Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 22: Ganho um presente do meu pai!

Acordei exausto e com o corpo todo dolorido.

Eu me levantei, vesti meu uniforme e fui tomar o café da manhã. Minha mãe e Bruna estavam acordadas, já sentadas à mesa.

— Bom dia... — falei sonolento.

— Bom dia! — responderam, sorridentes.

Depois fui para a escola, onde me encontrei com Natsuno, Riku, Pedro e Jhou na praça frontal do edifício. Entramos e nos dirigimos entre alunos uniformizados ruma à sala 2. Sentei na minha cadeira e fiquei esperando por Sophia. Nada de ela chegar. O professor entrou e fechou a porta. Fiquei decepcionado.

— Parece que hoje ela não vem — comentou Natsuno, virando-se para mim.

Assenti, cabisbaixo. Sophia parecia estar fugindo de mim.

 

Cheguei em casa e fui direto para a cozinha, ansioso.

— Onde está o meu tio? — perguntei à minha mãe.

— Continua procurando uma casa, mas agora lá pela Vila Eliana — (que era um dos bairros vizinhos, sentido oeste de onde morávamos). Minha mãe lavava a louça ao mesmo tempo em que conversava com Bruna, que a ajudava secando. Pareciam ter feito uma amizade muito rápido, o que me agradou bastante.

— O almoço já está pronto — avisou minha tia.

Agradeci pelo aviso e assim que troquei o uniforme, desci para almoçar.

Depois decidi ir ao parque.

 

Estava deserto.

Sem garotos jogando bola, sem crianças nos diferentes brinquedos e nem sinal da Zoe. Mesmo assim, sentei-me no banco de sempre. Tentei não pensar em Sophia, o que parecia impossível. Filmes passaram pela minha cabeça sem que eu pudesse controlar. A primeira vez que a vi, quando ela meio que me norteou no dia em que eu estava perdido no corredor da escola, o dia em que a salvei daqueles valentões e quando decidi convidá-la para ir ao cinema comigo. O mais marcante, no entanto, foi o meu pedido de namoro. Eu não sabia bem de onde tirara aquela coragem. Comecei a me perguntar se tinha feito certo, se não a assustara. Talvez por isso ela tivesse me evitado tanto após o pedido.

De repente, Zoe apareceu nos meus pensamentos. A primeira lembrança que veio à minha mente foi a conversa na qual ela admitiu estar gostando de mim. A Zoe tinha um olhar tão encantador que fazia o meu coração bater mais forte, e foi aí que percebi que o que eu sentia por ela estava aumentando, e isso me deixava com medo.

É possível gostar de duas pessoas ao mesmo tempo?

Decidi ir embora.

Mas antes de seguir meu caminho, resolvi voltar até o rio onde treinara no dia anterior. “É provável que hoje não tenha treinopensei desapontado, pois Michael ainda procurava uma casa para alugar.

Entrei na floresta passando por um pequeno intervalo entre duas casas e pulando a cerca de arame que separava a calçada das árvores.

Andei devagar pelo gramado baixo, que ia aumentando ao longo do caminho, e finalmente adentrei entre as árvores e os arbustos, já ouvindo o som dos pequenos animais — grilos, cigarras, pássaros — zumbindo ao meu ouvido. Pensei em qual seria meu próximo passo. Tio Michael  apenas pedira para que eu entrasse no Rio de Água Pesada. Naquela hora eu tive a certeza que seria uma coisa insignificante, mas depois me surpreendi com a força e o peso da água. Eu não conseguia ficar de pé de jeito nenhum, até que caí de mal jeito na água e me afoguei. Foi um desespero total, no qual eu pensei que iria morrer.

Até que apareceu aquela garota de asas…

Eu não fazia a mínima ideia de quem era ela e o porquê de ela ter aparecido ali, só sabia que sua presença me acalmara muito. Ela disse que era meu anjo da guarda; o problema era que eu não entendia o que isso significava.

Pensei que eu ia morrer afogado, então comecei a lembrar dos meus dias em Honorário, dias marcantes. Conheci muitos amigos e me apaixonei… Por duas garotas, ao que parecia. E sabia que não podia morrer ali, até que algo me deu forças, como se fosse um poder oculto que eu tinha dentro de mim. Foi assim que me salvei,  ficando de pé no rio. O fato é que eu estava na parte funda, o que era bem estranho.

Enfim cheguei a uma parte da floresta em que não havia tantas árvores, apenas a mata densa e o riacho que começava em uma cascata; o fluxo do rio, no entanto, mantinha-se calmo. Sua correnteza seguia um só trajeto, em um movimento tranquilo e... traiçoeiro.

Primeiro eu olhei para cima, onde o céu azul mantinha-se sem nuvens, apenas com o sol raiando e vários pássaros voando, em grupo, em uma só direção.

Olhei então para aquele rio que, de vista, parecia um rio comum, mas eu sabia que não era. Aquela água era estranha, e pesada também. Demorei para conseguir me equilibrar nela, mas quando consegui, o resultado foi impressionante.

— Acho que vou entrar um pouco — decidi.

Dobrei as pernas da minha calça e tirei meus chinelos. Entretanto, quando dei meu primeiro passo em direção à margem...

— Uuuurgh—AU!! — Um latido ensurdecedor bradou ao meu lado. Eu me virei noventa graus para a direita, cauteloso, e me deparei com um cachorro gigante!

— AAAAHHHHH!!!!! — Eu me assustei de imediato, arregalando os olhos e com o coração acelerando subitamente. O cachorro peludo era vermelho e corpulento, maior do que eu, cujos dentes afiados não me causavam uma sensação muito boa, acompanhados por sua baba gosmenta e um bafo horrível. Seus olhos malignos tinham um tom avermelhado, e aparentava ser um vira-lata (apesar de ser maior do que qualquer outro cão que eu já tinha visto).

Ele rosnava para mim, a pouquíssimos metros, o que me deixou imóvel, tremendo e muito assustado; eu sentia o suor escorrer pelo meu rosto.

— Urgh—AU!! — tornou a latir. Calcei meus chinelos bem devagar e dei um passo para trás.

— Calminha, amigão — falei com a voz trêmula e o coração quase saindo pela boca. O cachorro latiu de novo, dessa vez mais retumbante:

— Uuuurgh—AAUU!!!! — E, feito um felino, saltou na minha direção.

Desviei para a direita num pulo impulsivo e, sem perder tempo, disparei em direção à zona urbana, com o cão correndo atrás de mim feito um louco!

Enquanto eu corria, até pensei em sacar a minha espada e lutar, mas isso seria loucura. O cachorro, que era do tamanho de um cavalo, possuía uma ferocidade mortal. Ele era veloz. Então percebi que eu também estava veloz. No começo eu não entendia como, mas então caiu a ficha.

Eu desviava com facilidade das árvores que apareciam do nada.

— Muito obrigado, tio Michael — agradeci falando sozinho, desesperado, embora não fosse exatamente a melhor hora para pensar em resultado de treinamento, pois o cachorro ainda corria atrás de mim, e estava me alcançando!

Olhei para trás por cima do ombro, e ele parecia maior e ainda mais feio. Me devoraria em apenas uma mordida. Definitivamente, seria o meu fim.

Voltei a olhar para frente. O que eu mais queria naquele momento crítico era chegar às ruas o quanto antes. De repente me dei conta de que, de fato, se chegasse lá, estaria levando o perigo às outras pessoas. A não ser que eu encontrasse o Riku; ele com certeza me ajudaria de alguma forma. 

“Não, isso não” falei a mim mesmo. Eu não podia pensar em uma coisa dessas — não podia imaginar que dependia dele. Eu queria ficar mais forte que o Riku, e não que ele me salvasse de novo.

— Droga! — disse a mim mesmo, sem saber o que fazer. Eu já estava cansado, e tornei a olhar para trás.

O cachorro estava mais próximo.

Olhei para frente e vi que enfim eu estava perto da rua; as árvores tinham fim a poucos metros e podia-se ver as casas por onde passei pelo meio. Não sei como, mas eu "acelerei". Pisei no gramado, em alta velocidade, e até tropecei em uma pedra. Felizmente eu consegui me equilibrar, sem parar de correr.

Consegui me agarrar à cerca de arame e pulei sobre ela, aterrissando no beco seguindo para a calçada. Sem olhar para trás eu continuei correndo, desesperado e, não sei por que, em direção ao parque, atravessando a rua.

Entrei através da pista dos ciclistas com o coração ainda frenético e, em pé de frente para o banco de pedra mais a frente, avistei a Zoe, que observava eu me aproximando dela desesperado. Zoe parecia não entender o que estava se passando, pois ela me encarava com uma sobrancelha levantada.

— Por que você está correndo desse cachorrinho, Diogo? — perguntou ela, em um “quase-grito”, com ironia.

Sem parar de correr eu estranhei, encarando-a:

— Cachorrinho?

Antes de chegar até ela, ainda ousei olhar para trás por cima do ombro direito — e um cachorro pequeno corria atrás de mim. Parei. Não havia sinal do cachorro gigante. Esvaziei dos meus pulmões todo o ar armazenado durante a fuga, e o cachorrinho aproximou-se de mim, de modo que sua pelugem tocasse nas minhas pernas.

Era um cãozinho vermelho.

Com a respiração exausta, olhei para uma Zoe que ainda me fitava com a sobrancelha erguida. Dei um risinho sem jeito.

— Billy! — gritou meu tio, brotando de algum lugar. O cãozinho, correndo com suas pernas curtas, dirigiu-se a ele, que se abaixou para passar a mão sobre sua cabeça com um sorriso no rosto; o animal abanou o rabo de felicidade.

— Billy? — perguntei, encarando o cachorro, confuso com a situação e ainda com o coração batendo feito um tambor, depois encarando Michael.

— Sim — respondeu ele, acariciando Billy e me direcionando um olhar de desdém. — É o nome dele.

— Não acredito que você estava correndo desse cachorrinho. — Zoe riu da minha cara.

Voltei meus olhos para ela, ainda confuso, e abri a boca:

— Mas eu juro que… — Parei de falar, pois se contasse a história toda a ela, provavelmente iria querer saber o que eu estava fazendo na floresta (sem mencionar que ela não acreditaria na história do cachorro gigante).

— Jura que…? — perguntou ela, me encarando com olhos de um verde vivo e encantador. Como era linda...

— Nada não — disse eu, enrubescendo. Depois me virei para Michael. — Pensei que você tinha ido procurar uma casa, e não tirado o dia para um passeio com um... cachorro vermelho.

Tio Michael me lançou um olhar significativo, como se quisesse me dizer alguma coisa mas não podia porque a Zoe estava por perto.

Novamente eu me virei para a garota, dando-me conta e ficando sem jeito.

— Hã, foi mal por não ter te cumprimentado.

Ela me deu um beijo na bochecha e perguntou, com um sorriso:

— Tudo bem com você?

— Tudo...  — respondi, ficando mais vermelho ainda, semelhante aos olhos dos meus amigos-dentes-pontudos (os vampiros). Meu coração estava batendo mais forte do que na hora em que eu estava fugindo daquele cachorro gigante, e cada vez mais eu pensava estar me apaixonando pela linda Zoe.

Ela riu.

— O que foi? — perguntei sem entender.

— Ah, nada — sorriu ela —, é que você fica muito fofinho quando está envergonhado…

Coincidentemente ou não, a Sophia havia dito a mesma coisa, logo após eu tê-la defendido daqueles grandalhões da escola.

Ri à toa.

— O que foi? — Agora era a Zoe quem perguntava.

— Nada não — respondi, sentindo um gosto de vingança; Zoe pareceu querer insistir na pergunta, mas apenas sorriu e deu de ombros.

— Diogo, temos que ir — disse meu tio, nos olhando com sarcasmo.

— Por quê?

— Sua mãe me mandou vir te buscar. — Essas palavras, eu admito, me deixaram constrangido. Com certeza deu a impressão de que eu era um "filhinho da mamãe".

Zoe riu de novo.

— Desculpa, Zoe, mas eu tenho que ir — lamentei, ignorando seu riso que, embora fosse de deboche, era muito bonito de se ver.

— Vai lá. — Ela me deu outro beijo no rosto, mas agora na outra bochecha, fazendo meu rosto ficar quente pela segunda vez. 

No caminho, falei o que havia acontecido na floresta para o meu tio Michael, detalhe por detalhe. No final, ele disse:

— Aquilo fazia parte do treino. Digamos que era o segundo passo.

— Como assim?

— Veja este cachorro. — Meu tio me mostrou Billy, que parecia alegre. — Não percebeu que ele é parecido com o cachorro que te "atacou"?

Foi então que percebi que meu tio tinha razão. A semelhança estava não só na cor dos pelos, como também na cor dos olhos, ambos avermelhados. Além disso, era a primeira vez que eu via um cachorro daquela cor.

— Ele é muito menor que o outro — observei, ainda confuso.

— Este cachorro é especial. O tamanho original dele é este mesmo, mas ele pode assumir a sua forma de ataque que, evidentemente, é a que você viu.

Eu estava sem palavras. Nunca imaginaria que aquele cachorrinho seria tão perigoso a ponto de me fazer correr — e olha que já lutei contra vampiros.

— Eu só não entendi o motivo do treino — lembrei, desviando de uma criança. Passávamos por menininhas que brincavam de amarelinha no meio da rua.

— Na verdade era apenas um teste. — Michael voltou seus olhos castanhos para mim. — Eu queria ver como estava a sua velocidade e a sua resistência. Por isso eu precisei do Billy, que conseguiu colocar você em desespero. Aliás, eu estive sempre por perto, assistindo a tudo.

Eu me senti constrangido.

— E qual a sua conclusão?

Tio Michael olhou para o céu. Pensei que ele daria uma resposta negativa, mas:

— Você até que não foi mal. Seu objetivo era conseguir sair da floresta intacto, e você conseguiu.

Embora satisfeito, acabei me lembrando de outra coisa:

— Tio, se você não estava à procura da casa, aonde você foi, então?

— Fui me encontrar com o seu pai.

— Pra quê?

— Ele queria ter uma conversa comigo, e te mandou um presente.

Uma súbita ansiedade tomou conta de mim. Fazia muito tempo que meu pai não me dava presentes.

— Cadê? — perguntei com um sorriso 

— Aqui — respondeu ele me entregando o Billy.

Ele? — A minha ansiedade se transformou em decepção.

— Sim. — Tio Michael me deu o cachorro e, assim que o peguei, Billy lambeu o meu rosto, deixando-o molhado e apagando qualquer resquício do beijo da Zoe.

— Que nojo! — Não consegui conter o riso, sentindo a sua baba molhada.

— Au! — Billy latiu, balançando o rabo; seu latido era fino e agudo comparado ao latido da sua "outra forma".

Meu tio sorriu e chegamos em casa. Quando entrei, minha mãe logo perguntou:

— O que achou do seu presente, filho?

— Curti pra caramba! — respondi alegre.

— Já até preparei uma casinha pra ele — disse Bruna.

Billy latiu de felicidade quando eu o coloquei no chão. O cachorrinho ficou correndo pela sala, sem rumo, provocando risos de todos nós.

O resto do dia foi normal e, já à noite, fechei a janela do meu quarto e fui dormir, com medo de ter outro pesadelo. Graças a Deus, tive uma noite tranquila.



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