Volume 1

Capítulo 1

Dia 8

Choveu nesta manhã.

Um banho quieto, mas gelado como as profundezas do inverno.

Eu anseio por viver pelos meus ideais.

Eu luto pelos meus ideais. Eu sigo em frente sem medo, sem cansaço, sem hesitação.

Nem sonhos nem honra serão perseguidos - pois quão eufórico pode ser dedicar-se apenas a tarefas cotidianas.

A Agência de Detetives Armados fica no topo de um declive perto do porto de Yokohama. É uma construção de tijolos marrom-avermelhados com anos de desgaste, e suas calhas de chuva e postes de iluminação estão revestidos de ferrugem por causa da rude brisa do mar. Apesar de sua aparência, é tão robusto que nem tiros de artilharia com metralhadora causariam danos ao interior. Isso pode soar estranhamente específico, mas já aconteceu conosco.

De qualquer forma, nossa Agência de Detetives fica no quarto andar. Os outros andares são ocupados por inquilinos apropriados. Há uma cafeteria no primeiro andar e um escritório de advocacia no segundo. O terceiro está vazio e o quinto é utilizado para armazenamento diverso. A cafeteria cuida bem de mim antes do dia do pagamento, e eu vou ao escritório de advocacia pedindo por ajuda toda vez que há algum problema legal no trabalho.

Pego o elevador do prédio para o quarto andar, saio, e paro na frente do escritório. Na porta há uma placa onde está escrito AGÊNCIA DE DETETIVES ARMADOS em traços simples e finos. Eu checo meu relógio. Ainda tenho 40 segundos antes que o trabalho comece às 8 em ponto.

Parece que eu cheguei aqui um pouco cedo.

Pontualidade é a minha filosofia. Folheando o meu caderno enquanto espero, checo duas vezes o planejamento do dia. Eu já chequei uma vez durante o café da manhã, uma depois de deixar o dormitório, e uma enquanto esperava o sinal abrir, mas nunca ouvi sobre alguém que morreu por checar o seu planejamento em excesso.

Eu leio meu caderno, ruminando os meus planos de trabalho, então olho meu relógio mais uma vez enquanto ajusto meu colarinho.

... Perfeito.

“Bom dia.”

Eu abro a porta.

“Ah, Kunikida! Bom dia! Olha isso! É incrível!”

Eu sou cumprimentado de repente por um Dazai sorridente no batente.

“Finalmente, eu consegui! E ah, que doce mundo é esse! Este é o Yomotsu Hirasaka, o portal para a vida após a morte! Veja, é justamente como imaginei! A fumaça azul cobrindo a superfície, a luz da lua entrando pela janela, o elefante rosa dançando nos céus do oeste...!”

Ele dança na frente da porta do escritório gesticulando intensamente.

Que pé no saco.

“Hehehehe! Eu sabia que esse livro sobre Suicídio Completo seria uma obra-prima! E pensar que tudo que eu precisava para conseguir um simples, mas prazeroso suicídio era ingerir um cogumelo que cresce ao lado do caminho da montanha! Ahaha!”

Os olhos do Dazai estão levemente tremendo e sem foco.

“K-Kunikida-san, por favor, faz alguma coisa!” uma pessoa da equipe implora, com lágrimas nos olhos.

Eu acho que é seguro assumir que Dazai esteve assim a manhã toda. Eu olho para a mesa dele e vejo o livro profano que ele comprou no outro dia, O Suicídio Completo, aberto em uma página intitulada ‘Morte por envenenamento: cogumelos’. Próximo do livro, há um prato com um cogumelo comido pela metade. De qualquer forma, depois de uma investigação mais aprofundada, ele parece ser de uma cor levemente diferente do mostrado no livro.

“Vem, Kunikida-kun! Junte-se a mim no submundo! Veja, aqui o álcool flui livremente e você pode ter quanta comida quiser! Você pode cheirar mulheres bonitas até ficar com seu rosto azul!”

“Por favor, Kunikida-san, nós já tentamos tudo que podíamos...”

Simplesmente, o cogumelo que ele havia comido não era o do tipo fatal, mas sim o do tipo alucinógeno.

De qualquer forma, isso não importa pra mim.

Eu sempre faço as coisas na mesma ordem todas as manhãs. Se não seguir meu cronograma matinal como planejado, será que eu ainda conseguiria terminar meu trabalho do dia a tempo? A resposta é não. Vou para minha mesa, ignorando meu colega de trabalho choramingando e aquele imbecil empinado. Largo minha bolsa da forma que sempre faço. Ligo meu computador e, como sempre, abro a janela.

“Uau! Tem uma anêmona gigante do lado de fora da janela, Kunikida! Uma banana... ela tá comendo uma banana! E ainda tá tirando os pedaços brancos e pegajosos!”

Eu sirvo café na minha caneca da forma que sempre faço. Então me livro de qualquer documento do dia anterior que não é mais necessário.

“Ah, eu entendi. Eu tenho que tirar as minhas roupas. Eu tenho que ficar pelado para conseguir classificações mais altas! É simples, sério! Vamos nos despir! Depois disso nós todos podemos vestir meias de corpo inteiro, ir para o banco e dançar a hopak!”

Eu checo a mesa do telégrafo como todos os dias, então bebo um gole do meu café.

“Eu posso ouvir vozes... Ooooh...! Eles estão na- Eles estão na minha cabeça! ...O homenzinho tá sussurrando para eu ir pra Kyoto! É lá que eles têm a melhor sopa de missô e tofu-”

Eu dou um chute na nuca do Dazai que o faz se bater contra a parede, o deixando inconsciente.

 

 

Faz apenas quatro dias desde que essa falha de ser humano se tornou meu colega.

“Um novo funcionário?”

Aquele dia eu estava preenchendo alguns documentos quando o presidente me chamou em seu escritório.

Ele me disse que havia contratado um novo investigador, então gostaria que eu cuidasse dele.

Aquilo foi inesperado. É certo que a Agência de Detetives Armados lucra com a violência e lida com trabalhos com risco de vida, mas nunca ouvi nada sobre a falta de pessoal. Eu sou até capaz de manter um segundo emprego como professor de álgebra no Instituto Shin-Tsuruya duas vezes na semana. É verdade que houve um aumento nos casos que requerem pessoal armado, como o ‘Terrorista da Bandeira Azul’, o ‘Desaparecimento em série dos visitantes de Yokohama’ e a nossa briga com a organização clandestina conhecida como a Máfia do Porto. Honestamente, estamos tendo tantas ofertas de trabalho perigosas ultimamente que até o nosso principal detetive, Ranpo, teria dificuldade em fazendo todos sozinho. Talvez o presidente tenha contratado um novo funcionário antecipando isso.

“Deixe-me te apresentar. Entre.”

 

O presidente olha para a porta depois de algum tempo a encarando e chama alguém.

“Boa tarde.”

Um homem sorri de orelha a orelha enquanto entra na sala.

Ele está vestindo um sobretudo cor de areia e uma blusa com o colarinho aberto. Ele é alto e magro, com um cabelo escuro desgrenhado, e mesmo que sua aparência deixe muito a desejar possui traços um tanto quanto bonitos. Eu estou um pouco curioso sobre as bandagens cobrindo seu pescoço e pulsos, também.

“Me chamo Osamu Dazai, vinte anos de idade. Prazer em conhecê-lo.”

Vinte, hm? Ele tem a mesma idade que eu.

“Sou o Kunikida, se houver qualquer coisa que você não entenda, estou aqui para ajudar.”

“Oh, então você é um detetive da lendária Agência de Detetives Armados! É uma honra conhecê-lo!”

Ele forçadamente agarra minha mão e a balança de forma exagerada.

Neste momento, de repente vejo um frio e cortante brilho em seus olhos, como se ele estivesse calmamente analisando o seu superior-- não, como se ele estivesse olhando direto em minha alma, com os olhos de um sábio celestial iluminado. De qualquer forma, isso aconteceu só por um momento antes da sua expressão vaga voltar. Eu estava vendo coisas? Poderia a minha mente estar pregando alguma peça em mim? Eu me recomponho.

“Então, Dazai, o que o traz à nossa Agência? Esse tipo de lugar não contrata qualquer um que apareça.”

“Então, sobre isso. Eu estava em um bar - entediado, desempregado, bêbado e reclamando comigo mesmo quando aconteceu de eu me dar bem com esse cara velho sentado do meu lado. Ele disse que me daria um emprego se eu vencesse ele em um campeonato de bebida. E, bom, eu aceitei brincando, mas acabei ganhando.”

Quem é esse “cara velho”?

“Era o Chefe Taneda da Divisão Secreta de Habilidades Especiais. Ele apareceu ontem e me deu essa notícia,” diz o presidente com uma expressão séria.

Eu fico sem palavras quando o ouço mencionar o nome do Chefe Taneda tão casualmente. Chefe Taneda é a pessoa de maior autoridade na Divisão Secreta de Habilidades Especiais, uma força militar secreta e desconhecida pelo público geral. Seu trabalho é controlar e regular informações sobre os usuários de habilidades especiais. Eu até ouvi que ele deu apoio ao nosso presidente quando ele estava estabelecendo a Agência de Detetives Armados. Esse é o motivo pelo qual nem o próprio presidente pode recusar tal indicação.

“Eu espero de verdade que a gente possa se dar bem, senpai.”

O nosso novo contratado me dirige um sorriso enorme, talvez alheio à minha apreensão interior.

 

 

No entanto, ter sido pessoalmente recomendado por uma pessoa influente não o torna menos incômodo quando você está tropeçando em cogumelos tão cedo assim na manhã.

Hoje faz três dias desde que me colocaram em uma dupla com o Dazai. Estou mentalmente exausto, quase nenhum trabalho está sendo terminado e estamos recebendo mais reclamações todos os dias. Se eu tirar meus olhos dele por um segundo, ou ele vai se enfiar em um rio e dizer que estava tentando se afogar; ou vai apagar em um bar depois de tomar o que ele chama de ‘estimulante’; ou cantar alguma moça bonita, dizendo que ele teve uma revelação divina. Ele é uma criança crescida egoísta de vinte anos que destrói o meu planejamento a cada chance que tem.

Dito isso, trabalho é trabalho e colegas de trabalho são colegas de trabalho. Admitir derrota depois de só três dias iria prejudicar não só a confiança do presidente em mim, mas também a minha dignidade como detetive.

“Como está o novato?” o presidente me pergunta enquanto jogamos Go em uma pequena sala de tatame, perto do escritório.

“Um desastre. Imagine o diabo, um poltergeist e o deus da pobreza, todos combinados em uma só entidade.”

Coloco uma peça preta de Go no tabuleiro de cipreste e ouço o som característico da pedrinha deslizando sobre a madeira.

“Mas não é nada com o que eu não possa lidar.”

O presidente e eu sempre jogamos Go no mesmo lugar depois do trabalho. Ele senta com a postura reta, me observando do outro lado do tabuleiro na sala vazia.

“Eu agradeço por isso.”

Ele coloca uma peça branca no tabuleiro, me jogando em uma posição nada favorável.

“Não é nada. Afinal, isso é o que o Chefe Taneda quis. Mas... por que ele mandaria um homem assim para a nossa Agência?” eu pergunto enquanto penso na minha próxima jogada.

Eu deveria ir para o canto inferior direito no território branco?... Não devo. Eu já estou tendo dificuldade suficiente fazendo essa abordagem do jeito que está. Mas se eu tentar me manter no lado esquerdo, é só uma questão de tempo até ele tomar o centro e o jogo acabar. Não tem nada que eu possa fazer. Parece que vai demorar um tempo até eu ser um oponente digno dele.

“O Chefe Taneda pode ser uma pessoa mente aberta, mas ele tem um olhar afiado quando se trata de talentos notáveis. Ele deve ter percebido algo único nesse rapaz.”

Eu já havia ouvido rumores da sua capacidade de julgamento extraordinária. Afinal, ele não seria o líder da Divisão Secreta de Habilidades Especiais se ele não tivesse. Mas ‘talento notável’? Você poderia focar uma lanterna na orelha esquerda do Dazai e ver brilhar do outro lado.

“E eu concordo com a decisão do Chefe Taneda. Osamu Dazai passou nos testes escrito e de campo com notas perfeitas. Ele é extremamente capaz... perigosamente, até.”

“... O que quer dizer com isso?”

“Nós pesquisamos sobre o passado dele e não encontramos nada. É completamente vazio. Eu pedi que um amigo próximo do departamento de inteligência militar pesquisasse, mas ele não conseguiu achar absolutamente nada. Bastante misterioso, eu diria. É como se alguém tivesse limpado o passado dele muito cuidadosamente.”

É muito estranho que até o departamento de inteligência militar não conseguiu achar nada.

“Talvez tudo que ele fez foi ficar jogado em casa durante vinte anos?”

“Talvez. Porque, se não for isso...”

Ele franze a testa mais que o normal antes de continuar.

“Você já sabe sobre a habilidade dele?”

“Ainda não.”

Eu sabia que ele era um usuário de habilidade, mas não tive a chance de perguntar sobre isso.

“Ele pode anular qualquer habilidade simplesmente através de contato físico.”

Eu pensei que estava ouvindo coisas. Anular habilidades por contato? De primeira, não parece algo muito especial, mas isso é extremamente raro. Se utilizado corretamente, poderia ser usado para derrubar uma organização inteira de usuários de habilidades.

Minha habilidade, Poeta Solitário, me permite materializar objetos apenas por escrevê-los em meu caderno, rasgando a folha e desejando que eles existam. Por outro lado, não posso materializar objetos maiores que o caderno. Enquanto é versátil e altamente valiosa, não excede em muito o domínio da conveniência. Porque, se eu realmente precisasse de algo, eu poderia simplesmente trazer comigo antes de sair.

Mas a habilidade do Dazai é diferente. Em teoria, existem incontáveis inimigos que apenas ele pode derrotar. Mesmo o usuário de habilidade mais forte do mundo não é nada mais que uma pessoa normal na frente dele. Não seria uma surpresa se organizações do mundo inteiro tentassem contratá-lo. Estou lentamente entendendo o que o presidente quis está tentando dizer.

“Então... deixe-me ver se entendi. Em algum bar, um homem tremendamente importante como o Chefe Taneda, apenas por coincidência, se senta do lado de um usuário de habilidade genial e eles, também por coincidência, se dão bem. Então, esse cara excêntrico, coincidentemente, é perspicaz e tem notas perfeitas nos testes dele e por acaso está desempregado também. Depois, desse jeito, ele consegue com sucesso se juntar à extremamente seletiva Agência de Detetives Armados sem nenhum problema... Você está sugerindo que isso tudo é um pouco conveniente demais?”

“Talvez eu esteja pensando demais, mas a Agência de Detetives Armados possui várias conexões com Agências do governo e com militares. Nós também lidamos com uma grande quantidade de informações secretas devido à natureza do nosso trabalho.”

Faria sentido um membro de uma organização criminosa infiltrar-se em uma Agência de Detetives devido às suas conexões com a polícia. Existem várias vantagens em se juntar a uma Agência de Detetives, devido à facilidade de se entrar em algumas. Mas Dazai, um espião? E um espião bom o suficiente para enganar alguém tão distinto quanto o Chefe Taneda? Esse Dazai?

“Kunikida, eu quero que você faça o exame de admissão dele.”

Eu concordo. O ‘exame de admissão’ da Agência é uma tarefa atribuída aos detetives para dar aos possíveis funcionários. É o teste real, então, você não será visto como um funcionário de verdade se não passar.

“Eu gostaria que você levasse Dazai com você enquanto trabalha para verificar se ele é digno de confiança. Se você em algum momento perceber que ele é um emissário, agente da inteligência ou qualquer tipo de espião, deve demiti-lo sem hesitar. No entanto, se perceber qualquer sinal de maldade no coração dele...”

O presidente tira uma pistola automática preta da bolsa que está atrás dele, depois me entrega.

“...”

Eu aceito a arma sem dizer uma palavra. É pesada.

“Atire nele.”

“Sim, senhor.”

Se Dazai for parte de algum sistema sinistro, é trabalho da Agência pará-lo antes que as coisas saiam do nosso controle. O pessoal licenciado da Agência de Detetives Armados possui um tipo de autoridade policial. Nós somos autorizados a carregar armas e facas sob certas condições e podemos até obter registros de outras organizações policiais. Mas, acima de tudo, nos permite realizar coisas antiéticas, se assim desejarmos: se intrometer nas investigações dessas autoridades, falsificar informações policiais e até mesmo grampear e filmar secretamente instalações importantes. No pior dos casos, alguém poderia até cometer um ato de terrorismo e sabotar alguma dessas instalações, resultando na morte de centenas - ou até mesmo milhares de pessoas.

A pistola de ferro permanece imóvel na minha mão.

 

 

Ondas constantes atingem a baía sob a luz do luar enquanto ando pelo meio da multidão perto do Porto de Yokohama. Os sons do mar são difíceis de ser ouvidos por cima de toda agitação e barulho do começo da noite, enquanto a lua compete com as luzes da cidade. Dazai caminha lentamente pela rua atrás de mim.

Finalmente pudemos começar a trabalhar, após ele gastar metade do dia com todo o fiasco do cogumelo.

“Ei, me mostra aquela sua habilidade de novo. Poeta Solitário, né?”

“Não. Ninguém revela sua habilidade tão casualmente. Além disso, eu tenho que arrancar uma folha do meu caderno toda vez que a uso. O artesão que faz esses cadernos produz apenas cem unidades por ano, e eles não são nada baratos. Você realmente acha que vou gastar uma folha só pra te entreter?”

Checo o horário antes de olhar para ele.

“De qualquer forma, Dazai, você precisa andar um pouco mais rápido. Vamos nos atrasar.”

“Como assim atrasados? A gente não tinha marcado um horário específico com o informante?”

“Não, eu disse para ele no telefone que estaríamos lá por volta das sete da noite.”

“Bom, são exatamente sete da noite agora, e ele está a cinco minutos daqui, então nós não vamos nos atrasar.”

“Isso significa que nós já estamos atrasados, seu idiota! De acordo com meu relógio, ‘por volta das sete da noite’ se refere aos vinte segundos entre 18:59:50 e 19:00:10!”

“Você é a única pessoa com um relógio como esse, Kunikida-kun...”, Dazai resmunga enquanto anda.

Aliás, meu relógio utiliza equipamento especializado para se ajustar automaticamente ao horário padrão toda manhã quando acordo, então a margem de erro é sempre de menos de um segundo.

“Nós já teríamos terminado a maior parte do nosso trabalho de hoje se um certo alguém não tivesse comido um cogumelo mágico. Não se atreva a comer um daqueles de novo. E, se comer, tenha certeza que é o do tipo fatal.”

“Ah, que experiência prazerosa foi aquela.”

“Você está bem agora, certo? Ainda está vendo elefantes rosas no céu?”

“Elefantes? Não seja burro, elefantes não podem voar. Aquilo que eu estava vendo eram besouros elefantes roxos.”

Não existe esperança pra esse cara. Quanto mais eu falo com ele, mais idiota eu me sinto por ter dúvidas sobre o mesmo. Um espião? Maldade no coração? O pior que ele poderia fazer é se jogar na frente de um trem e atrapalhar os horários das linhas. De qualquer forma, se o Dazai realmente acabar sendo um completo idiota, a solução é simples. Eu só tenho que me livrar dele, o que ficaria extremamente feliz de fazer. Mas...

“Dazai, você se lembra da missão, certo?”

“Exterminar os besouros elefantes roxos.”

“Sabe, estou começando a achar que você faz isso de propósito.”

“Hahaha, eu tava brincando. Vamos investigar uma mansão assombrada, certo?”

Seu rosto sorridente e expressão casual fazem com que eu fique com uma carranca.

Ontem, eu recebi um e-mail com um pedido de um cliente. A mensagem dizia o seguinte:

 

Prezado senhor,

Espero que todos na Agência de Detetives Armados estejam bem. Estou contatando vocês na esperança de pedir por um favor. Eu entendo que vocês são muito ocupados, mas não tive nenhuma outra opção.

Pra falar a verdade, gostaria que vocês investigassem um certo prédio. Ele deveria estar completamente vazio, mas noite após noite, tenho ouvido estranhos gemidos e sussurros vindos lá de dentro, assim como uma luz fraca piscando pela janela. Eu e outros vizinhos estamos tão assustados que mal conseguimos dormir.  

Eu entendo que esse não é um pedido simples, mas ficaria para sempre em dívida com vocês se puderem checar se isso é algum tipo de pegadinha. Além disso, se for realmente uma pegadinha, ficaria muito grato se pudessem explicar como e por que isso está acontecendo.

Mesmo que não seja muito, enviei a vocês uma taxa de retenção pelos seus serviços, então por favor vejam assim que estiverem livres. Ademais, eu peço que esse serviço permaneça como um segredo entre nós. Obrigado pela compreensão.

Eu desejo a todos saúde e a melhor das sortes.

Com os melhores cumprimentos.

 

É uma solicitação bem longa, mas o cliente está, resumidamente, nos pedindo para verificar um prédio em sua vizinhança para ver o que são todos esses barulhos estranhos. Quase imediatamente depois do e-mail ter chegado, a Agência recebeu uma carta na caixa de correio contendo a taxa de retenção. Eu verifiquei a quantidade para descobrir que era o dobro do preço de mercado, mesmo depois de subtrair as despesas planejadas, o que não nos dá motivo para recusar. Vamos conduzir nosso trabalho como de costume.

Porém, há uma coisa que me preocupa: o cliente não nos deu um nome. Não está claro quem é, onde mora e nem como poderemos entrar em contato com ele. Talvez isso tenha sido intencional, mas não poderemos reportar o que descobrirmos se não pudermos falar com ele. Então, não temos escolha a não ser procurar o cliente primeiro.

“E se o cliente for algum tipo de espírito vingativo? Talvez ele tenha feito isso para nos atrair até essa mansão assombrada para poder nos devorar e--”

“Seu idiota. Que tipo de história de terror envolve espíritos vingativos escrevendo e-mails?”

E eu não ficaria assustado se acabasse sendo realmente um fantasma.

Enquanto continuamos nossa brincadeira ociosa, acabamos chegando nos armazéns do porto. A luz da lua reflete nos tijolos dos armazéns, iluminando de forma fraca o aglomerado de prédios sob a manta da noite. O teto é alto e o gesso das paredes está descascando por causa da maresia. Meu nariz está coçando por causa do cheiro de peças de ferro de máquinas e óleo junto do aroma velho de poeira e da passagem do tempo. Eu toco a campainha do escritório. Há um som de rangido como se ferro estivesse deslizando contra ferro e a tranca mecânica se abre.

“Pode entrar.”

Como esperado, uma voz aguda nos recebe. Passamos por algumas pesadas portas de bétula que foram destrancadas remotamente antes de chegarmos ao nosso destino.

Um tímido cômodo de 35m². Máquinas e eletrônicos estão funcionando por todo o piso e pelas paredes, com os diodos brilhantes iluminando o cômodo escuro. No meio fica uma coleção de computadores com ventiladores zunindo como lobos rosnando. Há quatro painéis de LCD na mesa, cada um emitindo uma fraca luz azul.

“E aí, Quatro-Olhos. Ainda seguindo religiosamente esse seu caderninho?”

“É realmente esse o tom que você quer usar comigo, informante? Se entregássemos uma evidência sobre você, como deveríamos, estaria olhando para dez anos na prisão. E isso partiria o coração do seu falecido pai.”

“Não se atreva a colocar meu pai nisso.”

O informante, um garoto de catorze anos, coloca as pernas na mesa antes de se inclinar na cadeira. Cabelo curto, olhos grandes, sempre usando o mesmo suéter branco não importando a estação. Ele pode até ser pequeno, mas a sua visão é afiada o suficiente para cortar vidro.

“De qualquer forma, não é costume seu se atrasar. Tipo, cê tava em um ‘encontro’ ou algo do tipo?”

Ele faz um círculo com uma mão e enfia um dedo da outra nele.

“Desculpe por desapontar, mas só estou planejando ir em encontros com a mulher que eu me casar. E de acordo com a página de ‘Planos Futuros’ do meu caderno,” eu respondo enquanto abro o caderno na página que citei, “ainda faltam mais seis anos antes de eu me casar.”

“Espera, você já tem uma garota com quem você vai se casar?”

“Não pelos próximos quatro anos.”

“Aham...”

Os olhos do garoto se abrem e seu queixo cai quando ele percebe que estou falando sério.

“Presta atenção, garoto. Eu vivo de acordo com meus ideais e agenda. É isso que significa ser um adulto.”

“É... eu tenho uma boa ideia do tipo de pessoa que você é, mas isso foi... hm, inesperado.”

Dazai passa pela porta atrás de mim.

“Hm? Quem é o cara novo?”

“Olá. Eu adoraria me apresentar, mas não quero ouvir reclamação do Kunikida-kun depois.”

“Você deveria se apresentar antes de perguntar, garoto. Ah, e Dazai, não tente adivinhar o que vou fazer a não ser que eu te dê permissão.”

“Nossa, Quatro-Olhos, você realmente gosta de mandar nas pessoas... tanto faz. Meu nome é Rokuzou Taguchi, catorze anos. Sou um hacker profissional.”

“Ele é o idiota que tentou hackear nosso sistema e foi pego, então tive que ensinar a ele algumas boas maneiras.” Eu adiciono algumas informações graciosamente para que fique claro.

“Qual é, isso foi mil anos atrás. Só me dá os dados logo.”

Rokuzou hackeou o arquivo de informações da Agência de Detetives Armados há três meses e instaurou o caos na organização. Naturalmente, a Agência está preparada para ataques virtuais, então rastreamos o hacker até aqui. Eu ameacei o Rokuzou um pouco e agora ele está trabalhando como nosso informante com a condição de que não entreguemos os dados para a polícia como evidência criminosa. É uma relação vantajosa.

“Então, você já descobriu quem nos mandou o e-mail que pedi para você olhar?”

“Uau. Impaciente, né? Eu literalmente acabei de olhar pra ele. Preciso de mais tempo.”

Eu pedi para ele localizar o remetente misterioso. Rastrear um e-mail não é uma tarefa difícil para alguém do calibre de Rokuzou.

“E também, eu já estou ocupado rastreando as pessoas desaparecidas que você me pediu. Isso não é mais importante?”

“É sim.” Concordo com a cabeça.

Ele está se referindo aos casos dos Visitantes Desaparecidos de Yokohama.

Houve uma série de incidentes de desaparecimento de pessoas, com nenhuma coincidência óbvia entre as vítimas. Onze pessoas já estão desaparecidas agora, e já se passou um mês desde que a investigação criminosa formal foi iniciada. As vítimas possuem apenas duas coisas em comum, mesmo que mínimas: elas não vivem em Yokohama e todas elas desapareceram quase que do nada. É um caso difícil sem pistas que nos ajudariam a saber por onde começar a procurar. O que eu pedi para o Rokuzou fazer foi juntar pistas das atividades das vítimas antes delas desaparecerem, como filmagens deles entrando em trens ou pegando um táxi. No entanto, os resultados foram abaixo do ideal.

“Espera. Quem desapareceu? Ninguém me falou nada sobre isso.” Dazai entra na conversa demonstrando interesse.

“Vou explicar tudo mais tarde.”

De qualquer forma, eu casualmente o ignoro - e com razão, claro. Eu planejo fazer com que a resolução deste caso seja o exame de admissão do Dazai, e quero esperar pelo momento certo antes de divulgar tais informações.

“Ooh, está treinando o novato, hein. Você realmente subiu na hierarquia, Quatro-Olhos.”

“Sim, ele é um chefe bem difícil. Você não acreditaria no que tenho que passar... A propósito, seu nome é Rokuzou, certo? Você é um hacker, certo? Então, você tem alguma informação sobre o Kunikida? Talvez algumas fotos incriminadoras?”

“Dazai! Não é muito esperto planejar para me chantagear quando estou bem aqui!”

“Hehe. Eu gosto do seu jeito, novato. Nós temos o pacote de mil ienes, o pacote de dez mil ienes e o pacote de cem mil ienes. Qual vai ser?”

“Mas o que você tem sobre mim aí?!”

Calma, calma, calma. Relaxa, Doppo.

“Não me faça rir. Eu não tenho nada a esconder. Dazai, ignora essa criança. Ele está blefando.”

“...Hmmm.” Dazai me lança um olhar desconfiado.

“Você não precisa acreditar em mim. Vou apenas vender informações a clientes que acreditem. Digo, eu posso me livrar disso quando você quiser ser estiver disposto a pagar o valor, Quatro-Olhos.”

“Continue sonhando! Nenhuma informação como essa existe! Vamos, Dazai! Estamos indo embora!”

Eu pego Dazai pelo colarinho e o arrasto rapidamente para fora do cômodo, saindo do esconderijo do ladrão de informações.

... Cento e onze mil ienes...?

 

 

Não há uma alma viva para ser vista no distrito da velha fábrica. Dazai e eu estamos parados na rua, esperando pelo táxi que chamamos. Trilhas de luz dos veículos que passam vêm e vão. Um respingo de amarelo. Uma linha prateada. O vermelho espalhado de luzes de freio. Faróis brancos cortam as sombras por entre os prédios. Os reflexos das luzes dos postes correm pelas janelas dos carros como água. Os fortes ventos que vêm do oceano lentamente empurram as nuvens para longe, fazendo com que o luar projete sombras e luzes brancas sobre o porto.

“Ele é um bom garoto.” Dazai diz com um sorriso enquanto ele olha para o céu noturno.

“Cometi um erro apresentando vocês. Eu deveria saber que isso não levaria a nada de bom.”

“Ei, eu posso te perguntar algo?”

“O quê?”

“Por que você está cuidando dele?”

Eu olho para Dazai, notando sua expressão calma.

“Por que você pediria ajuda dele? A Agência com certeza não precisa de ajuda para investigar pessoas desaparecidas. Além disso, você poderia ter só ligado para ele para falar sobre isso.”

Eu não digo uma palavra. É uma pergunta difícil.

“Isso teria alguma coisa a ver com esse pai dele que você mencionou?”

Não consigo me controlar e olho para ele.

“Eu sabia.”

Dazai sorri, memorizando minha expressão.

“... O pai dele era um oficial de polícia dedicado antes de morrer,” eu começo a explicar relutantemente. “Algum tempo atrás, a Agência trabalhou junto da polícia para investigar um certo criminoso. Ele era um peixe grande-- tão ruim como geralmente são. Ele destruiu vários prédios nacionais e de corporativas. Mesmo que a polícia estivesse fazendo tudo que eles podiam para encontrá-lo, eles apenas não conseguiam capturar o cara.”

“Você está falando sobre o Terrorista da Bandeira Azul?”

“Sim.”

Se tornou em um caso terrível que abalou o país, envolvendo tanto os militares quanto a polícia.

“Depois de muito esforço, a nossa Agência finalmente conseguiu encontrar o esconderijo dele, que nós reportamos à polícia da cidade.”

“Isso é incrível.” Dazai responde, impressionado.

“É, foi bem difícil. No entanto, naquela época, o caso estava sendo conduzido pelos militares, a segurança nacional e a polícia da cidade em uma força conjunta, o que causou uma confusão enorme entre as várias redes de comando. Para piorar a situação, o criminoso descobriu o que estávamos fazendo, então fez uma barricada para si mesmo em seu esconderijo junto de um número enorme de explosivos super potentes.”

Todas as lembranças estão voltando para mim. Ordens conflituosas vindo de todas as direções, alguns dizendo para prender o alvo, outros dizendo para esperar...

“Por causa das ordens caóticas, apenas cinco detetives conseguiram chegar prontamente ao local. Eles foram ordenados a entrar rapidamente e neutralizar o inimigo de uma vez... mas o que cinco detetives normais, usuários de habilidades ou membros das forças especiais, esperavam conseguir contra o sanguinário Rei Azul?”

Não apenas isso, mas os que estão no terreno não tem como entender a situação em sua totalidade. Se os superiores dão ordem para entrar, é isso que eles fazem.

“Depois de ser encurralado, o Rei Azul detonou uma bomba, matando a ele mesmo... junto dos cinco detetives.”

“E um desses oficiais era o pai do Rokuzou, certo?”

“Rokuzou perdeu a sua mãe quando bem novo. Eram apenas ele e seu pai depois disso, e ele parecia realmente se inspirar nele.” Eu cerro meu punho. “Eu fui quem ligou para a polícia e falou que havíamos descoberto o esconderijo do terrorista.”

Se ao menos tivesse contactado alguém mais importante nas redes de comando... se ao menos a Agência tivesse invadido o esconderijo junto deles...

“Eu basicamente o matei.”

“Não, você não o matou. Foram os maiorais da polícia que deram as ordens e, além disso, foi o criminoso que se explodiu.”

“Isso talvez seja verdade, mas eu duvido que o garoto veja desse jeito. Ele não teria tentado conseguir vingança hackeando os dados da Agência se não pensasse assim.”

Eu suspeito que o Rokuzou nos despreza. Eu nunca perguntei a ele diretamente, mas...

“O pai do Rokuzou se foi e nada irá mudar esse fato. É por isso que alguém tem que cuidar dele - manter ele na linha quando ele precisar. E eu apenas estou em posição de fazer isso. É tudo uma questão de conveniência.”

“Você é realmente um romancista, sabia disso?” A risadinha de Dazai soa como um suspiro. Eu nunca me considerei um romancista, nem sei realmente o que significa ser sentimental. No entanto, meus conhecidos costumam me descrever como tal, embora eu não entenda o porquê. Afinal, este mundo está longe de ser ideal.

Um taxista para na nossa frente enquanto eu penso nisso. O motorista acena.

 

 

Dois taxistas nunca são iguais. Alguns são pessoas respeitáveis, outros são sinceros. Alguns conhecem as ruas laterais e atalhos como as palmas de suas mãos, outros são motoristas especializados. Você também pode achar motoristas jovens e animados, assim como os mais econômicos que ficam de olho no taxímetro o tempo todo. Não há resposta para qual é o melhor e todos têm o direito de opinar. Mas há apenas uma coisa que eu espero quando entro em um táxi.

“Quanto tempo, Detetive Kunikida. Estamos tendo um ótimo clima hoje, não é mesmo? É realmente o dia perfeito para investigar. Seus óculos realmente combinam com você, então, cê sempre tá bem. Quando você já dirigiu táxis por tanto tempo quanto eu, você começa a reparar quem fica bem de óculos e quem não fica. Você pode descobrir se são refinados, se possuem boas ações. E os seus óculos são muito bons! Sim, eu garanto isso.”

“Por favor, você pode calar a boca e só dirigir?”

Além disso, como você pode determinar o caráter de uma pessoa só pelos seus óculos? Ridículo... mas eu estou um pouco curioso, no entanto.

“Os melhores taxistas são os que não falam. Ninguém nunca te disse isso?”

“Nunca. Na verdade, os passageiros realmente nunca me falam nada quando estou dirigindo, já que eu estou falando o tempo todo.”

Eu sei do que chamam um taxista como você: um tagarela.

Dazai e eu pegamos um táxi para o nosso próximo destino de investigação. Eu olho pela janela para descobrir a ausência de luz. Sombras das árvores escassamente distribuídas afastam a luz fraca da Lua enquanto desaparecem à distância. Não é necessário dizer, mas não foi por um momento de má sorte que entramos nesse táxi. Nós especificamente pedimos por esse motorista. Por quê?

Para conseguir informações.

“Dazai, sabe o caso de desaparecimentos que mencionei mais cedo?”

“Aquele que o Rokuzou está pesquisando?”

“Precisamente. Onze pessoas estão desaparecidas até agora. E esse motorista viu duas delas exatamente antes que sumissem.”

Aponto para o indivíduo de figura pequena que dirige o veículo.

“Tudo que eu fiz foi levá-los do porto até seu hotel. Uma era uma mulher de férias e outro um homem que estava em Yokohama para negócios.”

“Você tem certeza de que essas foram as pessoas que você viu?”

Eu puxo algumas fotos do meu bolso. Todas são fotos das vítimas tiradas pela câmera de segurança do hotel. Há três tipos: de quando estão entrando no prédio, quando eles estão preenchendo a papelada no balcão e do dia seguinte quando saem do hotel.

“Sim, esses são eles mesmo. Estavam usando essas mesmas roupas. Eu os levei para esse mesmo hotel, também.”

“Bom. Então, Kunikida-kun, você pode finalmente me contar os detalhes do caso?”

“... Tudo bem.”

Então começo a resumir o caso. Cerca de um mês atrás, um homem de quarenta e dois anos estava visitando Yokohama para negócios e simplesmente sumiu. Depois de seguir suas pistas, ficou claro que ele deixou o porto, fez o check-in no hotel, e foi para a cidade no dia seguinte. Contudo, ele não apareceu na sua reunião de trabalho, nem retornou para casa. Seus pertences ainda estavam no quarto de hotel e ele simplesmente saiu por vontade própria, desaparecendo sem deixar vestígios.

Um viajante sozinho, um participante de uma feira, as outras pessoas desaparecidas sumiram mais ou menos da mesma forma. Da idade até os locais de residência e trabalho, as onze vítimas não possuíam nada em comum, além de que todas estavam visitando Yokohama sozinhas. A polícia está investigando pela cidade, tentando investigar as pegadas das vítimas depois que deixaram o hotel, mas eles não conseguiram achar nenhuma testemunha. É como se essas pessoas tivessem desaparecido como uma nuvem de fumaça.

A polícia está cogitando a possibilidade de sequestro. Mesmo assim, não há um único lugar nessa cidade enorme onde alguém possa desaparecer sem ter nenhuma testemunha. Qual seria o seu objetivo, afinal? As famílias não foram ameaçadas a pagar um resgate ou algo do tipo.

“O objetivo é bem claro, se você está me perguntando.”

Dazai, que esteve calado todo esse tempo, de repente fala com um tom animado em sua voz.

“Mercado.”

“O quê?”

“Estou dizendo, alguém está sequestrando essas pessoas e as vendendo. Do que eu ouvi, parece que todas as pessoas desaparecidas são todas adultas e saudáveis, certo? Corações, rins, córneas, pulmões, fígados, pâncreas, medulas ósseas... Quero dizer, eles todos seriam vendidos em mercados estrangeiros, então não são valiosos em termos de ienes, mas ter onze corpos é como pisar em uma mina de ouro. Se o criminoso está agindo sozinho, então eu aposto que ele está sentando em uma fortuna.”

“Eu já ouvi sobre mercados negros assim antes, mas como você sabe tanto sobre eles?”

Tenho certeza de que o público em geral sabe apenas o que vê em filmes ou ouvem em histórias.

“Ah, sabe, eu só acabei ouvindo algumas pessoas sobre ele em um bar sujo fora da cidade uma vez.”

Que conveniente. Uma desculpa superficial. De novo, até os átomos que compõem o corpo dele são suspeitos.

“... Então você está me dizendo que as próprias vítimas foram atrás do comprador? No meio da viagem deles, eles deixaram seus planos de lado e foram implorar para alguém comprar seus órgãos?”

“É, você está certo. Não faz sentido. Acho que isso quer dizer que eles só queriam desaparecer por algum motivo? Talvez eles tenham entrado em contato com um mediador especializado em fazer novos nomes e identidades.”

“Mas então deveria ter testemunhas ou registros em vídeo deles deixando a cidade para se encontrarem com o mediador.”

“E se eles tivessem se encontrado com um mestre dos disfarces para alterar suas aparências?”

“Agora que você falou disso, eu já ouvi falar de algo assim antes! No show business, eles têm essa técnica que consegue transformar homens em mulheres. Assim, primeiro eles enchem as suas bochechas com um tipo de algodão para mudar a forma do rosto deles, e depois...”

“Ninguém te perguntou nada.” Eu rapidamente o corto antes que ele comece mais uma de suas histórias sem fim.

“Ah, eu entendi! Olha essa foto! Os dois estão usando óculos, certo? Encontrei algo que eles têm em comum. É o caso de desaparecimentos em série de pessoas que usam óculos!”

Dou uma olhada e percebo que as vítimas realmente estão usando óculos: um de armação preta e outro com uma prateada.

“Essa é a sua chance, Kunikida-kun!”

“Minha chance para fazer o quê? Fora isso, várias outras vítimas não estão usando óculos, sabia? Então não, você não achou algo que todas elas têm em comum.”

Se a minha memória estiver certa, quatro das outras nove vítimas estavam usando óculos de grau, duas usavam óculos de sol e três não usavam nada.

“Tsc... parece que eu vou ter que achar outra forma pra te usar de isca. Acho que o criminoso tem turistas como alvo. Beleza, Kunikida-kun, calça as tuas botas de borracha, pega uma mochila, veste aquela sua camisa de listras verde e vermelha e começa a andar pela cidade com sua bermuda. Você também tem que levar uma câmera gigante contigo para tirar fotos de todo mundo que andar perto de você e dizer ‘né’ no final de todas as suas frases.”

“Até parece que eu vou!”

“Até parece que eu vou, né!”

“Você chama isso de estratégia? Isso é uma ideia terrí--”

“Uma ideia terrível, né?”

“Para de tentar adivinhar o que eu vou falar!”

“Hmm? Nesse caso, que tal você ficar pelado, colocar um chapéu de palha e andar pela cidade em um monociclo gritando sobre os tipos de mulher que você gosta?”

“Nós não estamos mais nem falando sobre a mesma coisa!”

“Ei, eu tenho uma ideia também, Detetive Kunikida. Que tal você se vestir com um palhaço e começar a ler--”

“Fique fora disso!”

Argh, esses dois! Eu estou lentamente começando a perder a minha paciência aqui.

“Dazai, quando você vai começar a levar o trabalho a sério? Se decida!”

“Quê? Mas eu sempre levo o trabalho a sério.”

Eu realmente espero que isso seja apenas uma piada ruim.

“Ok, que tal isso: eu juro me tornar um detetive no qual você possa confiar muito em breve. Eu vou completamente e cuidadosamente investigar, examinar e encontrar deduções lógicas por meio das evidências. Depois disso, você vai ficar tão impressionado que imediatamente vai deixar que eu comece a investigar sozinho, e as minhas incríveis habilidades de detetive vão te levar às lágrimas.” Dazai continuava falando, tentando me persuadir, mas o seu discursinho não significa quase nada para mim.

“E quão breve é esse ‘muito em breve’?”

“Assim que sairmos deste táxi.”

Oh?

“Sério mesmo?”

“Claro que sim. Um entusiasta do suicídio nunca volta atrás com sua palavra... ah, mas em troca, se você não se importar...”

Eu sabia que isso ia acontecer.

“O que você quer? Não vou te dar um aumento ou trabalhos mais fáceis, se é isso que está querendo.”

“Ah, não é nada tão extravagante. É apenas, hm, algo que chamou meu interesse mais cedo...”

Dazai olha firmemente na direção do motorista, seus olhos brilhando com curiosidade.

“Me deixa dirigir.”

 

 

“AHHHHHHHHHHHH!!!”

“Mua-ha-ha-ha-ha-haaa! Eu sou o vento!!!”

“Esper-- D-Dazai, para esse carro! Para esse carro nesse insta-- Aaargh!”

“GAAAAAAH!!!”

“Blerrrgh...”

 

 

“Ta-daaa! E aqui estamos, sãos e salvos!”

“Nunca mais... eu nunca mais vou deixar você dirigir... nunca mais...!”

Dazai pula para fora do táxi calmamente quando a porta se abre, enquanto eu tropeço e quase caio de cara. O motorista, por outro lado, está desmaiado no banco do carona. Ele não vai acordar até de manhã, certeza.

“Espera. Você fica enjoado quando anda de carro? Vamos, levanta logo.”

Eu sinto uma vontade urgente de matá-lo.

Enjoado quando ando de carro não é a definição certa para isso. As minhas pernas estão tremendo tanto que eu mal consigo ficar de pé. Eu não tenho equilíbrio algum. Me sinto como uma criatura herbívora recém-nascida tentando ficar de pé sobre suas quatro patas pela primeira vez. Nem mesmo o mais rigoroso treinamento de artes marciais me deixaram tão exausto.

“Beleza, então! Vamos trabalhar! Eu vou começar a levar as coisas a sério como eu prometi que faria!”

Não tenho como pedir um descanso agora depois de todo o sermão que dei nele.

“O prédio mencionado no e-mail fica bem ali na frente... A propósito, Kunikida-kun, você tem medo de fantasmas?”

“Fantasmas? ...Você realmente acha que alguém com medo de fantasmas pode trabalhar na Agência de Detetives Armados? Armas e facas são bem mais perigosas que alguma aparição mística.”

“Ótimo. Porque, aparentemente, é isso que estamos investigando.”

Eu me viro para ver o que ele está apontando e vejo um prédio escuro em ruínas no meio das montanhas. Um hospital abandonado cheirando a morte e podridão, envolto em trevas, nos aguarda.

 

 

Por quê?

Por que tínhamos que ter vindo aqui no meio da noite, e em uma noite como essa?

Todas as pessoas vivas ficam doentes. Assim como não existe uma mente perfeita, não existe um corpo perfeito. Alguém não precisaria olhar além de um hospital para ter certeza disso. Todos nascem e morrem em hospitais. Poderia até se dizer que hospitais agem como fronteiras entre essa vida e a próxima - a linha que divide a vida e a morte. E um hospital esquecido e caindo aos pedaços é ainda mais estranho. A luz da lua entra pelas janelas quebradas, lançando sombras azuis de graça sutil sobre os escombros. Poças violetas estagnadas que lembram sangue cobrem o chão e, na frente, há vários lírios-da-aranha-vermelha, flores com um nocivo tom de vermelho.

“Está escuro... quase não consigo ver nada.”

“Mas isso não deixa mais divertido ainda?”

Enquanto arrasto meus pés para dentro do corredor do hospital abandonado, Dazai casualmente me ultrapassa. As paredes podres estão desmoronando enquanto fios velhos pendem do teto. Os caixilhos das janelas estão faltando, a maior parte dos equipamentos foi roubada e os quartos do hospital não são nada mais do que casa de insetos agora. Quem viria de bom grado para um lugar como esse?

“O cliente pediu para acharmos a fonte das luzes e barulhos vindos de algum lugar aqui dentro todas as noites. Não tem como saber o que vai acontecer, então não baixe sua guarda.”

“Claro, mas... Kunikida-kun, não acha que você está sendo um pouco cuidadoso demais?”

Eu encaro Dazai. “Apenas um idiota subestima o inimigo. Ser um membro da nossa Agência significa sempre esperar o pior e agir de acordo.”

Me firmando em um ponto só apenas para ser mais cuidadoso, eu espero um ataque surpresa enquanto vou andando pelo corredor.

“Você está com medo?”

“E-Eu n-n-não estou com medo, idiota!”

“Então vamos nos apressar e acabar logo com isso.”

“Não seja estúpido. Em filmes como esse, os primeiros personagens a morrer são os descuidados que se empolgam e correm na frente.”

“E em que tipo de filme nós estamos?”

“Só cala a boca e vai na frente. Eu vou ficar de olho na retaguarda.”

“Você está dizendo isso só porque você não quer ficar na--? Ah, espera. Você disse que era porque está escuro demais para enxergar. Você considerou usar uma lanterna ou alguma coisa assim?”

Claro que sim. Na verdade, eu adoraria ter alguma luz, mas...

“Se realmente tem alguma coisa aqui, provavelmente vai fugir assim que ver nossas luzes. Vamos ter que depender da luz da lua para continuar.”

“Se você está dizendo.”

Nós andamos pela escuridão. O prédio range contra o vento forte. Eu ouço o som de água pingando. Não apenas não existem casas perto do hospital, como nenhum prédio em geral. Apenas as colinas e as vastas florestas nos observam enquanto as árvores escuras uivam com o vento intenso.

Eu penso de novo no e-mail do cliente. ‘Vizinhos’? Não há nenhum lugar bom para morar a não ser a quilômetros daqui. Os únicos moradores próximos são raposas e ursos.

Quem era esse cliente?

Por que não tinha um nome?

Talvez o cliente realmente seja um espírito vingativo?

As palavras do Dazai vêm à minha mente.

Nada além de escuridão em todas as direções. O vento uivante soprando entre as rachaduras do prédio tem um som parecido com o de uma mulher chorando.

............

Eu não acredito em fantasmas. Eu ensino álgebra e acredito na ciência. Espíritos vingativos aparecendo para matar os vivos é nada mais que uma ilusão criada pelo medo do escuro - o desconhecido.

............

Eu não estou com medo, não estou tremendo e não estou chorando também!

“Fantasma!”

Aaaaahh!!!

O grito repentino do Dazai vindo da frente fez com que meu coração pulasse uma batida. Ele se vira, me encarando com a sua boca aberta. Então, depois de dar uma boa olhada em mim, ele lentamente, mas com certeza, começa a rir.

Esse bastardo...

“Eu vou te demitir por isso!”

“Aaah, para, você estava tão nervoso que eu queria distrair sua mente um pouco.”

“Vai pro inferno!”

Eu corro para a frente e passo dele. Merda. Está escuro. Não consigo ver nada. Olhos me espiando das sombras, suspiros vindos do vazio: está tão escuro que minha mente está começando a me pregar peças.

Escuro.

Tão escuro.

Eu não aguento mais.

Poeta Solitário: Lanternaaaa!”

E que haja luz.

 

 

Depois de examinar o interior do hospital abandonado cuidadosamente, fica claro que pessoas estão vindo por aqui. Tem arranhões no chão feitos por um carrinho ou algo do tipo. Pegadas deixadas por sapatos de couro e fiapos de roupas. Mas ainda não está claro se isso são evidências deixadas por alguém que se infiltra por aqui toda noite ou os restos de roubos passados. Ilumino os arredores com a lanterna que criei, mas não é o suficiente para eliminar a escuridão avassaladora e seu domínio sobre o hospital. Eu literalmente estou quase tateando no escuro. Esse oceano de nada engole os meus pés enquanto ilumino o caminho à minha frente, porque direcionar a lanterna aos meus pés apenas joga o caminho na escuridão. Eu timidamente sigo em frente, mesmo que eu ainda não tenha achado nada importante.

“Parece que alguém só estava pregando uma peça. Vamo lá, vamos pra casa.” Dazai diz enquanto se vira, finalmente cansado disso.

“Espera aí. O que aconteceu com o ‘completamente e cuidadosamente investigar, examinar e encontrar deduções lógicas’? Temos que encontrar mais evidências antes de--”

“Não vai ser necessário. Aqui, vem dar uma olhada nisso.”

Ele pega um fio preto com suas duas pontas desaparecendo no chão... Espera.

“Isso é... um cabo elétrico?”

E um bem novo, que fique claro. É obviamente diferente da fiação original utilizada neste antigo hospital degradado. Esse cabo deve ter sido instalado nos últimos meses.

“Vamos apenas seguir esse cabo e...”

Dazai segura o cabo enquanto o segue para sua fonte. Estava escondido de forma inteligente, mas eventualmente achamos o que estava na outra ponta. Ele a levanta.

“Hmm... parece uma filmadora. Alguém deve ter instalado isso aqui secretamente, e eu acho que essa não é a única. O cliente claramente nos ofereceu uma proposta de trabalho falsa só para te trazer aqui para que ele pudesse te filmar chorando porque tem medo de fantasmas. Que pessoa malvada.”

“E-Eu não estou chorando!”

“É verdade. Só um bebê teria medo de um prédio escuro.”

“......”

“Além disso, um espírito assombrando um hospital não seria tão corajoso. Ele teria morrido de doença, certo? Quero dizer, se algum tipo de acidente trouxe ele para cá, ele estaria assombrando o que tivesse causado isso. Um fantasma que morreu de doença não teria coragem para matar ninguém. No pior dos casos, ele seria cheio de culpa. Seus prantos iam ser algo como ‘Eu não queria morreeeeer’. Acredita nisso? Esse sortudo morreu e ainda tá aqui reclamando!”

“Dazai... ei... já chega...”

Você vai irritar um espírito vingativo.

“Tipo, se fosse ter um fantasma raivoso, teria que ser uma mulher magrela que morreu de tuberculose pulmonar - só pele e osso, sabe? E ela teria que ter um cabelo molhado e desgrenhado cobrindo o rosto dela e dizer algo como ‘Não é justo, por que vocês têm que viver e eu não? Me salvem das garras dessa escuridãooo! Me salvem dessa doooor! Ah, tudo dói! Meu sangue, meus ossos, minha carne, minhas entranhas...! Aaaargh!!!’”

“Socorrooooo!!!”

Ao som do inesperado grito agudo, meu coração pula na minha garganta e quase para fora da minha boca. Mas em um momento depois, coberto em um suor frio, me dou conta:

Esse grito veio de uma pessoa viva.

“Você ouviu isso...?”

“Veio dessa direção! Me segue!”

Incapaz de esperar por Dazai, eu corro pelo corredor apodrecido, desço as escadas o mais rápido que consigo, corro pelo outro corredor, levantando cascalho o tempo todo. Seguindo na direção do grito, acabo chegando no porão.

O teto está quase caindo, assim como as paredes deterioradas. Passo pela sala da caldeira, pela de medicação, pela sala de radiografia e pelo necrotério no corredor. Seguindo a voz, chego na velha sala das caldeiras.

Eu a encontrei!

A mão direita de uma mulher emerge rapidamente de um grande tanque de água, lutando desesperadamente. Eu corro até lá e olho lá dentro para encontrar uma mulher jovem submersa, vestindo apenas suas roupas de baixo. Seu braço esquerdo está algemado a uma barra no fundo do tanque para que ela não saia. Ela vai se afogar se eu não fizer nada!

“Que diabos--?!”

“Temos que tirar isso daqui!”

Dazai grita enquanto ele mostra algumas barras de ferro. Elas estão na parte de cima do tanque de água, originalmente usado para lavagens, não deixando com que ela escape. Eu seguro as barras com as duas mãos e puxo com toda a minha força, mas elas não se movem nem um pouco, como se tivesse algum tipo de tranca. Meus olhos encontram os castanho escuros dela, abertos o máximo que podem. Eles desesperadamente clamam aos meus: Me ajuda.

“Nós vamos te salvar! Vá para o mais perto que puder da beira do tanque!”

Eu movo a minha mão, instruindo-a a se mover. Ela pressiona suas costas contra a parede do tanque e curva seu corpo como que dizendo que entendeu o recado. Depois, eu tiro a arma presa à minha cintura, removo o lacre e miro na direção da parede externa do tanque.

“Vai pra trás, Dazai!”

Inclino a pistola de uma forma que nenhuma bala vá ricochetear e acertar a mulher lá dentro. Depois disso, atiro três vezes no lado externo do tanque, perfurando e o quebrando. A água jorra.

Diante das fissuras, eu giro em um chute machado. O movimento enterra o meu calcanhar na parede externa de barro e argamassa, quebrando-a com um único golpe. Litros e litros de água escorrem instantaneamente do grande buraco.

Cof... Cof! Cof!

Ela vorazmente busca por ar depois de finalmente a água ter saído o suficiente para expor o seu rosto. Parece que conseguimos a tempo. Dazai gira a grande alça da torneira, desligando o abastecimento de água.

“Você está bem?”

Eu a alcanço por entre as barras de ferro e lhe ofereço um lenço. Seus dedos tremem enquanto ela o pega.

“Alguém tentou te afogar... Você viu quem era?” Dazai pergunta. Depois de um ataque de tosse, a vítima finalmente fala, ainda respirando pesadamente.

“Eu fui... sequestrada. Estava visitando Yokohama a trabalho um dia até que de repente perdi a consciência... a próxima coisa que eu soube foi que estava aqui.”

Dazai e eu trocamos olhares.

 

 

Com a ajuda de Dazai, nós quebramos as barras de ferro e retiramos as algemas para finalizar o resgate. As barras eram triplamente trancadas com fechaduras cilíndricas, então não tive escolha a não ser usar a coronha da minha arma para quebrá-las.

“Meu nome é Nobuko Sasaki. Eu sou professora de uma universidade em Tóquio. Eu estava visitando Yokohama quando, de repente, perdi a consciência... e quando acordei, estava aqui.”

Mesmo ainda pálida e pingando de tão molhada, a senhorita Sasaki corajosamente explicou o que aconteceu com ela.

“Sasaki-san, você sabe quantos dias atrás você foi sequestrada?”

“Me desculpem... não posso dizer com certeza, já que estive inconsciente por tanto tempo... no entanto, a julgar pelo modo que me sinto e com quanta fome estou, eu diria que não mais que dois ou três dias...”

A primeira pessoa nos casos de desaparecimento de Yokohama sumiu há trinta e cinco dias e a décima primeira vítima, há sete. Se a suposição dela estiver correta, há uma grande possibilidade de ela ser uma vítima que nós não sabíamos que existia.

“............”

Concentrado em seus pensamentos, Dazai continua em silêncio com seus braços cruzados.

A senhorita Sasaki é uma mulher um pouco magra com um longo cabelo escuro. Ela aparenta ser da mesma idade que eu. Ela está tremendo, o que é compreensível. O sequestrador deve ter tirado tudo dela, menos suas roupas de baixo. Além do sobretudo do Dazai, ela está quase nua e completamente molhada no meio da noite.

Suas mãos firmemente posicionadas em seus cotovelos e suas pernas esticadas no chão são especialmente delicadas. A roupa grudada ao corpo dela esboçam o contorno de uma figura sedutora. Sinto como se quase pudesse ver através da sua extraordinária pele de porcelana. Seu cabelo molhado gruda na sua nuca enquanto a água pinga em seu peito. Eu desvio o olhar sem absolutamente nenhuma razão.

“Mais importante, tem outras pessoas presas aqui, também! Eu os ouvi gritando.”

As outras pessoas desaparecidas estão aqui também? Eles estavam sendo prisioneiros aqui nesse prédio após terem sido igualmente sequestrados?

“Vou levá-los até lá! Me sigam.” A mulher levanta e se vira.

“... Espere.” Eu coloco uma mão no ombro da senhorita Sasaki, fazendo com que ela pare. “Dazai, o que você acha?”

“A forma que ela está vestida me faz sentir coisas,” ele diz com uma expressão séria.

“Seja sério!”

“... A história dela é boa demais para ser verdade,” Dazai responde, dessa vez cruzando seus braços. “É só conveniente demais. Nós viemos aqui para investigar uma luz misteriosa e vozes estranhas, e acabamos por encontrar uma vítima do caso de pessoas desaparecidas? Esses dois casos são separados, não relacionados a não ser pelo fato de serem nossos casos... Sasaki-san, quando foi a última vez que você viu o criminoso?”

“Me desculpe, mas na verdade, não vi ninguém uma vez sequer. Quando eu acordei, o tanque já estava sendo cheio com água, quase cobrindo meu rosto. Eu suspeito que o sequestrador abriu a torneira e foi embora cerca de cinco minutos antes de eu acordar.”

Isso deve ter sido quando ela gritou. Que espaço de tempo inacreditável.

“Então isso significa que o sequestrador estava aqui até alguns minutos atrás, e eu duvido muito que ele não tenha reparado que estávamos vindo. Então a pergunta é: por que ele faria isso?”

“Talvez ele tenha ouvido que estávamos vindo, então entrou em pânico. Ou talvez...”

É tudo uma armadilha bem elaborada.

Mas fugirmos com medo de uma armadilha está fora de questão. Se existem chances altas de outras pessoas desaparecidas estarem aqui, não podemos virar as costas para elas agora.

“Trinta e cinco dias se passaram desde que a primeira vítima foi sequestrada. Se ela está sendo mantida aqui, não deve ter muito tempo sobrando. Dazai, eu quero que você a proteja e me siga.” Começo a andar pelo corredor, minha arma na mão.

Após contatar a polícia local só por precaução, nós seguimos a senhorita Sasaki até chegarmos ao necrotério. Corpos são um tanto valiosos, então as portas são mais resistentes que o normal para prevenir roubos. A porta de ferro está trancada. É o local perfeito para confinar alguém. Eu verifico se não há nenhuma armadilha antes de quebrar a fechadura e entrar na sala.

Com uma mão sobre a outra, eu aponto a arma e a lanterna para a frente. De parede a parede, o necrotério tem cerca de dez metros e é terrivelmente escuro. A sala está praticamente vazia, tudo foi removido ou roubado. Tudo o que resta é uma maca com as pernas dobradas, uma bolsa de corpo rasgada e os armários nas paredes. Nada mais. Ninguém vivo ou morto... Espere.

Algo no fundo da sala se moveu em reação à luz. Eu movo a lanterna em sua direção.

“Nos... ajude...”

O necrotério não está vazio. Há quatro pessoas amontoadas em uma gaiola de ferro encostada na parede, vestindo apenas suas roupas de baixo, como a senhorita Sasaki.

“Onde eu estou?”

“Eu ouvi uma mulher gritando... o que está acontecendo?”

“Não precisam se preocupar. Estamos aqui para salvar vocês. Nós já salvamos a mulher que vocês ouviram gritando. Algum de vocês está machucado?”

“Não, nós estamos bem. Mas onde estamos? E por que estamos aqui?”

Eu me aproximo. Presa à parede oposta da entrada da sala, está uma gaiola de metal utilizada para transportar animais. Seria difícil abrir com as ferramentas que tenho em mãos agora. A estrutura da gaiola em si é simples, mas extremamente forte. Sem dúvida, precisaria de muito tempo para abrir.

“Hmm... uma fechadura eletrônica?” Dazai se aproxima da fechadura para inspecioná-la. “É protegida por senha? Ou talvez autenticação biométrica? Ou é controlada por voz? ... ‘Abre-te, Sésamo’! ‘Raios e trovões’! ‘A minha vida é uma vergonha completa’! Hmm... isso não funcionou. Acho que vamos ter que quebrar para abrir.”

O que diabos foi essa última frase?

“Se queremos quebrar, provavelmente temos que começar por aqui--”

No momento que Dazai encosta no cadeado, a senhorita Sasaki solta um grito agudo.

“Não toque na fechadura!”

Dazai se vira, espantado. Uma luz vermelha brilha do cadeado. O som de metal caindo ecoa do andar de cima, e eu ouço algo abrindo. Um gás branco leitoso começa a entrar na gaiola. Depois que eu corro instantaneamente, meus olhos e garganta queimam violentamente em uma dor lancinante. As vítimas enjauladas soltam gritos assustadores.

“É gás venenoso!”

A dor extrema fazem lágrimas encherem os meus olhos. Quase não consigo enxergar nada. Está tudo borrado, como se tudo estivesse dançando na minha frente. Eu talvez tenha inalado um pouco do gás, mas isso não significa que eu posso deixar essas pessoas para trás. Eu coloco uma mão na gaiola.

“Sai daí! É tarde demais!”

Alguém me pega pelo braço e me puxa para trás.

Não se atreva a dizer o que posso e não posso fazer. Eu preciso salvá-los. As vítimas não podem morrer. Esse é o ideal. É assim que o mundo deveria ser.

“Kunikida-kun, corre!” Dazai grita para mim de trás.

Não. Isso não está certo.

“Não!” A senhorita Sasaki me envolve em seus braços, me parando.

Por que? Por que estão me parando? Ninguém merece morrer. Eu não vou deixar que morram.

Dazai me arrasta para fora da sala. Tudo que eu lembro é que gritei alguma coisa.

As quatro vítimas estão mortas.



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