Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 16: Armadilha mortal

Por mais irônico que pareça, a felicidade maldosa do Riku o transformou em um cara ainda mais assustador do que os treze vampiros juntos. Ele berrou feito um psicopata e avançou na direção do trio de vampiros no meio da clareira, erguendo a sua lâmina prateada que, mesmo diante do crepúsculo, reluzia muito forte.

— Ele tá louco de atacar pela frente?! — Natsuno pareceu espantado.

— Não são evoluídos, seu idiota! — gritou Riku dando uma rápida olhada por cima do ombro.

Voltou a atenção para os vampiros, já muito próximos, e saltou. Naturalmente, os vampiros esperaram com as garras prontas para cortar, mas foram surpreendidos quando Riku fez um surpreendente movimento giratório no ar e os atingiu pela lateral, derrubando-os com uma voadora perfeita.

Eu fiquei sem palavras — e engoli em seco lembrando que quase o enfrentara.

Riku pousou em pé e enfiou sua espada no peito de cada um muito depressa, sem sequer dar-lhes a chance de gemer de dor. Os gemidos dos vampiros foram sufocados pela rápida desintegração.

Eu estava surpreso. Pareciam tão ameaçadores... E foram mortos como se não passassem de bonecos.

Riku era mais forte do que eu imaginava.

— AAAAAARGH!!! — gritou alto um vampiro que estava em um galho não muito longe de onde eu estava. Quando olhei na direção dele, Natsuno estava matando-o com um talho no peito. Como ele parara ali tão de repente, eu não fazia ideia.

Um arrepio fez o meu corpo ficar em alerta no exato momento em que dois vampiros branquelos avançaram na minha direção com as garras erguidas. Mostrando suas presas caninas, eles me atacaram. Eu passei a Takohyusei para a mão esquerda e desviei para a direita, escapando por pouco de um corte. O vampiro se desequilibrou e quase caiu atrás de mim, depois tive que abaixar para desviar do chute do segundo.

Eu não perdi tempo e contra-ataquei.

Ataquei com um gancho no queixo e girei o corpo 180 graus, acertando o outro com um chute forte nas costas, derrubando-o. Aquele que eu acertara com o gancho levantou-se atrás de mim, sua boca sangrava, e eu me assustei quando ele fez menção de cravar seus dentes em mim, pois estava a poucos centímetros e morderia o meu pescoço. Não haveria tempo de reagir!

Mas ele parou. Em seguida, virou pó. Eu me virei e vi a ponta de uma lâmina roxa em seu peito, um ataque que veio por trás. Quando o vampiro se desintegrou por completo, pude ver Natsuno com uma expressão séria.

— Hã, valeu — eu disse.

— Não vou deixar aquilo acontecer de novo — foi a única coisa que Natsuno disse. Ele arregalou os olhos por sobre os meus ombros e logo imaginei o motivo. Virei para o vampiro que estava se levantando e desferi um golpe exatamente em seu peito com a minha espada.

Nojento talvez fosse a palavra certa para descrever a sensação de enfiar uma lâmina no corpo de alguém. Era a mesma coisa que enfiar uma faca em um saco de areia. A diferença é que a areia não sangra.

O vampiro ainda engasgou sangue antes de se tornar um monte de areia. De repente, uma batalha que estava ocorrendo no centro da clareira chamou minha atenção.

Riku trocava golpes com três grandalhões de uma só vez; parecia feliz, mas de uma forma sombria. A superioridade de seus ataques era nítida, como também percebi um estilo condizente com o Taekwondo — ele chutava repetidas vezes, utilizando pouco seus punhos, enquanto a espada ainda permanecia em sua mão esquerda. Riku era mesmo um ótimo lutador.

— Ei, Dio, bora pegar aqueles ali! — Natsuno apontou para uma dupla de vampiros que estava em uma das extremidades da clareira.

Eu assenti e nós avançamos. Natsuno correu na direção do vampiro da esquerda e eu na direção do vampiro da direita, pronto para dar-lhe um golpe. O que não aconteceu. O vampiro desviou e me atingiu com suas garras. Fez-se um corte fino no meu braço esquerdo, e sangue começou a escorrer. Ignorando a dor, eu não baixei a guarda. O vampiro  tentou me atingir novamente, mas segurei seu braço direito e tentei lhe atacar com a minha espada afiada outra vez, porém fui bloqueado.

O vampiro segurava meu braço esquerdo enquanto eu segurava o dele com o direito, fazendo, então, uma espécie de X com os braços. Nós nos encaramos, por um segundo senti um arrepio muito grande olhando aquelas enormes íris escarlates e assustadoras, que pareciam me puxar para um mar de sangue para então me afogar. Exatamente a mesma sensação de quando encarei os olhos dos grandalhões do colégio e os do diretor; nas duas situações eu não consegui mexer o meu corpo.

— Dessa vez não — falei trincando os dentes.

Combati o que eu percebi que era medo e atingi a criatura com uma joelhada no estômago no exato momento em que ela fazia menção de me morder. O golpe foi suficiente para fazê-la baixar a guarda e me possibilitou desferir um último ataque; concentrei forças na Takohyusei e cortei a garganta do vampiro. A cena nojenta que veio a seguir conseguiu superar todas as outras. Acredite: não é muito bonito ver um vampiro com a cabeça decapitada. Tive a sensação de que ele me agarraria mesmo sem o crânio.

Cabeça para um lado, corpo para o outro, em seguida enfiei a espada no peito do inimigo e ambas as partes se desintegraram, sobrando apenas uma poça de sangue escuro no chão

Riku já havia derrotado dois dos vampiros e lutava apenas contra um agora. Natsuno já havia destruído seu adversário e estava enfrentando outro a oeste da clareira. O vampiro que restara tentou fugir, mas Riku o impediu. Natsuno derrotou o vampiro com o qual estava lutando enfiando a lâmina da Takohyusei em seu peito e Riku, em um único ataque com a sua espada, destruiu o que tentara fugir, cortando-o na diagonal ao meio, comprovando que as nossas lâminas eram mesmo bem afiadas.

— Essa raça é tão inútil que seria um desperdício utilizar minhas técnicas — disse Riku.

Todos os vampiros haviam sido exterminados.

Soltei um longo suspiro de alívio, finalmente sentindo a dor do corte feito pelas garras do vampiro no meu braço esquerdo, então coloquei minha mão direita sobre a ferida, mordendo os lábios.

O importante era que estávamos vivos.

— Podem ficar com o pó — tornou a dizer Riku, dessa vez com a voz calma, fazendo a Takohyusei voltar a ser o anel prata e o colocando no dedo anelar da mão direita. Estava limpinho e brilhante, sem sequer um vestígio de sangue das aberrações. Riku suspirou e caminhou em direção ao sul da clareira. Não tinha mais a expressão “feliz-psicótica” de momentos atrás, o que era um alívio. Antes que ele adentrasse na floresta, eu ainda perguntei, em um “quase-grito”:

— Ei, Riku, por que você nos ajudou?

Ele parou e voltou seus olhos para mim com uma expressão tão calma quanto seus passos. Mas ele não respondeu. Voltou a caminhar e desapareceu no meio da escuridão da floresta, deixando Natsuno e eu trocando um olhar meio confuso mesmo de longe.

Natsuno caminhou até mim suspirando de cansaço assim como eu e senti o suor gelado em algumas partes do meu corpo quente.

De repente, uma coisa veio à minha cabeça:

— O encontro!

Mas no meu relógio marcava cinco e vinte e oito. “Droga!” pensei, chutando uma pedra. Estava muito atrasado e, mesmo se fosse me encontrar com a Sophia, estava sujo e tinha um corte no braço.

— Dio, você pode tomar um banho lá em casa. — Natsuno finalmente chegou até mim. — Posso até te emprestar uma roupa.

— Obrigado — disse eu, porém insatisfeito; Natsuno forçou um sorriso. Sabia que o encontro era importante para mim.

Ele pegou seu celular de um dos bolsos da calça e apertou um botão. De repente, vários frascos vermelhos cristalinos se materializaram de um líquido que escorrera do aparelho para o chão. Fiquei de boca aberta. Nunca tinha visto algo do tipo. 

— Vamos coletar todo o pó — disse ele, pegando os frascos.

 

Vinte minutos depois e eu estava na casa do Natsuno tomando um banho. Enquanto estava debaixo do chuveiro, muita coisa passava na minha mente feito um trem chegando e partindo de uma estação: o porquê dos vampiros me atacarem, a ajuda do Riku e, por fim, o (não) encontro. Imaginei que Sophia nunca mais iria querer olhar na minha cara. Ela provavelmente havia ficado esperando. E eu não tinha muita confiança de que ela acreditaria na minha versão da história sobre a armadilha dos vampiros.

Eu começava a perceber que ter vida de caçador não era uma coisa muito fácil.

Vesti a roupa que Natsuno me emprestara — que era de mangas longas, assim escondendo o corte do meu braço esquerdo (protegido por um curativo) — e dirigi-me ao seu quarto, encontrando-o sentado na ponta de sua cama, pensativo. Quando me viu, Natsuno falou me encarando com seus olhos azul-escuros:

— Dio, aqueles vampiros queriam algo em especial com você. 

— Tipo o quê? — eu indaguei, pois ele poderia saber de algo.

— Não faço ideia. Normalmente os vampiros preferem ficar longe dos caçadores, ainda mais você que faz parte do clã Kido.

Natsuno tinha razão. O diretor da escola me vigiava dia e noite, querendo algo que eu não sabia o que era. Ele poderia me matar a qualquer momento. Poderia, mas não matou. Isso tudo era estranho. Eu também andava tendo aqueles sonhos esquisitos, que não faziam sentido algum. Sem mencionar o motoqueiro misterioso.

Decidi mudar de assunto.

— Natsuno, eu vi a forma como você ficou quando fomos cercados. Isso tem a ver com... a emboscada que matou seus amigos, né?

A expressão no rosto do garoto mudou e ele desviou o olhar para o chão. Pude ver seus olhos enchendo-se de lágrimas, mesmo ele estando de cabeça baixa, aparentemente, sem coragem de olhar para mim.

— Natsuno? — chamei relutante.

Ele sorriu, voltando a me olhar.

— É passado, maninho. Deixa isso pra lá.

Embora disfarçasse bem, eu me senti péssimo por ele. Imaginei o quão doído era conviver com aquele tipo de lembrança. Decidi que nunca mais mexeria nas feridas. Eu não queria vê-lo entristecido novamente.

— E por que o Riku nos ajudou? — tornei a mudar de assunto, caminhando até a única janela do quarto. A noite começava a aparecer, deixando apenas um fraco tom alaranjado no fim do horizonte.

— Essa é uma boa pergunta. — Natsuno também se levantou. — O mais estranho é que ele deixou o pó dos vampiros para nós.

— Isso está muito estranho mesmo. Logo o Riku, que é de uma tribo rival…

— Acho que ele é diferente dos outros membros de seu clã, sabe? — Natsuno apareceu ao meu lado e também voltou os olhos para o lindo céu que se tornava azul-marinho. Uma linda noite para um encontro com uma linda garota.

Evitei pensar naquilo.

— Esse cara é meio estranho — falei. — Uma hora quer matar o Pedro; então, decide nos ajudar. E ele é bem forte.

— Mas aqueles vampiros eram dos comuns, maninho. Não eram tão fortes assim. Além do mais, estávamos em três.

Até que enfim alguém estava falando sobre “vampiros comuns”. Meu pai, por exemplo, vivia dizendo que os vampiros que haviam me atacado não eram normais, como se fosse normal haver vampiros. Entretanto, pude notar uma grande diferença entre os vampiros da armadilha e o vampiro do estacionamento. Os treze da armadilha não eram tão rápidos.

Eu me despedi do Natsuno e voltei para casa. Quando passei pela praça do colégio Martins, mais uma vez eu me lembrei do encontro. Pensei em como a Sophia deveria estar se sentindo, considerando que eu sequer lhe dei alguma satisfação. Embora a culpa não fosse minha, o constrangimento da parte dela era inevitável. Ainda mais para uma garota como ela – uma das mais populares entre os alunos, segundo o Natsuno, acostumada a dar o fora nos outros garotos, segundo uma de suas amigas.

— Parece que caí numa armadilha mortal — falei a mim mesmo, enfurecido com aqueles vampiros, que agora eram pó e estavam em frascos cristalinos vermelhos que Natsuno guardou no seu guarda-roupa, o que não diminuía a minha raiva.

 

— Cheguei! — avisei, assim que entrei na cozinha.

— Chegou cedo, Dio — disse minha mãe, terminando de aprontar o jantar.

Subi ao meu quarto e pulei na cama sem trocar de roupa. A sensação de estar descansando depois de uma batalha intensa era ótima, aliás, arrebentamos! 

Uma empolgação me envolveu, pois havíamos feito uma coisa boa para a sociedade. Fiquei imaginando meu pai sabendo da nossa aventura, o quão orgulhoso ficaria quando soubesse que eu e mais dois adolescentes havíamos acabado com treze vampiros de uma só vez.

Mas então tornei a ficar deprimido, quando Sophia retornou aos meus pensamentos. Eu queria muito ir ao encontro e passar a noite de sábado com ela. “Se eu ao menos pudesse voltar no tempo e ter pego outro caminho…” pensei.

Então me perguntei se os vampiros me perseguiriam até o shopping. Não seria nada legal caso ela também fosse vítima deles por minha culpa.

No fim das contas, decidi que foi melhor assim. Havia perdido o encontro, mas pelo menos a Sophia estava bem. Com raiva de mim, provavelmente, mas bem, e isso já era o suficiente.



Comentários