Volume 1 – Arco 2
Capítulo 28: Missão Martins! A infiltração complicada
Eu estava apavorado com o cenário. Se eu não conseguia explicar com precisão como imaginava o inferno, o Reino dos Vampiros talvez pudesse chegar próximo à descrição que eu provavelmente daria. Um lugar macabro que me causava calafrios, comecei a olhar em volta para me certificar de que estávamos sozinhos ou se havia algum vampiro (ou demônio, sei lá) por perto; as árvores mortas me causavam uma sensação negativa.
— O que a gente faz? — perguntei.
Riku já voltava sua expressão ao normal — normal para ele, é claro.
— Vamos voltar para a Terra — respondeu com uma voz preocupada.
O portal roxo mantinha-se flutuando ao nosso lado, profundo e vivo, um típico buraco negro que transportava uma matéria para outra dimensão. Eu me perguntei quantos mais haveria pelo mundo, e quais os diferentes lugares que havia naquela terra estranha que todos chamavam de Venandi. E como Firen fazia parte dessa dimensão, deduzi que o meu pai vivia se locomovendo entre um mundo e outro.
Riku deu uma rápida olhada em volta e mergulhou no portal, sem nem mais nem menos. Eu apenas o segui, afinal, não queria ficar sozinho naquele ambiente sinistro e demoníaco.
O mesmo processo confuso de parecer uma borracha derretida ambulante se repetiu. Quando me dei conta, estava de volta na câmara da caverna que, mesmo aquecida através das tochas de fogo, parecia muito mais fresca do que o Reino dos Vampiros.
— Isso foi... hilário — eu disse, observando um Riku ainda abalado. Seus olhos deixavam transparecer um leve tom de susto e surpresa. Ele provavelmente não esperava entrar dessa forma no território sinistro (território esse que não sairia da minha mente tão cedo; a floresta obscura de galhos bizarros, o enorme lago avermelhado, o céu roxo cheio de relâmpagos e criaturas voadoras e, por fim, o castelo macabro no pico mais alto do tal reino).
Com a mesma expressão de quem havia acabado de ver um porco voando, Riku caminhou até a rocha e apertou o botão de pedra, fazendo com que o portal fosse tapado pela parede rochosa. Depois, ele caminhou para fora da câmara. Não falava nada, apenas caminhava. Eu o segui ainda surpreso com o cenário diante dos meus olhos.
As plataformas que pisamos minutos atrás estavam como as encontramos, então já sabíamos o que fazer. Pisamos nas duas ao mesmo tempo, fazendo com que a parede descesse em um barulho estrondoso e ocultasse a câmara por completo. Riku puxou sua lanterna e iluminou a caverna fria e de ar pesado.
— Ligue para o seu pai e informe sobre isso — disse ele, sério e pensativo.
Nós saímos da caverna e o brilho do sol iluminou o meu rosto, alguns raios escapando de algumas nuvens pesadas. Chegava a ser aliviante o contraste que havia entre a floresta e o Reino dos Vampiros. Finalmente o meu coração voltava a bater em ritmo normal, embora eu pressentisse que não demoraria para retornar ao ambiente maligno.
Em silêncio, voltamos para a entrada da floresta, onde pulamos o portão e aterrissamos na calçada, então perguntei:
— O que faremos depois?
— Nada — Riku foi direto. — Vocês dois precisam deixar de ser aprendizes, primeiro, ou então serão apenas pesos mortos no meu caminho. — Imaginei que ele se referia a mim e ao Natsuno. — E além do mais, o Reino dos Vampiros não é uma aldeia que podemos invadir e sair matando. Tribos grandes não dão conta da quantidade de armadilhas que há naquele lugar. Ou você é idiota para querer se suicidar? Avise ao seu pai sobre o portal, apenas isso.
— Certo... — falei pensativo.
Quanto mais eu conhecia sobre o mundo (ou mundos) em que vivia, mais assustado eu ficava, e só de pensar que havia um portal que levava ao inferno perto da minha casa, eu já sentia calafrios e enjoo.
Ainda dei uma última olhada para a entrada da floresta, então fui embora. Liguei para o meu pai para informá-lo sobre a nossa descoberta, deixando-o bastante preocupado, e levei uma bronca: Tony advertiu que eu não deveria ter sido curioso demais. Por fim, afirmou que cuidaria disso — e me pediu para ser mais cuidadoso, já que os vampiros estavam por toda parte. Sem mais surpresas, aproveitei para treinar um pouco com o meu tio antes que acabasse o fim de semana. Não ousei ir ao parque, estava envergonhado demais, mas sabia que precisava me resolver tanto com a Zoe quanto com a Sophia. E resolver logo.
Na segunda-feira eu acordei disposto a me resolver com a Sophia.
Por mais que estivesse errado, eu faria de tudo para receber o seu perdão e provar que era dela que eu gostava — e confessar que estava em dúvida nos últimos dias. Não mencionaria sobre quem me ajudara a perceber isso — até porque seria meio estranho eu falar sobre a Yasmim, a garota que me dera conselhos e que eu tinha certeza que era a portadora do espírito-anjo do fundo do rio —, diria apenas que eu já tinha certeza sobre os meus sentimentos.
Mas acabei me decepcionando totalmente, mais uma vez.
— Pois é, maninho, mais uma vez ela faltou — disse Natsuno assim que a aula começou. Na praça da escola, antes de entrarmos, eu havia contado aos meus amigos sobre o encontro desagradável que ocorrera na sexta entre as duas garotas. Eles ficaram surpresos e, como de praxe, Natsuno veio com uma gozação. De repente, olhando para ele, eu tive uma ideia. — Ih, Dio, qual é? No que você está pensando?
— Natsuno, lembra quando você foi à minha casa?
— Sim — disse ele um pouco receoso. — Por?...
Eu sorri animado. Precisava dar certo.
— O que você pretende? — foi Pedro quem perguntou. O professor começou a escrever no quadro negro, automaticamente o barulho da sala amenizou. Baixei o tom de voz, para poder explicar:
— Tive uma ideia brilhante — falei com um ar de mistério, deixando os três garotos curiosos; olhei no rosto de cada um muito sério, deixando-os tensos e ansiosos. — Eu preciso descobrir o endereço da Sophia.
— Ah, só isso? — Jhou disse rindo, descontraindo a si e aos outros dois. — Basta segui-la na hora de ir embora.
Arqueando as nossas sobrancelhas, todos o encaramos, Pedro rindo com divertimento; o grandalhão corou de imediato.
— O que foi?
— Você acha — disse Natsuno — que somos rápidos o suficiente para seguirmos o carro que vem buscá-la?
— É verdade — percebeu ele, a coisa estúpida que falara. — Foi mal. — Jhou deu uma risadinha de lado, sem jeito.
— A questão — eu expliquei — é que o Natsuno já fez isso antes, quando foi à minha casa. Você lembra? — perguntei olhando para ele.
— Lembro — disse ele com a mesma relutância, provavelmente percebendo onde eu queria chegar. — Cara, você está dizendo... que quer invadir os arquivos da escola?
— Isso! — exclamei, um pouco alto demais, e senti todos os olhares da sala, inclusive o do professor, voltando-se para mim. Senti as bochechas queimando e tentei ignorá-los. Falei, um pouco mais baixo: — Preciso da sua ajuda para descobrir onde ela mora, porque duvido que a Ana ou a Jéssica vão querer falar, se eu perguntar. Essa vai ser a nossa missão secreta.
Natsuno não pareceu muito feliz.
— Dio, cara, invadir a escola não é assim tão fácil. Na verdade, foi trabalhoso pra caramba, maninho. Quase que me pegam. — Ele fez uma expressão de quem estava se lembrando de algo que não queria passar novamente.
— Mas não pegaram — repliquei. — Isso significa que temos chances, por menores que sejam, não é mesmo?
Ele anuiu com a cabeça, ainda não gostando da ideia.
— E quando vocês pretendem fazer isso? — Pedro quis saber.
Eu olhei para Natsuno, que retribuiu o olhar. Nesse assunto, ele era mais experiente do que eu.
— Hoje à noite — disse ele. — Umas sete horas, na hora da limpeza. As portas da escola ficam abertas por um tempo, e é aí que a gente entra. Mas vamos precisar ser rápidos. E sortudos.
— Então está fechado — eu disse ansioso. — Antes das sete a gente se encontra na praça, então.
Natsuno fez que sim.
— Boa sorte pra vocês — disse Pedro.
— Obrigado — agradeci.
— E tomem cuidado com a senhorita Abigail — Jhou nos lembrou, fazendo-nos rir, muito embora pensar na inspetora rabugenta não fosse uma coisa tão aliviadora.
O céu já tinha um tom azul-marinho quando cheguei à praça central do colégio Martins. E lá estava o Natsuno, encostado a uma árvore, olhando em volta a todo momento certificando-se de que ninguém o notava — o que era quase impossível, já que não havia ninguém por perto e ele estar de preto. Aliás, ironicamente, ele vestia uma camisa igual à minha, que imitava a camisa dos espiões de um filme recente famoso; eu a havia comprado há algumas semanas antes de me mudar, ainda em Belém. Comprei porque era fã do filme, e a achava bonita e discreta. Ideal para uma missão como aquela. De qualquer forma, depois de ver a minha roupa, Natsuno disse:
— Parece que somos espiões.
Usávamos a camisa preta de mangas longas e um capuz que, quando levantado, podia servir como uma máscara ninja, tapando nosso rosto por completo, exceto os olhos e o nariz.
O enorme prédio verde da escola tinha as luzes acesas que se destacavam diante da noite, silencioso e pacato. O único som que pairava sobre o ambiente era o do tráfego de carros na avenida, não muito perto de onde estávamos.
— Nós temos cerca de uma hora para completar a missão — avisou Natsuno, falando baixo, mesmo havendo só nós dois ali. — Oito da noite é a hora que os portões se fecham e os funcionários vão embora. Ou a gente age rápido, ou ficamos presos até de manhã.
— Eu prefiro a primeira opção — fui sincero.
— É, eu também.
— E como vamos entrar? — perguntei, encarando o portão principal fechado.
— Oras, pelos fundos.
Contornamos a lateral direita da escola até a rua mais deserta que eu já havia visto desde que chegara em Honorário. Chegamos a um muro enorme de tijolos com uma cerca de arame simples em cima. O muro separava a calçada dos fundos do terreno da escola, o bosque natural. O único problema era que havia diversas placas dizendo para não nos aproximarmos da cerca, pois a eletricidade a protegia contra intrusos. Olhei para Natsuno, que não se mostrava preocupado. Ele caminhou na direção do muro e começou a escalar normalmente. Depois passou pela cerca como se fosse uma cerca comum.
Pisquei várias vezes, para confirmar se estava mesmo vendo aquilo. Natsuno olhou para mim e sorriu.
— Eu sou imune ao choque — explicou. — Acho que devido ao meu clã ser do relâmpago.
Natsuno, lá de cima, olhou para dentro da escola e pulou para o gramado do bosque. Esperei por alguns minutos, inquieto, enquanto o garoto fazia alguma coisa lá dentro que eu supus ser algo importante. Finalmente ele apareceu em cima do muro e depois fez sinal para eu pular também. Um pouco receoso, escalei o muro devagar, com as pernas trêmulas, até chegar à cerca elétrica.
Nada me aconteceu. Suspirei de alívio.
Pulei para o lado de dentro e aterrissei no gramado bem aparado, ao lado do Natsuno, na ponta dos pés.
— O que você fez? — o fitei admirado.
— No fundo do ginásio — ele apontou para o enorme ginásio fechado atrás de nós — há um disjuntor que controla todo o tipo de eletricidade que há aqui no bosque. Apenas desativei as cercas elétricas. — Natsuno disse isso como se fosse a coisa mais normal do mundo.
— Hã, certo — falei. — Agora o próximo passo.
Assim que falei isso, Natsuno me puxou para trás de uma árvore, e não demorou para eu entender o motivo: um segurança fardado vagava por aquela região com uma lanterna em mãos, provavelmente para se certificar de que estava tudo em ordem. Ficamos escondidos até ele sumir de vista, desaparecendo perante as árvores.
— Precisamos tomar cuidado com eles — disse Natsuno num cochicho. — Há alguns pelo bosque.
Ao contrário do prédio, o bosque não possuía iluminação alguma. Os postes de luz estavam apagados, pelo menos a maioria, deixando o clima um tanto sinistro. Semelhante à floresta atrás da minha casa, ele possuía árvores enormes cujas folhas escondiam o céu quase que por completo. Parecia assustador. O único ponto que eu conseguia distinguir era a fonte d’água no centro, onde alguns seguranças estavam sentados nos bancos de mármore que a circundava, estes levemente iluminados pelo único poste aceso do terreno.
— Vamos — disse Natsuno.
Rumo ao prédio com cautela para não sermos vistos pelos guardas. O gramado era bem tratado, o que facilitava a nossa missão — diferentemente da floresta dos arredores da cidade.
Havia um segurança à nossa frente com sua lanterna. Ele estava de costas vasculhando alguma coisa. Natsuno apontou para a direita, para desviarmos do indivíduo por detrás das árvores — aliás, ele não nos veria no escuro devido aos nossos trajes —, mas tivemos que parar quando um segundo vigilante surgiu. Feito gatos assustados, nos escondemos na primeira árvore que achamos.
— Encontrou alguma coisa? — perguntou o sujeito que aparecera, um rapaz negro que viera do centro do bosque.
— Não — respondeu o que estava de costas, virando-se para o primeiro. — Como será que sumiu essa peruca?
O outro nada respondeu.
Natsuno e eu nos entreolhamos. Não falamos nada, mas era como se perguntássemos um ao outro: "Que peruca?!"
— A senhorita Abigail está uma fera — disse o negro com um certo temor na voz.
— Precisamos achar logo, senão você já sabe pra quem vai sobrar.
Com isso, os dois guardas andaram sentido norte do bosque, passando por mim e Natsuno sem desconfiarem de nada, pois conseguimos nos safar contornando o tronco da árvore.
— Parece que tem mais seguranças do que eu imaginava — murmurou Natsuno. — Isso vai ser mais difícil do que eu pensei, Dio. Onde você nos meteu, hein?
— Vamos continuar — eu o encorajei, olhando para o prédio da escola que se destacava com suas luzes interiores, três andares preenchidos de janelas. — Se podemos destruir vampiros, por que não podemos nos infiltrar numa simples escola?
Natsuno concordou, não muito satisfeito.
Continuamos nos esgueirando pelo bosque.
O céu já estava bem mais escuro do que antes, a brisa noturna passando pelo meu rosto de forma sutil, e eu quase não via Natsuno graças à sua roupa preta — muito embora seu cabelo roxo fosse bem chamativo. Eu quase o aconselhei a levantar a máscara ninja, mas decidi ficar quieto.
Enfim chegamos perto do nosso objetivo. O prédio estava a apenas trinta metros, com um pequeno obstáculo: havia seguranças guardando o portão dos fundos, um lugar totalmente iluminado.
— Droga! — resmungou Natsuno.
— O que nós vamos fazer? — levantei a grande dúvida.
Natsuno pensou, analisou o cenário onde estávamos e, quando chegou a uma conclusão, falou, me olhando com determinação:
— Aprende comigo, maninho!
Ele subiu na árvore que estávamos escondidos, sacou sua Takohyusei e cortou metade de um galho com cuidado. Depois desceu e, com força, jogou certeiro na fonte d'água, que estava a vários metros à nossa direita, no centro do bosque. Com o barulho da água, os seguranças que estavam no banco se assustaram e se levantaram, gritando:
— Ali!
De repente, os dois que estavam na porta correram naquela direção sem hesitar, o que foi o suficiente para aproveitarmos e corrermos rumo ao portão da escola. Natsuno entrou primeiro e depois foi a minha vez. Antes de fechar a porta, ainda olhei para a fonte, e vi dezenas de seguranças vasculhando por perto, armados com cassetetes e lanternas.
Sorri, ao mesmo tempo em que dava um friozinho na minha barriga.
— Ótima mira, hein Natsuno — eu disse orgulhoso, já do lado de dentro da escola; ele fez um gesto de vitória com a mão direita, utilizando seu dedo indicador e o do meio para formar um V.
O corredor no qual estávamos estendia-se em ambos os lados, frio como uma caverna, iluminado pelas lâmpadas brancas do teto. Nas duas pontas havia escadas que davam acesso ao primeiro andar, as salas dos primeiros anos, e à nossa frente havia a porta de uma sala cujo letreiro dizia SALA CENTRAL DOS FAXINEIROS.
Quando Natsuno olhou daquele jeito para mim, deduzi que ele tinha alguma ideia maluca em mente.
— Tive uma ideia — disse ele.
Organizada e limpinha, a sala era repleta de vassouras, rodos, pás, esfregões e outros materiais de limpeza. Natsuno vasculhava os quatro cantos do cômodo à procura de algo, e observando o seu desespero cômico, decidi perguntar:
— O que você está procurando?
— Uniformes — respondeu ele, sem me olhar. — Vão ser de grande ajuda.
Eu suspirei.
— Cara — falei —, não é querendo te desapontar, mas essa é a sala dos materiais dos faxineiros, o que quer dizer que os uniformes não ficam aqui.
Natsuno quase caiu de tanta decepção.
— E onde eles guardam? — perguntou, cabisbaixo.
— Levam pra casa, provavelmente. — Essa resposta o deixou ainda mais de baixo astral. — Mas não podemos desistir — falei. — Temos que pegar o que precisamos para darmos logo o fora daqui. Estamos muito longe para voltarmos atrás.
— Você tem razão — disse ele. Apesar de sua ideia ser boa (se disfarçar de faxineiro), infelizmente não estava ao nosso alcance. O que nos restou foi prosseguir.
Abri a porta um pouco para olhar para fora pela brechinha e vi que estava tudo em ordem. Depois, caminhamos de esgueira rumo à escada, quando uma sombra se materializou bem à nossa frente, de frente para os degraus. Era alguém descendo a escada! Natsuno e eu corremos à toda velocidade para a outra extremidade do corredor; o jeito era subir pela escada da ponta oeste do colégio, que deixava o caminho mais longo e complicado.
Antes de virarmos a curva e subir a escada, ainda olhei para ver se estava tudo limpo. E estava.
Subimos rapidamente até chegarmos ao corredor do primeiro andar, de frente para a sala 10; o corredor que levava à escada que descia ao pátio principal estava ao nosso lado, mas ele não nos serviria de nada. O nosso objetivo — a escada que levava ao refeitório — situava-se na extremidade à nossa direita, o que seria tranquilo não fosse o fato de haver uma faxineira no meio do caminho, esfregando o piso em frente a sala 9.
Eu puxei Natsuno a tempo, mergulhando no corredor que levava à nossa sala que, por sorte, estava deserto. Ainda assim nos mantivemos atentos.
— O jeito é rodear a biblioteca — eu disse num cochicho, sentindo-me cada vez mais próximo de ser pego.
— Velho, e tudo por causa de uma faxineira — resmungou Natsuno.
Sem escolhas, nos esgueiramos pelos corredores seguintes, sempre dobrando à esquerda, passando pelas salas 12, 13, 14 (tivemos que passar correndo por esta, uma vez que havia uma faxineira dentro), 1, 2, 3, 4, 5 e 6. Restava apenas a sala 7, mas como o destino é bondoso com quem tem bom coração, foi exatamente dela que emergiu outra faxineira. Um desespero subiu ao meu corpo e em seguida veio um alívio — ela estava de costas, não havia nos visto. Natsuno e eu não pensamos duas vezes ao pular para a sala 6, trocando um olhar de pânico.
“Essa foi por pouco” pensei.
— E agora? — sussurrou Natsuno, olhando com cuidado para o lado de fora.
Olhei em volta, e fiquei bobo quando vi o que nos salvaria.
Havia três baldes grandes e vazios no fundo da sala. Provavelmente, deixados por algum faxineiro que iria limpar ali mais tarde. Viramos eles de ponta cabeça e mergulhamos, assim caminharíamos por toda parte sem sermos descobertos (bom, mais ou menos).
— Tem certeza de que isso vai dar certo? — perguntou Natsuno, na escuridão do seu balde, com a voz abafada atrás de mim.
— Lógico! — afirmei, porém sem tanta convicção, minha voz também abafada. Fazia muito calor ali dentro. Eu já sentia o suor pelo meu pescoço. — Isso sempre funciona. Vai por mim. — Eu só não mencionei que funcionava em desenhos animados e filmes. De qualquer forma, era o único modo de progredir.
Havia apenas um furo — que eu mesmo havia feito com a ponta da minha espada — que nos permitia ter uma visão frontal para o lado de fora do balde. Fui o primeiro a sair da sala, com muito cuidado. A faxineira estava de costas, mexendo em seu celular. Caminhei debaixo do balde em sua direção, com Natsuno logo atrás. Assim que ela se virou, ficamos imóveis, "pousando" no chão.
A moça pareceu não desconfiar de nada e passou por nós, nos ignorando. Pude perceber que era baixa, branca e já de idade. Com o caminho limpo, seguimos para o final do corredor que dava na escada que descia até o refeitório, a alguns metros à nossa direita. Havia outra faxineira que aparecera no fim do corredor, perto das salas 8 e 9. Ela esfregou o chão e veio em nossa direção, passando o objeto no piso de forma bem cuidadosa e, ao mesmo tempo, rápida.
— Ai caramba — falei a mim mesmo. Se ela continuasse, com certeza tentaria tirar os baldes que encontraria no caminho (no caso, os que estavam escondendo a mim e o Natsuno) e certamente nos descobriria. Natsuno e eu ficamos parados, paralisados. Não podíamos fazer nada, apenas esperar por um milagre. Mas a verdade era essa: a missão já era.
A moça vinha esfregando o chão cantarolando uma música que concluí ser da década de 80. Centímetro por centímetro a mulher ia se aproximando.
Eu suava. Tudo iria por água abaixo se ela nos descobrisse, coisa que não podia acontecer. Havíamos chegado tão longe, e mesmo se não tivéssemos, seria horrível se fôssemos descobertos. Imaginei nossos pais sendo chamados pela escola. Pensariam que estávamos roubando algo. Ou até a Abigail pensaria que éramos nós os ladrões de sua peruca!
“Não, isso não!” pensei apavorado.
Quando o esfregão estava a apenas meio metro de mim, a faxineira disse, para si mesma:
— O que esses baldes fazem aqui?
Ela pousou o esfregão na parede e caminhou na minha direção, até que:
— Amiga, me ajuda aqui um pouquinho? — pediu alguma mulher que estava atrás de nós; pela minha ótima audição percebi que ela estava no fim do corredor, provavelmente em frente a sala 5.
— Com o quê? — indagou a faxineira que estava na minha frente, olhando para ela.
— Deixei alguns baldes na sala 6. São grandes iguais a esses aí. Deixei alguns materiais dentro. — Ocorreu-me que, antes de esvaziá-los, havia mesmo algumas garrafas de desinfetante e caixas de sabão em pó dentro dos baldes, inclusive meu esconderijo estava com um forte aroma de produto de limpeza por dentro. — Me ajuda?
— Claro!
A moça desviou-se de nós e caminhou sentido sala 6, nos deixando para trás. Deixei um longo suspiro de alívio sair dos meus pulmões enquanto eu agradecia a Deus pelo milagre.
Sutil, girei 360° com o balde e pude ver as duas entrando na sala 6, diante do balde onde estava o Natsuno. Não pensei duas vezes e fiz um movimento que foi imitado pelo Kogori: saímos debaixo dos baldes e corremos até a escada do refeitório, desesperados. Ainda pudemos ouvir ao longe a faxineira que pedira a ajuda dizendo:
— Que estranho, não estão aqui!
Descemos a escada em forma de L muito rápido, degrau por degrau, ambos com a adrenalina ao máximo, até que chegamos ao refeitório. Estávamos aliviados por termos saído daquela enrascada, no entanto tivemos uma forte decepção ao chegar no novo cenário. Ficamos surpresos com a quantidade de faxineiros ali. Havia vários empregados esfregando o chão ou limpando as dezenas de mesas e cadeiras que se estendiam pelo lugar, todos uniformizados.
— Agora sim estamos perdidos — falei, rindo à toa, enquanto Natsuno e eu nos entreolhávamos. Mas naquele momento de frustração não havia nada de engraçado.
Não havia mesmo.