Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 38: Prova de amor

No decorrer da semana, eu me senti mais atormentado do que nunca.

Entenda: era a tradicional Semana do Amor, evento organizado pelos alunos do colégio Martins há mais de quatro décadas, portanto, era a semana em que os bilhetes românticos eram entregues nas salas. O famoso Correio Elegante, algo que eu pensara ter somente na minha outra escola e no Dia dos Namorados.

Funcionava da seguinte forma: alunos voluntários passariam em todas as salas recolhendo cartas que remetentes escreveriam com todo o carinho para destinatários de outras salas ou, até, da mesma. Assim, a maioria dos alunos participava, mesmo que não levassem tão a sério.

O problema de tudo isso?

Sophia.

Acho que você já deve ter percebido o quanto eu era apaixonado por ela, e que talvez ela também estivesse gostando de mim. Tudo seria  “às mil maravilhas” caso ela não sentisse mágoas de mim pelos últimos ocorridos — preciso nem citar, já que você está cansado de saber. O grande problema era que ela era a garota que mais recebia cartas de outros caras, cartas bonitas e... românticas. Eu começava a ficar com raiva. Ela era a garota que eu gostava, então era eu quem deveria escrever uma carta para ela.

Mas eu não tinha coragem.

Natsuno até insistia para eu escrever um poema pedindo desculpas e me declarando, no entanto era estranho chegar perto da garota sabendo que ela era uma caçadora. Seria ainda mais estranho devido ao fato de que suas amigas me lançavam olhares furiosos a cada cinco minutos. Eu definitivamente estava perdido. Até me surpreendi quando recebi duas cartas, mas uma delas era pegadinha dos idiotas da minha sala; a outra não tinha assinatura, então não dava para saber de quem era e nem mesmo levar a sério.

Pedro foi o que mais recebeu na nossa sala. Até mais que o Natsuno e os outros populares da turma. Pelas minhas contas, havia uma dúzia de bilhetes decorados com florzinhas e coraçõezinhos. E a maioria tinha assinatura!

— Essa vai para a Ohana, essa vai para a Luíza, essa vai para a Tainá e essa vai para a Amanda. — Natsuno escreveu quatro poemas idênticos em quatro bilhetes diferentes. Enviaria para meninas de outras salas, alegando que era afim delas.

Mas eu estava sem ânimo. Felizmente, Sophia parecia não se importar em escrever as cartas românticas, ao contrário de Ana e Jéssica, que escreviam uma cada.

A boa notícia: Shin não havia aparecido nesses dias. Pelo menos não na semana. Presumi que ele apareceria só nos dias dos jogos ou nos treinos, que aconteciam às quintas e sextas. Treinos voltados apenas para bolas paradas e chutes de pênalti.

Falando em treinos, decidi me dedicar ao Rio de Água Pesada, uma vez que adquiriria mais agilidade e velocidade. Tio Michael me ensinava movimentos novos, sempre acompanhado do calado e sombrio Riku, mas a minha cabeça, admito, estava em outra pessoa. 

— Parece que a senhorita Abigail está doente — comentou Jhou, quando já estávamos no intervalo, na segunda-feira após a Semana do Amor.

— O que ela tem? — perguntei.

— Deve ser algo relativo à raiva — brincou Natsuno, rindo. — Aquela velha enche o saco. Será que não teve infância?

Pedro riu.

De longe, eu observava a Sophia conversando com suas amigas, todas encostadas na parede perto da cantina. Eu me sentia péssimo com a distância, e por algum motivo sabia que ela sentia o mesmo — muito embora Sophia me fuzilasse com o olhar a cada instante. Ainda assim ela era linda. Possuía lindos cabelos que desciam por suas costas, em um penteado elegante que combinava perfeitamente com seu corpo bonito. Pele tão lisa quanto macia. Sorriso tão lindo quanto perfeito. Olhos castanhos tão profundos quanto... furiosos. E que me olhavam de novo.

Meu coração acelerou. Não importava o quanto Sophia estivesse irritada, eu continuava sentindo a mesma afeição. E a minha vontade era de abraçá-la muito forte.

Ficamos nos olhando por alguns segundos, tempo suficiente para que eu percebesse que ela se esforçava para manter o olhar firme. E acho que ela se deu conta do que estava fazendo, por isso desviou o rosto, irritada.

— Vocês vão acabar se casando — disse Natsuno ao meu lado.

— Andei investigando, e ela realmente não caça — interveio Riku, falando tão sério quanto desinteressado. — Na verdade, Sandro esconde isso dela.

— Sei bem como é isso — falei, pois passara pela mesma situação com o meu pai. Mas eu estava aliviado, preciso dizer. Aqueles dias todos, filmes estranhos da Sophia caçando passavam pela minha cabeça sem parar, o que não era nada legal. Não combinava com ela.

Então, meu alívio transformou-se em raiva, quando vi uma pessoa não muito agradável chegar perto dela.

O otário do Shin.

Eu não ouvia o que ele dizia, mas sabia que era alguma cantada idiota. A garota mostrou-se incomodada, então, junto de suas amigas, se distanciou dele. Shin apenas riu com sarcasmo, enquanto Sophia e suas amigas dirigiam-se para outro lugar.

Ele me lançou um olhar maldoso.

 

“Siga ela” era a inconfundível voz da Yasmim ao meu ouvido.

— Yasmim? — chamei, olhando em volta. — Você está aí?

Mas nada, apenas alunos barulhentos aguardando o sinal de saída.

— Disse alguma coisa, Dio? — Natsuno se virou confuso.

— Não, nada…

Achei estranho. A sineta soou e observei Sophia saindo da sala com Ana e Jéssica. “Siga ela” pensei. Decidi que, por precaução, obedeceria a voz.

E observei Sophia confusa, na praça do colégio, visto que a Mercedes que sempre a buscava não estava lá. Eu me despedi dos meus amigos e falei para o Riku ir andando, que depois eu o acompanhava.

Permaneci na praça da escola, observando de longe a garota esperando seu motorista. Aos poucos o local ia se esvaziando e nada do carro chegar. Até que Sophia decidiu ir embora à pé.

Eu decidi que deveria segui-la, mesmo que de longe. Precisava vê-la chegar em casa em segurança. Quem sabe, poderia até me aproximar e tentar uma conversa. Não poderíamos ficar sem nos falar pelo resto da vida.

Sophia esperou o farol dos pedestres abrir e atravessou a avenida da lateral da escola. Dobrou algumas ruas movimentadas e adentrou em um bairro nobre da cidade, assim como o do Natsuno. Havia casas enormes acompanhadas de prédios e lindas árvores, realmente um bom lugar para se viver caso você goste de silêncio e luxo ao mesmo tempo. Eu seguia Sophia com cuidado a uma certa distância, mas a julgar pelo fato de ter apressado os passos, deduzi que ela sentia que estava sendo seguida.

Ela dobrou uma rua e, quando dobrei também, Sophia já havia desaparecido.

— Pra onde ela foi? — eu me perguntei, confuso.

***

Meu pai estava certo: as aparências enganam.

Às vezes nós confiamos em pessoas cegamente ao ponto de nos aproximarmos delas. Mas eu bem que tive receio no começo. Diogo era novo na escola, talvez até novo na cidade. E desde a primeira vez em que o vi — na praça da escola, sozinho perto de uma árvore, sem falar com ninguém —, senti que já o havia visto antes. Ana e Jéssica me fizeram ajudá-lo com os corredores da escola, quando ele estava perdido, eu só não imaginei que sentiria aquilo.

Algo que nunca senti antes.

Não sei se foi o seu olhar inocente, ou se foi seu jeito engraçado, só sei que sentia honestidade em sua voz. Uma falsa honestidade, por sinal, que eu acabei descobrindo só mais tarde.

Depois do dia em que eu o encontrei beijando outra, foram vários dias com a minha mente perturbada. Diogo me deixava assim. Eu achava que ele era um garoto tão legal, honesto. Chegava a me lembrar o meu tio Sérgio, falecido no mês anterior. Só bastou eu ficar alguns dias fora para encontrá-lo lá, beijando outra garota...

Diogo havia me pedido em namoro, mas eu não tinha como aceitar já que ainda não tinha certeza sobre meus sentimentos. Mas ele parecia um garoto romântico, carinhoso, e demonstrava ser diferente de todos os outros.

Quase caí nessa.

Fiquei alguns dias na casa dos meus tios, em Osasco, devido à morte do tio Sérgio, por isso tive que faltar às aulas. Foi o suficiente para que eu sentisse falta do Diogo. Cheguei na sexta e fui direto à escola, na intenção de conversar com ele. Ana dissera que haveria o jogo do time de futebol, portanto esperei encontrá-lo na praça após a partida, mas havia chegado tarde demais. Felizmente, ainda encontrei o Natsuno, que me disse o endereço dele. Como Beto conhecia Honorário como as palmas de suas mãos, me conduziu até lá. E estávamos perto da casa indicada, quando o vi conversando com uma garota em um dos parques do bairro. Eu me aproximei com o coração acelerado, na ansiedade de matar a saudade, quando vi tudo indo por água abaixo.

Os dois estavam se beijando.

Naquele instante eu não sei dizer exatamente o que senti, mas tinha uma ideia.

Raiva.

E ciúmes.

E então percebi duas coisas. Uma: Diogo não passava de um enganador de garotas, se fazendo de inocente para conquistá-las. Outra: eu estava mesmo apaixonada...

E precisava distanciar aquilo da minha cabeça. Não podia ficar pensando nele. Ana e Jéssica me apoiavam, mas ainda assim... era difícil. Diogo disfarçava muito bem. Volta e meia me olhava com tristeza, como se realmente se sentisse culpado. Mas eu sabia que aquilo não passava de uma farsa.

Como minha mãe me fazia falta... Como o meu tio me fazia falta. Assim como o meu pai. Eu só tinha minhas duas amigas, e ainda assim só as via na escola. E quando enfim achei que havia encontrado a pessoa certa, ele fez o que fez. Cheguei à conclusão de que Diogo era igual a todos os outros garotos da escola.

Lamentável, de verdade.

— Olhando pra ele de novo? — Ana me encarava impaciente.

Frustrada e irritada, voltei à mim mesma.

Ana e Jéssica queriam mais do que qualquer coisa juntar nós dois, uma vez que ele parecia uma pessoa diferente, mas isso foi antes de ele me dar aquele toco. No começo eu tive medo, e só aceitei ir ao shopping com ele porque elas praticamente me forçaram. Agora, elas o odiavam tanto quanto eu o odiava.

— Oi, Sophia. — Shin surgiu de algum lugar, olhando para mim com o olhar de sempre, sem qualquer tipo de respeito. Nem Ana e nem Jéssica iam com a cara dele. Shin era insuportável.

— Oi, Shin — falei seca, olhando para qualquer direção desde que não fosse sua cara irritante.

— Você está linda hoje, sabia? — Sua voz era sarcástica. 

— Obrigada — respondi, impaciente.

— Você anda malhando, né? — perguntou ele, deixando-me confusa sobre o porquê da pergunta.

— Não, por quê?

— Porque o seu corpo está na medida certa.

Eu me segurei para não socar a cara dele. Uma coisa que odiava era garotos ousados, que achavam que podiam conquistar as garotas com qualquer cantadinha. Olhei para as minhas amigas e saímos de perto, a minha pele fervia de tanta raiva.

E a manhã seguiu normal. Minhas amigas conseguiam me divertir com suas histórias, mas era difícil afastar o Diogo da cabeça. Ele aparecia a todo momento nos meus pensamentos, e me perguntei se não conseguiria esquecê-lo nunca mais. Se ao menos ele não fosse o que era...

Quando deu a hora de ir embora, eu me despedi das minhas amigas e esperei por Beto. Geralmente, ele já estaria me esperando, mas dessa vez estava sendo diferente. Esperei tanto que só restou a mim na praça do colégio, e o pior era que eu estava sem dinheiro para ir embora de ônibus.

Decidi ir embora sozinha.

O trajeto estava tranquilo, até eu começar a sentir que estava sendo seguida. Não ousei olhar para trás, com medo de o perseguidor  perceber e me impossibilitar de fugir.

A essa altura eu já estava desesperada, pois minha casa estava um pouco longe, ainda.

Dobrei mais uma rua e entrei no primeiro beco que encontrei, apressando os passos. Chegando à rua, eu não ousei parar, mergulhando no beco que se seguia, assim chegaria mais rápido em casa.

Suspirei, cansada — e foi nesse momento que senti meu corpo arrepiando. Olhei para trás e me assustei quando vi quatro homens estranhos postados feito estátuas me encarando, muito perto, como se estivessem ali o tempo todo.

— Oi, gatinha — disse um deles.

Minhas pernas ficaram trêmulas, e naquele instante eu soube que não adiantaria nada se tentasse correr.

Recuei alguns passos, assustada.

Os quatro vestiam roupas sujas e velhas e sorriam com malícia. O mais assustador, no entanto, era as íris de seus olhos, um vermelho vivo e transbordante.

— Quem são vocês? — perguntei cautelosa.

Eles apenas riram. Eram muito feios. Dois deles eram negros, o terceiro era moreno e o quarto era branquelo. Tinham os mesmos olhos maldosos, da cor do sangue. Isso até eu perceber que seus dentes eram pontudos!

— Calma, queremos apenas brincar — disse o branquelo numa espécie de rosnado.

— Brincar?

— Claro, mas em outro lugar.

Apesar de já ter assistido a noticiários sobre garotas estupradas em becos desertos, não imaginava o quão horrível era a sensação de pavor. Eu desejava estar em casa, segura, em vez de sentir o corpo inteiro trêmulo. Mesmo a solidão agora parecia boa coisa.

Tomei coragem e, desesperada, dei meia-volta e corri — mas fui surpreendida quando o branquelo já estava à minha frente, bloqueando completamente a minha passagem.

— Aonde pensa que vai? — disse ele, com seus olhos vermelhos me analisando dos pés à cabeça; ele lambeu os lábios.

Meu coração acelerou ainda mais. Eu já não controlava a respiração ofegante.

O homem continuou me analisando, parecendo gostar do que via. Mas seu olhar era diferente. Diferente no sentido de que ele não queria apenas abusar de mim, e sim fazer algo a mais. Algo do tipo devorar. E, em uma selvageria incrível, me agarrou — mas alguma coisa passou raspando a minha orelha direita e o acertou no peito esquerdo, fazendo-o me soltar no mesmo instante e cair no chão logo em seguida, imóvel.

Senti um suor gelado no meu rosto.

Olhei para o rapaz morto e vi uma espada dourada enfiada no seu coração, causando muito sangramento. Então seu corpo esfarelar ao ponto de ele virar areia.

Gritei assustada

Eu me virei e percebi os outros três homens assustados, olhando para o que sobrou do cadáver e depois trocando olhares intrigados. Eu era a que mais estava confusa e horrorizada.

— O que está acontecendo aqui? — perguntei assustada.

— Deixem ela em paz — bradou uma voz séria e familiar.

Os estranhos viraram-se para trás, juntos. Olhei para adiante deles e me surpreendi quando notei que eu não estava errada quando pensei que a voz seria dele.

Era o Diogo, em carne e osso.

Ele encarava os homens à minha frente de forma tão furiosa que chegou a me assustar, no entanto eu estava aliviada — e, ao mesmo tempo, me sentia protegida.

Agora, o que ele estava fazendo naquele beco, eu não fazia ideia.

***

Assim que perdi a Sophia de vista, um sentimento estranho me atingiu feito um raio. Era um tipo de pressentimento que eu já estava acostumado, e meus olhos voltaram-se para alguns homens suspeitos parados na boca de um beco. Eram corpulentos e pareciam maldosos. No momento em que entraram no beco, decidi que deveria segui-los.

Os sujeitos correram pelo beco em uma velocidade assustadora, como se estivessem indo atrás de comida. Passaram por uma rua e entraram em outro beco, até pararem uma garota com o uniforme do colégio Martins. Eu me escondi atrás de uma caçamba de lixo não muito distante e me ajeitei para ver a cena. E minhas suspeitas estavam certas quando confirmei que a garota/vítima era mesmo a Sophia.

“Aqueles malditos só podem ser vampiros” pensei.

Após uma troca rápida de diálogos, Sophia se virou e tentou correr, sendo barrada por uma das criaturas, que se movera de forma assustadora e sobrenatural. Não hesitei em fazer meu anel tornar-se a espada dourada, enquanto meu sangue fervia em raiva. Mesmo que não fosse a Sophia, ainda assim seria uma vítima. Mais uma vítima daquelas aberrações. E quando o maldito agarrou a garota, eu respirei fundo e me concentrei. Não sei o que deu em mim, apenas me sentia confiante para fazer tal movimento. Movimento que poderia dar errado e matar a Sophia, entretanto, se eu não o fizesse, ela seria mordida pelo vampiro.

Meu coração acelerou.

Minhas pernas começaram a tremer.

A ansiedade estava ao máximo.

E lancei a espada.

Como um vulto, o objeto passou entre os três vampiros, raspou a orelha direita da garota e, por fim, encravou-se no alvo certo: o coração do branquelo assassino.

O vampiro caiu imóvel no chão, olhando a espada em seu peito sem acreditar. Não demorou para seu corpo começar a se esfarelar em areia, surpreendendo aos outros três e à garota. Decidi aparecer logo, para acabar com a "brincadeira" daqueles malditos covardes.

— Deixem ela em paz — falei, trincando os dentes.

Os vampiros viraram-se em um pulo, tão surpresos quanto a Sophia, que me olhava assustada.

Senti o anel se materializar no dedo anelar da minha mão direita, fato que me deixou intrigado e ao mesmo tempo aliviado, pois o importante era que eu tinha a minha espada de volta.

— Seus covardes — rosnei, irritado. — Ela é apenas uma garota!

Nesse instante o medo deles acabou. Agora os três me olhavam com fúria, olhos tão vermelhos quanto ameaçadores. Um deles disse:

— Você vai se arrepender de ter aparecido aqui, aprendiz.

Os vampiros mostraram seus dentes afiados e veias grossas começaram a aparecer pelos seus rostos.

Eram evoluídos.

Eu me foquei ainda mais neles e, pelo canto do olho, pude ver Sophia se encolhendo perto da parede, obviamente assustada. Eu não podia deixá-la ser pega por aqueles covardes.

Tornei a transformar meu anel na Takohyusei e tirei a mochila das costas, colocando-a no chão.

Viria luta.

— Morra, desgraçado! — gritou um dos vampiros negros.

Os três avançaram contra mim, erguendo garras que mais pareciam lâminas. Desviei do golpe do primeiro, depois me abaixei do chute do segundo. O terceiro aproveitou o momento para me agarrar por trás.

Eram rápidos e espertos.

Até tentei me soltar, mas os meus dois braços estavam imobilizados. Ainda assim não soltei a Takohyusei. Senti um punho enterrando-se na minha barriga e cuspi sangue. Depois outro, e mais outro. Os dois vampiros me atacavam sem piedade.

— Diogo! — Sophia estava desesperada.

Eu não podia morrer ali, não podia deixar Sophia sozinha com aqueles vampiros maldosos. Tentei gritar para ela correr, mas a única coisa que saía da minha boca era “argh!”. Eram muitos os ataques, e a dor era imensa. Parecia inútil tentar endurecer o abdômen.

Precisava fazer alguma coisa.

— Por favor. — Percebi que Sophia chorava — Deixem ele em paz!

Os vampiros continuavam me atacando. Pareciam querer que eu sentisse dor, caso contrário já teriam me matado com suas garras ou até mesmo com mordidas.

Meus olhos ficaram pesados. Em breve desmaiaria.

Em breve morreria.

Eu me lembrei dos meus treinos com o meu tio, quando ele me fizera ficar debaixo do Billy transformado. Michael dissera algo sobre eu só conseguir usar minhas forças em casos de alerta, mas eu ainda não entendia com precisão como aquilo funcionava. Eu não estava em um treino, mas sim numa cena real. Eu não estava debaixo do Billy, estava sendo atacado por vampiros.

Fiz o máximo para não fechar os olhos. Não podia me dar por vencido.

Olhei para Sophia, mesmo com os olhos embaçados — e ainda pude ver que lágrimas caíam de seus olhos.

De repente, ela saiu de seu esconderijo e correu para me salvar. O olhar de Sophia havia alternado de medo para valentia. Eu fiquei impressionado.

Mas um dos vampiros a derrubou acertando o antebraço em sua cara.

Algo dentro de mim começou a formigar assim que vi a cena.

Algo quente.

Passava rapidamente pelas minhas veias em direção aos meus braços, ao mesmo tempo em que minha visão clareava. E eu me sentia forte.

Explodi:

— AHHH!!

Movi o meu corpo para o lado tão forte que o vampiro que me imobilizava caiu a vários metros de onde estávamos. Acertei um chute forte na cara do moreno e soquei o estômago do negro, com a mão aquecida. Em seguida dei uma rasteira que derrubou os dois de uma só vez. Quando a dupla já estava no chão, enfiei minha espada no peito de ambos, transformando-os em pó enquanto seus olhos expressavam extremo pavor e surpresa.

— Nunca mais vão saber o que é agredir uma mulher — falei.

Meu instinto foi ativado no momento em que o terceiro vampiro (o que me imobilizara) me atacava com garras que acertariam a minha cara. Desviei a tempo me inclinando alguns graus para trás e agarrei o seu braço, jogando-o para o alto. Daí, não me pergunte como, saltei e o golpeei no ar com um soco de cima para baixo, fazendo o inimigo impactar no chão com tanta força que pude ouvir os estalos de ossos se quebrando!

Desci pisando em sua barriga, zangado. Não perdi tempo e introduzi a Takohyusei em seu peito, mais precisamente no coração.

Por fim, os três eram apenas areia, agora.

Suspirei, sentindo dores pelo estômago. Meu sangue voltava a esfriar, ao mesmo tempo em que o cansaço tomava conta do meu corpo.

Olhei para Sophia, que parecia não acreditar no que tinha acabado de ver. Eu também não acreditava.

— Você… está bem? — perguntei meio abalado.

Ela balançou a cabeça, dizendo que sim. Parecia trêmula.

Peguei os frascos vermelhos do bolso da minha mochila e coloquei o pó dos quatro vampiros em quatro deles, acompanhado pelo olhar confuso da garota.

Sophia parecia sem palavras, ainda se recuperando das cenas. Seus olhos estavam avermelhados de choro.

Andei investigando, e ela realmente não caça, lembrei das palavras do Riku. Na verdade, Sandro esconde isso dela.

“O que eu faço?” pensei.

— Você poderia me explicar... o que houve aqui? — Sophia claramente estava perplexa. No entanto, eu não poderia falar, embora estivesse meio claro que eu acabara de matar homens de olhos vermelhos.

— É… complicado — respondi. — Eu acho melhor você, sei lá, fingir que não viu isso.

— Fingir que não vi você matando quatro abusadores? — disse ela incrédula, então mostrou-se pensativa. — E todos eles tinham… olhos vermelhos, e dentes afiados… Não tem como eu fingir que não vi tudo isso!

— Sophia…

— Você me salvou deles. — Ela tornou a olhar para mim. — Obrigada…

“O que eu faço? O que eu faço”

— Não precisa agradecer — acabei que decidindo me fazer de difícil. — Vá pra casa, não é seguro aqui.

Caminhei em direção ao fim do beco, ainda com o coração acelerado e me perguntando se estava fazendo o certo. Quando dei os primeiros passos, ela me chamou:

— Diogo!

Parei. Meus batimentos cardíacos estavam tão altos que me perguntei se ela conseguia ouvi-los.

E quando me virei, fui surpreendido por um abraço. Um abraço forte e... reconfortante. Sophia chorava, sua pele estava macia, quente e molhada pelo suor. Imaginei o quanto foi difícil para ela quando se encontrou cercada por homens sujos e maldosos.

Sophia me apertava muito forte.

Ocorreu-me que era a primeira vez que nos abraçávamos. A sensação era diferente de tudo o que eu já havia sentido antes. Eu não queria mais ir embora. Era possível até sentir a pulsação acelerada de seu coração.

— Obrigada — repetiu ela. E antes que eu pudesse dizer “não há de quê”, ela falou: — Eu também gosto muito de você.

Fui pego de surpresa. Por mais que eu sentisse que ela também gostava de mim, não esperava ouvir aquilo daquela forma. E o fato de ela inserir o “também” na frase indicava que ela acreditava que eu gostava mesmo dela.

Nos desvencilhamos e ela me olhou nos olhos. Eu estava fascinado mergulhando naquele olhar castanho, profundo. Minha vontade era de beijá-la — porém, Sophia desviou o olhar. Provavelmente por ter se lembrado do beijo que viu entre mim e... a Zoe.

Eu me senti mal.

Sophia também parecia péssima.

Suspirei.

— Até... mais — falei, sem jeito.

Ela forçou um sorriso e deu meia-volta, caminhando sentido sua casa. E acho que não percebeu que continuei a seguindo de longe, para me certificar de que chegasse em segurança. Sophia entrou em uma mansão grande e desapareceu.

Por fim, eu voltei para casa. Turbilhões de pensamentos tomando a minha mente, me deixando ainda mais confuso e preocupado. De uma coisa, no entanto, eu tinha certeza: estava cada vez mais apaixonado por aquela garota. E feliz por finalmente ter acontecido algo que poderia impulsionar uma nova reaproximação.

***

Pois é, é engraçado como as coisas mudam de uma hora para outra. Eu estava sentindo um ódio profundo dele, e fiquei dias pensando que ele não se importava comigo e que era um “falso daqueles”, mas a forma como apareceu e me salvou daqueles caras — por mais bizarro que tenha sido — me comprovou algumas coisas. Eu realmente não entendia por que o encontrei beijando aquela menina, nem gostava de pensar nisso, mas uma coisa estava nítida, e não tinha nada a ver com o fato de ele ter se arriscado por mim; foi o seu olhar que lhe entregou e confirmou o que, bem lá no fundo, eu queria — e precisava — saber: ele gostava mesmo de mim.

E eu estava apaixonada.

***

— O que aconteceu exatamente, Beto?

Sandro Macedo tremia de raiva, prestes a estraçalhar o telefone com tamanho exagero com que o segurava. Beto respondeu, do outro lado da linha:

— Tenho certeza que foi uma armadilha, senhor. Os pneus explodiram do nada, não deu para entender. Encostei o carro e corri para a escola, mas dois homens entraram no meu caminho e acabaram tomando o meu tempo.

— E você tem certeza que eram vampiros?

— Absoluta, senhor. Evoluídos. Tive um pouco de trabalho com eles.

Sandro trincou os dentes irritado, então respirou fundo.

— Mas graças a Deus ela está bem — disse o motorista. — Estava no banho quando cheguei. Não aconteceu nada com ela.

— Isso não pode voltar a acontecer — avisou Sandro, contendo a ira. — Você está me ouvindo?

— S-Sim, senhor.

Sandro desligou, sabia que Beto não foi atacado à toa. Só não entendia como Sophia conseguira chegar viva em casa. Algo não batia.

Tony, que também estava no escritório da organização, o encarava sério e preocupado. Era difícil ver o amigo irritado daquela forma. Perguntou:

— Quer que eu solicite uma investigação?

— Não precisa. Eu mesmo me encarregarei de descobrir o que houve, e farei cada um dos envolvidos se arrepender totalmente de ter mexido com a minha família.



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