Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 40: As chamas da esperança de um coração motivador

Eu acordei tão animado que nenhum dos meus despertadores tinham despertado ainda: nem o alarme, muito menos o Billy. O motivo de tanta alegria? Finalmente havíamos alcançado cinquenta frascos cristalinos, o suficiente para deixarmos de ser aprendizes de caçador.

Na escola, Natsuno estava tão feliz quanto eu. Mas os rumores maiores eram referentes ao jogo, que aconteceria na sexta-feira, portanto mal falamos sobre o assunto.

Na quinta-feira, tivemos um treino pré-jogo. O time parecia disposto, mas o treinador continuava com a sua cara fechada, sempre me olhando de um jeito estranho por detrás de seus óculos. Treinamos exercícios físicos no campo, depois treinamos passes, lançamentos, chutes e corremos dando voltas no campo. Depois disso tudo, ainda tivemos um jogo coletivo, no qual Rubens Almeida misturou o time reserva com o time titular.

— Hoje eu cansei, de verdade — Natsuno comentou após o treino; estávamos sentados no gramado perto do banco de reservas, junto dos outros jogadores, todos exaustos. Só faltavam duas pessoas no time: Shin, que nunca aparecia nos treinos e Marcelo, que estava machucado.

O treinador tinha ido buscar algo no vestiário. Quando chegou, falou:

— Amanhã será um jogo decisivo.

— Todo jogo é decisivo — ironizou alguém no meio do grupo, provavelmente sem a intenção de Rubens ouvir, o que não funcionou.

— Mas se perdermos esse, nós estaremos fora! — vociferou ele. Estava mais sério que o normal. Ele nos mostrou um quadro branco com a tabela do nosso grupo:

Todos se mostraram surpresos com o saldo de gols do 2ºH, nosso próximo adversário.

— O 3ºA perdeu para o 2ºH? — estranhou Samuel.

— Sim — respondeu o treinador. — De três a zero.

Olhares perplexos foram trocados entre todo o time. O 3ºA havia sido o nosso primeiro adversário, e havíamos empatado o jogo graças a muito esforço. No final das contas, contudo, esse mesmo time havia sofrido uma goleada para um segundo ano.

— Como todos sabem — começou o treinador — o 1ºG é um alvo fácil pra qualquer um. É provável que perderá de goleada para o 3ºA no próximo jogo. Se o 3ºA ganhar, chegará a 4 pontos. Se perdermos, continuaremos com 4 pontos. Então ficaremos empatados, e o desempate será pelo maior número de vitórias. Se o número de vitórias for igual, o desempate será pelo maior número de gols pró.

Apesar de ser complicado, todos os jogadores entenderam o recado. Tínhamos que ganhar, ou pelo menos empatar. A situação deixou o time inseguro. Estava explícito em cada rosto. Aliás, nosso próximo adversário seria um time que vencera o 3ºA com certa facilidade, sem falar que jogaríamos sem o Marcelo, o camisa 10 da equipe.

— Então nós faremos o possível para que possamos vencer — falei, tentando me mostrar entusiasmado. 

Rubens Almeida me olhou sem muito interesse, sem demonstrar qualquer emoção.

— Estamos fritos, isso sim — interveio Anderson, o nanico que era o lateral direito titular do time.

— O Anderson tem razão — continuou Lucas, o goleiro. — A gente não vai conseguir ganhar sem o Marcelo.

— É verdade — concordaram outros garotos.

Ninguém estava confiante. Olhei para Natsuno com alguma esperança, mas ele estava tão desanimado quanto os outros.

— Então quer dizer que todos vocês dependem dele? — perguntei, inconformado.

— Não é isso — disse Jhou. — Acontece que é o Marcelo quem organiza o time.

— Mas podemos sim vencer! — exclamei, me levantando furioso, fazendo com que todos me olhassem atenciosos. — Quase vencemos o 3ºA e metemos uma goleada no 1ºG, já é alguma coisa! Não podemos simplesmente jogar a toalha. Esse campeonato é a passagem para o municipal, onde poderemos enfrentar times da cidade inteira! NÃO PODEMOS DESISTIR!

Olhei no rosto de cada um e todos estavam deixando a expressão de desânimo. E estavam surpresos também.

— O Diogo tem razão — Pedro tomou a palavra, uma ajuda muito bem-vinda. — O nosso time é muito forte, então temos que entrar em campo com o pensamento de vencer!

— É! — gritei, mais aliviado; todos pareciam concordar.

— Além disso — disse o treinador Rubens —, vocês têm um novo capitão.

Essas palavras causaram curiosidade em cada rosto presente.

— Quem? — muitos perguntaram.

— Ele. — Rubens apontou para mim; e as minhas bochechas subiram a uma temperatura altíssima.

— Eu? — perguntei pasmo, arqueando uma sobrancelha ao mesmo tempo em que minhas pernas tremiam (eu era o único que estava de pé). — Mas treinador, eu nem sou titular.

— Agora é. — E, pela primeira vez, eu o vi sorrindo, mesmo que de forma discreta. Rubens Almeida pegou a braçadeira de capitão que pertencia ao Marcelo e me entregou. — Diogo, você será o novo camisa 10 do time, e acredito que todos aqui estão de acordo.

Ele olhou para os garotos e todos assentiram, sem qualquer hesitação. E a alegria que eu senti naquele momento foi inexplicável. Meu peito transbordava de emoção.

— Obrigado — foi o que consegui dizer em meio à tremedeira. — Eu... prometo não decepcionar.

Com isso, o time inteiro começou a bater palmas, fazendo a minha animação aumentar.

— Vamos vencer essa partida! — gritei com toda a minha força.

— É! — meus amigos também gritaram, finalmente demonstrando alguma convicção. Aquele dia, sem dúvidas, eu nunca iria esquecer.

 

Marcelo morava num condomínio próximo ao colégio, no último andar de uma das torres, no décimo segundo. Sua mãe me recebeu bem e me conduziu até o quarto do garoto, alegando que ele havia acordado a pouco tempo. No momento em que entrei, ele sorriu.

— E aí, cara, como você está? — perguntei.

— Dói um pouco — disse ele apontando para a sua perna direita, cujo pé estava engessado —, mas já está bem melhor.

Apesar de um pouco arrogante, o olhar estampado no rosto do garoto demonstrava que ele tinha um bom coração. Marcelo era um grande companheiro, como todos os outros.

Eu puxei uma poltrona e sentei ao lado da cama, um pouco desconfortável, já que não éramos tão íntimos. Eu até me perguntava se Marcelo ainda tinha alguma mágoa de mim, por ter sido eu o seu substituto durante a estreia do campeonato, algumas semanas atrás. Ele, no entanto, não parecia com raiva.

— O que lhe traz aqui, jovem gafanhoto? — perguntou depois de um tempo.

— Eu estava sem nada pra fazer e decidi dar uma passadinha aqui — brinquei. — Você parece bem deprimido.

— Digamos que estou com saudades da senhorita Abigail — ele retribuiu a brincadeira, sua risada soando um pouco engraçada considerando que seus olhos estavam um pouco inchados de sono e seu longo cabelo estava emaranhado.

— Mas e aí, já disseram se você vai poder voltar logo aos gramados?

— Não, exatamente — disse Marcelo com certa tristeza. — O doutor disse que não vou ficar muito tempo engessado, mas que era pra eu esquecer o campeonato. Sabe, vai demorar uns dois meses até a minha perna ficar cem por cento. Não posso fazer nenhum tipo de esforço.

Ouvir aquilo me fez sentir pena do garoto. Ficar sem jogar devia ser horrível para Marcelo, ainda mais ele sabendo que era importante para o time.

— Entendo — foi o que consegui falar.

Eu me levantei e caminhei até a janela do quarto, olhando para a paisagem lá fora. Era possível ver uma porção de prédios no fim do horizonte, esbranquiçados devido à fina cortina de chuva que caía sobre Honorário

— O treinador me escolheu para ser o capitão do time durante a sua ausência — eu disse um pouco hesitante.

— É, eu sei — disse Marcelo. — Na verdade, foi uma ideia minha e dele.

Eu o olhei surpreso. Por essa eu não esperava.

— Por quê, afinal? — eu quis saber. Retornei à poltrona, analisando, pela primeira vez, o quarto do garoto.

Além da cama e da poltrona, havia um pequeno guarda-roupa preto num canto, uma guitarra de cor vinho ao lado, uma televisão de 40 polegadas na parede oposta e um PlayStation 4 num raque também preto. Quadros do Corinthians decoravam as paredes, estas cobertas por um papel de parede azul com detalhes de carros de corrida. O típico quarto de um garoto descolado.

— Porque você provou ser um ótimo líder, cara — respondeu ele. — Naquele primeiro treino coletivo que tivemos, quando o time titular enfrentou o reserva, lembra? Apesar de você ter jogado no gol, conseguiu organizar bem a sua equipe, levando o resultado a um empate num jogo praticamente perdido.

— Mas aquilo foram só alguns pequenos erros que consertei.

— E são esses pequenos consertos que levam um time à vitória — replicou o garoto, me surpreendendo ainda mais. Aquele não parecia o Marcelo que eu vira pela primeira vez. Parecia que ele se tornava um amigo mais íntimo, que me tratava como uma pessoa... normal. — Confesso que no início eu senti um pouco de inveja — disse ele, ficando vermelho e desviando o olhar —, principalmente no nosso primeiro jogo, quando o treinador me tirou pra colocar você.

Treinador, você vai me tirar para colocar ele?! Eu me lembrei de suas palavras que, na época, fizeram eu me sentir culpado.

— Eu lembro — falei. — Mas não foi minha culpa.

Marcelo riu.

— Eu sei. Você entrou naquele jogo e fez a situação do time mudar, e tudo isso com apenas um toque na bola. Foi aí que eu percebi que você era o cara certo para ocupar o meu lugar, mesmo eu não querendo admitir.

“O cara certo” pensei. Eu de fato não estava muito confiante quanto àquilo. Estava animado, sim, para poder ajudar o meu time, mas a responsabilidade que enfrentaria era gigantesca.

Suspirei, preocupado.

— Pra falar a verdade, é diferente do que eu imaginava. Não é uma tarefa fácil liderar um time. Eu não sei se estou preparado pra isso.

Marcelo interveio:

— Você vai conseguir superar essa sua insegurança fácil, fácil, vai por mim. Quando menos perceber, será um ótimo capitão. Pode não ser do tipo que comanda o time, mas com certeza é do tipo que motiva a todos com um simples gesto, com um simples toque na bola. Relaxa, Diogo.

Mais uma vez, Marcelo conseguiu me surpreender. E ele parecia estar sendo sincero. Isso fez com que eu me sentisse um pouco mais leve, embora continuasse com as pernas trêmulas e com náuseas no estômago. 

— Obrigado... Marcelo — eu disse realmente agradecido. — Eu prometo que vou dar o meu melhor.

Sorrindo ainda de olhos inchados de sono, Marcelo assentiu, e depois ficamos conversando mais um pouco até eu ir embora.

 

Chegou sexta-feira, o dia do jogo.

No vestiário, o treinador nos passou algumas estratégias e jogadas ensaiadas, e quando subimos ao campo eu fiquei impressionado e de coração acelerado: havia centenas de pessoas nas arquibancadas para assistir à partida.

— Hoje não tenho dúvidas de que iremos vencer! — falei ao Natsuno enquanto caminhávamos pelo gramado com o restante do time rumo ao banco de reservas.

— Espero que sim — disse ele. — O 2°H é uma pedreira ambulante.

No momento em que seus olhos se voltaram para o time adversário (que estava se aquecendo no campo), Natsuno ficou de boca aberta.

— O que foi, Natsuno? — eu estranhei, fitando-o com uma das sobrancelhas levantada.

Foi Pedro quem respondeu, chegando ao nosso lado:

— Aquele garoto foi o melhor jogador do último municipal, ou seja, seu time venceu o torneio intersalas do ano passado.

Pedro apontava para o camisa 10 adversário, que estava de costas perto da grande área a vários metros. Assim como eu, ele também era o capitão de seu time, e seu cabelo era muito bonito e... familiar.

— Então quer dizer que o campeão da escola do ano passado foi um primeiro ano? — perguntei.

Pedro e Natsuno fizeram que sim, Natsuno ainda com cara de quem acabara de ver um cavalo dando piruetas no ar.

Aquela informação serviu para comprovar que poderíamos sim ser campeões, mesmo diante de salas mais velhas que a nossa.

Nos dirigimos ao campo para aquecer. Nosso time tinha as camisetas e as meias vermelhas com os shorts brancos, enquanto o adversário usava um uniforme parecido com o do Palmeiras — camisetas e shorts verdes acompanhados das meias brancas. Eu estava esticando as pernas quando um garoto chegou até mim, falando:

— Muito bom te ver aqui, Diogo.

Como a voz era familiar, notei que minhas suspeitas estavam certas, mas me virei para ter certeza absoluta. Era o capitão do 2ºH quem estava me cumprimentando.

Sorri.

— Digo o mesmo... Yago Cordeiro — falei.

Ele também sorriu. Eu já havia o encontrado uma vez antes, em Venandi, quando meu pai me mostrava o museu da organização Ko-Ketsu. Yago era um cara muito carismático. Seu cabelo laranja e volumoso chamava a atenção de longe, e ele possuía olhos cor-de-mel que transmitiam uma motivação contagiosa.

— Parece que você é o capitão do seu time — disse ele com satisfação.

— Sou novo no cargo. Bom, e digamos que eu ouvi boatos sobre você.

Yago afiou seu olhar.

— Então já deve saber que fui eu o autor de todos os gols do meu time nesse campeonato, suponho.

Eu fiquei impressionado. Pelo que sabia, o 2º H havia feito quatorze gols nos dois primeiros jogos. Era difícil acreditar que todos foram feitos apenas por ele.

Fiquei sem palavras, enquanto o caçador me fitava desafiador.

— Será dado o chute inicial da partida!!!! — gritou o locutor repentinamente, sua voz ecoando através dos vários alto-falantes espalhados pelo pequeno estádio. — De um lado, o modesto 1ºB, desfalcado de seu camisa 10 por conta de uma lesão. Do outro, o imparável 2ºH, que tem o artilheiro do campeonato como capitão e craque da escola! Não tenho dúvidas, meus amigos, de que esse será um jogo muito emocionante e decisivo, no qual as duas equipes darão o melhor de si!!!

A euforia da torcida demonstrou o quanto ela estava animada. Eu me sentia num estádio oficial de futebol.

O juiz apitou, indicando que o jogo iria começar.

— Vamos ter uma partida limpa — disse Yago, caminhando em direção ao seu lado do campo.

Fiz que sim com a cabeça.

Olhei para trás, meus companheiros de time em suas posições. Todos confiantes me olhando com respeito.

Olhei para a direita e lá estava o Riku, com uma expressão que transmitia sua sombria serenidade; olhei para a esquerda e Natsuno fez um sinal de positivo com a mão. Depois olhei para frente, Yago e mais um companheiro dentro do círculo central, pronto para dar o pontapé inicial. As íris de seus olhos ficaram amareladas por um segundo. 

Ele olhou para mim e fez um sinal com o rosto, como se quisesse me mostrar algo. Entendi o recado e olhei para onde ele "apontou" e pude ver, sentada na arquibancada, uma Sophia acompanhada de suas inseparáveis amigas.

“Como ele sabe?” pensei comigo mesmo, admirado com a inteligência do meu novo rival.

Quando nossos olhos se encontraram, a garota sorriu, fazendo com que meu coração acelerasse ainda mais. Eu sentia nitidamente a adrenalina percorrer o meu corpo. 

O juiz apitou e o narrador gritou em seguida:

— E começa o jogo!!!!

Yago passou a bola para o seu companheiro dando o começo à partida. Natsuno, Riku e eu apertamos os adversários no mesmo instante, até um deles errar um passe. 

Peguei na bola. 

Eu estava no meio do campo, mas o ânimo foi tão grande que eu corri ao ataque em uma velocidade incrível, driblando vários que via pela frente muito rápido, até chegar à meia-lua da grande área do inimigo.

Parei com a bola e notei estar cercado por quatro jogadores adversários. Eles me encaravam com algum divertimento. De repente, Yago surgiu tomando a bola dos meus pés e tocou para um jogador que estava postado na lateral direita do campo. Este jogador correu com a bola nos pés, disparou pelo meio de campo e passou a bola novamente para um Yago que já estava avançado, o que surpreendeu a todos.

— Como assim?! — eu me perguntei.

Yago recebeu a bola perto da nossa área e, vendo que não tinha alternativas, chutou dali mesmo. A bola bateu contra o travessão com tanta força que saiu do campo e atingiu a arquibancada lateral, obrigando alguns alunos a se protegerem com as mãos.

— NA TRAAAAAVEEEEEE!!!!! — berrou o locutor com toda a sua voz.

Olhei em volta e todos estavam de boca aberta, espantados. Meu time estava boquiaberto, especialmente o goleiro Lucas, que sequer pulara para agarrar a bola; seria uma façanha quase impossível.

O público fez silêncio, tamanha era a surpresa.

Yago dirigiu um olhar desafiador na minha direção e disse, mesmo distante:

— Dentro de campo nós somos rivais, e apenas um sairá vencedor. E você está olhando para ele.

Apesar de tudo, eu sorri. Estava feliz por tê-lo como adversário e, mesmo sabendo que Yago era um ótimo jogador, senti que a minha equipe poderia sim ganhar aquela partida — e eu daria o meu sangue para obter a vitória.

— Pode vir — retribuí a provocação, dando um tom de rivalidade ao jogo. — Vou te provar que você está errado. A partida está apenas… — olhei para os meus amigos, que assentiram — ...começando.



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