Volume 1 – Arco 1
Capítulo 14: O jogo da superação!
— Hoje faremos um treino coletivo — avisou o treinador Rubens Almeida quando já estávamos todos reunidos no banco de reservas, na última aula.
— Professor — disse Marcelo um pouco receoso —, você não acha que é muito cedo para um coletivo?
— Muito cedo? — ironizou Rubens, encarando-o nos olhos com uma sobrancelha arqueada. Sua voz era firme e calma ao mesmo tempo, mas soava como uma lâmina afiada. — Marcelo, por acaso você deseja treinar o time no meu lugar?
Isso fez com que o garoto ficasse sem graça e o treinador com uma sensação de durão; muitos o olharam com certo respeito, outros com raiva.
— Não, senhor — respondeu ele com uma fúria contida
— Então vamos começar. — O homem virou-se para todos. — Dois tempos de quinze minutos cada, com um intervalo de cinco. Ah, e será o time titular contra o time reserva.
Houve uma expressão de surpresa no rosto da maioria dos garotos.
— Mas isso é injustiça! — protestei sem perder tempo. — Não seria melhor mesclar todo mundo?
Rubens me fuzilou com o olhar, como se estivesse prestes a me bater e, por um momento, tive até uma sensação de que ele fosse um vampiro!
Ele apenas ignorou e montou os times, escrevendo, com caneta preta, em uma das folhas da sua prancheta, a escalação:
TIME TITULAR:
Goleiro - Lucas
Zagueiro 1 - Jhou
Zagueiro 2 - Mike
Lateral direito - Anderson
Lateral esquerdo - Thiago
Volante - Pedro
Ala direito - Luan
Ala esquerdo - Otávio
Meia-armador - Marcelo
Atacante 1 - Natsuno
Atacante 2 - Riku
— Pronto — disse com satisfação. — O time titular já está pronto. Falta o reserva.
— Treinador — disse Natsuno. — Estamos com graves problemas no time reserva.
— Graves problemas?
— Sim. Não temos atacantes e nem goleiro.
O homem olhou para onde estávamos, os reservas, e seus olhos viajaram por cada um de nós, não deixando escapar ninguém, transformando aquele momento em um momento tenso, no qual ninguém ousava dizer absolutamente nada. Apenas observamos enquanto Rubens fazia a sua análise, olhando por cima dos óculos com olhos cor-de-mel.
— Deixa comigo — disse ele, afinal. Pegou sua prancheta e começou a escrever. Depois mostrou a todos nós:
TIME RESERVA:
Goleiro - (em branco)
Zagueiro 1 - Igor
Zagueiro 2 - Lincoln
Lateral direito - Samuel
Lateral esquerdo - Nícolas
Volante - Ari
Ala direito - Carlos
Ala esquerdo - Rodrigo
Meia-armador - Felipe
Atacante 1 - Rafa
Atacante 2 - Vinícius
— Sou meio-campo de origem — disse Rafa com um risinho de lado —, mas talvez eu dê certo no ataque.
— Eu também — disse Vinícius.
— Mas ainda falta o goleiro — percebeu Marcelo, então encarou o treinador.
Olhei para Rubens e, não sei exatamente por que, eu sabia que a vítima seria eu.
— Será o Diogo ou então o Kai — observou Pedro, olhando para mim e depois para o nerd que estava de canto, como se quisesse fugir do campo.
— Você — anunciou o treinador, apontando o indicador para mim.
Olhares irônicos voltaram-se na minha direção.
— Mas eu nem sou goleiro — tentei me defender de imediato.
— Não temos nenhum goleiro no time reserva — lamentou ele. — Mas é só hoje — garantiu.
Alguns garotos riram escondidos.
Não tive nada a fazer a não ser aceitar.
— E os capitães serão Marcelo e Diogo — finalizou o treinador. Embora surpreso, eu assenti. — Bom, agora que já temos os times, vamos começar!
Todos nos dirigimos ao gramado, o time titular com coletes amarelos e o reserva com coletes vermelhos. Natsuno ainda caminhou até mim, no meio do campo, e disse, em tom zombeteiro:
— Boa sorte no gol, maninho.
Ignorei a provocação ao máximo. Todos nos posicionamos, cada um na sua posição. O treinador pôs a bola no centro do campo e apitou: o jogo começou.
Foi tudo muito rápido: Natsuno tocou a saída de bola para Riku e Riku recuou para Pedro rapidamente, sem nem ao menos olhá-lo. Este tocou para o lateral esquerdo, Thiago, que correu e tabelou com Otávio, conduzindo a bola até a linha de fundo e passando fácil por um dos jogadores do meu time — nem cheguei a ver quem era. Depois mandou a bola para a área em um passe aéreo, e Riku cabeceou quase livre na marca do pênalti.
A bola ia no cantinho, mas eu consegui desviá-la com as pontinhas dos dedos mesmo sem pular, fazendo com que ela batesse na trave. O único azar foi que ela voltou para um Natsuno que estava sozinho na pequena área, que fez o primeiro gol. 1 a 0.
Natsuno comemorou sozinho, enquanto o treinador se mostrava satisfeito. Eu me senti indignado com ele, já que era uma desvantagem muito grande. Ele deveria misturar os titulares com os reservas!
Olhei para o meu time e todos estavam desanimados. Durante os toques de bola do time titular, percebi que todo o time reserva ficara mal posicionado: o lateral direito (Samuel) não ficou na sua posição, pois subiu demais para o meio de campo, deixando um furo na defesa. E o zagueiro Igor ficou parado perto do círculo central o tempo inteiro.
Peguei a bola no fundo do gol e a joguei para o Vinícius. Ele a pôs no centro do campo e, quando já estavam todos posicionados, Rubens Almeida autorizou a saída de bola.
Vinícius tocou para Rafa que tentou dar um passe na lateral direita, mas Samuel estava adiantado demais para pegar a bola, portanto sentiu-se frustrado ao avistá-la passando por suas costas e sair na lateral.
— Que droga, Samuel! — reclamou Rafa, irritado.
— Presta mais a atenção! — defendeu-se o lateral, também irritado.
E eles só voltaram ao jogo quando Thiago cobrou o arremesso lateral e Marcelo pegou na bola. Rafa tentou desarmá-lo — o que foi meio estranho, pois ele estava muito recuado para a sua posição de atacante —, mas Marcelo livrou-se facilmente e tocou a bola para um Luan que passava correndo no círculo central, à sua direita. Este dominou a bola já partindo ao ataque, muito veloz.
Percebi que havia apenas um zagueiro (Lincoln) por perto e o lateral esquerdo estava na nossa área. Luan driblou um dos nossos e tocou para Riku. Riku ajeitou livrando-se de Lincoln e, dali da meia-lua da grande área, arriscou um chute. A bola explodiu no travessão e foi para fora.
Não havia um que não estivesse surpreso com a tamanha força do chute. Deduzi que nem com cinco goleiros daria para impedir o gol — ou seja, apenas observei a bola batendo na trave à minha esquerda, sem reação.
— Boa, Riku! — ouvi Rubens gritando.
Peguei a bola para cobrar o tiro de meta e toquei na lateral esquerda para Nícolas. Ele correu com a bola até o meio de campo e, quando apareceu um marcador, rapidamente tocou para Ari, à sua diagonal. Ari tabelou com o Rodrigo e deu um passe para o Felipe, que estava a alguns metros da meia-lua da grande área do adversário.
Percebi que o Rafa — que volto a dizer, era atacante — não acompanhara a jogada, e Samuel estava muito adiantado, na lateral direita. Foi para ele o passe: Felipe, que estava de frente para a área, deu um passe forte rasteiro para um Samuel que penetrava na grande área com velocidade. Ele estava livre, uma vez que a linha de defesa errou. Samuel ficou cara a cara com Lucas e chutou forte no canto esquerdo do gol, mas o goleiro, num pulo de gato, espalmou a bola para escanteio, levantando-se logo em seguida.
Fiquei até feliz com o lance, porque para um time que mal pegava na bola e que quase havia tomado dois gols em cinco minutos, já tínhamos executado um ataque ótimo.
— Isso aí, Samuel! — gritei para motivá-lo. — Vamos, time!
Carlos foi cobrar o escanteio. Ele mandou a bola para a área, mas Jhou tirou de cabeça.
Pedro já dominou na meia-lua da área e disparou. Percebi que havia um furo na lateral direita devido ao nosso lateral Samuel estar ainda na área do inimigo. Pedro percebeu isso também, deu um passe para Otávio naquela direção, deixando-o livre. Este correu em velocidade máxima pela nossa lateral direita, passou pela linha do meio de campo e, quando finalmente ia surgir um zagueiro nosso para bloquear, Otávio tocou para Marcelo mais à frente. Marcelo estava perto da área, e notei que o outro zagueiro ainda estava no meio de campo. Marcelo conduziu a bola até a meia-lua com habilidade, até aparecer o Nícolas, barrando a sua passagem. Então ele deu um corte para a direita — eu me preparei, para o caso de ele chutar — mas tocou para Natsuno, que penetrava na área. Natsuno dominou a bola, levantou a cabeça e chutou rasteiro bem no canto, à minha direita, me impossibilitando de pegar a bola.
Gol.
Fiquei bravo com o meu time, pois no contra-ataque do time titular apenas Nícolas, Lincoln e Ari haviam retornado ao campo de defesa. Natsuno não comemorou, e o treinador apitou o final do primeiro tempo.
Meu time inteiro estava sem ânimo. Aproveitei o intervalo para reuni-los longe do time titular, no outro banco de reservas, já que havia percebido os problemas.
— Parece que o nosso time tem alguns erros — comecei, fazendo esforço para me manter calmo.
— Alguns? — ironizou Samuel, com sarcasmo. — Esse time é uma vergonha! Como poderemos ganhar do time titular assim?
Eu o encarei furioso.
— Samuel — falei com uma ira contida —, você foi o que mais errou nesse primeiro tempo!
— Eu? Quem foi que deu o único chute a gol do nosso time? Responda, Diego!
— É Diogo! — eu o corrigi. — Tá certo, foi com você a única oportunidade que tivemos. Mas, caso você não percebeu ainda, sua posição é na lateral, e não no ataque!
— Mas…
— Mas nada, cara! No segundo gol você estava na área do nosso adversário, lugar dos nossos atacantes. O time adversário viu um furo na sua posição e foi por meio dela que saiu o contra-ataque!
Isso o deixou sem palavras. Agora parecia entender que eu estava certo.
— Rafa — falei para o atacante —, você ficará na lateral esquerda, beleza? — Rafa me olhou e assentiu hesitante. — O lateral esquerdo, Nícolas, será o zagueiro. — Este também concordou com uma expressão de quem queria dizer “pode contar comigo”. — Já o Igor, em vez de jogar na zaga, será o lateral direito, e Samuel, você jogará no ataque.
Trocando um rápido olhar, ambos aprovaram com a cabeça.
Kai olhou para mim com certa admiração. Enquanto eu ajustava o time, o treinador Almeida ajustava o outro, mas notei que ele não mudou quase nada; claramente estava confiante.
Meu time foi para o gramado e eu dei algumas instruções de jogadas que poderiam dar certo. O time titular também se dirigiu ao gramado e, quando a bola já estava no meio de campo, o treinador apitou o começo do segundo tempo.
Saída de bola.
Vinícius tocou para Samuel, Samuel recuou para Ari, Ari deu um passe na esquerda para o Rodrigo. Este tentou dar um drible em Anderson, mas acabou perdendo a bola.
— Porcaria! — reclamou consigo mesmo.
Anderson dominou na sua lateral direita, passou pela linha do meio de campo e, quando pensou em tocar para Marcelo, Rafa — o ex-atacante e agora lateral — desarmou a jogada. Em seguida, tocou lá na direita para o novo lateral direito Igor num passe aéreo, e ele dominou com perfeição. Este arrancou, tabelou com Carlos e continuou correndo, saindo livre na linha de fundo. Mas, ao invés de cruzar a bola na área, preferiu tocar para Samuel, que vinha correndo na ponta da grande área. Samuel, dali mesmo, arriscou um chute diagonal, a bola bateu na trave e Jhou deu um chutão para frente.
Meu coração acelerou, mas não perdi o foco na partida — observei enquanto Pedro dominava a bola e era desarmado, vendo-se sem alternativas: Thiago, à sua esquerda, já estava marcado pelo Igor — o que me surpreendeu, pois Igor, segundos atrás, estava no ataque; na direita, Luan estava marcado pelo Rafa e, mais à frente, Riku e Natsuno estavam marcados pelos zagueiros: Lincoln e Nícolas. Portanto, Pedro ficou desnorteado e acabou perdendo a bola para Ari.
Ari, o volante, viu bem o Rodrigo passando à sua esquerda, mais à frente, e lhe deu um passe em profundidade. Rodrigo saiu na meia-lua. No momento em que Mike fez menção de impedi-lo, ele tocou para Vinícius, que passava à sua direita. Vinícius invadiu a área e ficou frente a frente com o goleiro, porém, ao invés de chutar, tocou para Samuel ao seu lado, que ficou sozinho na pequena área. O novo atacante apenas teve o trabalho de empurrar a bola para o gol. 2 a 1.
Os garotos do meu time vibraram sorridentes, enquanto eu notei surpresa no rosto do treinador e do time titular inteiro. Ainda assim, rapidamente a bola foi posta no centro de campo por Samuel e todos se reposicionaram, suspirando
— Boa, Diogo! — ouvi o Kai gritando, do banco de reservas. Fiz sinal positivo para ele.
O jogo recomeçou.
Marcelo vinha em velocidade, correndo e driblando todo mundo. Primeiro o Carlos, depois o Ari e, por fim, o lateral direito Igor. Ele ficou cara a cara com o zagueiro Lincoln e, em vez de tocar para Natsuno ou Riku — que estavam sozinhos (Riku passava à esquerda e Natsuno à direita) — ele preferiu dar o drible. Resultado: Lincoln chutou a bola para frente, sem vacilo. Mesmo assim a redondinha sobrou para Pedro, livre no círculo central, e dessa vez ele teve tempo de pensar.
Pedro dominou e deu um passe aéreo para Natsuno que estava desmarcado, já que a defesa havia se desarrumado com o chutão. Natsuno dominou driblando um dos zagueiros e entrando na área feito um raio e, quando saí para tentar impedir o gol, ele chutou por cobertura…
Seria um golaço, o que eu menos queria naquele momento. Logo quando meu time estava começando a se animar… Logo quando queríamos o empate.
Pensei, por um momento, até em sacar minha espada e jogá-la na direção da bola, mas aquilo seria trapaça — além de não valer e deixar os garotos assustados. A bola caía em direção ao gol como se estivesse em câmera lenta, e todos estavam ansiosos para ela entrar logo. Entretanto, quando estava prestes a ultrapassar a baliza, quando ia passando da linha do gol, Nícolas apareceu de repente e a chutou para cima.
Meu time inteiro mostrou-se aliviado, principalmente eu. Parecia que eu tirava um peso de uma tonelada das minhas costas, e isso não é exagero. Nícolas vibrou, eu dei-lhe um abraço apertado, vários garotos do time reserva suspiraram.
— É isso aí! — disse a ele. Depois o soltei, vendo uma expressão de surpresa, alívio e vibração em seu rosto.
A bola novamente sobraria para o Pedro no meio de campo. A julgar pela sua expressão, ele já tinha algo em mente. Até que Ari o antecipou antes mesmo que ele a dominasse.
Ari passou por Pedro — que arregalou os olhos num choque — e tocou para Carlos, à sua direita. Carlos fez menção de levar para a linha de fundo, o único caminho livre. Mas enganou a todos num simples drible, especialmente seu marcador, Jhou. Ele cortou o zagueiro para a esquerda e levou a bola por dentro. Já estava perto da meia-lua, quando arriscou o chute de canhota.
A bola ia fazendo efeito, em direção ao cantinho, mas tomou um rumo em direção à linha de fundo. Não seria gol, estava nítido. Lucas ainda saltou na intenção de espalmá-la, talvez por prevenção, ainda que não estivesse ao seu alcance. A redondinha ia para fora graças ao efeito, o que não aconteceu; surpreendendo a todos, Vinicius surgiu de algum lugar com o que parecia uma mistura de chute com voadora e desviou a bola ainda no seu trajeto, empurrando-a para o gol.
O time explodiu em vibração. Todos correram na minha direção e se jogaram para cima de mim. Eu caí no chão quase sufocado, mas a alegria não me permitia ficar irritado. Era hora de comemorar. Todos estavam felizes, e eu, modéstia à parte, senti-me importante naquele momento.
Rubens Almeida apitou o fim de jogo. Mesmo que o resultado tivesse sido igual para ambos os lados, nosso time mostrava-se muito mais feliz do que o titular.
Nós nos reunimos no centro do campo com o treinador. Todos sentaram-se na linha do círculo central, exaustos, a não ser o próprio Rubens Almeida, que se manteve de pé, bem no meio.
— Eu sabia que esse coletivo seria ótimo — começou ele.
— Ótimo? — Marcelo protestou de cara. — Você achou ótimo? Nós, empatarmos com esse time, foi ótimo?
— O que você quer dizer com isso, Marcelo? — questionou Samuel, um pouco indignado. Os dois eram bem próximos na escola, quase não se desgrudavam.
— Vocês são um bando de perdedores! — Parecia que no campo não eram tão grudados assim; Marcelo estava mesmo irritado. — Não acredito que empatamos com vocês!
— Mas empataram — Vinícius fez questão de lembrar, com sua voz zombeteira; metade do nosso time caiu na risada.
— Sorte.
— Sorte?
— Claro! Todos aqui sabemos que vocês, reservas, são muito inferiores a nós, titulares.
— A ponto de sair um resultado igual? — Samuel ironizou, provocando-o mais ainda.
— Como eu disse, foi sorte!
— Ou superação — eu decidi abrir a boca, o que não foi uma coisa muito legal. Todos os olhares voltaram-se para mim.
— Superação? — alguns perguntaram.
— Sim — afirmei. — Nós demos o nosso melhor e conseguimos o que queríamos. Vocês fizeram o primeiro gol muito rápido, o que nos desanimou bastante. Então vocês dominaram o primeiro tempo. Mas no segundo, com alguns ajustes aqui e outros ajustes ali, voltamos melhor. Fizemos um gol e ficamos mais confiantes. Depois, empatamos.
Olhando para os meus companheiros, notei os sorrisos orgulhosos estampados em cada rosto.
— Inteligência também — inseriu o treinador, atraindo as atenções.
— Como assim? — foi Vinícius quem perguntou.
— Como eu disse, esse coletivo foi ótimo. Não só para ver as habilidades de cada um (o que também foi necessário), como também para ver o lado psicológico de cada jogador. — Seus olhos viajaram por cada rosto novamente, dessa vez, no entanto, com um tom de admiração. — Podemos usar o segundo gol como exemplo, que fez com que todos os reservas se abatessem. A não ser o Diogo. Diogo, ao invés de pensar que o jogo estava perdido, como pensou o resto de seu time, apenas reparou os erros que percebeu. Aproveitou o intervalo para fazer os ajustes necessários e levou o time ao empate. O time reserva mostrou-se mais confiante após seu primeiro gol, o que o fez jogar bem, não só atacando, como também se defendendo. O time titular não se abalou em momento algum, mas Marcelo sim.
Todos olharam para o camisa 10, que se mostrou indignado.
— Eu? — Ele enrubesceu.
— Sim, Marcelo, você. — Rubens continuava sério. — Quando ainda estava dois a um para o seu time, vocês poderiam ter matado o jogo num lance onde incluía você, o Natsuno e o Riku. Mas você, em vez de tocar a bola para um dos dois atacantes livres ao seu lado, preferiu fazer uma jogada individual que não era apropriada no momento. Claro que, após esse lance, quase saiu um gol para vocês, mas não graças a você, e sim à visão de jogo do Pedro. — A atenção voltou-se, então, para o garoto loiro, que mesmo assim não mudou a sua expressão pacífica e observadora.
— Só que eu acabei perdendo o gol — disse Natsuno cabisbaixo.
— Não, Natsuno — disse o treinador, olhando-o. — Não foi culpa sua. Você fez o correto: tentou encobrir o goleiro. Acontece que o zagueiro Nícolas (antes lateral) tirou a bola em cima da linha e chutou para frente, lance esse que mais tarde resultaria no gol de empate. Isso tudo devido à raça do novo zagueiro.
Nícolas sim corou, sem jeito.
E eu fiquei impressionado com a visão de jogo do treinador. Isso fez com que eu me sentisse mais seguro com sua liderança, e me perguntei se, com ele, perderíamos algum dia.
— Diogo — disse ele, olhando diretamente nos meus olhos; eu senti um arrepio estranho, diferente. — Meus parabéns.
— Hã? — estranhei, confuso. — Por quê?
— Você demonstrou ser um ótimo líder. E isso não é pra qualquer um.
Eu não sabia onde colocar a cara. De fato, alguns dos meus ajustes foram importantes, mas foi realmente necessário arrumar o time. Se Samuel continuasse na lateral direita, por exemplo, sempre nos contra-ataques teríamos um a menos na nossa defesa, pois ele ficaria sempre adiantado. Tive que resolver isso colocando outro cara na lateral. E o Samuel foi bem no ataque. Mesma coisa no lance em que o zagueiro Nícolas tirou a bola em cima da linha. Isso não teria acontecido se ele ainda estivesse na esquerda, em vez da zaga. Ainda assim, o mérito havia sido do time, que demonstrou ser muito forte e persistente. Aqueles garotos eram bons de bola.
— Obrigado, treinador — eu disse sem jeito, abrindo um sorriso tímido.
— De nada.
Ele caminhou até mim e pôs a mão sobre o meu ombro, satisfeito. Então alguns jogadores do meu time começaram a bater palmas, fazendo com que os outros os acompanhassem, a não ser Marcelo, que se mostrava inconformado. Admito que senti um pouco de pena dele.
Senti que estava vermelho. Os garotos aplaudiam enquanto Natsuno esfregava a mão na minha cabeça — um típico “meus parabéns” não muito formal. O Jhou assoviou; o Pedro assentiu. Percebi que o Riku parecia não se importar com a pequena euforia; ele apenas me olhava com olhos cinzentos e desinteressados. Então notei as meninas da nossa sala do outro lado da grade que separava o campo do bosque.
Olhei na direção delas e os meus olhos encontraram os da Sophia. Ela abriu um sorriso, eu retribuí, completamente envergonhado, sentindo as bochechas queimando, e uma paz envolveu o meu coração.
Eu estava tão bem humorado que a primeira coisa que fiz depois do almoço foi dar uma volta ao parque. Como os garotos jogavam bola quase todos os dias na quadra, eu tentaria me enturmar, já que jogara apenas como goleiro no treino do time da sala.
Chegando lá, no entanto, deparei-me com ela. Meu coração acelerou de forma avassaladora, observando o lindo olhar estampado no rosto da Zoe, olhos esverdeados que me faziam sentir algo no estômago. Algo bom.
Eu me aproximei e ela sorriu.
— Pensei que nunca mais a veria — brinquei.
— Desculpa, andei meio ocupada nos últimos dias — disse ela com o carisma que era seu forte. — Vejo que você anda mais alegre. Posso saber o motivo de tanta felicidade?
Eu contei sobre o treino daquele dia. Falei como o treinador havia me parabenizado e em como consegui liderar um time totalmente reserva. Lembrando do sorriso dos meus companheiros, eu me senti bem, prometi a mim mesmo que daria o meu melhor para ajudar a equipe no campeonato.
— Parece que você já está fazendo grandes amigos — disse Zoe por fim. — Fico feliz por você.
De alguma forma, eu acabei me sentindo mal ao ouvir isso. Pensei em como a Zoe ainda se sentia só, especialmente por não ter mais conversado comigo, já que fazia algum tempo desde a nossa última conversa.
— Eu ainda estou aqui, tá? — assegurei, soando o mais suave possível. Ela apenas sorriu e olhou para os garotos jogando bola na quadra.
— Você já se apaixonou alguma vez? — perguntou de repente.
— Se eu já me apaixonei? — Tentei focar o olhar num ponto fixo, talvez assim o nervosismo fosse embora, mas as minhas mãos aumentavam a tremedeira a cada segundo. — Bem... eu...
A Sophia passou pela minha cabeça, mas dessa vez eu não consegui me manter pensando nela. Por algum motivo, ao mesmo tempo em que eu a via nos meus pensamentos, eu via a... Zoe. Eu não sabia ao certo o que estava acontecendo comigo, e nem mesmo por que estava pensando tanto assim nas duas. Era como se uma quisesse ocupar o lugar da outra na minha mente, como se eu estivesse em dúvida.
— Eu não sei muito bem sobre o amor — continuou a garota, ainda olhando para a quadra —, nem acho que tenho idade para isso, mas às vezes eu me sinto envolvida num sentimento tão bom, que faz eu me sentir tão bem... — Ela me olhou.
E como a Zoe era linda... Seus cabelos castanhos tinham cachos perfeitos que sincronizavam perfeitamente com a cor de sua pele. Embora fosse parda, Zoe tinha cintilantes olhos esverdeados e o sorriso mais lindo que alguém poderia ter.
— Você está dizendo que está apaixonada? — perguntei, finalmente me dando conta daquilo.
Zoe voltou a olhar para a quadra e tornou sorrir.
— Eu não sei bem se é isso mesmo, mas acho que estou gostando de uma pessoa.
Não me pergunte o porquê, mas assim que ouvi isso, senti algo dentro de mim que parecia ciúmes. A Zoe era uma pessoa maravilhosa, sem dúvidas uma grande amiga. Ela possuía uma personalidade tão honesta e carinhosa que eu não conseguia imaginá-la com outro cara — ainda mais sabendo como eram os garotos da minha idade. Zoe merecia alguém muito especial.
— Hum, aí sim — falei um pouco desconfortável, e pela terceira vez ela dirigiu a mim aquele olhar que penetrava na minha mente. Um olhar marcante e... apaixonante.
Sem dúvidas, eu fiquei vermelho.
— É engraçado como a nossa vida muda, não é mesmo? — disse ela. — Eu estava me sentindo péssima até uns dias atrás, mas esse sentimento simplesmente foi substituído por algo tão bom, só porque eu conheci uma pessoa.
— Uma pessoa — repeti, porém não gostando muito do que acabara de ouvir. — E essa pessoa... é legal?
Não sei o que eu disse demais, visto que a Zoe começou a rir. “Que risada bonita!” pensei. Eu comecei a me perguntar se estava começando a gostar dela. Tentei afastar o pensamento, dizendo a mim mesmo que teria um encontro com a Sophia na semana seguinte, mas não estava funcionando muito. Por mais que eu tentasse pensar na Sophia, somente o sorriso e o olhar da Zoe vinham à minha mente, tanto que senti uma enorme vontade de me aproximar mais dela, talvez pegar na sua mão.
“Eu não posso fazer isso” falei a mim mesmo, respirando fundo. “Eu gosto de outra”. Além do mais, a Zoe tinha acabado de dizer que estava gostando de um cara.
— É uma pessoa maravilhosa — respondeu ela, cessando a risada. — Eu me sinto tão bem ao lado dela... É um garoto que chegou e ganhou a minha confiança. Pelo menos, eu sinto que posso confiar nele. Sinto a sinceridade em seus olhos.
Embora ainda sentisse ciúme, tentei pensar pelo lado positivo. Se a Zoe estava falando tudo isso, era sinal que o cara realmente era uma boa pessoa, poderia ser um bom namorado. Não, era impossível aceitar. Por mais que tentasse, não conseguia ver a Zoe com outra pessoa.
Desviei o olhar para a quadra, pensativo. Eu tinha um encontro com uma garota, mas começava a pensar em outra. Não poderia simplesmente mudar de ideia. Havia convidado a Sophia para ir ao cinema, não seria um homem de duas palavras. Iríamos ao cinema e ponto!
Suspirei.
Olhei para a Zoe e ela olhava para mim de uma forma diferente, como se estivesse feliz e com vergonha ao mesmo tempo. Então comecei a juntar as peças. Ela falou que tinha acabado de conhecer o cara, que ele tinha chegado e ganhado sua confiança. A Zoe, em quase todas as nossas conversas, dizia que eu podia confiar nela. E o fato de me olhar tanto daquela forma...
“Não, não é possível” eu pensei. Ela era muita areia para o meu caminhãozinho. A Zoe não poderia estar...
Decidi arriscar:
— Qual é o nome dessa pessoa, Zoe? Digo, o cara que você está... gostando.
Mesmo sendo um pouco morena, suas bochechas ruborizaram. Isso fez com que as batidas do meu coração aumentassem a ponto de parecerem os tambores de uma fanfarra, enquanto um calor subia ao meu rosto. Praticamente juntos, desviamos o olhar, eu me sentindo extremamente estranho — e quase incrédulo.
Por fim, ela respondeu:
— É você, Diogo. Eu estou sentindo algo a mais... por você.
Eu fiquei sem saber o que dizer. Nesse momento, um dos garotos da quadra chutou a bola tão forte que ela veio na nossa direção. Eu a peguei no ar e me levantei para devolvê-la para a quadra.
— Obrigado — disse ele, um branquelo de olhos puxados, um pouco mais alto do que eu.
Eu assenti e suspirei tentando afastar a tensão do meu corpo. Zoe mantinha-se sentada, quieta feito uma pedra, mas eu não tive coragem para me sentar novamente.
Eu sentia as mãos suando.
— Bom, Zoe — falei desajeitado, tentando ao máximo não gaguejar. — Eu acho que... já vou indo.
Eu a olhei e ela parecia um pouco decepcionada. Seus olhos transmitiam dúvida, como se ela estivesse se perguntando se fez certo em me falar que... bem, você sabe.
— Tudo bem — disse ela, afinal, abrindo o mesmo sorriso de sempre. — Então... até outro dia.
— Sim, certo. Até outro dia.
Eu acenei um pouco trêmulo e fui embora, soltando o ar todo de uma vez ao chegar na porta da minha casa. Eu estava surpreso. Não conseguia acreditar que uma garota tão linda e carinhosa tinha visto algo em mim. E eu começava a pensar nela.
Aproveitei a tarde para terminar algumas lições de casa e em nenhum momento consegui parar de pensar na conversa. O encontro com a Sophia seria na semana seguinte, mas os meus pensamentos pareciam ser um tipo de metal que era atraído por um único ímã; e esse ímã era a Zoe.
A noite chegou e nada de os pensamentos irem embora. Nem os sentimentos. Além de pensar na conversa, todas as outras lembranças passavam pela minha cabeça. A primeira vez que a vi, quando me encantei com os seus olhos. Quando a tratei de forma estranha no dia seguinte, sentindo um súbito medo de seu olhar. Pensei no meu pedido de desculpas, ela aceitando e dizendo para que eu apenas esquecesse.
A Zoe era mesmo uma garota incrível, dona de um caráter impressionante. Sem mencionar que ela era linda.
Eu estaria gostando dela?
Era difícil dizer, afinal, nem mesmo sabia como era gostar de alguém de verdade. O fato é que eu me sentia bem ao lado dela, como se a tristeza não tivesse vez em nosso meio. Por outro lado, perto da Sophia eu me sentia da mesma forma. Não sabia se estava realmente gostando — ou apaixonado — pelas duas, tampouco sabia dizer quem me fazia sentir melhor, mas de duas coisas eu tinha certeza:
Uma: os sentimentos eram distintos um do outro.
Duas: eu honraria a minha palavra com a Sophia. Iria ao encontro e descobriria o que sentia por ela. Com um pouco de sorte saberia se ela também sentia algo por mim.
De uma forma ou de outra, eu estava em uma baita encrenca emocional.