga-lumes escarlates nos envolvendo em um cerco que definitivamente não me agradou nem um pouco.

— Droga — murmurei, sem outra escolha a não ser ficar preparado.

Contei cerca de dez vampiros corpulentos que não hesitavam em mostrar os seus assassinos dentes pontiagudos, aqueles que eu não conseguia ver com bons olhos.

Um deles disse, com a sua voz demoníaca:

— Mais comida.

Logo saquei a minha Takohyusei e esse mesmo recuou, mas o momento de surpresa durou menos que um segundo.

— Faz tempo que não vemos aprendizes — disse outro, lambendo os lábios e de olho na minha espada pequena.

— A nossa última refeição foi ótima. — O outro sorriu maléfico.

Ouvir aquilo me causou raiva e medo ao mesmo tempo. Raiva por saber que não éramos as primeiras vítimas. E medo pelo mesmo motivo.

Olhei para os meus amigos atrás de mim; todos estavam preparados para a luta, menos o Jhou. Ele tinha uma irônica expressão de pavor. No mesmo instante me veio a lembrança de quando ele disse que esperava não cruzar com vampiros nunca. “Não foi dessa vez” pensei em dizer.

— É melhor vocês saírem daqui — falei aos vampiros, tentando intimidá-los —, ou então acabaremos com vocês!

Claro, eu sabia que dizer aquele tipo de coisa era loucura, mas eu não poderia deixar os meus amigos em apuros. Jhou podia até ser um místico, mas era um místico que ainda não se dera conta; além do mais, nem sempre a força poderia ser a opção correta, ainda mais se tratando de criaturas ágeis e ferozes.

Os vampiros gargalharam de maneira que suas risadas ecoaram por todo o ambiente macabro. Natsuno e Riku também sacaram as suas espadas fazendo com que os risos cessassem e dessem espaço para rosnados.

— Vai ser rápido — disse um deles. — Vocês nem vão sentir dor.

Dessa vez, foi Riku quem gargalhou, o que soou irônico naquele momento tenso. E ele disse:

— Mas vocês sim!

*Os momentos a seguir contêm cenas de violência e pancadaria. Nunca façam isso em casa. É perigoso.*

Correndo na direção de um vampiro, Riku acertou o que estava ao seu lado com um chute tão forte que o fez ser lançado contra uma das paredes. Foi o ápice para as criaturas começarem a agir, e Natsuno e eu nos juntamos numa batalha que se tornou intensa muito depressa.

As garras vinham em direção, mas só não nos acertavam porque havíamos melhorado muito o nosso reflexo nas últimas semanas. Como contra-ataque, cortamos inúmeros vampiros com as nossas lâminas, sangue sendo jorrado para todos os lados, minha única preocupação sendo a paralisação do grandalhão Jhou, que no meio da luta não conseguia fazer nada. Tive que salvá-lo quando um dos vampiros tentou atacá-lo:

— Punho de Fogo!

Meu soco aquecido enterrou-se no estômago da criatura com tanta força, que este atingiu o teto e caiu bem à minha frente. Enfiei a minha espada em seu peito e ele virou areia.

Em seguida, minha atenção acabou sendo chamada para uma dupla que lutava em enorme agilidade contra vários vampiros de uma só vez. Pedro e Riku esbanjavam habilidades maestrais, coisa que nunca imaginei que veria, porque embora eu soubesse que Pedro era um vampiro, não imaginava que possuísse um reflexo tão aguçado, e além de não ser um lutador de arte marcial — aquilo era óbvio, só de assistir — sabia bem como atacar seus adversários e como derrubá-los; Riku terminava o trabalho com a sua Takohyusei, transformando-os em pó.

Desviei de uma garra e notei que não havia vampiros perto da porta:

— Vamos sair daqui! — gritei, pois o Jhou mantinha-se parado feito uma estátua e seria questão de tempo até ser atingido por um dos inimigos. A nossa única escolha era fugir.

Avancei pela porta com Natsuno atrás de mim, puxando um grandalhão que parecia pálido à luz do luar. Pedro e Riku também nos seguiram, e como eu havia imaginado, havia mais vampiros do lado de fora da casa. Se eram evoluídos ou não, eu não fazia ideia. O meu único objetivo era fugir daquela bagunça sanguinária.

— Pra lá! — gritei, correndo em direção ao Monte Zentaishi, com os vampiros nos seguindo. As árvores e a grama alta atrapalhavam a nossa passagem, mas a adrenalina da sobrevivência nos dava força. Olhei para Jhou e percebi que ele corria muito rápido. Parecia até um caçador.

— O que nós vamos fazer? — ouvi Pedro perguntando, um pouco atrás.

— Fugir é a única coisa que temos em mente — Natsuno disse sério e apavorado ao meu lado. — Melhor do que virarmos comida de morcego.



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