Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 39: Ferdinando, o caçador da floresta

Como de costume, acordei com o Billy lambendo o meu rosto, mas assim que vi a hora no despertador, um desespero tomou conta do meu corpo, pois eu estava muito atrasado.

Em uma correria maluca, tive que me arrumar feito um louco e correr para a escola comendo o pão pelo caminho. Cheguei na praça vazia, pois todos já haviam entrado, mas o portão ainda estava aberto. Entrei na escola como quem estava apostando uma corrida e, quando cheguei à sala, todos já estavam em seus lugares, com o professor se preparando para passar a matéria no quadro negro. Quando me viu, perguntou:

— Que horas você pensa que são agora, senhor Diogo?

— Foi mal, professor, eu me atrasei um pouquinho. — Dei um sorriso tímido; era chato ser o centro das atenções.

Dirigi-me ao meu lugar constrangido, me juntando aos meus amigos, e desabei na cadeira, cansado.

— Perdeu a hora? — zombou Natsuno.

— A minha sorte foi que o Billy me acordou — falei.

Olhei ao redor e para a minha felicidade não encontrei o Shin — Sophia, por outro lado, estava lá, linda como sempre, e me olhava naturalmente, olhos que não transmitiam mais aquela raiva assassina.

Quando percebeu que eu correspondia ao seu olhar, a garota virou-se para frente de prontidão.

Um sorriso automático formou-se em minha boca.

 

— Temos uma caçada pra hoje — avisou Riku quando já estávamos no intervalo; nos sentamos em uma das mesas do centro do refeitório, rodeados por alunos que jogariam basquete mais tarde.

— Mas eu não li nada de suspeito nos jornais nos últimos dias, nem na internet. — Natsuno arqueou uma sobrancelha. — E não podemos ultrapassar os limites do sul de Honorário.

— Não basta só ler. — Riku parecia impaciente, soando arrogante como já estávamos habituados. — É preciso assistir aos noticiários! Duas mulheres foram encontradas mortas no Jardim Ipê-rosa por esses dias. Havia mordidas pelo pescoço das vítimas, e a polícia ingênua da cidade acredita que há algum animal assassino pela floresta.

— Aquela floresta tem história — falei, estremecendo pelo fato do bairro mencionado ser vizinho ao meu.

Ao meu lado, Jhou não comia seu gigantesco sanduíche, o que eu achei estranho.

— O que foi, grandão? — perguntei.

— Nada, eu só não estou... acostumado. — Ele engoliu em seco. — Vocês falam de vampiros como se fosse uma coisa simples, mas não é. Isso dá medo, e é nojento. Espero nunca ter que cruzar com um deles.

Uma coisa me ocorreu no mesmo instante. Só enfrentávamos vampiros fortes e corpulentos. Eram raros os magricelas. Ou seja, quando encontravam vítimas fortes, ao invés de se alimentarem, os vampiros preferiam transformá-los. Bom, pelo menos foi isso que deduzi — e considerando que o Jhou era um cara forte…

Bom, decidi não dizer minha hipótese em voz alta. Deixei em off.

— Fica frio, cara — falei. — É pra isso que estamos aqui, para combatê-los. Há caçadores pela cidade inteira.

— Verdade — disse Natsuno.

Jhou pareceu mais tranquilo.

— E como vocês saberão onde encontrá-los, dessa vez? — foi Pedro quem perguntou.

Na mesa ao nosso lado, garotos faziam um barulho enorme, animados com a partida de basquete.

— Ao contrário de certos idiotas — disse Riku, de rosto sereno, mas de voz rígida —, eu conheço a floresta sul da cidade como a palma da minha mão. Vampiros assim constroem cabanas nas regiões abertas e fazem rituais lá para o deus deles, Onikira. Vai ser fácil encontrá-los.

Lembrei-me da última vez em que caçamos na floresta, quando invadimos uma pequena aldeia repleta de zumbis. Vampiros eram mesmo assustadores e, digamos, psicopatas.

Natsuno suspirou.

— Odeio florestas, mas pelo menos falta pouco para deixarmos de ser aprendizes.

— E faltam quantos frascos? — perguntou Pedro.

— Cinco.

— Na verdade, falta só um — respondi, sem jeito, o que fez Riku e Natsuno olharem para mim, confusos. — Ontem... eu encontrei quatro deles por aí.

— Onde? — Natsuno arqueou uma sobrancelha, desconfiado.

Contei a eles o ocorrido. Por fim, Natsuno riu e disse:

— Queria eu ter um namorado assim, romântico e protetor. — Pedro e Jhou também riram. — O lado bom é que ela te perdoou.

— Mas também tem o lado ruim — falei.

— Ela quase foi devorada — disse Jhou, voltando a comer.

— Bem, sim, mas não era isso que eu queria dizer. — Respirei fundo, preocupado. — O lado ruim foi que ela viu quem eles eram, e pelo que o Riku disse ontem, o pai dela não queria isso.

Meus amigos perceberam o que eu estava querendo dizer.

— Nada é do jeito que queremos — lamentou Pedro. — Uma hora ou outra isso teria que acontecer.

— Sandro sabia disso, por isso ele já a vem preparando desde pequena — interveio Riku, me deixando sem entender.

— Como assim?

— Não é coincidência você saber lutar. — Ele me olhou, olhos tão cinzentos quanto nuvens tempestuosas. — Ou eu estou errado?

— Hã, não. Meu tio me treina desde que me entendo por gente a mando do meu pai. — Então o encarei, pasmo. — Você está dizendo que a Sophia também luta?

— Tsc! Você é mesmo um inútil — foi a resposta do garoto, que voltou a comer o seu lanche, me deixando de lado.

Meus amigos e eu nos entreolhamos, sem entender nada.

— Olha quem está vindo — avisei aos quatro, avistando uma pessoa que não parecia de bom humor.

— Por esses tempos, dois garotos entraram aqui na escola — sibilou a senhorita Abigail ameaçadora, durona como sempre.

— Isso não é normal? — disse Natsuno, dando uma risadinha zombeteira; ele rapidamente se arrependeu das palavras após receber um olhar maligno da velha rabugenta.

— Acontece que esses dois meninos entraram... — ela respirou fundo, tomando o máximo de fôlego possível, e gritou: — À NOITE!!

Nesse momento, os jogadores de basquete pararam a bagunça e mostraram-se assustados, assim como outros alunos que estavam ao nosso redor.

— E roubaram a minha… — Abigail hesitou nessa parte, levemente envergonhada. Sabíamos, no entanto, que ela se referia à peruca, uma vez que seu penteado era outro (este era idêntico ao penteado da presidenta Dilma). Ela se recompôs e avisou: — Enfim, eu quero descobrir quem foi! Ou melhor, eu vou descobrir quem foi.

— A senhora está insinuando que fomos nós? — estranhou Pedro, fazendo esforço para não rir, assim como eu.

— Não falei isso! — Abigail novamente gritou, sem precisão, assustando a todos nós e quem estava por perto também. — Só falei que quero descobrir quem foi que roubou a minha…

— Peruca — completou Jhou.

Abigail lançou seu olhar mais assassino na direção do grandalhão, deixando-o apavorado.

— Não se preocupe — interveio Natsuno —, se descobrirmos quem foi, nós avisaremos a senhora.

Percebi que ele segurou os risos.

A velha deu meia-volta e caminhou lenta e furiosamente, distanciando-se da mesa onde estávamos, de forma que pensei que procuraria por outras vítimas.

— Essa mulher está cada dia mais estranha — falei. — Como estava doente, pensei que nos daria pelo menos um mês de folga.

— E quem será que roubaria a peruca dela? — Pedro levantou a grande dúvida, dúvida esta que nos deixou refletindo muito.

 

No decorrer das últimas aulas, Sophia continuava me olhando, mesmo que de maneira furtiva. Eu percebia, pelo canto do olho, e sabia que ela queria se aproximar de mim, o problema eram as suas amigas. Imaginei que Sophia não lhes contara sobre o ocorrido do dia anterior, pois Ana e Jéssica ainda me lançavam olhares arrogantes. Tinham raiva por causa do meu beijo com a Zoe, por consequência me queriam longe da Sophia. Aquilo, pelo menos, também tinha um lado bom: Sophia provavelmente não comentou sobre os vampiros. Eu não sabia o que se passava em sua cabeça, mas era evidente que ela parecia grata.

Decidi que eu tentaria uma reaproximação.

 

— Finalmente acharam uma casa pra eu morar — disse tio Michael quando já estávamos almoçando.

— Onde? — perguntou minha mãe.

— Pertinho, pertinho. — Ele parecia mesmo muito contente. — Serei quase um vizinho. Vou morar aqui no Jardim Ipê-rosa.

Assim que disse isso, eu senti calafrios. Foi lá onde duas mulheres foram encontradas mortas por vampiros.

— E os nossos treinos, vão continuar? — perguntei.

— Se você pensou que ia se safar tão fácil, está muito enganado. Continuaremos treinando todos os dias, até você deixar de ser um aprendiz fracote.

— Eu não sou fraco!

Sara e Bruna trocaram um olhar, suspiraram e riram ao mesmo tempo. Michael olhou para minha mãe e falou, dessa vez sem brincadeiras:

— Obrigado, irmã, de verdade. Você nos ajudou muito.

— Michael tem razão — disse Bruna, sorrindo. — Devemos muito a você. Não se esqueça que ainda estaremos por perto, portanto não hesite em nos chamar quando precisar. Não sei como retribuir, mas obrigada.

— Imagina — disse minha mãe. — Só fiz o que deveria ter feito. Nunca eu fecharia as portas para um parente, mesmo sendo ele um irmão cabeça dura igual ao Michael. — Nós rimos. Por fim, minha mãe disse: — Não se esqueçam que serão sempre bem-vindos.

Meus tios assentiram.

 

Depois de ajudar nas mudanças — meu tio ainda não tinha móveis, uma vez que estava procurando uma casa primeiro para depois comprá-los à vista, portanto só tinha roupas e seu Xbox 360, fora utensílios básicos —, sentei-me no mesmo banco de sempre, no parque do meu bairro.

Como sempre, garotos jogavam bola na única quadra da praça, o que me lembrou que na sexta-feira teríamos o terceiro jogo do campeonato intersalas da escola. Dessa vez, decidi jogar com eles. Eram garotos mais velhos do que eu, e alguns até estudavam no colégio Martins. Disseram estar bem animados com o decorrer do campeonato, alegando que esse ano havia times muito fortes na disputa. Joaquim, Hector e Leandro eram da mesma sala, e faziam parte da turma C do 3º ano — e eram bons jogadores, o que fez eu me perguntar se chegaríamos a enfrentá-los.

Quando olhei para o lado, vi a Zoe sentada no banco. Eu me despedi dos meus novos colegas e me aproximei dela, um pouco suado.

— Parece que você fez novos amigos.

Seu sorriso era lindo e seus olhos tão verdes que pareciam feitos de neon.

— Tudo bem? — Sentei-me ao seu lado, um pouco receoso devido ao suor do meu corpo.

— Aham, graças a Deus.

Conversamos um pouco. Zoe disse que também havia feito novos amigos, inclusive traria um deles para me conhecer — Guga, o garoto que podia ficar invisível. Falei também que lhe apresentaria o Natsuno, o Pedro e o Jhou, depois fui embora, já que partiria em uma caçada pela floresta.

Como o combinado, Riku e Natsuno me encontraram na entrada atual da floresta, aquela que Riku e eu ultrapassamos no dia em que descobrimos que havia um portal que levava ao Reino dos Vampiros.

Amarrei a bandana vermelha em minha testa e percebi que o Natsuno utilizava luvas de borracha. Seus dedos ficavam expostos, o que fazia o garoto parecer um lutador de rua.

— Agora tô no estilo — disse ele dando uma piscadela.

 

Depois de algum tempo pisando em grama irregular e desviando de árvores feiosas, finalmente encontramos a tal aldeia, não muito longe do bairro.

— São todos comuns — disse Riku, assim que nos escondemos atrás de um arbusto alto entre duas árvores.

Havia cinco homens corpulentos sentados no chão de terra, circundando uma fogueira, todos próximos de palhoças de palha. A floresta já se encontrava escura, mesmo naquela região aberta, pois o céu já tinha seu tom noturno lá em cima. Nuvens escondiam a lua quase que totalmente, no entanto era possível ver milhões de estrelas brilhando com intensidade.

Olhei para os meus amigos, preparado, mas quando fiz menção de invadir a aldeia, Riku me barrou com o braço — e no mesmo segundo, surgiu um garoto de outra parte da floresta, gritando e surpreendendo as criaturas.

— YAAHH!!!

O garoto negro atacou os cinco com uma agilidade incrível, empunhando uma espada marrom cuja lâmina era maior que a minha Takohyusei. Ainda assim ele não a utilizou, apenas atingiu o primeiro vampiro com um chute no peito, seguido de um gancho no segundo e uma rasteira em outros dois. Desviou rapidamente do soco do quinto, agarrando seu braço e o jogando contra um dos que já haviam se levantado. Enfim, perfurou o coração de um deles com a sua espada, recolhendo-a num piscar de olhos e introduzindo em outro.

Os dois viraram areia, enquanto o garoto matava os outros três com golpes muito rápidos, em um estilo de luta que percebi pertencer ao Muay Thai (arte marcial caracterizada pelo uso frequente dos punhos, cotovelos, canelas das pernas e joelhos), dando fim ao restante dos inimigos.

Nós três nos entreolhamos. Natsuno estava tão perplexo quanto eu. Graças à distração, acabou mexendo o mato e atraindo a atenção do caçador, que olhou em nossa direção com um olhar desconfiado. De repente, surgiu um sexto vampiro em um salto traiçoeiro, aproveitando a guarda baixa do garoto negro e erguendo suas garras. Não pensei duas vezes e pulei para a clareira, atacando-o:

— Punhos de Fogo!

E alguns flashes alaranjados brotaram dos meus punhos cerrados e atingiram o vampiro, que ainda estava no ar. Ele caiu no chão imóvel, enquanto fiquei de frente com o caçador negro, este duplamente surpreso. Riku e Natsuno também apareceram, e o garoto perguntou:

— Quem são vocês?

 

Nós nos apresentamos sem delongas e ficamos sentados perto da fogueira. O nome do garoto era Ferdinando, e ele fazia parte do clã Pereira. Como mencionei, Ferdinando era afro e seus cabelos trançados desciam por suas costas feito cordas grossas. Ferdinando era um pouco mais alto do que eu e era musculoso para a sua idade — uns dezesseis ou dezessete anos. Vestia uma camisa regata preta e grossa, além de calças jeans escuras e botas simples. Por fim, parecia ser um cara maneiro.

— Cara, você caça sozinho? — perguntei, uma vez que ele não tinha companheiros.

— Ultimamente sim. Não tenho mais equipe, portanto passeio pelas florestas atrás de vampiros feiosos.

— Eu pensava que o Conselho só permitia caçar em equipe — admiti.

— Há exceção pra tudo, mas depende de muita coisa.

Riku parecia não ligar muito para a nossa conversa. Ele tinha um olhar fixo no fogo à nossa frente, que dançava enquanto crepitava e preenchia a clareira com um calor aconchegante.

— O que houve com a sua equipe? — quis saber Natsuno.

— Foi desmontada. Caí onde só havia egoístas. Ninguém trabalhava junto, por isso acabou.

Ferdinando segurava uma bolsa simples que guardava os seis frascos cristalinos vermelhos que continham a areia que, outrora, fora os vampiros. Quando viu que eu os olhava, disse, estendendo-a para mim:

— Podem ficar com isso.

Natsuno estava prestes a pegá-la, quando falei:

— Não podemos aceitar.

— Por que não? — O Kogori me fitou de imediato.

— Porque foi ele quem os matou — interveio Riku, soando arrogante mesmo com sua expressão serena.

Natsuno não teve nada a fazer a não ser aceitar. Aliás, o orgulho do Medeiros era mais forte que qualquer coisa no mundo.

— A não ser o sexto vampiro, que foi você quem matou — lembrou Ferdinando me olhando.

— É, acho que você tem razão — falei sorrindo, e olhei para Natsuno, que tinha olhos cheios de alegria.

— Finalmente deixaremos de ser aprendizes! — disse ele.

— Uou! Vocês ainda são aprendizes? — estranhou Ferdinando, erguendo uma sobrancelha.

— Sim — respondi. — Você não é?

— Não — sorriu ele. — Apesar de desunida, meus companheiros e eu caçamos vampiros pra dedéu. E grande parte era dos evoluídos.

Natsuno e eu trocamos um olhar surpreso.

— Que legal — admiti.

Os olhos do garoto brilhavam, como se ele estivesse muito feliz por estar conversando conosco. Ele sorriu para si mesmo e falou:

— Diogo Kido, Natsuno Kogori e Riku Medeiros, foi um grande prazer conhecer vocês. De verdade. Vocês não sabem o quanto estão sendo falados na escola onde eu estudo, em Firen. São mesmo um trio bem famoso.

Ouvir aquilo fez eu me sentir lisonjeado — mesmo eu sabendo que os méritos eram do nosso clã, e não nosso, portanto percebi que era mais do que obrigatório fazer o possível para honrar meu pai e o restante da família.

— Digo o mesmo — falei, afinal.

Ferdinando levantou-se e olhou para o céu, onde os raios lunares escapavam das nuvens que, agora, eram maioria no infinito noturno. Em breve iria chover.

— Nos vemos por aí — disse ele, estendendo sua mão direita, onde se via um anel marrom encaixado em seu dedo anelar: a sua Takohyusei de cabo marrom.

Eu o cumprimentei. Riku e Natsuno fizeram o mesmo, depois o caçador desapareceu na floresta escura.

Enquanto caminhávamos rumo ao nosso bairro, percebi que o Riku estava estranho, pensativo.

— O que houve? — decidi perguntar.

— Aquele garoto... É muito mais forte do que vocês imaginam.

— Ele é do clã Pereira, então dá pra ter uma ideia — inseriu Natsuno.

— E isso significa?... — perguntei.

— Dio, esse clã é conhecido por controlar todos os tipos de plantas. Ferdinando é um caçador da floresta.

Aquela foi uma resposta inesperada que me fez agradecer mentalmente por ele ser um aliado, caso contrário estaríamos em sérios apuros, considerando o cenário em que estávamos pisando.

De qualquer forma, finalmente deixaríamos de ser aprendizes de caçador.



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