Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 30: Visitando o subterrâneo de Honorário!

Ainda era difícil de acreditar que a Sophia era uma caçadora, isso porque eu nunca soube que eu também era até um tempo atrás. Eu pensava ser apenas um adolescente normal e desajeitado, novo em Honorário, sem amigos, familiares e sentindo-se solitário. 

No primeiro dia na escola, eu estava perdido em um dos corredores do primeiro andar, até que ela me ajudou. Sophia foi a primeira pessoa que falou comigo desde que cheguei à cidade; Natsuno a segunda. Como o Natsuno era um caçador, eu tive uma sensação estranha quando falei com ele pela primeira vez. Mas nunca senti nada estranho perto da Sophia — quero dizer “anormal”. Nunca pude imaginar que ela fosse uma caçadora de vampiros, nem nos meus mais bizarros pesadelos. Imaginei se ela, assim como Natsuno, também sabia que eu era um. Ocorreu-me então outra coisa, por isso olhei para o Natsuno completamente irritado.

— O que foi? — perguntou ele, um pouco assustado. — Eu não sabia!

— Como não? Você sempre soube sobre mim e sobre o Riku!

— Mas eu nunca consegui perceber algo na Sophia.

Olhei para o céu estrelado e suspirei. Não sabia se o fato de ela ser caçadora era bom ou ruim, só sabia que era estranho.

 

Já na sala de aula, no dia seguinte, sentei-me no meu lugar e fiquei olhando para o lado de fora, pensativo. Fiquei com aquela descoberta na cabeça a noite inteira. Inclusive sonhei com a Sophia caçando vampiros! Era mesmo algo esquisito.

— Por que você está tão pensativo? — perguntou Pedro, seus olhos azuis me estudando com curiosidade.

— A Sophia também é uma caçadora — eu disse baixo, fazendo com que ele e o grandalhão Jhou trocassem um olhar surpreso. Voltei meus olhos para o Natsuno, que parecia sentir-se culpado.

Riku chegou na sala e, quando passou por mim, disse, no seu comum tom sereno:

— Preciso falar com você depois. Com você também — disse ele ao Natsuno.

Estranhamos.

Mas logo a minha atenção foi chamada pela chegada dela. Sophia enfim apareceu, linda como sempre, de cabelos soltos descendo em camadas onduladas por suas costas. Ela entrou olhando fixo para mim mas, quando os nossos olhos se encontraram, ela fez questão de desviar o rosto, de cara fechada.

Suspirei. Por um lado aliviado — porque ela finalmente apareceu —, por outro eu estava abalado, devido à descoberta. Eu ainda não conseguia engolir o fato de ela usar espadas e combater vampiros. Não fazia o seu tipo.

— Vocês ficaram sabendo? — Jhou virou-se para nós, após arrumar seu material sobre a mesa. — Parece que entraram dois assaltantes ontem aqui na escola.

— E roubaram o quê? — Natsuno arqueou uma de suas sobrancelhas.

— Nada. — Jhou o encarou. — Encheu de polícia na escola ontem à noite. Acho que vocês foram confundidos — riu o grandalhão.

Cocei a cabeça, lembrando-me da fuga de ontem — e da ajuda inesperada do treinador Rubens.

— Eu os aconselho a tomar mais cuidado da próxima vez — falou Pedro, num tom zombeteiro e, ao mesmo tempo, autoritário.

— Pode deixar — respondi junto de Natsuno.

 

Na terceira aula, a professora de Língua Portuguesa nos levou à biblioteca para escolhermos livros que seriam utilizados como “método de extrair pontos de vistas de autores diferentes”, como explicou.

Localizava-se ainda no corredor da nossa sala, de frente para a sala 3. A biblioteca era um salão amplo com inúmeras prateleiras enfileiradas em ambas as paredes laterais, deixando um espaço no centro onde havia as mesas redondas, com capacidade para cinco pessoas cada.

Escolhemos nossos livros — eu escolhi os cinco livros da saga Percy Jackson e os Olimpianos — e mostrei à bibliotecária, uma mulher negra de meia-idade. Ela pegou minha carteirinha e, com o número do RA, registrou em seu computador os livros que peguei, me devolvendo o documento em seguida, avisando que o prazo máximo de empréstimo era de dois meses.

Pedro pegou os livros da saga Harry Potter e Natsuno pegou da saga Instrumentos Mortais. Jhou, por sua vez, tinha em mãos a trilogia completa da saga Senhor dos Anéis. Eram todos livros famosos.

Quando já estávamos sentados numa das mesas, Riku juntou-se a nós, falando, tão baixo quanto direto:

— Temos uma caçada hoje.

— Caçada? — perguntei, uma mescla de empolgação e surpresa tomando conta de mim. — Onde?

— Descobri um enxame de vampiros. Venho investigando as mortes há algumas semanas. Já foram mais de onze.

Riku falava de maneira tão natural que fazia com que a informação fosse uma coisa simples, uma descoberta do dia a dia.

— E onde fica esse enxame? — perguntou Natsuno, sério.

— Em um prédio abandonado próximo ao Cinema de Honorário, no Jardim Camboré.

Tremi na base, pois foi lá a minha primeira batalha, quando saí com o meu pai e a minha mãe.

— Como você descobriu isso, Riku? — perguntei ainda meio confuso. — Quero dizer, o local exato do tal enxame?

— O professor de Química — disse ele, olhando sério para mim.

— O que todos chamam de 'careca'? — estranhou Jhou.

— Sim. Também é um vampiro.

Natsuno, Pedro, Jhou e eu nos espantamos na hora! Como eu não havia percebido?

Olhei para Natsuno.

— Eu não sabia — defendeu-se ele, muito rápido.

Riku explicou, calmo:

— Eu tenho um faro maior do que o de vocês para perceber vampiros ou caçadores por perto.

— Então você sempre soube que a Sophia era caçadora? — indaguei, semicerrando os punhos.

— Sabia. — Ele mudou seu olhar calmo para um olhar desafiador, como se quisesse mesmo me deixar irritado. — Mas pelo que percebi, ela não caça.

Fiquei confuso, então olhei de novo para o Natsuno.

— Nem todos os caçadores seguem a profissão de caçar — explicou ele, como se quisesse me acalmar. Então lembrei das palavras do meu pai, quando disse que poderíamos nos mudar ou eu decidia seguir o legado.

— Voltando à missão — disse Riku, impaciente —, andei investigando esse maldito e descobri que ele tinha a ver com as mortes do último mês. Foi fácil descobrir onde era o esconderijo, bastou segui-lo por alguns dias. Um hospital desativado cercado por aberrações que ficam de vigia vinte e quatro horas por dia. Eles fazem vítimas pelos becos quase todas as noites, e pelo que parece, são um bando bem organizado.

As palavras “fazem vítimas pelos becos quase todas as noites” não pararam de passar pela minha cabeça, uma raiva súbita tomando conta de mim, eu me sentindo no dever de acabar com esses assassinos. Riku, no entanto, sorria com maldade, como se o fato de matarmos vampiros fosse uma coisa divertida.

— Essa noite nós vamos acabar com aqueles otários — disse ele, frio como uma pedra de gelo. — Eu não vou ter piedade nenhuma desses malditos. Vou mandá-los para o inferno!

— Só não podemos ser muito precipitados — intervi, pois poderia ser perigoso. — Nós precisamos de um plano.

— Um plano? — perguntou Natsuno.

— Sim.

— Plano é coisa para idiotas — interveio o Medeiros, soando tão desdenhoso quanto irritante.

— Ou a gente pensa em um plano — eu disse —, ou a gente vai acabar morrendo à toa! — A frase saiu mais alto do que eu pretendia, e acabei chamando a atenção de todos; a professora pigarreou.

Riku me encarou com seus olhos cinzentos, seu olhar voltando a ficar tranquilo:

— Então o que você quer fazer, Senhor Esperto?

Pensei um pouco e respondi:

— Vamos entrar no prédio pelos canais de esgoto.

No mesmo instante, Natsuno olhou para mim, como se quisesse dizer: "Tá de brincadeira!".

Riku não concordava nem contrariava, apenas decidiu me ouvir:

— Normalmente, nesse tipo de prédio de centro, há passagens para o esgoto da cidade. Se entrarmos por lá, os vigias dos vampiros não vão nos perceber. Podemos usar isso para entrar escondidos e matá-los pouco a pouco. — Natsuno ainda olhava para mim sem acreditar, enjoado. — Melhor do que a gente ser atacado por dezenas de uma só vez — expliquei, uma vez que era muito melhor enfrentar o fedor do que enfrentar dezenas de inimigos juntos, em um prédio completamente do mal, talvez até sem um lugar espaçoso para lutar (e isso era desvantajoso).

— Você tem razão — disse Riku, afinal. — Pode ser que funcione.

Fiquei feliz, ao contrário do Natsuno. Pelo jeito ele não gostava muito de entrar no esgoto.

— Mas precisamos ir por uma entrada de esgoto que esteja distante do prédio — observou Riku, pensativo. — Também precisamos saber o caminho correto, para depois não ficarmos perdidos feito idiotas.

— Isso deixa comigo — falei, sorrindo determinado; todos ficaram curiosos.

 

Na sala, fui falar com o Kai, que se sentava na mesma fileira que a Sophia, porém mais pelo meio:

— Kai, preciso de uma ajudinha sua.

— Minha? — estranhou ele, com seu jeito tímido.

— Sim — sorri, coçando a cabeça. — Preciso de um mapa do esgoto do centro da cidade.

Ele estranhou mais ainda, erguendo uma sobrancelha enquanto ajeitava seus óculos.

— Mapa do esgoto? Pra quê?

Decidi contar-lhe tudo sobre caçadores e vampiros. Kai não se mostrou tão surpreso como eu esperava — porque ele provavelmente já desconfiava de algo estranho em mim, Natsuno e Riku —, e falou:

— Moleza! — E abriu um sorriso de orelha a orelha, feliz por estar me ajudando.

Ele fuçou seu celular tão rápido que eu não acreditei. O professor chegou na sala, mas ele continuava ali, apertando os ícones na tela de forma rápida e sobrenatural. Até que:

— Achei!

Ele me mostrou o mapa no celular e acho que arregalei os olhos de tão surpreso que estava; era um labirinto de caminhos.

— N-Nossa, como...?

— Agora só falta passar para o papel — disse ele, um pouco mais sério. — Olha, eu vou fazer uma cópia numa folha, aí na hora da saída te entrego. Só preciso que você me diga uma coisa: qual região do centro exatamente você vai querer?

— Redondezas do Cinema de Honorário. Acho que o nome do bairro é Jardim Camboré.

— Ok. — Ele ajeitou os óculos. — Até a hora da saída já vou ter terminado.

— Certo — falei, grato.

    

Chegou a noite e, como combinado, esperei Riku e Natsuno na praça frontal do colégio Martins, deserta como na noite anterior.

Aliás, passei a tarde inteira treinando com o meu tio utilizando minha espada como aliada. Michael me chamara de sortudo por possuir uma Takohyusei, e afirmara com todas as letras que a espada seria muito importante na minha caminhada como caçador — muito embora desaprovasse minha caçada com os dois garotos, devido ao fato de ser pelo centro da cidade (que ficava longe da zona que era permitida para os caçadores que moravam no sul de Honorário).

Por fim, falei que já estava decidido. Precisava ficar forte caso quisesse deixar de ser um aprendiz de caçador. Michael deu de ombros e voltou a treinar, dizendo que o problema era meu.

Finalmente os dois chegaram, juntos.

— Vocês estão prontos? — perguntei, entusiasmado.

— Com certeza! — respondeu Natsuno, também empolgado; Riku apenas assentiu, desinteressado.

— Está com o mapa? — ele perguntou sem delongas.

— Está aqui. — Tirei a folha dobrada de um dos bolsos da minha calça; Kai me entregara depois que saímos da escola:

Pronto, Diogo, dissera o nerd, quando já estávamos no corredor indo embora; ele me entregou uma folha de caderno com um mapa desenhado.

Caramba, falei, de boca aberta, observando o "labirinto".

Ele apenas sorriu e disse:

Quero que você me conte os detalhes da caçada amanhã, beleza?

Eu assenti e fui embora.

— O Kai é incrível — disse Natsuno, surpreso, enquanto analisava os caminhos desenhados.

— É — concordei, satisfeito. — E aí, vamos ou não?

 

Quinze minutos depois, estávamos dentro de um vagão do metrô da linha vermelha que tinha, como objetivo, a estação do Camboré, um dos bairros centrais de Honorário. A primeira estação desta linha situava-se dois quarteirões ao norte do colégio Martins, na Vila Sulamita, um dos bairros sul da cidade; eu morava no João Almirante, o bairro vizinho.

— Então, hã, como funcionam as caçadas? — decidi perguntar aos dois, um pouco baixo devido a ter algumas pessoas no vagão, alguns ouvindo músicas em headsets, outros lendo livros e um casal de jovens abraçado. Riku, Natsuno e eu preferimos ficar em pé no fundo do vagão, a zona mais vazia. Lá fora, as luzes do túnel subterrâneo passavam tão rápidas que pareciam uma só linha brilhante, enquanto o som das rodas do veículo deslizando nos trilhos era abafado pelo fato de as portas estarem fechadas. — Digo, meu tio mencionou algo sobre as zonas permitidas para os caçadores caçarem. Isso é regra da organização Ko-Ketsu, certo? Quer dizer que estamos em missão?

— Na verdade, não — disse Natsuno. — A organização só aceita caçadores maiores de idade, e ainda assim suas missões oficiais focam-se mais em Venandi.

Aquilo me chateou. Quer dizer que não éramos membros da organização do meu pai? E pior: a organização não mandava ninguém para combater os vampiros da cidade?

— Porém — continuou Natsuno, percebendo a minha cara —, a organização nos permite caçar à vontade pela Terra, desde que não saiamos do nosso território que, no caso, é o sul da cidade. Isso porque há caçadores pela cidade inteira, que caçam quase toda noite e, às vezes, até à tarde.

— E como acontecem essas caçadas? — indaguei, lembrando-me da última em que participamos, a aldeia dos zumbis da floresta. Riku dissera que andara investigando havia algum tempo, esperando o momento certo para atacar.

A essa altura, o metrô parava na estação Silvânia, abrindo suas portas e recebendo pouquíssimas pessoas; em contrapartida, a outra parte da plataforma estava lotada, pessoas que voltavam para suas casas depois de um dia cansativo de trabalho; estávamos no horário de pico.

— Basta assistir televisão — respondeu Natsuno, enquanto o nosso metrô voltava a se movimentar pelo subsolo de Honorário. — Vemos as notícias nos jornais até encontrarmos algo suspeito, então vamos investigar.

— Ou então apenas fique atento a tudo ao invés de ficar de bobeira, para então perceber vampiros disfarçados à sua volta. — Riku falou tão arrogante que me segurei para não demonstrar raiva. Natsuno apenas riu.

— Verdade — concordou.

O restante do trajeto durou cerca de meia-hora, o metrô parando em outras estações de tempo em tempo. Nesse período, fiquei imaginando em como seria a caçada. Na primeira, eu até não havia me saído tão mal. Tínhamos enfrentado vampiros-zumbis e alguns comuns, lutando de forma um tanto tranquila. Mas foi ali que eu percebi o quanto meus companheiros eram fortes, e em como eu precisava alcançá-los.

Esse era o meu objetivo, alcançar o Riku e o Natsuno.

Mas eu tinha uma cartinha na manga.

Enfim o metrô chegou ao terminal Camboré. Saímos da plataforma e subimos algumas escadas rolantes que davam numa avenida bastante agitada. Minutos depois, chegamos em uma rua vazia, coisa rara no centro de Honorário. Geralmente a cidade era dominada por avenidas extremamente movimentadas — de veículos e de pessoas —, e bem iluminadas também, por postes de luz, faróis de carros ou até placas de neón que havia na fachada de diversos edifícios. A rua onde estávamos era uma das pouquíssimas tranquilas do bairro, sem ninguém por perto, tampouco carros ou ônibus, uma vez que armazéns e fábricas eram predominantes ali.

Foi Riku quem escolheu o lugar, analisando bem o mapa do Kai e alegando que não estávamos muito longe do prédio-enxame dos vampiros. Eu estava com um mal pressentimento, talvez por ser a primeira vez que estava caçando na cidade. “Quantos inimigos encontraremos pela frente?” eu me perguntava. Torcia para ser um número que daríamos conta.

Fui até o bueiro no meio da rua estreita e puxei a tampa pesada com força, fazendo um forte barulho de metal arrastando no asfalto. Assim que abri o buraco por completo, um fedor insuportável de esgoto subiu, fazendo com que Natsuno ficasse com menos vontade de entrar ali. 

Desci primeiro ao esgoto pela escada de mão, seguido por Natsuno — que pareceu com ânsia de vômito — e Riku por último. Riku puxou a tampa para fechar nos deixando na mais completa escuridão. Natsuno pegou sua lanterna e iluminou o lugar, mostrando que estávamos em um túnel largo e comprido, com vários outros menores e escuros adjacentes a ele.

O esgoto, obviamente, possuía um odor exagerado, cheiro de rato morto e urina de bêbado misturados a mais alguma coisa, pois havia pequenos córregos infestados de fezes e mijo. As paredes úmidas de tijolos eram repletas de sujeira e mofo. Muita água suja era despejada no lugar através de canos, e eu nem imaginava o destino do líquido todo.

Havia inúmeros caminhos a se seguir, todos em forma de túneis assustadores. Nunca imaginei que no subsolo haveria tantas passagens assim, e a nossa sorte era que tínhamos um mapa em mãos, caso contrário estaríamos perdidos.

— Sejam bem-vindos ao subterrâneo de Honorário — tentei descontrair o clima, olhando para os dois caçadores atrás de mim; Natsuno não gostou nadinha da brincadeira, enquanto Riku mantinha sua expressão serena.

— Vamos ou não? — disse ele, impaciente, caminhando pelo largo túnel e passando por mim. Eu sorri, entusiasmado. Começava a ficar animado.

 



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