Caçador Herdeiro Brasileira

Autor(a): Wesley Arruda

Revisão: Ângela Marta Emídio


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 13: Natsuno Explica: Os caçadores de vampiros!

Dio — iniciou Natsuno assim que atravessamos a avenida em meio a um monte de alunos —, esse lance de caçar vampiros existe há cerca de cinco mil anos.

— É, isso eu já sei — falei lembrando de quando o meu pai me revelou sobre ele ser um caçador. — Continue — pedi.

— A cada quinhentos anos, nasce um novo Caçador Lendário, aquele guerreiro especial de grande poder e autoridade, destinado especialmente a salvar o mundo.

— Tipo, hã, o mais forte?

— Isso mesmo. Diz a lenda que o Primeiro Caçador Lendário pertencia ao clã Kido e tinha o mesmo nome que você, cara, acredite. Esse caçador salvou o mundo depois que derrotou o temido Onikira, conhecido como o deus dos vampiros.

— Calma aí — eu tive que cortá-lo, impressionado e um tanto assombrado com a informação. — Você está dizendo que eles... os vampiros... tinham um deus?

A ideia não me foi muito agradável.

— Tinham… ou melhor, têm.

— Como assim têm?

— Porque o Primeiro Lendário não o matou realmente, apenas o aprisionou numa tumba que fica num dos templos de Venandi. Inclusive há um clã que é o guardião desse templo.

Fiquei um pouco confuso. Já tínhamos andado vários metros além da escola, atravessado algumas avenidas e passado por ruas movimentadas. Sobrados mais sofisticados começavam a ser vistos com mais frequência, indicando que o bairro onde estávamos era de classe um pouco mais elevada que o bairro onde eu morava.

Em dado momento, tivemos que desviar da calçada para a rua por causa de um poodle branco deitado no chão, enquanto a dona — uma moça branca, muito bonita — conversava com um homem alto, também branco. Natsuno ficou olhando para trás, a bela e formosa mulher, e só se voltou para frente quando percebeu que o homem estava o encarando. Sem jeito, ele continuou:

— Bem, onde estávamos mesmo?

— Você falava sobre a tumba do tal Onikira.

— Certo, certo. Vejamos. Como eu ia dizendo, um novo Caçador Lendário nasce a cada quinhentos anos; após o fim do ciclo do Primeiro, nasceu o Segundo e, séculos depois, quando nasceu o Terceiro, membro do clã Kogori, houve uma tentativa de assassinato por parte do clã Medeiros, na época o clã mais temido de todos.

— Ué, e por quê?

— Oras, maninho, porque o Caçador Lendário é o único capaz de salvar o mundo. É mais do que óbvio que isso não seja bom para certos clãs ambiciosos, especialmente aqueles que querem dominar tudo. O clã Medeiros queria controlar tanto Venandi quanto a Terra.

Cocei a cabeça, tentando clarear a mente. Eu estava ficando cada vez mais confuso, então decidi me concentrar ainda mais nas futuras palavras do garoto do cabelo roxo, ou então não poderia processar nada.

— Eles não conseguiram — retomou Natsuno —, já que o heroico clã Kido interveio. Os caçadores de ambos os clãs lutaram com tanta agressividade que o número de mortes foi incontável para a época, resultando na maior rivalidade entre clãs até então. Como não conseguiu o que queria, o clã Medeiros decidiu se fortificar, fazendo alianças com outros clãs ambiciosos, assim dando origem às tribos.

— E essas tribos começaram a aparecer — adivinhei.

— Isso. Começando pelo clã Kido, que conseguiu fazer aliança com os outros clãs elementais: Macedo, Rodríguez e Kogori. Logo, os clãs médios e pequenos fizeram várias alianças entre si, depois passou a existir o Conselho dos Clãs Especiais.

— E pra que que serve esse conselho?

— Ah, é como se fosse a ONU de Venandi. Esse conselho é constituído por vários Monges Profetas, quem organizam as Disputas de Frascos para ver quem captura mais vampiros. Por isso as tribos guardam os nossos carinhosos vampiros em frascos cristalinos. E a contagem acontece a cada cinco anos.

— Entendi — falei, afinal. — Isso significa que os nossos clãs fazem parte da mesma tribo?

— Isso mesmo. E adivinha: a nossa tribo é a atual campeã!

Natsuno parecia orgulhoso de si, pois sorria com um brilho no olhar — mas esse brilho ficou amarelo por um instante — depois suspirou, como quem estivesse feliz.

Finalmente paramos.

— Caramba, Natsuno, essa é sua casa?

Estávamos diante de um sobrado muito bonito separado da rua por um pequeno jardim de grama bem aparada e plantas bem cuidadas que ladeavam uma pequenina ruela de concreto que levava à entrada da casa. A porta da garagem era roxa, talvez para combinar com as partes da parede roxa que não estavam cobertas pelo revestimento de pedras brancas. Mais plantas adornavam a sacada do andar superior, e havia uma chaminé no telhado, o que diferenciava aquela casa das demais da vizinhança.

— Bora, maninho — Natsuno meio que me respondeu. — Tenho que te mostrar umas coisinhas.

Fiquei parado por alguns segundos, ainda apreciando a bela casa. Depois olhei para Natsuno e o segui.

A porta não estava trancada, acho que devido ao garoto morar num bairro nobre e supostamente tranquilo. Eu me perguntei o que aconteceria se eu deixasse a minha casa destrancada com vampiros à solta pela cidade.

Decidi deixar isso quieto.

— Vó, cheguei!

— Está bem, Natinho — respondeu uma senhora da cozinha. Senti um cheiro bom de feijão e carne cozida vindo de lá.

— Minha avó é uma ótima cozinheira — comentou Natsuno com um sorriso de satisfação no rosto. — Já trabalhou nos melhores restaurantes de Firen.

O pequeno saguão consistia de uma sala cheia de estantes de madeira espalhadas pelos cantos das paredes, todas com algum vaso valioso em cima que decoravam bem o ambiente. As paredes tinham o mesmo tom roxo do lado de fora e bem no centro da sala ficava um deslumbrante lustre de cristal. Subimos a escada em forma de L.

— Por que tanto roxo? — estranhei.

— É a cor do nosso clã. Você precisa ver o Palácio do Fogo. Tudo vermelho.

As paredes do corredor do andar de cima também eram roxas. Havia quadros por toda parte que retratavam pessoas de cabelos roxos que, ao que parecia, foram de outras gerações da família do Natsuno por serem muito antigos. No corredor havia três quartos e uma janela bem no fim que dava visão ao fundo da casa. O quarto do Natsuno era o último e possuía o dobro de tamanho do meu.

Uma cama, duas estantes de livros e miniaturas de carros, uma mesinha com um computador, uma cômoda com uma TV de tela plana de sessenta polegadas, um vídeo game PlayStation 4, algumas caixas de som e um guarda-roupa. O quarto era tão grande que cabia todas essas coisas, sem mencionar a porta à direita que levava ao banheiro.

Natsuno tirou os sapatos, caminhou até o guarda-roupa e abriu uma das portas.

— Bom, isso é o meu trabalho — disse mostrando vários frascos cristalinos enfileirados, todos de cor vermelha.

— Caramba, você já matou muitos vampiros! — falei chegando ao seu lado.

— Os últimos dois títulos são da nossa tribo, por isso nós temos que honrar nossos pais e tios, não é mesmo, maninho?

Natsuno me olhou com um sorriso enorme de orgulho estampado no rosto, me deixando muito empolgado.

— Então, o que estamos esperando? — perguntei entusiasmado. — Vamos caçar!

Sua expressão mudou de maneira drástica e seus olhos ficaram distantes, assim como os olhos do Pedro no dia do bosque.

— O único problema é que o Conselho permite apenas trabalho em equipe — disse ele.

— Trabalho em equipe? Como assim?

— Não posso caçar vampiros, a menos que outros dois caçadores ou mais venham comigo.

— E quanto a esses frascos? — Apontei para o interior do guarda-roupa; cerca de trinta frascos cheios de areia estavam enfileirados perto de algumas camisas. — Não são seus?

Natsuno fez que sim, mas sua expressão era de tristeza. Ele baixou os olhos, pensativo.

— Que foi, cara? — decidi perguntar. — Eu pensei que você já tinha uma equipe.

— Eu tinha, mas…

Ele não conseguiu completar.

— O que houve? — perguntei um pouco mais cauteloso. — Aconteceu... alguma coisa?

Escorreu uma lágrima pelo seu rosto.

— Caímos numa cilada, maninho, foi no meio do ano passado. Fomos cercados por vampiros e…

Nem precisou Natsuno completar, e imediatamente lembrei das palavras do Pedro, quando informou que Natsuno perdera dois amigos num único acidente. Agora eu entendia que não se tratava de um acidente. Os malditos vampiros foram os responsáveis.

— Eu… sinto muito — foi a única coisa que consegui falar naquele momento de pena e de raiva.

Ele olhou para mim e então me surpreendi: Natsuno tornara a se mostrar empolgado.

— Precisamos de mais uma pessoa pra formar um trio — disse ele, claramente para disfarçar a tristeza. Estava nítido, mas da forma que o fazia era algo que mexia com qualquer um.

— Então três já é o suficiente? — perguntei seguindo a maré. Não queria ver meu amigo esmorecido. — Podemos chamar o Riku.

Natsuno franziu o cenho.

— Você tá maluco? Que parte de “Riku é da tribo rival você não entendeu, Dio? Não podemos chamá-lo!

— Puts, verdade. — Eu cocei a cabeça em vergonha. — Quem, então?

— Precisamos resolver esse problema. — Natsuno ficou pensativo. — Vou falar com o meu pai essa semana pra ver se ele consegue alguém aqui da cidade. Tem um monte de jovens caçadores por Honorário.

— Certo. Não vejo a hora de usar minha Takohyusei de novo.

— E eu tô louco pra testar minhas técnicas novas. Você tem quantas?

— Hã, algumas.

Era óbvio que eu não sabia do que se tratava, mas não queria deixar Natsuno pensar que eu era um inútil, ou então ele acabaria procurando outros caras mais fortes.

— Legal! Sempre quis ver as técnicas do clã Kido em ação!

Eu ri sem jeito. Decidi que precisava ir atrás da informação o mais rápido possível.

— Natsuno, eu vou indo nessa.

— Mas já, maninho?

— Cara, a minha mãe é muito chata. Pelo menos agora eu sei o motivo, mas enfim, é melhor evitar.

Natsuno pareceu desapontado. Antes de eu ir embora, no entanto, ele me apresentou sua avó, uma velhinha muito carismática que me fez prometer ir almoçar lá qualquer dia, depois fui para casa, ansioso em montar logo um trio para então podermos caçar.

 

— Dio, seu tio Michael está vindo para Honorário — foi a notícia que recebi da minha mãe assim que cheguei em casa.

— O tio Michael? — estranhei. — Por quê?

Os pais adotivos da minha mãe já tinham o tio Michael como filho biológico quando a adotaram. E apesar de ser alguns anos mais velho que ela, Michael era muito mais imaturo — não que isso fosse ruim.

Ele nunca havia morado longe da mãe, sempre foi um solteirão que vadiava nas noitadas após o serviço (isso até alguns meses atrás, quando conheceu a Bruna). Era difícil imaginar meu tio saindo debaixo das asas da minha avó.

— Mãe, o tio Michael foi expulso de casa? — Foi a única hipótese que veio à minha mente.

— Claro que não, filho! Ele está prestes a se casar, por isso está procurando um lugar pra morar aqui em Honorário.

— Meu tio vai se casar?

Eu estava realmente surpreso.

— Vai sim. Parece que ele encontrou mesmo a outra metade da laranja. Eu fico feliz, pelo menos assim o Michael toma jeito. A Bruna conseguiu mesmo colocá-lo na linha.

Nunca imaginei que tio Michael fosse se casar algum dia, isso porque ele era meio… irresponsável, digamos assim. Quando lembrava dele, imediatamente pensava em suas brincadeiras idiotas. Ele tinha um jeito moleque de ser, apesar da idade. Sua aparência, no entanto, não refletia em nada a realidade. Ele parecia frágil, mas era faixa preta em diversas modalidades de artes marciais. Não era a toa que havia sido ele quem me ensinara tudo o que sei, e o seu sonho era montar uma academia de lutadores.

De qualquer modo, eu estava feliz.

— Quando ele vem?

— Talvez na próxima semana, ou até antes.

— Quem deve estar feliz com isso deve ser a vó, né?

— Isso é o que ela fala, mas duvido muito. Uma mãe odeia ficar longe de um filho, admitindo ela ou não.

Nada da Zoe no parque. A saudade que eu estava sentindo dela chegava a ser agoniante, e me perguntei o porquê de estar me sentindo daquela forma. Talvez por conta dela ser minha única companhia fora da escola, era difícil saber.

Já na hora de dormir, pensei nos acontecimentos dos últimos dias: a história do Pedro, as informações do Natsuno e, talvez o mais fundamental, a mudança de ideia do Riku. Ele parecia ter desistido de tentar caçar o Pedro. Talvez não fosse uma má pessoa, apesar da fama de seu clã. 

Eu capotei.

 

E acordei num lugar tão sinistro quanto vazio. Havia um céu vermelho e uma névoa cinzenta que pairava à minha volta juntamente de estrelas brancas e brilhantes. O lugar me dava a sensação de estar num forno, e consequentemente eu suava.

Então a imagem da minha mãe materializou-se à minha frente feito um telegrama tridimensional, irreal. Era como se fosse um fantasma, mas um fantasma bem realista.

“DIOGOOO…” gritou ela. Sua voz ecoou alto enquanto sua imagem assustada se distanciava, aparentemente sendo puxada pelo vento, desaparecendo da minha vista. Ela parecia estar sendo carregada por algo maligno!

— Mãe!! — gritei de volta, desesperado, porém sem conseguir me mexer.

De repente, uma voz masculina veio de algum ponto distante:

“Vamos fazer um trato: sua mãe por você.”

Calafrios percorreram o meu corpo. Em seguida, ouvi a voz do Natsuno:

“Dio, o que está havendo com você?!”

Procurei por ele em volta, mas não consegui ver ninguém — a neblina densa não permitia. Até que a imagem de uma Sophia assustada surgiu diante de mim, tão transparente quanto a imagem da minha mãe.

“Diogo, me ajuda!”

A voz também produziu ecos. Uma expressão de horror cobria o seu rosto de maneira alarmante, depois Sophia também foi puxada para longe de mim ao ponto de sumir na névoa. 

— Sophia, não!

Eu corri inutilmente, tomado pelo desespero, porém não fui a lugar algum. Parei diante de uma nova imagem, transparente como as outras, mais uma das pessoas que eram importantes para mim.

“Vou tentar rastreá-la!” disse Zoe fechando os olhos. Ela foi contornada por uma aura verde da cor dos seus olhos. Então desmaiou.

— Zoe! — gritei. Tentei segurá-la para impedir que a garota caísse, mas ela era apenas uma espécie de espírito, pois seu corpo atravessou os meus braços feito fumaça. Ela desabou e dissipou.

Eu senti uma tristeza invadir o meu corpo. Era doloroso ver todas as pessoas que eu amava daquela forma. Aquela era a verdadeira tortura psicológica.

De repente, a imagem do rosto do meu pai e do Natsuno surgiram no ar, lado a lado, se distanciando, ambos com semblantes desanimados, até desaparecerem também. Assim como a Zoe, assim como a Sophia, assim como a minha mãe...

Enquanto meus braços tornavam-se trêmulos, eu sentia o coração afundar feito chumbo no oceano. O sentimento de solidão que senti quando me mudei para Honorário, mas que já havia desaparecido, voltava com muito mais força. Parecia me perseguir.

Gritei:

— NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOO!!!!

Tudo estremeceu e apagou.

Não havia mais o cenário cor de sangue, tampouco a névoa cinzenta, nem as estrelas cor de neve. Eu estava na mais completa escuridão.

— Diogo — disse uma voz familiar, pertencente aparentemente a um homem de idade.

— O quê? — perguntei confuso, com a respiração ofegante e prestes a desmanchar em choro.

— Você pode salvá-los.

— Posso? — gritei. — Mas como?!

— Basta aceitar o seu destino.

Eu conhecia a voz de algum lugar. Mas, apesar da confiança que ela transmitia, eu ainda estava apavorado. Perguntei:

— Que destino é esse?

Ninguém respondeu.

Então as vozes dos meus pais, Sophia, Zoe e Natsuno bradaram:

“DIOGOOOOOOOO!!!”

Felizmente foi apenas um pesadelo. Na verdade eu estava no meu quarto, banhado por suor, com o corpo fervendo e pulsando, mas não havia perdido ninguém. Ainda assim, demorou muito tempo até eu conseguir voltar a dormir, pois o medo tomara conta do meu peito e a todo momento eu pensava no pesadelo horrível, onde as pessoas que eu mais amava por algum motivo pareciam se afastar de mim.



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