Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 3: A garota dos olhos de esmeralda

Perplexidade talvez fosse a palavra certa para resumir o que estava estampado no rosto de todos os que esperavam por uma violenta pancadaria. Isso porque eu simplesmente bloqueei o punho de um grandalhão numa velocidade fora do normal, após o filho da mãe tentar acertar a Sophia.

O refeitório ainda estava em extremo silêncio enquanto eu fazia força para segurar a mão do valentão. Mas logo voltaram a gritar:

— Briga! Briga! Briga!...

Ficou evidente que a briga era mais importante que o movimento incrível, por mais extraordinário e assustador que fosse.

O braço daquele cara estava pesando. Para piorar, enquanto eu segurava seu soco, o loiro (o outro grandalhão) se preparava para me atacar pela lateral, fazendo o meu sangue gelar.

— Pare com isso, Júlio! — Uma voz firme bradou por todo o refeitório, calando a multidão quase que de maneira instantânea.

Pessoas foram dando espaço para o homem passar, um sujeito alto de aparência bem cuidada e expressão séria. Por cima dos olhos firmes, suas sobrancelhas eram grossas, escuras como os cabelos curtos. Ele vestia um terno risca-de-giz preto bem passado por cima da camisa branca e usava uma gravata bonita, azul-escuro com listras diagonais pretas.

A barulheira havia cessado; agora estavam todos em extremo silêncio, atenciosos.

— S-seu Pacheco? — Júlio mostrou-se assustado. Recolheu o braço sem pensar duas vezes, assim como o parceiro. — E-eu… eu posso explicar.

— Ah, claro que pode. Mas lá na minha sala.

Os alunos estavam assustados, observando a cena com receio.

Natsuno se aproximou do diretor com certo respeito e disse, quase implorando:

— Seu Pacheco, não me leva, por favor, eu só estava defendendo o meu amigo desses... caras. — Ele provavelmente iria dizer outra palavra, desistindo no último instante. — Eu sei que já fiz muita burrada, como encher o banheiro feminino de papel higiênico molhado, mas dessa vez eu juro, não fizemos nada.

— Não se preocupe, garoto — disse o diretor, sem sequer lhe dirigir o olhar. Encarava apenas os grandalhões, um a um. — Conheço bem esses três.

Ele me olhou de relance — o que me provocou arrepios, pois seus olhos mudaram para um vermelho vivo — depois deu meia-volta e seguiu em direção à diretoria, levando consigo os três valentões, que ainda nos fuzilaram com o olhar antes de acompanhá-lo, como se quisessem dizer que estávamos mortos; os alunos abriam passagem com rapidez.

Enfim, a multidão começou a se desfazer. E então eu levei um susto.

— Eu estou de olho em você! — advertiu Abigail em tom agressivo. — Seu pirralho!

— Hã, tá — falei no automático, pego de surpresa. “Chegou atrasada, senhorita Abigail” era o que eu na verdade queria dizer. Mas ela não me deu mais atenção e caminhou em direção à diretoria, imaginei que para acompanhar a conversa do diretor com os três grandalhões.

“Essa mulher é um pouquinho estranha” pensei.    

Bateu o sinal e todos voltaram para as suas respectivas salas através da escada que levava aos andares superiores, enquanto eu ainda observava os valentões acompanhando o diretor, pensando na sensação que sentira perto deles — e perto do diretor também.

— Liga não, maninho — comentou Natsuno comigo. — Eles não são de receber bem os novatos.

— Acho que percebi — disse eu.

Natsuno, Pedro e Jhou caminharam em direção à escada seguindo a multidão de alunos uniformizados, grande parte comentando sobre a "quase-briga". Eu conseguia ouvir os comentários de longe.

Dei uma olhada em torno e lá estava Ricardo, bem distante das outras pessoas, subindo as escadas devagar. Por algum motivo, senti uma pontada de tristeza por ele, talvez por lembrar da solidão que vira em seus olhos mais cedo.

— Obrigado… hã, por me defender — agradeci à Sophia ainda parada em um canto como se estivesse se recuperando das cenas: o golpe que ia receber e, principalmente, o modo como o bloqueei, tão rápido quanto um flash de luz.

Eu te defendi? — ironizou ela. — Acho que devo uma a você.

— Que isso. — Senti que fiquei vermelho. Ela não segurou o riso, me deixando constrangido. — O que foi?

— Ah, nada — sorriu ela. Me olhava com olhos tão encantadores que conseguiram acalmar a adrenalina que eu estava sentindo no peito. — É que você fica muito fofinho quando está envergonhado. — Então passou a mão no meu rosto de forma carinhosa e acrescentou: — Vamos voltar pra sala, meu herói, todos já subiram.

E era verdade. Éramos os únicos no refeitório.

— Vamos — concordei, demorando um tempo para me dar conta de que ela me chamara de "meu herói".

Sorri sem graça, mas acho que ela não percebeu.

E, juntos, voltamos para a sala.

 

As duas aulas seguintes foram normais, a não ser o fato de a minha cabeça estar quase estourando de tanto escrever. Uma coisa que eu odiava era ficar sentado numa cadeira fazendo lição. Era mesmo algo que me tirava a paciência. Somente na última aula que eu consegui respirar melhor, pois o professor de Química, o careca que quase não me deixou ir ao banheiro no outro dia, nos deixou livres para conversar.

E o assunto na sala era o incidente do refeitório. O engraçado era que as pessoas não comentavam o meu movimento sobrenatural e a forma que defendi a donzela Sophia, e sim a forma como eu me safei dos grandalhões com a aparição do diretor. Meu novo apelido provavelmente seria “novato sortudo”, o que não me agradava nem um pouco. E aqueles olhos vermelhos atormentavam minha mente pra caramba. Não era possível que eu estava tendo alucinações.

Na hora da saída, decidi fazer uma coisa ousada. Chamei meus amigos e os conduzi até uma certa pessoa. Eles não entenderam o que eu queria, mas decidiram me seguir.

Ricardo já estava no final da praça, prestes a atravessar a avenida, mas conseguimos chegar a tempo. Eu o chamei:

— Ei, Ricardo.

Ele parou e se virou. Seus olhos cinzentos me analisaram com desprezo. Chegamos mais perto e comecei:

— E aí, cara, eu sou o Diogo e esses aqui são o Natsuno, o Pedro e o Jhou. — Ricardo nada disse. Parecia longe dali. Insisti: — Eu, hã, percebi que você não tem amigos e sei como se sente... — Notei que ele estudava o Pedro com uma curiosidade diferente, no entanto, eu continuei: — Então, é… nós quatro queremos ser seus amigos... Você aceita?

Se eu já estava com vergonha, ela só piorou quando ele me dirigiu um olhar de puro desinteresse, no qual senti uma frieza gigantesca. Observei-o atento, esperando por alguma resposta.

Mas ele bocejou, tossiu e depois continuou seu caminho — o mesmo que o meu, devido ao fato de morarmos no mesmo bairro.

— Primeiramente — disse, de costas — odeio ser chamado de Ricardo. Prefiro que me chamem de "Riku". E vou ser breve e claro: não preciso de amigos.

Embora sua voz fosse tranquila, levava um forte tom de arrogância. Com isso, ele atravessou a avenida e nos deixou naquela praça em completa frustração.

Meus amigos e eu trocamos um olhar constrangido. Por essa ninguém esperava.

— Que mico — Jhou foi o primeiro a dizer, olhando em volta, certificando-se de que não havia ninguém por perto. — Até fiquei com fome depois dessa.

— É, Dio, parece que já sabemos o porquê de ele não ter tantos amigos assim — disse Natsuno, ainda olhando para Ricardo (ou Riku) de forma esquisita.

— Ele… ele só falou sem pensar — falei, porém sem convicção alguma. — Qualquer dia a gente tenta de novo.

— Você que sabe. — Ele deu de ombros.   

Depois disso, nos despedimos e eu voltei para casa, sentindo-me péssimo.

 

Eu sentia que alguém continuava me seguindo, e seguindo de perto. Enquanto andava, sempre olhava em volta receoso, com uma leve sensação de perigo. Não sabia por que, mas estava nervoso, com medo de algo ou alguém. Me perguntei se poderia ser devido ao pesadelo que tivera na outra noite, envolvendo a sombra de olhos vermelhos.

Continuei.

Eu pensava na Sophia e naqueles caras, na covardia de quererem bater em uma garota indefesa. E claro: pensava também na forma como a defendi.

O valentão estava a, tipo, uns dois metros de mim, e eu me movi como se ele estivesse ao meu lado. Agora, de onde viera aquela velocidade toda, eu não fazia ideia.

Apesar de manjar das artes marciais devido aos treinamentos que recebia do tio Michael desde pequeno, aquilo era impressionante até demais. Só pensei em proteger Sophia e, quando me dei conta, já estava lá, defendendo ela. Eu me perguntei se era a adrenalina de querer defender alguém importante. Porque a Sophia era importante para mim.

“Deve ser isso mesmo” pensei, senão qual seria a explicação?

A metade do caminho era uma rua deserta com muros à esquerda que separava o bairro da floresta que se estendia pelo sul da cidade. No momento em que passei ao lado da entrada desta floresta, acabei vendo, pelo canto do olho, alguma coisa se mexendo no mato, do outro lado do portão enferrujado, o suficiente para me fazer parar. Olhei para o monte de arbustos e não havia nada.

Estranhei.

Senti um arrepio diferente, como se já o tivesse sentido antes. Quando voltei a caminhar, novamente o mato se mexeu.

Engoli em seco.

O portão estava trancado e possuía uma placa velha que dizia: FLORESTA FECHADA: NÃO ENTRE!. Diante das grades de ferro, a floresta se estendia numa escuridão imensa, me fazendo questionar o que havia dentro dela. Definitivamente, não pularia para saber, pois o portão tinha uns dois metros e meio de altura. E... digamos que eu não gostava muito de florestas.

Um pouco amedrontado, continuei meu caminho, ainda com uma leve sensação de perigo.

 

Os acontecimentos da manhã me atormentaram por tempo suficiente a ponto de eu pensar em procurar um psicólogo. E como tudo na vida pode piorar, quando minha mãe e eu estávamos assistindo TV após o almoço, o meu programa de comédia favorito foi interrompido por um noticiário:

— Agora a pouco — começou a repórter, uma mulher jovem e bonita — foram encontrados cerca de vinte e seis túmulos abertos no Cemitério Pascoal, localizado ao oeste de Honorário. Os vizinhos afirmam não terem visto nada de suspeito. Além dos caixões abertos, o porteiro que cobria o turno da noite foi encontrado morto nas dependências, aparentemente com mordidas de animais pelo pescoço. Ninguém sabe o que aconteceu, mas a polícia já iniciou as investigações e a prefeitura afirmou que irá reforçar a segurança do cemitério. Mais notícias a qualquer momento. 

Então o programa retornou.

Túmulos abertos num cemitério de Honorário... Eu me perguntei que tipo de bandido roubaria cadáveres. Sem dúvidas, algo muito esquisito e anormal.

— Essa cidade é bem estranha — disse minha mãe. Tive que concordar.

Decidi dar uma volta no parque, talvez assim relaxasse um pouco a mente — o que eu estava necessitando muito.

 

Eu me sentei soltando um longo suspiro, porque as coisas não estavam sendo fáceis. O pior era que eu sentia algo estranho, como se alguém estivesse se aproximando. Eu estava ficando louco.

Alguns rapazes jogavam bola na quadra descoberta da praça. Presumi que toda tarde era assim. Eu sentia vontade de fazer novas amizades no bairro, já que os únicos amigos que fizera, até o momento, foram na sala de aula: um garoto extrovertido, um grandalhão comilão e um loiro muito quieto — que teve os olhos azuis alterados para um vermelho-sangue no nosso primeiro encontro. Isso eu não conseguia esquecer. Parecia até que eu estava dentro daqueles filmes de vampiros no qual as criaturas estavam por toda parte, disfarçadas, esperando a hora certa para dar o bote. Como se não bastasse aqueles valentões e o professor de História me perseguindo, ainda tinha o diretor…

Imerso em meus pensamentos, de repente ouvi uma voz:

— Oi — disse alguém ao meu lado.

Alguém me cumprimentando fora da escola! Quase pulei do banco com o susto. Quando olhei para ela — uma garota —, fiquei admirado com os seus olhos. Tipo, muito admirado.

— Quem é você? — Foi o que saiu da minha boca.

— Eu me chamo Zoe.

A garota sorriu de forma carinhosa. Possuía impressionantes olhos verde-esmeraldas. Detalhe: essa tal Zoe era uma garota morena. Sua pele não chegava a ser tão escura, mas bastante bronzeada. Seus longos cabelos castanhos desciam livres por suas costas em cachos elegantes, e ela vestia camisa e short verde, uma combinação que sincronizava com seus olhos. E que olhos!

Fiquei sem palavras. Ela meio que percebeu, mas continuou me fitando com aquele olhar penetrante.

— E você é o Diogo, certo?

Dessa vez, acho que enrubesci.

— Como você sabe?

— Você é novo — riu ela. — A vizinhança inteira está falando de você. Normal, eu acho.

Eu me senti uma celebridade monitorada por paparazzis — e acredite, a sensação não é muito boa.

— Certo... Zoe. Sou eu mesmo.

Ela sorriu.

— Eu posso me sentar?

Embora tentasse soar uma pessoa simpática e receptiva, notei um tom de timidez em sua voz. Eu, por outro lado, não conseguia parar de reparar em seus olhos esverdeados. Eram mais lindos que diamantes.

Subitamente percebi que a Zoe ainda esperava minha resposta. Eu disse:

— Fique à vontade.

E ela se sentou ao meu lado.

A tensão predominou enquanto ficávamos em silêncio e a timidez tomou conta de mim por estar ao lado de uma garota linda. Tentei distrair a mente assistindo à partida de futsal na quadra ou pensando nas pessoas dos olhos vermelhos, mas nada tirava o nervosismo de dentro de mim. Eu sentia algo estranho, como se o meu sangue estivesse prestes a entrar em erupção. Quando estava quase me acalmando, ela disse:

— Parece que você não está muito confortável.

Pode parecer estranho, mas senti uma mescla de sinceridade e carinho em sua pequena frase.

— Parece, é? Está tão claro assim?

— Um pouco — disse ela sorrindo. — Você parece bem pensativo. E é a segunda vez que vem ao parque desde que chegou.

Sem controlar, olhei para ela.

— Sei disso porque eu também venho aqui quando quero pensar — explicou.

— Então você também não está muito satisfeita — presumi.

— Quase isso.

Voltei a olhar para a quadra, mas sem me interessar pelos garotos jogando bola. De alguma forma, eu até estava me sentindo melhor, uma vez que finalmente encontrava alguém que parecia entender o que eu estava sentindo. Decidi perguntar:

— Qual é o seu motivo? Digo, para vir ao parque?

Ocorreu-me que ela poderia estar passando pela mesma situação que a minha, sobre ver pessoas com olhos vermelhos. Ou não.

Esperei pela resposta.

— Acho que ficar sem alguém para conversar me deixa assim. Sabe, o meu único amigo eu só vejo na escola. É chato morar num lugar há dois anos e não ter amizade com ninguém.

— Então... você também veio de outro lugar — concluí o óbvio.

— Interior de Minas Gerais. Lá eu tinha alguns amigos, pelo menos. Já aqui…

Zoe pareceu mesmo um pouco abalada.

— Eu sei como é — falei, tentando consolá-la. — Acho que temos algo em comum, então.

Eu a olhei e ela sorriu, retribuindo o olhar. E novamente o meu coração acelerou, enquanto eu encarava aqueles surpreendentes olhos de esmeralda.

Desviei o rosto, sem jeito.

E mais um instante de silêncio se formou entre nós. Eu não sabia o que dizer, já que mal a conhecia. Também não podia contar o que andava vendo a um estranho. Zoe podia ser meiga e amigável, mas isso não queria dizer que eu poderia confiar nela. Sem mencionar que ela poderia achar que eu era louco caso falasse sobre olhos vermelhos.

— Você pode confiar em mim — disse ela. 

Pensei que estivesse lendo os meus pensamentos. Eu considerei por um momento, mas pensei melhor e concluí que o ideal era guardar tudo para mim. Precisava desabafar com alguém, mas esse alguém... eu ainda não fazia ideia de quem poderia ser. Talvez o meu pai — mas ele estava longe. Assim como o tio Michael.

Respirei fundo, aturdido. Os garotos continuavam jogando bola enquanto o sol brilhava forte lá no céu, mas logo esfriaria, a considerar pelo vento.

Zoe se levantou e ficou de frente para mim, me olhando com aqueles belos e penetrantes olhos, brilhantes feito cristais. Abriu um lindo sorriso e disse:

— Vou indo, Diogo, está ficando tarde. Já faz um tempão que eu estou por aqui. Minha mãe é muito chata pra essas coisas.

Olhei-a fixamente nos olhos.

Como era linda…

Senti que ela era confiável, como se a conhecesse há anos — ou de uma vida passada.

— Você tem razão — disse eu. — Daqui a pouco eu vou pra casa também.

Zoe tornou a sorrir e acenou, dizendo:

— Até mais, então.

Um pouco sem jeito, acenei de volta e ela foi embora, andando pela estradinha para ciclistas do parque de maneira tranquila. Quando já estava um pouco distante, tomei coragem e gritei:

— Nos vemos qualquer dia, então?

Zoe confirmou com a cabeça, ainda sorrindo. Sem saber o porquê, fiquei feliz com aquilo. Talvez por finalmente ter encontrado alguém que me entendia.

 

O céu já estava alaranjado quando voltei para casa, um pouco mais aliviado, depois de refletir bastante — a verdade é que eu fiquei pensando apenas em coisas boas, como nos momentos que vivia com o meu pai e o meu tio em Belém e as travessuras que fazíamos. 

Minha mãe estava na cozinha. Assim que ouviu o barulho da porta se abrindo, me chamou.

— O que foi, mãe?

— Dio, semana que vem nós vamos fazer umas comprinhas — respondeu enquanto preparava o jantar. Parecia mais contente que o normal. Tinha algo por trás.

— Compras? Por quê? — indaguei, pois não precisávamos de nada. O armário estava cheio, quase não cabendo coisa alguma. Ela não iria às compras, a não ser que...

— Seu pai virá nos visitar!

Ela me olhou animada e sorriu em tom de comemoração. Depois dessa notícia eu quase dei um salto-mortal de tanta alegria.

— Meu pai? — Eu ainda estava meio abobado.

— É, e eu quero fazer um jantar delicioso pra nós três.

Era impossível não ficar feliz, pois meu pai vinha nos visitar uma ou duas vezes por mês e, sempre que ele vinha, nós nos divertíamos muito — e diversão era o que eu mais precisava naquele momento.

 

Quando chegou a hora de dormir, outro pesadelo. O corredor estava silencioso e vagamente iluminado pelos raios da lua que penetravam através de uma janela de vidro. Reconheci o ambiente na mesma hora: o interior do colégio Martins.

Eu estava de frente para a sala 2, olhando para o lado de dentro, quando uma presença estranha fez minhas pernas bambearem de medo. De alguma forma, eu sabia que havia algo lá dentro, imerso na escuridão e se aproximando!

Dei meia-volta e corri desesperado rumo às escadas, perseguido por aquela coisa. A escola estava assustadora, tão pacata que eu só conseguia ouvir o som dos meus passos apressados — e os de quem quer que estivesse atrás de mim. Estava me alcançando! Meu coração parecia mutilar o pulmão. Uma voz feminina gritava ao meu ouvido, apavorada:

— Corre Diogo, corre! 

Eu não fazia ideia de quem era, muito menos de onde vinha.

A coisa se aproximava com rapidez, me deixando em completo desespero! Como não sabia do que se tratava, dei uma rápida olhada para trás — e vislumbrei apenas uma forma negra como se fosse um vulto cujo destaque estava nos olhos avermelhados.

Desci as escadas com o coração quase saindo pela boca.

Agora corria pelo pátio escuro. A enorme porta de entrada estava escancarada. Raios de luz do luar iluminavam o chão em forma de feixes. Passei às pressas pela porta, desci os três degraus, saí da escola e atravessei a pequena estrada reservada para os carros dos pais dos alunos. Já podia sentir a grama fofa da praça do colégio.

O bairro estava macabro naquela noite, como se todos estivessem dormindo. Nenhum sinal de vida ou de carros na avenida.

Olhei novamente para trás e notei que a coisa estava a apenas alguns metros de mim! Corri sem parar. Outra voz gritou, agora uma masculina:

— Vamos, Diogo, você consegue!

Tornei a olhar para trás. Menos de um metro era a distância entre mim e a criatura. Foi quando olhei para frente na hora exata em que esbarrava em alguém que estava de costas.

“Graças a Deus estou a salvo” pensei comigo mesmo, caído no chão.

Só que eu estava enganado quanto a isso.

A pessoa a qual eu esbarrara também era uma sombra! Ela se virou para mim e me deparei com olhos que cintilavam num verde fantasmagórico; então o estranho me agarrou com selvageria e apertou minha cabeça com força. 

Gritei...

Levantei num pulo, aflito, em completo pavor. Meu sangue estava fervendo, e eu sentia que havia alguém me observando.

Por algum motivo, ergui os olhos e vi marcas de queimaduras acima de mim. Vestígios negros demarcavam o teto do meu quarto, disforme e irregular.

De repente, senti uma dor de cabeça infernal!

Eu não conseguia me mexer, algo me sufocava. Parecia que o mundo estava acabando! Tentei gritar, mas não saiu nada. O desespero invadiu o meu corpo. Parecia impossível resistir. Não conseguia controlar a dor, como se meu cérebro fosse explodir.

Senti que estava perdendo os sentidos, a consciência. Meu coração estava parando — ou pelo menos eu sentia isso. Um vento gelado e sufocante passou por mim, me deixando arrepiado e ainda mais desesperado, o que era impossível!

Minha vista ficou embaçada, e eu estava quase desmaiando, fazendo esforço para olhar em torno, pois sentia uma presença horrível. Foi quando numa fração de segundo antes de eu ficar inconsciente, vislumbrei a janela do meu quarto aberta e uma sombra saindo…

E tudo ficou escuro.



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