Bom Demônio Brasileira

Autor(a): Trajano


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 31: Reforço

O treinamento final, magia de reforço.

Um pouco menos de um mês para treiná-la.

Pelo que foi dito anteriormente, era o básico, mas também o fator mais importante em uma batalha. Tanto é que todos nascem com ela, sem exceções. Além de ser utilizada em toda e qualquer batalha, a todo momento.

Dando o motivo de querer começar a explicação antes de chegar na sala, Bianca começou:

—Antes de mais nada, vamos esclarecer algumas coisas. Magia de reforço é a magia base, então você, assim como qualquer outro, já a possui. Claro, não no seu mundo, mas a partir do momento que foi invocado para cá, o seu corpo se adaptou ao ambiente.

—É? Bem, eu... não sinto nada de diferente.

—De início você já conseguia fazer magia espacial, né? Seu portal. Mesmo que não esteja fisicamente ligado a você, é sua magia que abre um canal, então você já tem reforço desde o começo. É mais fácil dizer que todas as magias fora a elementar derivam dela.

—E-então, por que...

—Eu não disse antes? Simples!—Ela girou em 180 e começou a andar de costas.—É algo tão básico quanto respirar. As pessoas comuns também a têm, elas praticamente usam inconscientemente. Parecido com o ato de respirar. Agora, imagina se eu tivesse dito algo assim, você não teria se concentrado, sabe?

Assim como dito, Sea não pretendia se estender a nada que fugisse seu treino. Isso acarretaria em uma falta de atenção sem tamanho já que seu cérebro instintivamente ansiaria por uma resposta. Após dizer isso, Bianca e Ase optaram por omitir informações que escapassem ao treino.

Na hipótese de Sea saber que, desde que chegara, tinha consigo magia com uma existência tão comum como uma ação metabólica, ficaria surpreso e, principalmente, curioso. Enquanto treinava, por mais que sua mente almejasse o que lhe fora pedido, seu corpo teria desejo por essa magia.

—Ah, obrigado, então.

—Se tá agradecido, me chama de mamãe!

—... Não.

Ele negou tanto por ser extremamente vergonhoso quanto pelo homem que andava na sua frente, silencioso, apenas ouvindo tudo.

A garota, que já esperava essa resposta, não mudou a face. Apenas pôs o objetivo de tentar de novo depois.

Com as mãos atrás das costas, continuou:

—Bem, para qualquer pessoa isso é senso comum.—Sea adorava essa palavra.—Até nós dois somos acostumados em viver com isso, então é... complicado de explicar.

Isso pode ser comparado a ensinar um bebê a um adulto. Assim que se tem uma base e um meio, algo complexo é mais simples de ensinar. Contudo, apenas para ensinar o básico do básico, é tão difícil quanto.

Por esse motivo, vários especialistas concordam que é bem mais dificultoso ensinar um bebê a falar a ensinar um adolescente sobre astrofísica.

—Bem, pense nos músculos. Você não se pergunta como faz para que eles se contraiam ou flexionem, você simplesmente faz. É essencialmente o mesmo. Como magia espacial é um derivado, você já deve ter um mínimo de conhecimento em manipulá-la.

Ela virou o pescoço para trás, adaptando-se ao ambiente. Afiou os olhos para melhorar a visão, e notou como a sala se aproximava. Ao mesmo tempo, teve uma ideia brilhante. Parou e foi até o lado de Sea.

Segurou-o pelos ombros e apontou para frente, dizendo:

—É difícil enxergar lá longe, né? Pois bem, você pode usar a magia para melhorar sua visão, assim como os outros sentidos. Até reflexos! Basta você concentrar na região que quer melhorar.

O invocado entendia tudo que ela dizia, mas sem conseguir manipular a magia por si próprio, não podia pôr em prática.

Bianca fez um círculo com o polegar e o indicador. Sussurrando um “Vamos ver...”, pôs o círculo no olho direito de Sea. Para acalmá-lo, ela o pediu para fechar os olhos. E assim ele o fez.

Sua língua saía um pouco pela boca, indicando que estava se esforçando.

—Pronto, pode abrir.

Ele abriu.

—A-ah...

Seu maxilar caiu em surpresa.

O abrir das pálpebras lhe mostrou um novo mundo. Era a mesma sensação que se tem ao adquirir óculos de lente por necessidade. O seu “normal” se tornava um HD. Como se você simplesmente não pudesse acreditar que estava tão preso naquela visão simples de antes.

As portas que estavam longe podiam ser vistas com perfeição, até mesmo os caracteres gravados em suas placas. Farpas de madeira originadas pela decomposição podiam ser vistas como se estivessem a alguns centímetros.

Mas, não era só isso. Já que Ase estava na frente, entrava no campo de visão de Sea. .... Algo emanava de seu corpo. Era bastante semelhante a uma fumaça transparente, mas de cor vermelha. Circundava seu corpo, elevando-se, chegando até um ponto, então se dividia em formato de bolhas e se esvaía.

Todo seu corpo, sem exceção, estava coberto por essa fumaça. Contudo, não era tão espessa. Uma capa protetora era a melhor descrição que Sea podia dar.

—Então, tá legal?

De surpresa, o braço de Bianca apareceu na sua frente. Estava tão imerso nessa nova realidade que sequer lembrara de que a moça estava ao seu lado.

O braço, sim, estava a pouquíssimos centímetros, mas até as imperfeições do tecido podiam ser vistas.

A capa começou a ficar ainda mais forte, ao ponto de chegar perto de Sea.

Ele a tocou, passou o braço por cima. Era um sentimento estranho. Ele conseguia sentí-la e não ao mesmo tempo. Não conseguia definir como tal coisa existia.

Então, algo novo ocorreu. Uma dor de cabeça chocante passou por si. Começou no olho direito, circundou-lhe, passou por todo seu corpo, como se ela fosse igualmente distribuída por ele. Um choque tentando se alastrar por toda a matéria condutível disponível.

E, por fim, chegou à cabeça. A dor era sufocante, remexia suas células, passava pelas sinapses, também as danificando no processo. Esquentava, flamejava, escaldava seus pensamentos...

Contudo, aquele universo era belo demais para se separar.

“Esse é o normal desse mundo?”, essa dúvida passou. Era impensável.

No entanto, as coisas foram piorando. Ele afinou seu olho, analisou ainda melhor o braço que se estendia e balançava à frente de si.

Ele sentiu quase como se... pudesse ver um grande conjunto de esferas se movendo sobre um amontoado de  esferas...

—Já tá bom.

Rigidamente, Ase tomou a mão de Bianca que fazia um círculo. Até sua voz carregava um pouco de ferocidade.

A visão voltou ao normal. A antes tela full HD 4k de 120 polegadas se resumiu ao seu costumeiro padrão. O tecido era tecido. A madeira era madeira. Só.

—A-ah...

A Vassala ao lado, soltou um gemido de surpresa, até engasgando devido a besteira que fizera.

—Você foi longe demais.

—...

Ase soltou a mão. A garota a trouxe para perto de si, vendo a besteira que tinha cometido.

Ambos olharam para o rosto de Sea.

*Ping*

Uma gota colidia contra o chão.

*Ping*

Outra caiu.

Seu rosto estava vermelho e completamente molhado de suor. Seu olho direito quase quebrava os ossos que o mantinha no lugar devido a forma que estava largo.

Mas não só isso. Existia uma pequena trajetória de um vermelho-carmesim escorrendo por suas bochechas em uma velocidade considerável, indo de encontro ao chão.

Sua capacidade havia sido forçada ao ponto de seu cérebro não conseguir manter as informações de distância. Havia sobrecarregado tanto o glóbulos ocular que tinha chegado  ao ponto de Sea estar enxergando o mundo microcelular...

O sangramento era decorrente disso.

Todavia, não parou por aí. Subitamente seu corpo sentiu uma forte tontura e enjoo. Seus olho enviar algo tão desproporcional ao que o outro via era... um erro biológico.

Claro que isso é algo normal mesmo na sociedade, desde problemas de grau a microscópios,  mas estava em níveis completamente distópicos...

Como o efeito de seu ouvido, que mantém o equilíbrio do corpo, não estar em sincronia com a visão. Um efeito parecido com o mal estar em barcos.

—Há...

Mas o mais impressionante.

O vermelho que ia ao chão não estava mais tão carmesim, na verdade, parecia um pouco mais diluído...

Suas lágrimas de felicidade iam junto do sangue.

Não era exagero que, em troca daquilo, Sea teria ainda mais longe... para ver algo tão belo quanto.

...

—M-me desculpa...

—Se se sente culpada, de agora em diante me chame de Sea.

—... Não.

Déjà vu.

Após o ocorrido, Bianca foi repreendida.

Simplificando, aumentar de tal forma o campo de visão humano resulta em uma grande adição de informações a serem processadas pelo cérebro. O de Sea não estava acostumado com isso, além de a magia imposta sobre o mesmo distoava tremendamente do olho, levando ao colapso do seu olho.

Para exemplificar melhor, digamos que, por exemplo, com a ajuda de uma força invisível, X pessoa golpeie o concreto. Os efeitos no concreto serão mais fortes do que sem ajuda, mas o retorno, também. Levando à destruição do braço. Basicamente foi isso o que aconteceu.

Ademais, é dito que existe um limite para essa visão microscópica, que seria chegar nos elétrons, nêutróns e prótons. Por Sea não estar acostumado, deu no que deu.

A propósito, tudo isso não chegou a durar mais de cinco segundos, e mesmo levando isso em conta, pode-se dizer que os ferimentos foram baixos. Por mais alguns segundos e Sea teria sido morto por sobrecarga.

Obviamente isso foi culpa de Bianca, que chegou a concentrar quase toda sua magia no olho dele. Um erro de cálculos, sem dúvida.

Ela não chorou como de costume. Não soltou lágrimas de crocodilo ou reais. Optou por ficar com uma face mais tristonha enquanto pedia desculpas. Era sua forma de dizer que estava sendo sincera.

—Não precisa se preocupar, não é a primeira vez que tenho quase arrancado, ou todo, mesmo...

Por mais que tivesse doído bastante, para Sea, havia valido a pena. Ele conseguiu enxergar com seus próprios olhos tanto a magia de reforço quanto o mundo microscópico. Era uma felicidade indescritível.

Enfim, chegaram na sala.

Era um pouco diferente das anteriores, como de costume.

O ambiente era de uma pedra mais polida, trabalhada. Ao centro, uma espécie de lagoa, até com vitória-régias. O maior diferencial era o que estava por vir.

Uma imensa parede de água caindo sobre si mesmo. Possuía mais de três metros de altura, com uma fluidez de líquido constante. Iniciava-se na parte de trás, onde estava ligada ao chão para receber água, escalava pela superfície, e derramava do outro lado, sobre a lagoa.

Simplificando, uma cachoeira artificial.

—Eu consigo imaginar aonde querem chegar...

Assim que terminou de dizer, Ase imediatamente apontou para uma pedra plana no meio da cachoeira, na parte inferior. Onde ele deveria ficar...

Seguindo as instruções, Sea foi até lá e sentou. Preferiu não tirar as roupas que estava usando, fora os sapatos e meias.

Posteriormente, Ase começou a explicar.

—Por mais que não da melhor forma, a Bia mostrou o melhor que podemos fazer. —Normalmente a garota interromperia falando para não chamá-la assim, mas só de ser mencionada, encolheu um pouco. —Você já tem a forma em mente, e objetivo. Basta almejá-lo.

Após aquela experiência controversa, Sea ganhou um pouco mais de entendimento. O sentimento ambíguo com a magia deveria ser por ela só poder ser tocada com sua própria, devido a isso a sensação de “conseguir e não conseguir” sentir. Ele sabia sua forma, e como deveria ser ao alcançá-la. Seria mais simples.

Sea perguntou o porque da cachoeira. Claro, tinha a regra de não se estender em dúvidas, mas era algo importante, ainda mais em um treino de autoconhecimento. Bianca resolveu responder.

—Ó, não dissemos antes, mas tudo que existe nesse mundo possui magia, sabe? Alguns mais, outros menos, assim como a qualidade. A água que tá batendo no seu corpo agora contém magia. Como você parece ter uma afinidade com o elemento, deve ajudar na compreensão.

Ele ficou na posição mais confortável possível. Ou seja, estava deitado de barriga para cima, com os braços atrás da cabeça e as pernas cruzadas.

A gravidade somada a altura e quantidade de gotas causava um dano considerável em seu corpo. Batia em sua pele e roupas, causando um desconforto.

Por fim, Bianca explicou que Sea deveria almejar conseguir enxergar aquilo que lhe havia sido mostrado. Ele devia chegar até a resposta por si mesmo. O objetivo dele era, antes de tudo, ver magia.

De acordo com o que lhe havia sido dito, todas as coisas existentes possuem magia, contudo, em níveis diferentes. A água, por exemplo, tinha um bom nível, mas não o suficiente para um iniciante enxergar.

O invocado foi capaz de ver a de Ase pois ele chegou a um nível tão imenso que sua forma base, por si só, exala magia de forma bem clara. Claro que com esforço ele poderia suprimí-la, mas não o havia feito.

Por esse motivo, no topo da cachoeira foi deixado uma bola inundada de magia de reforço do tipo armamentista. Basicamente, aquela esfera estava extremamente revestida e densa, tanto que estava transbordando de magia.

Sea relaxou o corpo e encarou seu objetivo, mesmo que muitas partículas de água caíssem sobre si, principalmente nos olhos, sua bênção o ajudava ao ponto de não precisar desviar a visão.

Ele ficou assim por alguns dias...

...

Dois dias depois, Scalding chegou a um avanço.

Durante esse período de tempo, havia feito seu melhor. Tentava recriar com todas suas forças a mesma sensação que tivera com auxílio da Vassala. No entanto, era bem mais difícil.

Todavia, sabia que não era impossível. Por esse motivo ficou as quarenta e oito horas treinando incansavelmente.

Tentava criar um processo de igualar a imaginação com a realidade. Imaginava a bola sendo revestida por uma aura vermelha, uma capa protetora.

Imaginou algo parecido em sentir suas próprias células praticando o metabolismo. Ficou parado por bastante tempo, tentando sentir essa energia interior que podia ser propagada.

Ficou os dois dias lutando contra si mesmo. Recriando o processo de uma célula em sua mente e equiparando-a com a magia. Algo básico, que ocorria com todos, mas ele não notava....

Sentiu o sangue bombear do seu coração, passando por aortas, veias, artérias, passando pelo seu corpo, indo da cabeça aos pés, chegando às extremidades e, por fim, irrigando o corpo, para então voltar todo o processo.

Ele se concentrava em toda a jornada de uma glóbulo vermelho, foi o que escolheu para sua prática, uma célula sanguínea.

Em um momento específico, ao bombear inicial, tentou seguir um glóbulo em específico. Fez sua trajetória, passando por todos os vasos sanguíneos, dando voltas, sendo oxigenado, viajando de um lado para o outro, sempre cercado pelos mais diversos elementos que compõem o sangue humano....

E, finalmente, após dois longos dias de imaginação, um resultado foi alcançado. Sea pôde sentir uma energia adormecida em si, implorando para ser usada. Fez todo o caminho com ela, como se fosse um glóbulo vermelho.

Começou-a no interior, viajou pelo corpo fazendo um caminho específico, o necessário para a manutenção do corpo inteiro, encontrou-se com outras partes de si, e.... Enfim, chegou ao olho.

Sea os abriu, e por mais que não com a mesma intensidade, algo parecido com a visão de alguns dias atrás estava em sua frente.

As águas pareciam cair mais devagar, como se vistas por uma câmera de velocidade reduzida. Também, sua forma parecia mais clara, cristalina, mais especializada...

Porém, o principal destaque estava na esfera.

Não estava nem um pouco parecida com a capa protetora que vira antes. Na verdade, estava mais para uma labareda forte se alastrando por tudo que era lugar. As chamas iam da base até o topo, e não se mantendo apenas naquele pequeno espaço, entrelaçavam-se até sumirem alguns centímetros acima. E o ciclo recomeçava.

Sea se levantou e saiu de sob a cachoeira. Fora a bola, não via mais nada de diferente. Sua visão parecia um pouco mais apurada, contudo, era uma diferença mínima.

No entanto, aquilo que não podia ser visto com os olhos, podia ser sentido.

Ele tocou sua barriga.

Podia não ver, provavelmente por não estar bem desenvolvida, ou seja, pequena demais, mas... podia sentir que estava ali.

Sea Scalding havia compreendido essa sensação que todos os habitantes desse planeta tinham.

...

Ele havia chamado ambos Vassalos.

O tempo até a luta não era mais que três semanas.

—Certo, podemos ir ao próximo passo.—Ase falou.—Agora, precisamos evoluir sua capacidade de reforço ao máximo. Como já explicamos, você deve saber concentrar a magia de reforço ao seu corpo ao decorrer da batalha. Também, acostumar-se com ela enquanto luta.

Para tal, ele entrou em uma posição de luta.

Era simples. Existem regiões do corpo que a todo momento precisam estar nutridas de magia. Algumas mais que outras, algumas permanentes enquanto outras temporárias.

Agora, ele ficaria lutando contra Ase e Bianca(claro, baixando seus níveis), para se acostumar a como uma batalha deve ser feita.

Ele teria de fazer as concentrações básicas de forma inconsciente. Olhos sempre precisam de atenção. Assim que for correr, imediatamente focar nas pernas. Centralizar no quadril e braço para lançar um soco etc.

Se acostumar com isso seria seu próximo passo.

...

Vinte dias se passaram, quase três semanas.

Era noite lá fora, a lua desse lugar se estendia ao céu, já tendo passado um pouco do seu pico.

A luta estava marcada para o próximo dia. Tudo que Sea pôde fazer; treinar o corpo, a fim de melhorar sua base; treinar sua arte marcial, para que conseguisse equiparar-se ao inimigo; canalizar a magia dentro de si e ser capaz de usá-la ao decorrer de um combate, por mais que não perfeito, estava ok.

Grande parte disso havia sido graças à sua sorte combinada de recuperação de cansaço e não precisar dormir, dando-lhe quase um mês grátis de treino. Porém, era certo que também devia se dar parabéns pelo seu esforço. Poucos são os que iriam tão longe ao ponto de treinar vinte e quatro horas por dia durante dois meses. Com mínimas pausas.

Pelo que havia sido lhe dito, Sea não tinha mais força que um guarda médio de proteção à realeza, por exemplo. Isso era óbvio, afinal, seus dois ou três meses de treino continuavam sendo menos que quatro anos, se multiplicado pelo seu bônus de invocado.

Agora, os três estavam do lado de fora do castelo. Sea dava seus passos contra a grama, tentando chegar mais perto do corpo iluminado sobre si.

Era bom ter esse ar puro do exterior após tanto tempo confinado. A luta seria na vila, então, eles passariam a noite por lá, com o duelo iniciando pouco depois do sol chegar ao seu máximo.

A passagem de tempo era deixada ainda mais claro só de se ver o cabelo do garoto, que havia crescido tremendamente nesse meio tempo. Agora quase chegava ao ombro. Ele não tinha intenção de cortar, não agora.

A lua, sozinha, banhada nessa imensa escuridão, solitária, esquecida pelos seus iguais... parecia estranha.

Sua forma parecia cair de seu paradeiro, como um meteoro...

—E=ei...!

Não era algo como “parecia”, simplesmente “era”. Repentinamente, todo o ambiente havia mudado, mais uma vez. Não havia castelo, florestas, grama, muito menos mestre e mestra.

Apenas o tão conhecido vasto e infinito negro já tão bem conhecido por Sea Scalding.

 A antes lua havia caído até seus pés. Estava em um tamanho minúsculo, formando um círculo de pouco mais de um metro de diâmetro. Aos poucos esse círculo ia diminuindo, como se sendo comido pelas sombras que o cercava...

—A-ah...

Mas esse não era o principal diferencial. Não. Ao longe, passos podiam ser ouvidos, juntos de pingos de água. Cada passo originava um círculo branco, e quando o pé saía do local, o branco era imediatamente consumido.

Uma silhueta estranha, nunca antes vista, andava em sua direção. Cabelos longos, altura um pouco menor que a sua, e passos lentos... devido a penumbra, não podia ver com clareza.

Até que, de uma hora para a outra, ela aparece sob Sea, olhando-o de baixo. Segurou-lhe pelo queixo, vendo toda sua feição assustada. Ainda assim, não conseguia enxergar a figura que fazia isso com ele.

—Ago... e... mi... z...

Essas foram as únicas palavras ditas pela silhueta antes daquilo conhecido como consciência de Sea Scalding se esvair.

...

—Eh... ?

Sea havia caído de cara contra a grama. Bianca soltou uma voz de preocupação.

—Ele não...—“Chegou ao limite, né?”, queria completar, mas não conseguiu.

Era claro que algo anormal acontecia com ele para não poder dormir, mas não imaginavam que o retorno fosse acontecer horas antes da batalha final... Mesmo Ase começou a se preocupar com isso. A Vassala o segurou pela manga.

Contudo, logo soltou um suspiro de alívio. Sea estava calmamente se levantando. Parecia um pouco confuso, entretanto. O pé se movia na direção errada, como se não em coordenação com a perna. Isso acontecia de ambos lados. Parecendo uma gazela recém-nascida.

Não demorou muito para que ele voltasse a ficar de pé. Parecendo ter tido o corpo sobre controle agora. Estava completamente de costas, encarando a lua. Sua pupila estava extremamente dilatada, mas com o tempo acostumou-se com a luz local.

—S-sea...?—Bianca, preocupada, deu alguns passo à frente e o chamou a atenção. Mas ele só a ignorou.

Olhou para uma mão, e então para a outra. Adaptando-se a onde estava.

—Há...—Um riso descompromissado escapou por dentre seus lábios.

Novamente içou sua cabeça, levantando-a na diagonal o mais alto que podia.

Repentinamente, ambos seus braços foram levados ao céu, o mais rápido possível. Junto ao movimento inesperado, um vento frio e gélido passou por lá, remexendo as folhas.

—Ladies and gentleman!—Anunciou com uma voz extremamente alta, em um tom de apresentador.—It’s showtime.

Com o susto, a Vassala chegou a cair para trás. Não era boa com esse tipo de coisa. O invocado chegou para mais perto, levatando seus braços para os lados direito e esquerdo.

Em meio a isso, foi em direção a Bianca. O ser se ajoelhou em frente a ela, e a pegou pela mão.

—Prazer em conhecê-los, caros telespectadores!—Agora, mais normal, sua voz parecia estranhamente mais fina, contudo, o tom de apresentador continuava.—Para vocês, titia e titio, olá.

Deu um beijo na mão de Bianca, e finalizou:

—Eu sou Limit.



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