Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 31: Hospital para vampiros! Invadindo o território inimigo

Dois dias antes, no domingo, tio Michael me explicou sobre energia interna e as técnicas especiais. 

— Todos nós, seres anormais, possuímos dentro do nosso corpo o que chamamos de energia interna. É dela que vem as habilidades que nos diferenciam dos humanos normais. Essa energia é responsável por produzir poderes e nos manter vivos. Caso ela se evapore, morremos.

— Evaporar? — estranhei. — E o que causaria essa ‘evaporação’?

— Oras, usá-la com exagero. Explicando melhor, quanto mais poder você utilizar, mais energia será queimada de seu corpo. Em outras palavras, você precisará tomar muito cuidado para não dar tudo de si. Nunca deixe sua energia interna se extinguir.

— Hã, certo.

Billy dormia próximo à rocha da margem do Rio de Água Pesada. Fazia calor. A calmaria da floresta me fazia lembrar da sensação horrível do dia anterior, de quando fiz uma visitinha ao Reino dos Vampiros.

— E o que isso tudo tem a ver com o Punho de Fogo, tio? — perguntei.

— Não há como produzir uma técnica especial sem a energia interna. É dela que vem o seu poder do fogo. Você irá convertê-la no Punho de Fogo, esse será o nosso treino de hoje.

Lembrando dos meus amigos utilizando suas técnicas, eu me empolguei.

— Legal! Então é só usar minha energia e transformar meu soco num soco flamejante?

— Não é tão simples assim. Executar uma técnica bem feita necessitará de alguns fatores fundamentais. O principal deles é o posicionamento.

Cocei a cabeça, confuso. Tio Michael pareceu meio impaciente.

— Peguei isso com o seu pai. Toma, agora é seu. — Ele me entregou um pequeno livro vermelho.

Curioso, comecei a folhear. Na primeira página, com letras feitas à mão, estava escrito TÉCNICAS DE CLASSIFICAÇÃO BÁSICA — 1 ESTRELA. Na página seguinte: PUNHO DE FOGO. Pequenos textos completavam a página, juntamente de imagens de bonecos de palito em diversas posições diferentes.

Michael começou a rir.

— Seu pai não é muito bom desenhista, mas acho que valeu seu esforço. Ele copiou este livro do Livro de Técnicas Especiais do Clã Kido, palavra por palavra. Fazendo um resumo, as técnicas foram criadas há muito tempo por diversos caçadores poderosos e super habilidosos. Cada técnica tem sua característica, portanto siga à risca cada instrução escrita neste livro, pois é fruto de um trabalho muito cansativo. Digamos que é um conhecimento que passa de geração em geração.

— Meu pai escreveu tudo isso? — fiquei surpreso, praticamente ignorando a aula de história do meu tio. Folheando rápido o livro, vi várias técnicas diferentes: Soco em Chamas, Joelhada Ardente, Furacão Flamejante, Chamas Aladas…

— Palavra por palavra — repetiu meu tio, então pigarreou. — Como eu estava dizendo, por serem técnicas que foram aperfeiçoadas, você precisará seguir à risca cada instrução, o mínimo detalhe é importante, pois o que compõe uma técnica especial é o posicionamento, a respiração, a concentração, o controle básico da energia interna e, eu não podia esquecer, o grito.

— Grito… — repeti confuso. — Caramba, tio, parece meio complicado.

— Depende da classificação.

— Classificação?

— Sim — disse ele. — Punho de Fogo, por exemplo, é uma técnica de uma estrela, ou seja, de nível básico. Além do nível básico, temos o nível intermediário, nível avançado, nível extremo e, por último, nível lendário. Cada nível é equivalente a algum número de estrela, sendo assim, o lendário é equivalente a cinco estrelas. Deu para entender?

Eu olhava para Michael surpreso.

— É, acho que sim.

— Além disso — continuou ele —, há três tipos diferentes de técnicas: produção, manipulação e incorporação. Simplificando, produção é quando a energia interna sai do seu corpo em forma de poder. Quem faz parte do clã Kido, por exemplo, consegue produzir fogo, mas aí já são técnicas de duas estrelas (nível intermediário) para cima. Técnicas de manipulação ocorre quando você manipula o elemento. O clã da floresta consegue fazer nascer plantas no solo, enquanto o clã da água é capaz de controlar poças ou goteiras, algo assim. Já as técnicas de incorporação têm a ver com o Punho de Fogo. É quando você envolve alguma parte do seu corpo com o poder produzido pela energia interna, o que pode ser um pouco perigoso, caso não haja um treinamento adequado.

Tentei processar todas aquelas informações, mas era muita coisa. Pelo menos a parte das técnicas de produção eu gravei, pois me veio à mente os Socos Relâmpagos do Natsuno, uma vez que flashes de faíscas brotaram de seus punhos na noite dos zumbis. Quanto à Giratória de Vento, imaginei que se encaixasse na manipulação, ou incorporação. Fiquei meio confuso.

— Toda essa explicação ficará muito mais fácil de entender com o tempo — disse meu tio, observando meu desnorteamento. — Vamos levar isso à prática. Treinaremos o Punho de Fogo. Como é uma técnica de nível básico, você aprenderá em menos de uma semana. Apesar que… você já a utilizou antes, então talvez aprenda em menor tempo. Observe as figuras desenhadas por seu pai, o posicionamento do ‘caçador de palito’ na folha, e repita. O restante deixa comigo.

— Beleza! Mas… e quanto ao grito? — Eu ainda estava confuso nessa parte.

— Tem a ver com a energia interna. A energia interna é meio que uma coisa inteligente, obedece mais a mente do que propriamente o corpo. E gritando ‘Punho de Fogo’, você imaginará a técnica e a energia interna se responsabilizará por moldá-la.

Eu o olhava atônito.

— Parece besteira — disse meu tio —, mas o grito é indispensável para qualquer técnica. Enfim, vamos começar logo! — disse, começando a ficar impaciente.

— Certo — falei empolgado, então começamos a treinar. Foi um treino árduo e complicado que durou o domingo inteiro. Agora que estava em uma caçada, fiquei imaginando como me sairia contra os vampiros do enxame. Riku e Natsuno veriam o quanto eu havia evoluído desde a primeira caçada, o que me deixava ansioso.

— Tá pensando em quê, maninho? — perguntou Natsuno.

Corríamos pelo subsolo de Honorário por vários minutos a fim de chegar ao prédio abandonado. Entrávamos em vários caminhos diferentes, não nos perdendo graças ao mapa que o Kai me entregara, assim chegaríamos em pouquíssimo tempo no tal prédio, onde nos infiltraríamos e exterminaríamos todos os vampiros presentes ali — esse era o plano.

Pisávamos em água suja e fedorenta, sem escolha. Natsuno era o que mais odiava o lugar. Eu nem ligava tanto, nem o Riku, pelo que parecia. O esgoto era um lugar repugnante, mas o nosso foco era outro.

Paramos.

Estávamos no final de um túnel. Sairíamos numa espécie de canal, e aquele canal era o lugar que estaria a entrada para o prédio. Mas como havia uma sombra na parede mais à frente, ficamos imóveis. Não podíamos ser vistos.

— Deve ser um dos vampiros — sussurrou Riku.

— Ele não consegue sentir o nosso cheiro? — perguntei, lembrando da vez em que Natsuno e eu caímos naquela armadilha. As criaturas chegaram a nos farejar, como se fossem animais ferozes.

— Se ele quiser se esforçar, sim.

— Você deveria ter dito isso antes, já que vamos invadir um território deles!

— Pô, Dio, para de drama — interveio Natsuno. — De qualquer forma nós estamos fedendo a xixi de galinha.

— Galinha não mija, cara — eu falei.

O vampiro caminhava pelo canal com passos agressivos e lentos, fora da nossa visão. Até que a sombra desapareceu. 

Nós três saímos do túnel cautelosamente e pisamos em um canal raso e largo com diversas passagens para lugares inimagináveis.

— A entrada é ali — apontei para o teto, onde, no centro, havia um buraco com uma escada , cujo destino não podia ser visto graças à escuridão.

Caminhei até ela e me agarrei aos degraus, com pouca dificuldade para me ajeitar. A escada de ferro estava firme, por isso não tive problemas em subir. Entrei no buraco acima da minha cabeça e me vi numa espécie de "fundo de poço", rodeado por uma parede de tijolos. Continuei subindo a escada até sair num lugar bastante escuro. A escada continuava e saía do poço. Subi até ver que eu estava numa espécie de quarto abandonado.

Pulei para fora do poço e, assim que pisei no solo, me estremeci. Eu estava com um mal pressentimento.

Natsuno e Riku também saíram do poço. O quarto estava vazio e pacato. A única coisa que o iluminava eram as pequenas brechas de luz que escapavam da porta fechada, que tinha saída para algum lugar iluminado.

— Finalmente chegamos — falei, num sussurro.

— Está vindo alguém — disse Riku sério. Logo pude ouvir passos em direção ao quarto onde estávamos. Eram duas pessoas. Nos escondemos perto da porta, prontos para o ataque.

Os indivíduos abriram-na, assim escondendo nós três automaticamente, e só perceberam nossas presenças ao fechá-la.

Tarde demais.

Natsuno e Riku cortaram os dois vampiros com as suas Takohyuseis, exterminando-os tão rápido que as criaturas sequer tiveram tempo de sentir dor. Os vampiros caíram sobre seu sangue e viraram pó, enquanto Riku dizia:

— Vamos logo à luta.

Antes que eu pudesse impedir, ele já estava atravessando a porta e invadindo a sala iluminada. Natsuno colhia o pó enquanto eu ia atrás do Medeiros, me deparando com uma cena um tanto surpreendente: três vampiros atacaram o garoto que, gritando “Giratória de vento!”, pulou e os atingiu na cara girando o corpo no ar com suas pernas erguidas feito hélices, dando a impressão de que ambas puxavam o ar, fortalecendo seu ataque.

— Aaargh!! — gritaram as criaturas após terem suas caras atingidas.

— Manipulação ou incorporação? — perguntei a mim mesmo, com a pulga atrás da orelha.

Vi sangue escorrendo pelo nariz de uma delas. Riku pousou no chão feito uma pena e enfiou sua espada no peito dos três inimigos caídos, transformando-os em areia. A única coisa que sobrou foi sangue.

Impressionado, analisei a sala quadrada. Havia prateleiras e armários velhos ao redor, indicando que ali funcionava uma espécie de sala de arquivos. As camadas de poeira e teias de aranha me fizeram espirrar. Não havia janelas por perto, apenas uma segunda porta que dava em outro lugar iluminado.

— Caramba, mais pó? — disse Natsuno, aparecendo ao meu lado.

Não sei a qual pó ele estava se referindo, mas assenti. Ele colheu os três “montes de areia” e guardou os frascos cristalinos no interior de sua jaqueta. Tudo razoavelmente normal, a não ser o fato de que não houve volume em seus bolsos. Parecia que Natsuno não havia guardado nada.

Riku abriu a porta à nossa frente e saiu da sala, sem nos esperar. Eu me apressei para acompanhá-lo, me perguntando se ele mataria todos os vampiros do prédio sozinho.

A outra sala na verdade era uma recepção. Estávamos atrás de um balcão de granito, cercado por quatro cadeiras velhas que um dia foram confortáveis. Adiante, havia uma sala de espera repleta de cadeiras de madeira que, outrora, estavam organizadas, mas hoje não passava de uma grande bagunça. Além das cadeiras, havia um conjunto de portas de entrada/saída à nossa direita e um corredor que se estendia pela esquerda.

As lâmpadas apagavam e demoravam a acender. A poeira evidente começava a irritar minhas narinas. Não bastando isso, marcas de sangue decoravam as paredes desgastadas, que logo percebi que um dia foram brancas, assim como o piso imundo e empoeirado.

Eu começava a sentir vontade de sair daquele hospital abandonado.

Observando as cadeiras antigas e os entalhes da porta, presumi que estava abandonado há décadas. Aquilo deixava o prédio ainda mais sinistro.

Meu corpo inteiro ficou arrepiado.

— Acho que já podemos voltar para casa. — Natsuno parecia tão assustado quanto eu.

Riku o ignorou, dirigindo-se ao saguão passando pela pequena passagem que havia entre o balcão e a parede. O segui, preparado, sacando a minha Takohyusei. A lâmina dourada reluziu na escuridão e me senti um pouco mais forte e seguro.

Riku me barrou com o braço, apurando os ouvidos. Eu me perguntei o que ele estava ouvindo — e quando menos percebi, quatro homens corpulentos apareceram do corredor obscuro, arregalando os olhos ao nos ver. Sangue borrava seus lábios, indicando que haviam acabado de vir de uma refeição.

Cerrei os punhos, observando aqueles assassinos malditos que devoravam inocentes. Mas antes que eu pudesse fazer algo, os quatro homens mostraram seus olhos carmesim e dentes pontiagudos, partindo na nossa direção feito morcegos gigantes, com suas garras erguidas e rosnando enquanto um calafrio tomava conta do meu corpo. 

— Socos Relâmpago!! — Natsuno gritou ao meu lado, acertando vários socos nos quatro indivíduos que ainda estavam no ar, a centímetros do meu corpo. Socos estes que eram rápidos ao mesmo tempo em que brilhavam parecendo raios elétricos. As criaturas gritavam enquanto eram atingidas não pelos punhos cerrados do garoto, mas sim pelas luzes douradas que eles produziam, pois Natsuno apenas atacava o vácuo entre ele e os inimigos.

No momento em que os inimigos caíram perto da parede, percebi que haviam levado uma forte descarga elétrica.

Fiquei surpreso, enquanto a lâmpada danificada acendia por poucos segundos e apagava mais uma vez, fazendo o lugar voltar a ficar assombroso e frio.

— Natsuno, hã… essa é uma técnica de quantas estrelas? — Eu tive que tirar a dúvida.

— Duas — respondeu Natsuno arqueando uma sobrancelha. Ele colheu o pó e adentramos o corredor obscuro, cuja lateral esquerda continha dois elevadores — desativados, claro — e no seu fim havia uma escada de cada lado. Entre as escadas, uma janela que dava visão ao beco atrás do prédio. A janela, no entanto, estava coberta por madeiras presas na parede a pregos. Com certeza aquilo era obra dos vampiros assim como as paredes manchadas de sangue , e acima da janela havia uma "frase vermelha" escrita com letra bastão, numa gramática péssima, que com esforço eu consegui entender: QUEM ENTRA AQUI É DEVORADO DOS PÉS À CABEÇA. SOMOS SERES FAMINTOS.

Olhei para Natsuno, recebendo o mesmo olhar de medo. Riku? Nem parecia que o Riku estava em um prédio abandonado e infestado por vampiros. Sua calma chegava a ser assustadora.

Dirigimo-nos à escada da direita, enquanto nossos passos provocavam ruídos desconfortáveis perante o silêncio macabro. Subimos ao primeiro andar, preparados, pisando em degraus sujos de sangue seco. A escada tinha formato de C sem curvas e seu fim ficava de frente para o topo da outra escada. O corredor no qual estávamos era repleto de quartos à nossa esquerda e dois elevadores desativados à direita. No fundo, outras duas escadas — uma de cada lado —, mas estas, por sua vez, davam no andar de cima; entre elas havia outra janela grande também coberta por madeiras que daria visão à rua vazia em frente ao prédio. O corredor também estava mal iluminado e empoeirado, possuindo paredes de tinta desgastada e manchadas de mais sangue seco.

Andamos lentamente até o primeiro quarto, Riku abriu a porta com cautela. Mas não havia ninguém ali. Nem no segundo e nem no terceiro, apenas camas velhas e antigas perto de cômodas de madeira podre. Todas as janelas estavam da mesma forma que as anteriores, e provavelmente dariam visão para uma avenida pouco movimentada na lateral do hospital abandonado.

Voltamos ao corredor escuro e silencioso, prestes a entrar no último quarto antes das escadas. A “investigação” ficava cada vez mais assustadora, e me perguntei se não estávamos indo direto para uma armadilha. Além disso, havíamos feito barulho lá embaixo, barulho que certamente poderia ser ouvido no hospital inteiro.

Meu instinto foi ativado e, junto dos meus amigos, eu me virei ao mesmo tempo em que alguém gritava:

— Invasores!

Havia alguém perto das escadas pela qual viemos, mas a escuridão não me permitia ver sua face. A julgar pelos pares de olhos brilhantes e vermelhos naquele breu, havia mais dois. Apesar do escuro, dava para ver que eles tinham garras.

Lado a lado, correram na nossa direção, ferozes e famintos, quando Natsuno gritou, alarmado: 

— São evoluídos!

Os sujeitos chegaram perto o suficiente, quando Natsuno tentou acertá-los. Eles desviaram e o atacaram ao mesmo tempo, derrubando-o com facilidade — o primeiro o chutou na barriga, o segundo deu uma rasteira e o terceiro atacou com uma cotovelada nas costas. Natsuno caiu no chão com dores no estômago.

Olhei furioso para os inimigos e pude ver Riku acertando um deles com o punho cerrado, mas outro o atingira com um chute forte na costela direita. Ainda assim, o Medeiros continuou de pé, enquanto o terceiro tentava acertá-lo com um chute na barriga. Riku desviou e o acertou com um soco no peito, mas o vampiro continuou de pé e deu-lhe uma rasteira, derrubando-o. E quando o garoto ia receber um golpe no nariz, Natsuno o ajudou com um forte chute no peito, ficando em pé em seguida.

No mesmo instante, os outros dois me atacaram, mas desviei das suas garras e tentei acertá-los com socos, todos em vão, uma vez que os vampiros eram ágeis e sabiam se deslocar mesmo naquele curto espaço. Portanto, a única coisa que acertei foi o vácuo, quase me desequilibrando. Era horrível lutar naquele corredor escuro, sem mencionar que os dois juntos eram fortes e difíceis de lidar, e começaram a me atacar com sequências de punhos fortes e rápidos. Eu desviava de todos, no entanto eles mantinham a mesma sequência sem cansar.

— Socos Relâmpago!! — Natsuno atingiu os dois pelas costas com seus “flashes dourados”. Pulei para trás e os vampiros caíram aos meus pés, suas camisas chamuscadas devido ao ataque.

Suspirei e vi Riku travando uma luta com o terceiro vampiro. Pulei sobre os corpos dos homens caídos, imaginando que já estavam mortos, quando eles se levantaram e se viraram, agora muito mais furiosos.

Natsuno e eu nos entreolhamos, nervosos.

Os dois vampiros nos atacaram com socos e chutes rápidos, mas desviávamos e contra-atacávamos com muita eficiência, fazendo-os recuar. Lutar acompanhado era muito melhor, e parecia que Natsuno e eu nos entendíamos bem. Abaixei-me das garras do vampiro da direita enquanto tentava uma rasteira. O vampiro pulou, mas foi atingido por um soco do Natsuno. Aproveitando isso, o outro vampiro tentou atingir o Kogori com suas unhas afiadas, mas agarrei seu braço e o joguei no chão. Natsuno sacou sua Takohyusei roxa e, num movimento rápido e brusco, enfiou a lâmina no peito de seu adversário.

E foi aí que veio o desespero.

Por mais que Natsuno tentasse puxar sua espada, ele não conseguia, fazendo com que o vampiro gritasse de dor:

— AAAHHH!!

— Merda! — Natsuno tentava puxar sua lâmina, que de alguma forma havia ficado presa na criatura, para desespero de ambos. Aproveitando a oportunidade, o outro vampiro decidiu agir, o que eu certamente não deixaria.

— Punho de Fogo!! 

Eu o acertei em cheio no estômago com a minha mão brilhando feito o fogo e queimando por dentro. Com o impacto, o sujeito voou alguns metros, babando, e quando caiu no chão eu já estava enfiando minha espada em seu peito, na altura do coração, transformando-o em pó em seguida. Uma dor de queimadura tomou conta da minha mão por dentro, assim como acontecia nos treinos de domingo.

Sim, eu já havia aprendido a técnica especial. Até tio Michael ficou surpreso com a rapidez, muito embora fosse fruto de horas e horas de treino. Eu não parei de treinar até conseguir executá-la, mesmo com meu tio dizendo que eu precisava descansar.

Natsuno conseguiu tirar sua Takohyusei ensanguentada do peito do vampiro, esparramando sangue vermelho-escuro pelo chão. O inimigo também virou pó e o Kogori, aliviado, virou-se para mim com um olhar assustado. “Essa foi por pouco” era o que a sua expressão dizia; eu meio que assenti.

— Já ouvi falar muito dessa técnica, maninho, mas é a primeira vez que vejo de perto — disse ele enquanto observávamos Riku pisar com força no peito de seu adversário caído no chão. O vampiro feio tinha sua cara toda inchada e seu nariz sangrava feito uma pintura borrada de vermelho. Veias grossas enfeitavam seu rosto. E ele rosnava, com fúria nos olhos escarlates. — É uma técnica de uma estrela, né? Interessante.

Riku sorriu sombrio e enfiou sua espada prateada no peito da criatura, que se transformou em pó num gemido alto e demoníaco.

Tínhamos exterminado eles.

Fizemos nossas Takohyuseis voltarem a ser anéis e Natsuno sacou os frascos vermelhos cristalinos, colhendo o pó no chão enquanto olhava para todos os lados com receio de mais vampiros aparecerem.

— É melhor sairmos daqui — decidi dizer, preocupado. — Pelo jeito há muitos vampiros evoluídos pelo prédio.

Riku não disse nada, mas percebi que ele não queria admitir. Ele sabia da força dos evoluídos, e sabia também que era muito arriscado se continuássemos a caçada. Natsuno estava assustado. Ele também não queria morrer, então falou, se levantando:

— Acho que você tem razão, Dio.

Voltamos os nossos olhos para o Riku, que permanecia calado. Ele nos deu as costas, virando-se para a janela do final do corredor. Perguntei-me se ele já sabia que encontraríamos evoluídos pelo hospital — evoluídos que eram muito mais fortes e ágeis do que os comuns.

— Fazemos parte dos Cinco Elementais — disse ele, quase rosnando. — Não podemos fugir assim dessas raças inferiores. Temos que honrar os nossos clãs. Se formos medrosos e imbecis... — Ele cerrou os punhos com força, tremendo (de raiva, talvez) — então não merecemos ser chamados de caçadores de vampiros.

— Mas o Natsuno e eu ainda somos aprendizes — foi o que consegui dizer. — Eram só três agora, e quase perdemos. Não quero nem imaginar se formos cercados.

Riku sabia que eu estava certo, e isso o atingia em cheio. Ele era exageradamente orgulhoso e não queria fugir. Isso estava claro para mim, pois em pouco tempo eu já o conhecia.

— Riku... — chamei; e o meu corpo se arrepiou, meus instintos avisando que não estávamos sozinhos. Da escada que descia surgiram mais alguns vampiros, barulhentos, bloqueando nossa saída para as ruas ou para o esgoto de onde viemos.

— Droga! — murmurou Natsuno.

No exato momento a lâmpada acendeu e aproveitei o momento para olhar bem para aqueles homens. Eram quatro vampiros musculosos nos analisando com olhos avermelhados. Um deles mostrou seus dentes afiados num sorriso demoníaco, enquanto outro lambia os lábios como quem queria dizer “vocês serão a minha refeição”. Pela aparência, presumi que eram evoluídos. Todos eles tinham veias grossas entre os olhos e as orelhas, e pareciam mesmo com assassinos frios e maldosos.

— Para o terraço! — gritei aos meus amigos.

Sem perder tempo, demos meia-volta e corremos para as escadas no fundo do corredor. Era a única alternativa, e eu torcia para o caminho lá em cima estar limpo. Meu plano? Não me pergunte. Eu só pensava em correr.

— São muitos! — disse Natsuno atrás de mim, desesperado.

Subimos para o segundo andar, onde nos deparamos com alguns outros homens de olhos vermelhos, que se surpreenderam. Não vi se eram comuns ou evoluídos, só sei que ataquei:

— Punho de Fogo!

— Socos Relâmpagos! — Natsuno me acompanhou.

Com os golpes, os três inimigos caíram no chão num baque mudo, mas eu sabia que não estavam mortos. Pulamos sobre seus corpos e continuamos subindo as escadas em forma de C, como se estivéssemos subindo os degraus de uma escada curvilínea; e passamos pelo terceiro, quarto e quinto andar, sempre com mais vampiros aparecendo e se unindo aos nossos perseguidores. Seria tolice parar e lutar; nosso objetivo era apenas fugir — até que enfim pisamos no terraço do hospital, aberto ao céu nublado.

Fazia frio e parecia que estava prestes a chover. Não que isso fosse importante.

Fechamos e bloqueamos com nossos corpos a porta que dava ao interior do prédio — uma espécie de sala quadrada que continha uma escada que dava acesso ao quinto andar — e suspiramos. Estávamos perto da fachada do hospital, onde havia algumas placas velhas de letras que formavam "HOSPITAL".

— Estamos fritos! — disse Natsuno ao meu lado, com seus ombros pressionando a porta contra as dobradiças. Meu coração estava acelerado.

Ergui os olhos para o céu, suspirando. Ventava bastante; um vento gelado que me provocava calafrios. O interior do meu corpo, todavia, mantinha-se a uma temperatura alta.

Aquela era uma típica situação crítica, uma vez que vampiros evoluídos estavam atrás de nós. Eles vinham correndo rumo ao terraço, eu podia sentir, e sabia que aquele bloqueio não os impediria de arrombar aquela porta. Eram muitos!

E eu estava certo.

Assim que o bando chegou do outro lado da porta, empurraram-a com tanta força que meus amigos e eu cambaleamos para frente. Natsuno e eu caímos de frente no chão de cimento, mas Riku manteve-se de pé, sacando sua espada prateada novamente e se virando. Eu me levantei e fiz o mesmo, enquanto meu sangue começava a ferver. Morreria, mas morreria lutando.

Os vampiros caminhavam devagar na nossa direção, alguns sorrindo de forma maliciosa, outros lambendo seus lábios e mostrando dentes pontiagudos. Todos tinham olhos vermelho-sangue.

Dávamos passos cautelosos para trás, meu corpo se arrepiando vendo aquele bando de criaturas assassinas a poucos metros. Olhei para os meus amigos como se fosse a última vez que os veria. Natsuno estava tão assustado quanto eu; já o Riku trincava os dentes, furioso. Seu orgulho não o deixava demonstrar medo.

Alguns vampiros gargalharam. Percebi que havíamos chegado no fim da linha, à extremidade do terraço. Se déssemos mais alguns passos, era morte certa. Uma rua silenciosa nos esperava lá embaixo, a vários metros de altura. Até pensei em me jogar dali, assim não seria devorado por vampiros, mas as minhas pernas não permitiam.

— Cometeram um grande erro entrando no nosso território — disse o vampiro que estava à frente do bando, aparentemente o chefe do enxame. Foi então que percebi que ele era o professor de Química! Já havia me esquecido que foi por meio dele que o Riku tinha descoberto esse esconderijo, portanto nem lembrei que poderia encontrá-lo.

Leonardo Souza (provavelmente seu nome falso) era um homem negro e careca, característica que gerou seu apelido. Na sala de aula ele era um homem até que pacífico, agia como se fosse um ser humano comum. Nem sequer me encarava, como o diretor ou o farsante professor de História. Agora era diferente. Aquele homem não possuía nadinha de uma expressão tranquila. Muito pelo contrário: ele sorria com maldade e nos encarava com olhos felinos e avermelhados. Logo uma súbita raiva tomou conta do meu corpo, contemplando todos aqueles vampiros malditos que faziam vítimas pelas redondezas. 

— Vocês estão matando inocentes! — gritei, automático. — Não merecem perdão, suas aberrações horríveis!

Riku e Natsuno olharam para mim, um pouco surpresos.

— É mesmo? — ironizou o homem negro. — Só porque nos alimentamos da sua raça?

Não falei nada. Eu não tinha o que falar. Eu não estava mais com medo deles, pois sabia que iríamos morrer.

— Eu não pretendia matá-los, afinal, vocês não estavam me causando problemas — disse ele. — Eu fazia minhas vítimas e estava tudo bem. Mas parece que um intrometido decidiu se colocar no meu caminho. — Ele lançou um frio e ameaçador olhar na direção do Riku, que apenas sorriu e disse:

— Achou mesmo que deixaríamos isso barato? — replicou o Medeiros. — Eu só estava esperando o momento certo.

— Ou o momento errado — provocou o professor, ainda sorridente e olhando na minha direção. Ocorreu-me que ele já havia me encarado antes, uma única vez, no meu primeiro dia de aula. Ele só não havia mostrado seus olhos vermelhos. — Acabou aqui, pirralhos — disse ele. — Vou sentir a falta de vocês durante as minhas aulas, eu prometo. E claro: vou continuar matando.

Uma raiva ainda maior invadiu o meu corpo e trinquei os dentes. Antes que eu avançasse, no entanto, o professor careca sorriu mais uma vez e correu na minha direção com o punho erguido. Ele me atacou com fúria, porém, numa velocidade surpreendente, desviei no último momento e gritei:

— Punho de Fogo!!

Atingi suas costas com a mão fechada brilhando num tom mais alaranjado que antes, jogando-o para a rua movimentada lá embaixo.

— AAAAAHHHHH!!!!! — seu gritou ecoou enquanto caía. Até que ouvi o impacto de seu corpo batendo contra um carro, provavelmente estacionado, e presumi que o dano não foi muito pequeno.

Não ousei ficar desatento e voltei a ficar de frente para os inimigos. Eram, pelo menos, duas dúzias.

— Quem vai ser o próximo? — tentei me mostrar confiante. As criaturas pareciam surpresas, porém se recompuseram. Eram todos homens e mulheres musculosos, grande parte com veias grossas pelo rosto e cabelos desgrenhados. Suas roupas eram velhas e encardidas, embora o destaque fosse os olhos carmesins, que ressaltavam perante a má iluminação.

Todos os vampiros se entreolharam e, como se tivessem ensaiado, saltaram na nossa direção com garras enormes e afiadas.

O sangue do meu corpo gelou.

Aquele com certeza seria o nosso fim, não teria como desviarmos de todas aquelas criaturas!…

TCHUUM!!, um som alto entoou pelo terraço, no mesmo momento em que uma coluna branca de luz descia das nuvens numa imagem extraordinária, desaparecendo ao mesmo tempo em que da mesma surgia alguém vestindo uma túnica preta que caía pelo seu corpo.

De imediato, senti uma presença sobrenatural. O indivíduo à nossa frente estava encapuzado, de costas para nós, uma aura branca poderosa contornando o seu corpo.

Os vampiros ficaram tão surpresos quanto nós, parando diante do estranho — ou estranha, não dava para saber — abruptamente. Percebi um nítido pavor nos rostos dos inimigos, que olhavam para o ser com olhos arregalados.

Fiquei sem reação, enquanto o homem encapuzado abria seus braços de forma natural, suas mangas longas descendo ao chão devido à folga da roupa preta. Gritou:

— Sejam eliminadas, criaturas das trevas! — Sua voz era imperativa, autoritária e firme.

No mesmo instante, um feixe grosso de luz branca surgiu do céu e atingiu todos os vampiros presentes, provocando gritos enquanto seus corpos eram carbonizados pela luz!

— AAAAAAAAAARRRGHH!!!!!!!!!

Natsuno, Riku e eu trocamos um olhar espantado. O feixe simplesmente estava destruindo as criaturas! Era uma cena horrível, vários corpos sendo torrados feito lenha. Os vampiros gritavam desesperados, e finalmente o feixe diminuiu, ao ponto de ser somente uma fina linha branca de luz.

E desapareceu.

Um silêncio atormentador tomou conta do terraço, enquanto eu ainda olhava para o homem encapuzado à nossa frente com perplexidade.

Todos os vampiros estavam mortos, carbonizados. Eu me perguntei por que não se esfarelavam como areia. Natsuno e Riku pareciam tão surpresos quanto eu, e a única coisa que consegui dizer foi:

— Q-quem é… você?

Ele baixou os braços com calma, como se sequer tivesse carbonizado duas dúzias de vampiros. Sem olhar para nós, falou, sereno:

— Vocês três estão proibidos de caçar fora da zona onde moram.

— Por quê?! — eu protestei, um pouco indignado.

— Hã, Dio — disse Natsuno ao meu lado, como se quisesse dizer que era melhor eu ficar calado. O ignorei.

— Responde! — insisti, mas o "estranho" se manteve calado.

Então, num flash de luz mais fraco que o primeiro, o homem encapuzado desapareceu, deixando-nos sozinhos no terraço do prédio escuro e abandonado, os vampiros carbonizados à nossa frente numa imagem horripilante.

Eu estava desacreditado naquilo. “Como pode haver alguém tão poderoso?” eu me perguntava.

— É a primeira vez que os vejo agindo. — Riku quebrou o silêncio, seus olhos fixados no nada; eu não entendi, mas notei que Natsuno concordava com a cabeça.

Presumi que os dois sabiam de algo sobre o homem misterioso.

Perguntei:

— Quem é ele?

— Um membro do Conselho dos Clãs Especiais. — respondeu Riku, levemente abalado com o fato. Mas eu estava surpreso. Lembrei de quando Natsuno falara que o Conselho servia para colocar ordem entre os Clãs Especiais.

— Em outras palavras — interveio Natsuno, ainda se recuperando da nossa visita um tanto inesperada —, aquele cara era simplesmente um poderoso sacerdote, maninho. Um Sacerdote Divino.



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