Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 27: Neblina da morte

No dia seguinte, depois do trágico encontro, acordei com a cabeça estourando. Olhei no relógio e ainda eram seis e meia da manhã. Billy ainda estava dormindo em uma casinha que Bruna fizera para ele no meu quarto. Não conseguindo mais pegar no sono, decidi me levantar.

Tirei meu pijama e vesti uma roupa comum, depois desci para comer alguma coisa.

Na cozinha, peguei alguns biscoitos no armário e comi, sem nem ao menos me sentar à mesa. Billy apareceu, sem fazer barulho.

— Bom dia, amigão — cumprimentei. Em vez de latir, Billy chegou até mim e esfregou sua cabeça na minha perna. Abaixei e o acariciei. Depois decidi que precisava refletir. Mas eu não estava com a mínima vontade de ir ao parque perto da minha casa. Não depois do que acontecera lá.

Pensei em um outro lugar.

 

Uma intensa neblina cobria a bela manhã de sábado, densa, gelada. Apesar disso, meu companheiro de caminhada (Billy) abanava o rabo com alegria. Eu estava indo à escola Martins, não para estudar, mas para refletir um pouco sobre a vida. 

Cheguei à praça e um filme passou pela minha cabeça. Eu me lembrei de quando fui ao colégio pela primeira vez, onde eu via jovens desconhecidos conversando e se divertindo entre si. Eu era apenas um estranho, sozinho, sem amigos. Ninguém me notava. Entrei na escola e me perdi entre os confusos corredores do primeiro andar. Tantos passaram por mim sem sequer tentar me ajudar, a não ser… a Sophia. Ela foi tão gentil e carinhosa que foi impossível não me chamar a atenção, desde então eu não parava de pensar nela. 

A neblina ainda pairava sobre o ambiente deixando a praça deserta e, de certa forma, um pouco sinistra. Assim que sentei em um dos bancos, Billy pulou no meu colo. Eu estava de frente para o enorme edifício verde-claro de três andares da escola, separado da praça pela ruela de paralelepípedo separada para os carros dos pais dos alunos. A ruela dava na avenida lateral do colégio, por onde o carro que buscava Sophia seguia todos os dias.

Suspirei, mais uma vez pensando nela.

Só depois de algum tempo eu percebi que, na outra ponta do banco, havia alguém sentado também. Era uma garota. Eu não conseguia ver quem era porque o capuz de sua blusa rosa cobria as laterais do seu rosto e, ainda por cima, seus cabelos loiros ondulados escondiam sua testa em uma franja.

A ignorei.

Comecei a pensar em Zoe e Sophia, em como me explicaria com ambas e no que havia acontecido. Um encontro entre as duas, e da pior maneira possível. Eu aguardava a resposta da Sophia quanto ao pedido de namoro, resposta essa que nunca chegou. Quando vi a Zoe chorando sozinha no parque, meu coração se entristeceu e me senti no dever de tentar animá-la. Só não esperava que acabaríamos nos beijando. Tampouco que a Sophia apareceria naquele exato momento. E agora as duas estavam decepcionadas comigo.

— Droga! — exclamei, mais uma vez sentindo raiva de mim mesmo.

E foi aí que me surpreendi...

— Problemas amorosos? — perguntou a garota ao meu lado.

Eu a encarei, um pouco surpreso. Ela tinha um bom senso de adivinhação. Respondi, hesitante:

— Sim.

A garota encapuzada não me olhava nem mostrava o seu rosto, o que era bastante suspeito. Quanto tempo ela estava ali, eu não fazia ideia. Ela apenas pediu:

— Me conta a sua situação?

Hesitei. Não sei se por desconfiança ou por vergonha. Um pouco dos dois, talvez. O fato é que eu sentia que a voz dela era familiar.

— Pode confiar em mim — disse ela, soando ainda mais carinhosa. — Quem sabe eu não consiga te ajudar. Além do mais, pode ser até bom desabafar um pouco, mesmo para uma estranha.

Meio que me perguntando como ela me ajudaria, eu decidi contar. Precisava mesmo desabafar com alguém, afinal, que mal faria? Se ela fosse um vampiro ou não, eu estava preparado para sacar a minha espada a qualquer momento. E Billy, até aquele instante, sequer dava atenção. Talvez fosse uma simples garota mesmo.

De qualquer forma, narrei a história da mesma forma que narrei ao meu tio, desde a primeira vez em que vi Sophia até o beijo que ela vira entre mim e a Zoe. Contei também o que eu sentia nesse tempo todo. Minha cabeça começou a doer, enquanto eu me lembrava de tudo aquilo, de todos os problemas, mas eu começava a me sentir menos sobrecarregado. A garota nunca olhava para mim, mas eu percebia que ela estava bem atenta. Chegava a ser esquisita aquela situação, na qual eu me abria com uma estranha que sequer mostrava o seu rosto, e mesmo sem saber quem ela era, eu sentia que podia confiar.

Terminei. A garota, com certo receio, se aproximou um pouco. Fiquei preparado para o caso de haver algum movimento brusco.

De início ela não falou nada, e ficamos em silêncio por algum tempo. Seu aroma lembrava o cheiro de sabonete. Ela estava a pouquíssimos centímetros de mim, bem ao meu lado, e me perguntei se ficaria calada para sempre. Então:

— Irônica sua situação. — Ela riu um pouco; sua voz era rouca e gostosa de ouvir.

“Irônica?” pensei.

— O que você acha? — perguntei, de olhos nervosos na escola.

A garota respirou fundo e começou a falar, sem parar:

— Olha, pelo que você me disse, você está confuso entre duas garotas. Não é anormal esse tipo de coisa, apesar de estar nítido que você sabe de quem realmente gosta. Zoe e Sophia são belas e adoráveis, o que mexe com você. Elas apareceram de repente em um momento de tristeza, no qual você se sentia sozinho. Muitos chamam isso de carência. Já eu, chamo de “amor de adolescente”. Você pode pensar que não sabe de quem gosta, mas eu sei.

Assim que ela falou isso, uma curiosidade súbita me invadiu. Meus olhos voltaram-se para ela sem que eu pudesse me segurar.

— Você sabe? — Eu não conseguia acreditar. Ela falou com tanta convicção...

— Claro! Está tão na cara!

Um misto de ansiedade e descrença me envolveu por completo.

— Então me diz — pedi, com o coração agitado.

E ela respondeu da forma mais natural possível:

— Você gosta da Sophia.

Senti algo diferente no peito e estreitei meus olhos sobre ela

— Sophia — repeti. — Sophia?

— Sophia — confirmou a garota. — Diogo, o que você sente pela Zoe parece ser tão forte quanto o que você sente pela Sophia, mas não é. Você disse várias vezes que sabia, de certo modo, que o que sentia pela Sophia era mais forte do que o que você sentia pela Zoe.

— Mas isso era antes — lembrei, sem tirar os olhos dela.

— Não importa. Seu sentimento pela Zoe aumentou só porque vocês se aproximaram e se beijaram! Agora imagine se você tivesse beijado a Sophia, a garota que “não sai da sua cabeça”… Ou seja, o que você sente pela Zoe não passa de uma forte atração. Você gosta mesmo é da Sophia. Entende, agora?

Ela disse tão convicta que imaginei que ela nos conhecia havia anos. Ouvira minha história e chegara a uma conclusão tão rapidamente que soava como se conhecesse a minha história antes mesmo de eu contá-la. Além disso, outra coisa passou pela minha cabeça: ela disse o meu nome, mas eu não me lembrava de tê-lo dito em momento algum. Isso fez com que eu ficasse um pouco desconfiado. Então decidi perguntar:

— Você poderia baixar o seu capuz?

Ela respondeu de imediato, muito simpática:

— Posso sim!

Ela decidiu tirar. Meu coração batia de ansiedade, pois estava louco para ver seu rosto. A neblina já se tornava menos densa e o sol brilhava mais forte lá no céu. O lugar onde estávamos começava a ser habitado, mas nada tirava a minha atenção da garota estranha. Ela puxava o capuz devagar, até me mostrar o seu rosto. Ela olhou para mim e sorriu; seus dentes eram perfeitos.

Eu pestanejei umas quinhentas vezes para me certificar de que ela era real.

— V-você… — gaguejei, sem acreditar no que via. — Você… é… a garota… do… — Não consegui completar.

A menina sorriu.

Seus cachos dourados possuíam uma beleza natural, com uma combinação perfeita, mesmo diante do contraste: a garota tinha pele bronzeada e olhos esverdeados. Esverdeados como os da Zoe. E cintilavam de uma forma radiante, como se fossem começar a brilhar a qualquer momento.

Sem dúvidas, era o espírito que eu vira no fundo do rio! Em carne e osso!

— Já me viu antes? — perguntou ela com alguma inocência, sua voz rouca fazendo-me perceber do porquê de ter soado tão familiar antes.

Seu anjo da guarda, dissera no fundo do rio.

— M-meu… anjo da guarda — falei ainda perplexo.

— Prazer, sou a Yasmim — disse ela.

Parecia que as palavras haviam sumido da minha boca, enquanto várias dúvidas surgiam na minha cabeça. Perguntei:

— Quem é você?

— Já respondi — disse ela, calma. — Talvez nos encontremos novamente. E boa sorte com as meninas, acho que você já sabe o que fazer. Beijinhos. — Ela sorriu mais uma vez e se levantou.

Com um aceno de despedida, caminhou sentido oeste da praça enquanto eu a acompanhava com o olhar. Perguntei a mim mesmo se havia alguma chance de serem as mesmas pessoas ou se eu ainda estava sonhando.

De qualquer forma, eu estava demasiadamente surpreso. E satisfeito, apesar de tudo. Pelo menos Yasmim havia aberto os meus olhos, e a confusão entre as duas garotas parecia estar se dissipando.

Billy latiu no meu colo.

Eu já tinha até me esquecido dele.

 

Muito mais aliviado do que antes, eu finalmente cheguei em casa — e me surpreendi ao me deparar com o Riku na calçada, com um guarda-chuva preto nas mãos, fechado.

— Riku?

— Acho melhor você pegar um guarda-chuva — disse ele, carregando o típico rosto sereno e os olhos cinzentos que tinham a cor que tingia o céu naquele momento. Olhos vazios e sem vida.

 

Apesar de ter encontrado a garota a qual eu podia ter certeza de que era o “anjo-espírito do fundo do rio”, era impossível não tentar imaginar para onde Riku estava me levando. Seguíamos pelas ruas do nosso bairro sentido oeste da minha casa debaixo de uma chuva fraca e fria, a neblina ainda pairando em nosso torno. Riku até agora não falara nada, mas a julgar pela sua expressão, o que tinha a me mostrar não era uma coisa muito agradável.

— Não percebeu nada de estranho, Diogo? — ele finalmente me dirigiu a palavra.

— Estranho? Como assim?

Mesmo não estando tão frio, o garoto usava um casaco cinza aberto com o capuz abaixado. No capuz, alguns pelos brancos e fofos que lembravam as vestes que o povo do Polo Norte costuma usar — pelo menos em filmes e desenhos animados. Por dentro do casaco, uma camiseta azul-céu sem qualquer tipo de detalhe; e a sua corrente prata sempre se destacava, contendo, na ponta, o pingente  em forma de M.

Inquieto no meu colo estava o Billy, que não tirava os olhos do Riku. Ele, no entanto, não latia nem rosnava, como se apenas não tivesse certeza se o garoto era confiável ou não. Riku continuou:

— Chuva e neblina ao mesmo tempo. Você não acha isso fora do normal?

Foi aí que entendi. Bom, eu não era tão bom em Química, Física ou Biologia, mas sabia que a névoa não poderia ocupar o mesmo espaço que a chuva.

— Você está falando que a chuva é muito estranha, certo?

— Errado. Estava previsto que choveria essa manhã. A única coisa estranha aqui é a névoa.

Agora eu não estava entendendo nada. Se o Riku estava querendo me confundir, ele estava conseguindo. Nós passamos pelo parque e foi inevitável não pensar na Zoe e na Sophia. A voz do Medeiros cortou os meus pensamentos feito uma navalha:

— Você é caçador e já deveria saber. — Ele soou frio e arrogante.

— Saber o quê? — Eu me sentia cada vez mais confuso.

— Idiota — disse ele fincando seus olhos cinzentos em mim —, toda vez que isso acontece, neblina e chuva ao mesmo tempo, é sinal de que um Herói Herdeiro foi morto.

Eu senti náuseas. A primeira pessoa que passou pela minha cabeça foi o Natsuno, afinal, ele era o único que eu conhecia.

— Quem morreu? — perguntei relutante.

— Você provavelmente não o conheceu. Ele fazia parte do clã Macedo. — Eu não lembrava do nome, mas Riku explicou: — Macedo faz parte dos Cinco Elementais, e é da mesma tribo que o seu clã. É o clã da água.

— Então quer dizer que mataram um herói dos Cinco Elementais?

Riku fez que sim, voltando a olhar para frente.

— Encontraram seu corpo na manhã de terça-feira às margens do Rio Sangrento.

Rio Sangrento? — tive que cortá-lo, franzindo o cenho sem controlar; apesar de nunca ter visto esse rio antes, o nome me provocou calafrios profundos. Eu estremeci.

— Fica em Venandi, próximo às montanhas territoriais do Reino dos Vampiros.

Eu fiquei mais espantado ainda.

— Riku — eu o fitei assustado —, você está dizendo que ele foi morto por vampiros?

— Que, provavelmente, estavam em bando.

O meu medo se transformou em raiva e indignação. Um caçador morto por vampiros; vampiros assassinos que matavam inocentes todos os dias. Inaceitável. Apesar de não o ter conhecido, senti muita pena do Herói Herdeiro e de sua família, uma vez que, provavelmente, ele não teve uma morte muito tranquila. Cerrando os punhos irritado, eu perguntei:

— E por que você está me dizendo isso, afinal?

Ele olhou para o chão pensativo e disse:

— As coisas estão mudando. Os vampiros estão perdendo o medo dos caçadores e isso está aumentando o índice de mortes, principalmente entre nós, Heróis Herdeiros.

Billy ficou trêmulo, e latiu para mim.

— Fica frio — tentei acalmá-lo, o que soou um pouco irônico, já que eu também estava assustado. Até mesmo o som da chuva caindo sobre o guarda-chuva parecia ameaçador. E como continuamos andando, eu decidi perguntar:

— Para onde estamos indo?

Riku não respondeu, o que era de praxe. Eu começava a me acostumar.

Ele me guiou para a verdadeira — ou nova — entrada para a floresta, onde uma placa no portão de arame indicava: FLORESTA REGIONAL. POR FAVOR, NÃO JOGAR LIXO OU ENTULHO. Por estar fechada, presumi que estava em construção. Talvez se tornaria um parque ecológico.

Olhei para Riku, esperando por uma explicação. Ele simplesmente escalou o enorme portão, pulou para o lado de dentro e aterrissou no gramado molhado, tudo com o guarda-chuva na mão. Sem a mesma facilidade, eu fiz o mesmo, deixando a chuva me molhar um pouco considerando que não era muito fácil escalar um portão com um cachorro vermelho no colo. Acabei pisando na lama.

Riku não me esperou e caminhou rumo à floresta. O cheiro de grama molhada predominava, os pequenos insetos faziam seus ruídos sonoros casuais; grilos e passarinhos se espalhavam por entre as árvores e plantas. Seguimos por alguns minutos até estarmos diante de uma caverna com uma entrada não muito larga para o interior de uma rocha quase do tamanho da minha casa. Eu não sabia que havia uma caverna naquela floresta, ao contrário do Riku, que parecia conhecer bem o lugar. A caverna se escondia entre troncos e copas, e o vento que vinha de dentro dela era frio e sufocante.

Riku fechou o guarda-chuva encostando-o em um canto, passou pela passagem acendendo uma lanterna em seguida e caminhando mais para o fundo da caverna. Tive que fazer o mesmo, sentindo Billy cada vez mais trêmulo nos meus braços.

— Riku, você vai me explicar o que estamos fazendo nesse lugar?

— Você verá.

A caverna era tão silenciosa que o som dos nossos passos provocava ecos demorados. Eu puxei o meu anel dourado e fiquei preparado para o caso de precisar da espada, mas a tranquilidade com que Riku caminhava demonstrava que não encontraríamos vampiros ali dentro — o que soava tranquilizador.

O único foco de luz era o círculo gerado pela lanterna, que iluminava apenas alguns metros à nossa frente. As paredes rochosas pareciam úmidas e havia camadas de musgos em algumas regiões. O ar pesado entrando pelas minhas narinas me deixava com uma sensação de estar no topo de uma montanha.

— Chegamos — disse Riku.

Com a luz de sua lanterna, apontou para uma grande rocha no fundo da caverna, encravada na ligação entre a parede e o chão. Na rocha havia gravuras de imagens e símbolos.

Nos aproximamos dela.

— O que é isso? — eu quis saber. Os símbolos assemelhavam-se aos silabários japoneses, mas eu sabia que era algo diferente. Riku começou a ler:

— "Duplas entrarão na câmara obscura. Juntas pisarão em chão de gravura. Duplas enfrentarão um mistério assustador. Juntas atravessarão um universo atormentador".

Riku olhou para mim e explicou, sereno:

— Há uma câmara secreta atrás dessa parede. — Ele apontou com a sua lanterna para a parede no fundo da caverna, onde estava a rocha. — Para expô-la, no entanto, é necessário pisar nessas plataformas ao mesmo tempo. — Iluminou duas espécies de plataformas (chãos falsos com formato de quadrado) que havia em cada lado da rocha. Finalmente eu havia entendido o motivo de ele ter me trazido aqui.

— E o que há de especial nessa tal "câmara secreta"? — indaguei, por algum motivo desconhecido pensando no filme do Harry Potter.

— Não faço ideia.

— E... como você descobriu esse lugar?

Olhando em torno, havia somente escuridão e uma pequena luz que vinha da única entrada da caverna, não muito longe.

— Ao contrário de vocês, eu sempre procuro algo de útil para fazer — Riku respondeu mais arrogante que o normal. — Não fico por aí andando de bobeira, com a cara pra cima. Eu vou atrás de coisas importantes ao invés de ficar de namorico.

Eu me perguntei se Riku andara me vigiando, e tentei conter a raiva, visto que a sua rispidez chegava a ser irritante.

— Vamos logo descobrir o que há nessa câmara — disse ele se virando para o fundo da caverna.

Coloquei Billy no chão e engoli em seco. O que quer que eu encontrasse, precisava estar preparado, portanto segurei firme o anel em minha mão. Riku aproximou-se da plataforma à esquerda e eu caminhei até a outra, um pouco angustiado, com um mal pressentimento.

— No três — disse ele. Eu assenti e ele começou: — Um, dois… três!

Juntos, pisamos nas duas plataformas, que afundaram alguns centímetros no chão lentamente me fazendo sentir algo no estômago. De repente, a parede atrás da rocha começou a subir feito uma porta mecânica, abrindo uma enorme passagem para uma segunda caverna. Levantava fazendo um ruído estrondoso, enquanto Billy latia assustado.

— Fica frio, amigão — eu o acalmei, em meio ao barulho. A parede chegou ao teto, e Riku e eu trocamos um breve olhar significativo. Ele mostrava-se tranquilo, olhos que ficaram amarelados por um segundo, e fez um sinal para irmos adiante.

Passamos para a câmara, distinta da caverna apenas por possuir algumas tochas de fogo nas paredes rochosas, preenchendo o ambiente com uma luz dourada e um calor aconchegante. Ao fundo, outra rocha como a primeira, mas de menor estatura. Fomos até ela.

Não havia gravuras nem plataformas, apenas um símbolo entalhado bem no centro. Riku "leu" e apertou a pedra exatamente em cima da imagem, fazendo com que o “botão” afundasse na rocha. De início nada aconteceu, mas então uma espécie de porta se abriu na parede lateral da câmara, deixando à mostra uma imagem que fez os meus olhos ficarem arregalados.

Um buraco negro era a única coisa que eu conseguia pensar, alternando a cor de preto para um tom roxo. Era um círculo na parede que girava, movendo-se de maneira rápida e confusa, semelhante àqueles cosmos que flutuam pelo espaço sideral. Eu não conseguia tirar os olhos da imagem, mas recuei um passo.

— Um portal — disse Riku.

— Portal?

— Sim. Portais são passagens que ligam Venandi à Terra.

— Então Venandi fica em outra dimensão?

Riku me olhou com desdém e eu me senti um idiota. Minha cabeça explodiu em milhares de dúvidas, todavia eu decidi não fazer perguntas. Não conseguia parar de olhar para o portal.

Riku assumiu uma expressão pensativa e se aproximou do portal. Ele parecia acostumado a encará-lo de frente, sem qualquer tipo de temor. Eu, por outro lado, me sentia completamente vulnerável e com a sensação de estar sendo sugado aos poucos, e imaginar o destino daquela passagem não me parecia algo que eu gostaria de saber.

— Vamos — disse ele.

— Espera aí, como assim ‘vamos’?

— Vamos! A única forma de descobrir onde dá é entrando nele. Ou você está com medinho?

Ele me olhou desafiador. Eu não podia demonstrar fraqueza.

— Medo, eu? Essa palavra não existe no meu vocabulário! — Eu engoli em seco.

— Que seja. — Riku olhou novamente para o portal e respirou fundo. Então mergulhou, dando um salto para dentro.

Eu peguei Billy no colo e suspirei, encarando de frente o círculo “vivo” e mesclado em diversas tonalidades de roxo. Com o coração quase saindo pela boca, também pulei sentindo uma vasta ansiedade tomar conta do meu corpo.

A sensação era algo totalmente novo para mim. Assim que entrei, senti que o meu corpo se transformava em uma borracha derretida. Tudo — absolutamente tudo — se movia em direções diferentes, me deixando tonto e desnorteado. Algo me guiava para o fim do "túnel roxo", embora eu sequer conseguisse vê-lo com clareza. A viagem parecia estar durando uma eternidade, enquanto um enjoou cobria meu estômago por completo. Quando pensei que nunca chegaria ao fim da passagem, cheguei.

De repente, eu estava em pé em um gramado alto e mal cuidado. O clima mudara drasticamente de frio para quente, como se eu estivesse em uma fornalha de fogo. Demorou alguns segundos para a minha visão parar de rodar. Voltei a mim e distingui um Riku assustado, de olhos bem abertos em direção a algo à nossa frente, feito uma criança que havia se deparado com o seu maior medo.

Billy começou a abanar o rabo de excitação, e um barulho de asas batendo chamou a minha atenção, vindo de alguma parte atrás de nós. Eu me virei e vi árvores — árvores horripilantes que sequer possuíam folhas nas copas, apenas galhos retorcidos que lembravam os braços tortos de uma múmia. Senti o coração acelerando ao notar o céu roxo e sem nuvens.

— Onde estamos? — perguntei, encarando um Riku que ainda se mantinha assustado.

O portal roxo flutuava diante de mim, vivo e chamativo. Dei alguns passos na direção do Riku e de cara vi o lago avermelhado a poucos metros dos nossos pés, amplo e agitado, estendendo-se até um amontoado de novas árvores do outro lado, um verdadeiro cenário assustador.

Até eu erguer um pouco mais o olhar.

— O que é isso? — eu disse surpreso.

Uma cadeia montanhosa erguia-se em silhuetas tão deslumbrantes quanto sinistras, com um castelo repleto de torres em um dos picos, cercado por seres alados que voavam em círculo. Fiquei em dúvida entre dinossauros e morcegos gigantes que, somados ao céu roxo e aos relâmpagos que caíam mesmo não havendo nuvens, tornavam o cenário um tanto exótico e totalmente horripilante. A torre mais alta do castelo parecia próxima à lua amarelada, dando um pingo de beleza à paisagem demoníaca, os morcegões a circundando sem parar.

— Que lugar é esse? — perguntei aterrorizado. — Riku! — chamei-lhe a atenção.

Ainda com uma expressão de horror, ele finalmente respondeu:

— O Reino dos Vampiros. O território mais perigoso do mundo.



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