Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 29: Fugitivos por uma noite: o zelador irritado!

Certo, você pode me chamar de estranho por fazer todo esse esforço pela Sophia. Mas era realmente necessário, eu só não imaginava que seria tão complicado.

Escalei um muro protegido por uma grade elétrica, me esgueirei pelo bosque longe dos olhos dos seguranças e até pensei em me disfarçar de faxineiro junto com Natsuno. Isso sem mencionar o fato de termos entrado em baldes que cheiravam a produtos de limpeza!

Até aí tudo bem; tudo, de certa forma, estava pelo menos se encaminhando — quando enfim nos deparamos com uma situação complicada.

Natsuno e eu estávamos no gigantesco refeitório do colégio Martins, infestado de faxineiros ambulantes. Homens e mulheres de diferentes idades limpavam as mesas e cadeiras ou esfregavam o piso branco do colégio, tudo em um só ritmo. Imaginei que estranhariam caso dois adolescentes aparecessem fantasiados com trajes pretos de espiões, uma vez que todos vestiam azul com listras verde e branco. A circunstância estava nos impossibilitando de completar a nossa super missão: encontrar os arquivos da Sophia, para então descobrirmos seu endereço.

— E aí Dio, o que nós vamos fazer? — Natsuno estava tão preocupado quanto eu, pois logo dariam oito horas e todos os portões se fechariam nos deixando trancados na escola até o zelador ativar as luzes novamente, pela manhã.

Olhei com cautela para o amplo refeitório, pensativo. Havia mesas com cadeiras enfileiradas pelo canto esquerdo e pelo centro; à direita era um lugar vazio, perto da cozinha e do "local da briga" entre mim e os três grandalhões, quase dois meses antes. Pelo menos a base da escada era um local seguro, onde havia uma parede na qual poderíamos nos esconder — a não ser que alguém surgisse do andar de cima.

O nosso destino — a ala da diretoria — situava-se do outro lado do pátio, depois das mesas, dos faxineiros, da cantina e da cozinha. Cerca de quarenta metros nos separavam, uma distância não muito boa para quem precisava passar por todos aqueles obstáculos. Uma missão impossível, para resumir a situação. Não tínhamos outra escolha senão passar por entre os funcionários da limpeza e as mesas retangulares. 

Natsuno me encarou com olhos inquietos, ainda esperando por alguma resposta, resposta esta que até eu mesmo queria. A única coisa que fiz foi ficar em silêncio, esperando por algum milagre.

Mordi os lábios inferiores de tão nervoso.

De repente, a sineta da escola soou. Natsuno e eu estranhamos na hora, e notei que nem mesmo os funcionários entenderam. Um balbucio de perguntas se formou entre eles, interrompido pelo zumbido dos alto-falantes, um ruído como se uma estação de rádio não estivesse em boa sintonia.

— Todos os faxineiros do refeitório, favor se dirigirem ao pátio principal.

Embora perplexos, ninguém ousou desobedecer. Entraram na porta que dava para o pátio e neste momento o refeitório ficou deserto, então me perguntei se aquilo era mais um milagre vindo de Deus.

— Você entendeu alguma coisa? — perguntei ao Natsuno.

— Nadinha, maninho, mas essa é a nossa chance. Vamos!

Depressa, nos esgueiramos em direção à diretoria a toda velocidade, pelo canto direito do refeitório. Natsuno acabou escorregando no piso molhado no meio do caminho e bateu a bunda no chão com força.

— Ai! — gritou, deslizando para frente sentado e fazendo cara de dor.

— Não grite! — adverti preocupado.

— Foi mal. É que doeu... — Ele se levantou com dificuldade, sentindo dores, e não pude deixar de rir, fazendo-o ficar irritado. — Vamos logo!

No meio do caminho, ainda comentou:

— Aquela voz é familiar, você não acha?

— Parecia do treinador Rubens Almeida — eu disse percebendo a mesma coisa. Embora pensativo, decidi que precisava focar na missão.

Chegamos ao conjunto de portas de madeira e eu a abri com cautela, olhando para o lado de dentro; estava limpo. Entramos no corredor da diretoria, que era comprido e estreito, imerso na mais profunda escuridão. Não havia um pingo de luz. E eu temia sermos atacados por vampiros — porque, acredite, eles poderiam estar em qualquer lugar, prontos para matar.

— Trouxe as lanternas? — perguntei ao Natsuno, sem nem ao menos conseguir vê-lo.

— Como eu poderia esquecer? — disse ele. Ouvi um pequeno ruído à minha direita, até esse ruído se transformar numa luz branca na ponta de um objeto que estava na mão direita do garoto, iluminando a própria cara de baixo para cima. — Essa é a minha lanterninha da sorte. — Natsuno abriu um sorriso irônico. 

Ele apontou a lanterna para frente, mesmo iluminando pouco o nosso caminho, e pude ver algumas portas no decorrer das paredes. A secretaria, no entanto, ficava bem no fim. E foi em direção a ela que nós caminhamos, com receio de alguém aparecer. O ambiente era frio e assustador.

— Da outra vez foi muito mais fácil — comentou Natsuno. — Há muitos seguranças, cara, e muitos faxineiros também. Eles já deveriam ter feito a faxina do refeitório há muito tempo.

— Parece que aconteceu algo tão importante a ponto de adiar o trabalho deles — observei, refletindo. — Sem falar dos seguranças no bosque, que pareciam assustados. Eles procuravam...

— A peruca da senhorita Abigail — dissemos juntos, trocando um rápido olhar. No mesmo instante, gargalhamos.

— Quem iria querer roubar uma peruca? — perguntei, ainda rindo, enquanto voltávamos a andar.

— Provavelmente uma pessoa que gosta de cabelos cafonas.

— Eu nem sabia que a senhorita Abigail era careca.

— Argh! — fez Natsuno, enjoado. — Se ela já é feia com peruca, imagina sem.

Tentei imaginar a velha rabugenta careca, com aqueles óculos de vidro grosso e aquelas banhas vestindo a camisa branca que ficava por dentro da sua calça jeans azul. Não era uma imagem muito agradável. Decidi cessar o pensamento.

Finalmente chegamos.

Natsuno foi o primeiro a entrar, então sinalizou que o caminho estava limpo. Entrei também, fechando a porta atrás de mim, acendendo a luz em seguida.

O cômodo ficou completamente iluminado.

A secretaria era um lugar onde pessoas eram atendidas, na maioria das vezes pais ou parentes de alunos. Ali era um bom lugar para pegar informações básicas, tanto pelo histórico de nota de um aluno quanto pelo seu comportamento. Lembrei de ter vindo uma vez, no dia em que persegui o motoqueiro/vampiro. Foi uma mulher muito feia que atendera a mim e ao meu pai. Mas ela não estava lá agora. Aliás, ninguém estava, apenas eu e o Natsuno.

Na sala quadrada havia três portas. A da esquerda levava à saída lateral do colégio; outra era a que viemos, dando acesso ao corredor da ala administrativa. E, por último, a porta da direita, que levava à sala dos arquivos.

Natsuno suspirou de alívio.

— Finalmente vamos completar essa missão — disse.

Concordei, também aliviado. Olhei em volta, alguns armários na pequena sala. Quase no centro, uma mesa com um computador desligado — óbvio. Os armários estavam fechados, tanto as portas como as gavetas. Imaginei que guardavam coisas pessoais dos funcionários dali.

Fui em direção à sala dos arquivos, apressado, enquanto Natsuno ainda olhava em volta, o pequeno cômodo aconchegante. A porta de madeira tinha as letras S e A entalhadas bem no centro, lado a lado, provavelmente a sigla de "Sala dos Arquivos". Tentei abrir a porta, mas estava trancada.

— Droga! — gritei baixo, olhando para o Natsuno, semicerrando os olhos. — Está trancada!

— Calma, a chave deve estar por aqui.

Sem pensar, nós começamos a vasculhar. Abrimos diversas gavetas dos armários, com certo cuidado para não bagunçar as coisas, e nada de encontrarmos a bendita chave. Era quase um desespero, pois havíamos chegado muito longe para isso acontecer. A única coisa que encontrávamos era maquiagem, espelhos, moedas, canetas, blocos de notas, pen drives, óculos e mais outras coisas úteis do cotidiano.

Mas nada de chave.

— Continue procurando — falei.

Procuramos, procuramos e nada.

— Na sala dos professores — sugeriu Natsuno.

Em um pulo já estávamos lá, onde também havia muitos armários e estantes de livros, tudo contornando uma enorme mesa de madeira com várias cadeiras, situada no centro. Procuramos por cerca de dez minutos, sempre cautelosos para não deixar suspeitas de que estivemos ali, porém não havia nada. Eu sabia que era loucura procurar por algo que nem sabíamos como era, mas qualquer chave que achássemos seria de grande ajuda.

— A gente não tem muito tempo — falei, olhando para o relógio na parede próxima à porta. Eram sete e quarenta e cinco. — Quando fecharem todas as portas estaremos ferrados.

— Vamos à sala do diretor — disse Natsuno.

Fomos para lá. Assim que entrei, tive calafrios. Aquela era a sala do diretor que me atacara. Eu sabia que desde que meu pai o exterminou haviam contratado outro, mas ainda assim um ambiente estranho e sombrio se formava ali dentro, como se ele ainda estivesse naquele lugar, como se aquela sala ainda fosse dele.

— Dio, você está bem? — perguntou Natsuno estranhando, percebendo a minha tremedeira.

— Estou, fica tranquilo. Foram só as lembranças.

Natsuno deu de ombros.

Naquela sala havia retratos antigos nas duas paredes laterais, aparentemente de antigos diretores, pois os homens eram de aparência inteligente, chique e autoritária — e, dentre as seis fotos, havia a do vampiro: um homem branco e jovem, porém com olhos bem experientes, enganosamente negros. Suas sobrancelhas eram finas e seu sorriso bem traiçoeiro, e o sujeito mantinha um cabelo castanho bem penteado, curto e bonito — e por um momento a imagem mudou, o retrato abria a boca mostrando dentes assassinos, enquanto seus olhos mudavam de maneira drástica para um escarlate vivo e maligno. Seus cabelos estavam, agora, desgrenhados, e o homem parecia pronto para me atacar com presas afiadas e horripilantes!

Eu estremeci por completo, piscando os olhos várias vezes. Fora apenas uma ilusão da minha cabeça, embora meu corpo teimasse em ficar arrepiado.

Suspirei, voltando a olhar para a sala quadrada. Nem sequer havia janelas por perto, muito menos outra porta, apenas uma mesa na parede oposta à porta que entramos com uma cadeira confortável atrás. Adiante da cadeira, uma estante de livros, grande, tanto de largura quanto de altura. E a madeira, pelo jeito, era das mais caras possíveis, muito bem polida mesmo sendo de estilo antigo; havia gavetas na parte de baixo.

Começamos a procurar a chave nelas, da mesma forma que procuramos na sala dos professores e na secretaria, mas não havia nada lá. Fui até a mesa do diretor e abri todas as gavetas, perto da cadeira. Havia cinco, e foi na última que achei uma chave, que era de prata.

— Achei! — comemorei.

— Será que é essa mesmo? — indagou Natsuno.

— Não sei, mas até agora foi a única que achamos. E, além do mais, veja essa sigla. — Mostrei as letras entalhadas no objeto, um S e um A, lado a lado.

— A mesma sigla que há naquela porta — notou o garoto, com os olhos cheios de esperança.

— Sala dos Arquivos — completei.

Sem hesitar, corremos até a secretaria e tentamos abrir a porta da sala dos arquivos.

Click!, conseguimos. 

Entramos depressa na sala escura, Natsuno sacando sua lanterna sem perder tempo — e pudemos ver que a sala era enorme, contendo inúmeros armários enfileirados nas paredes, todos organizados de acordo com as salas. Fomos, claro, até o armário do 1º B , no fundo da sala ampla, e enquanto Natsuno iluminava a minha frente, abri a grande gaveta quadrada, onde havia vários envelopes de papel que eram, na verdade, os históricos escolares dos alunos. Estavam em ordem alfabética, então foi fácil achar o da Sophia. Peguei o papel com emoção, tremendo, pois finalmente conseguimos. Olhei para Natsuno, mal vendo o seu rosto, e pude perceber que ele tinha a mesma expressão que a minha: a da vitória. Voltei-me ao envelope empunhado na minha mão esquerda e, ainda tremendo, direcionei a minha direita rumo ao papel para assim abri-lo e ver as informações que havia dentro.

Mas parei abruptamente. Um flash de luz surgiu nas nossas costas. Iluminação vinda de outra lanterna!

— O que vocês pensam que estão fazendo?! — bradou a voz que eu percebi ser a do velho zelador da escola, clareando a nossa cara com uma forte luz branca.

Num susto, puxamos nossos capuzes/máscaras — que cobriram nossos rostos, exceto os olhos e o nariz — e corremos em direção ao homem, velozes, juntos. Ele pensou que íamos atacá-lo, por isso se encolheu num gesto de defesa, mas apenas passamos por ele e saímos da sala, sem sequer fechar a porta. Corremos pela pequena secretaria e abrimos a porta que dava para o corredor e disparamos, com o homem logo atrás, furioso.

— Voltem aqui! — gritou, com a sua voz forte e irritante.

Nos deslocamos sem olhar para trás, apenas com a iluminação da lanterna do Natsuno. Estávamos perto da porta que dava para o refeitório, e eu torcia para ele estar vazio ainda.

Abri a porta... e nos deparamos com inúmeros faxineiros secando o piso, espalhados por todo o pátio. Não eram tantos como antes, mas todos ficaram assustados provavelmente pensando ser um assalto. Disparamos em direção à escada desviando de vários funcionários, com o zelador gritando, atrás de nós:

— Peguem os ladrões! Peguem os ladrões!

Da porta do pátio principal apareceram alguns seguranças fardados; três “muralhas” que avançaram em nossa direção com grande dificuldade devido às mesas e aos faxineiros no caminho, o que nos dava um pouco de vantagem.

— É, maninho — disse Natsuno —, eu acho que não tem como piorar!

Assim que ele concluiu sua frase, dois seguranças surgiram da escada, nos esperando com rostos sérios e sombrios. Os que vinham do pátio ainda tinham dificuldades para sair de onde estavam, e até passamos por eles, mas os outros dois permaneciam na base da escada preparados para nos barrar. Lancei um significativo olhar ao meu amigo vestido de espião, que assentiu.

Sem outra escolha nós tivemos que atacar, e foi tudo num segundo: Natsuno deu uma joelhada no da esquerda e eu derrubei o da direita com os pés, deslizando-os no piso da direita para a esquerda e atingindo suas pernas — em outras palavras, eu apliquei uma rasteira. Claro que tive cuidado para não amassar o envelope de papel na minha mão direita que, até o momento, estava nos dando muito trabalho. Natsuno terminou o serviço juntando suas mãos e entrelaçando os dedos, impulsionando-as com força de cima para baixo contra as costas do homem que, graças à joelhada, estava inclinado para frente, derrubando-o também. Os dois ficaram caídos à nossa frente, assim pulamos sobre seus corpos e subimos a escada em forma de L, com os outros três seguranças e o zelador ainda no nosso encalço, agora unidos.

Nós corremos pelo andar de cima em direção à escada que levava aos fundos do colégio, passando pelas salas 9 e 10, por duas escadas e pelo corredor que levava ao pátio principal, sempre desviando das faxineiras assustadas que encontrávamos pelo caminho. Natsuno quase escorregou no chão molhado outra vez, o que seria um pé no saco. Meu coração estava acelerado.

Descemos a escada em forma de "U quadrado" tão rápido que eu quase caí. Avançamos pelo corredor do fundo em direção à porta que levava ao bosque e a abri com os braços trêmulos, sem olhar para trás. Só não esperava me deparar com outros três seguranças que, felizmente, ficaram sem reação ao nos ver. Natsuno e eu aceleramos mais ainda, ambos desesperados, rumo — não sei por que — ao campo de futebol, situado no extremo oeste do bosque sombrio.

Estava tudo muito escuro.

Cada vez mais apareciam seguranças armados com cassetetes e lanternas atrás de nós, todos se unindo num bando assustador, sem mencionar o zelador, que gritava igual a um louco:

— Peguem os ladrões!

Corríamos a toda velocidade pelo gramado bem cuidado e desviando de algumas árvores não tão grossas, com o intuito de chegar ao mini estádio; agora o que faríamos lá, eu não fazia ideia.

De qualquer forma, nós entramos num pulo e corremos pela beirada do campo escuro sentido norte, em completo desespero, até ouvirmos uma voz masculina à nossa frente:

— Aqui!

A voz vinha de um cara que estava de pé em frente ao banco de reservas mais próximo, e mesmo com a má iluminação, pude perceber que estava de braços cruzados, como se estivesse nos esperando há um bom tempo. Chegamos até ele que, de imediato, apontou para dois sacos plásticos enormes no chão atrás de si, ambos vazios; Natsuno e eu nos entreolhamos e nos cobrimos com o plástico, ficando imóveis atrás do treinador Rubens Almeida, que ordenou, sua voz rígida e autoritária: 

— Fiquem quietos!

— Nem precisa pedir — ainda disse o Kogori com a voz abafada e zombeteira, embora fossem nítidos a tensão e o desespero nela. Se aqueles caras nos pegassem, com certeza pensariam que estávamos roubando algo; me perguntei por que o treinador estava nos ajudando.

Meus pensamentos foram cortados ao ouvir o barulho de passos apressados. Passos que evidentemente eram dos nossos perseguidores: os seguranças e o zelador da voz irritante.

Mesmo não vendo nada, pude perceber que se aproximaram do treinador à nossa frente e pararam, até o velho perguntar, sério e em tom de respeito:

— Professor, o senhor por acaso não viu dois indivíduos passando por aqui?

— Não — mentiu Rubens, lamentando.

— Tem certeza? — A voz do zelador soava maliciosa e desconfiada.

O treinador demorou um pouco e respondeu, tranquilo:

— Agora que você insistiu, acho que vi dois vultos pretos correndo pra lá.

Não sei para onde ele apontou, mas torci para não ser na nossa direção. O meu medo era de Rubens ter feito aquela armadilha para nos entregar.

— Devem ser eles — disse outra voz, provavelmente um dos seguranças. — Os dois estavam vestidos de preto.

— Então vamos antes que eles escapem! — disse outro.

De novo, vários passos apressados puderam ser ouvidos, porém se distanciando. Assim que não pude ouvir mais nada, saí de dentro do saco plástico — Natsuno fez o mesmo — e tive que perguntar ao treinador, surpreso e confuso.

— Por que o senhor nos ajudou?

Rubens virou seu rosto para nós e notei um olhar furioso e assustador por detrás de seus óculos.

— Saiam logo daqui!

Natsuno e eu ficamos assustados. Sem pensar duas vezes, corremos sentido sul do campo, rumo ao portão que levava ao bosque, em velocidade. Quando já estávamos um pouco longe, eu me virei para trás e ainda falei, mais para mim mesmo do que para ele:

— Obrigado, treinador. — E continuamos.

 

As grades de arame em cima do muro ainda estavam desligadas, portanto pulamos para a rua sem problemas e com facilidade.

Foi um enorme alívio quando saímos da escola. Tomamos o rumo do meu bairro, correndo pela rua vazia à direita do terreno escolar. Passamos pela praça frontal da escola e pegamos a avenida que eu entrava sempre para ir embora depois da aula. Natsuno e eu estávamos bastante cansados e com a adrenalina ao máximo. O mais importante, no entanto, era que eu estava com os dados da Sophia em mãos, tudo num envelope de papel. Dentro, havia outra folha de papel com o seu nome e sobrenome, endereço, número residencial e mais alguns dados.

 — Vamos parar um pouco — pediu Natsuno, cansado.

Já estávamos longe da escola, então concordei. Nos sentamos no banco de um ponto de ônibus da avenida pouco movimentada e o descanso foi incrível. Parecia que tínhamos ido a uma guerra.

No final, estávamos sorridentes. Conseguimos completar a missão e sair sem sermos reconhecidos, e tudo graças aos capuzes/máscaras dos trajes de espiões — além, é claro, da ajudinha do treinador Rubens Almeida. Descobrimos nossos rostos e percebi que Natsuno estava tão suado quanto eu por causa das máscaras e da fuga desesperada. Por fim, decidi ver logo os dados da garota.

— Agora vamos desvendar o mistério — falei, voltando-me ao envelope, com o coração ainda acelerado.

Abri o envelope e tirei a folha com cuidado. De cara já me deparei com uma foto 3x4 da Sophia no canto superior direito, retratando uma garota linda e sorridente, cujos cabelos longos eram escuros, a pele branca era macia e os olhos castanhos eram brilhantes, um brilho encantador.

Natsuno limpou a garganta num som proposital e lembrou, impaciente:

— O endereço.

Eu fiquei sem jeito, então assenti. Li os dados:

— Sophia Santos Macedo, data de nascimento... Telefone... Aqui! O endereço! — Apontei na folha, o nome da rua. Olhei para Natsuno determinado, mas me arrepiei quando vi que ele estava de boca aberta olhando para o papel, completamente paralisado. — Natsuno? — estranhei, levantando uma sobrancelha.

— Por essa eu não esperava — disse ele, recompondo-se, ainda surpreso; eu não entendi nada. Deveria ser algo relacionado ao papel. Li novamente:

— Sophia Santos Macedo... — E parei bruscamente. — Espere aí! Macedo... Já ouvi esse sobrenome em algum lugar antes.

Forcei a minha mente, e foi aí que me veio a lembrança de quando Natsuno me explicara sobre clãs na escola há alguns dias:

E os maiores são os que têm fortes fortalezas. Dentre eles se destacam os Cinco Elementais.

Cinco Elementais? perguntei.

Sim. Cada um representa um elemento: a água, a terra, o fogo, o ar e o relâmpago. Dentre esses Cinco Elementais temos o clã Rodríguez, Macedo, Medeiros, Kogori e, o mais conhecido e respeitado, o clã Kido.

E logo me lembrei de outra coisa, mas dessa vez era o Riku quem falava, antes de entrarmos na caverna que levava ao portal para o Reino dos Vampiros, dois dias atrás:

Idiota, toda vez que isso acontece, neblina e chuva ao mesmo tempo, é sinal de que um Herói Herdeiro foi morto.

Quem morreu? perguntei inseguro, com Natsuno passando pela minha cabeça.

Provavelmente você não o conheceu. Ele fazia parte do clã Macedo. E vendo que eu estava confuso, Riku explicou: Macedo faz parte dos Cinco Elementais, e é da mesma tribo que o seu clã. É o clã da água.

— Natsuno — falei sem acreditar, encarando-o com olhos surpresos —, então quer dizer que a Sophia também... é uma caçadora?

 Ele fez que sim com a cabeça e inseriu, sério e admirado:

— Uma caçadora que faz parte de um dos principais clãs existentes. Ela é uma caçadora da água, maninho.



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