Volume 3 – Arco 2: Desejos
Capítulo 1.3: Nesse céu em pedaços
Disparou, deixando um rastro de pressão atrás. A estática chicoteou o chão, derretendo a frieza. O metal vermelho raspou contra o branco na vertical, cheirando a queimado, até escapar com um recuo. Aproveitando o impacto, a garota tomou impulso para rodopiar o corpo e estocar Jun.
Ele chutou o piso, lançando-se para o alto. O cabelo carmim balançou, e as mechas deslizaram pelos olhos. Rie permanecia imóvel, exalando uma presença como se mover fosse esforço desnecessário. Jun percebia com clareza a falta de seriedade dela no duelo.
A jovem confiava que golpes concentrados, sem dedicação, seriam o bastante para derrubá-lo. Que um poder bruto sem empenho já era suficiente.
E isso a levaria à ruína.
“Sua postura está relaxada e não há firmeza na sua pegada…”
O sapato dele escorregou, obrigando-o a inclinar o corpo para frente. A casca gélida de aura subiu pelas pernas, corroendo e travando, porém ele absorveu. Linhas de energia se entrelaçaram da mão ao cabo, subindo até a lâmina e tingindo-a de um púrpura oscilante. Um arco horizontal engoliu a atmosfera.
— Ei! Você tá louco!? Que tipo de ataque é esse!? Quer me matar?? — Rie apontou o ferro para baixo, fechando os olhos enquanto era empurrada.
Cacos mágicos se partiram com melodia de notas. Jun investiu, lançando o braço para frente, desenhando uma linha cintilante que se deformou em polígonos. Uma parede se formou na trajetória, e o fio a perfurou, convergindo para a arma e intensificando. Jatos saíram dos saltos de Rie, traçando trilhas enquanto ela patinava para longe.
“É bom não ficar parada, vou ou não vou!”
O avanço do jovem atingiu o nada. Contudo, o ar comprimido continuou. O vácuo empurrou as partículas e lançou uma onda concentrada que golpeou Rie. As mechas brancas dela sacudiram, o estômago foi impelido e o equilíbrio cedeu. Trocaram olhares entre a poeira levantada, mas a única visão foi das íris de Jun, ensandecidas, conforme ele caminhava a passos curtos.
— Escuta, não acha que está levando isso a sério demais? — disse ela com a face trêmula.
A estática fluía por cada parte de Jun. Borbulhava dentro dele, torrando órgãos, agarrando a pele como micro navalhas, abrindo queimaduras e rasgando as roupas. Ele percebia a preocupação na face da moça, mas não se importava.
Com um estrondo que abafou a área, fez os ouvidos chiarem e tornou difícil respirar, ele surgiu diante dela. Num reflexo, a espada de Rie encontrou a dele. Entre ataques firmes, um embate contínuo teve início. A esgrima dela era precisa, mas dava sinais de não acompanhar o tempo de reação do adversário.
“Se as auras se anulam, então posso usar os fatores e reações externas para tirar vantagem.”
A melhor forma de tornar técnicas físicas eficientes era comprimir a área de impacto e evitar desperdício de força. Assim impediria destruição de cenário e reduziria a chance de receber parte do dano de volta. Jun não conseguia fazer isso no estado atual. E enfrentar Rie era excelente.
Ela podia evitar magia, porém força real, não.
O barulho cortante ecoava em ritmo constante, e a garota recuava sob pressão. Os músculos de Jun estavam entorpecidos, a visão desfocada, mesmo assim ele avançava. Entre rajadas de gelo, solo escorregadio e espinhos que surgiam contra ele, absorvia tudo.
“Eu tenho que ser rápido… rápido… rápido… mais rápido!”
Apesar do desejo, seguia lento demais. Faltava muito para recuperar a velocidade que imaginava. Mesmo assim, naquele momento, pouco importava ser incapaz de agir como queria ou acompanhar o próprio movimento; apenas confiava que daria certo.
“Não quero perder mais ninguém… Não quero que acabe no mesmo tipo de coisa que foi com Hiro e Aimi… Eu preciso ser forte para garantir que o mundo continue desse jeito… Não quero ficar sozinho…”
Rie cessou a magia dispersa e passou a concentrá-la na arma. A postura dele se firmou. Com um giro, ele jogou o ruivo para trás. Ela avançou, os olhos imbuídos pelo brilho azul, e o ferro investia em sequências lineares que deixavam imagens residuais.
Jun apertou o punho, tensionando os dedos no cabo, e brandiu a espada com a força que restava.
“Se for por causa dela, posso fazer qualquer coisa… Até mesmo a superar, pois se não há ninguém forte o bastante para a manter a salvo, então eu serei…”
Entretanto, no presente, o poder dela estava distante demais para que ele pudesse alcançar. Apesar de ter potencial para chegar até lá, a realidade era imutável. Entre a sequência de golpes, a lâmina escorregou de sua palma.
“Fraco… Muito fraco… Eu sou muito fraco…”
Ele perdeu o equilíbrio e foi atingido no peito. A visão oscilou e se apagou aos poucos. Antes que percebesse, Jun já havia perdido a consciência.
* * *
Após o espetáculo terminar, Yuri caminhou até o casal que forçara a brigar. Ao encarar o resultado, o arrependimento veio na hora. Obrigar os dois a duelar fora, sem dúvida, a pior forma de testar o treinamento de Jun.
Ela estendeu a mão para o jovem desmaiado. Uma luz o envolveu, restaurando os machucados e as roupas em conjunto. O nome disso era magia de recuperação — restaurava um estado anterior do alvo com base nas memórias, em vez da cura convencional, que acelerava o fator de regeneração. Era uma habilidade mais avançada, que poucos conheciam, mas alguns usavam como meio de retroceder acontecimentos.
— É… Esse foi um detalhe que realmente esqueci de considerar… — murmurou, percorrendo o olhar pelo cenário bagunçado. — Como vocês fizeram união de auras, acabam se anulando num combate assim…
No pacto, os poderes não se somavam, mas as aptidões se compartilhavam. Se um desejasse aprender o que o outro dominava, teria facilidade. Também podiam absorver ou trocar energia entre si. Em batalha, combinavam forças e ampliavam o leque de estratégias.
— Mas até que não foi de todo o mal — continuou, cruzando os braços. — Parece que Jun reage melhor sob pressão. Ao perder mobilidade, inventou de usar a eletricidade pra se sustentar… esperto. Nem Isamu nem eu pensaríamos em algo assim tão rápido.
— Já você aí, se deixou levar pelas novidades do novo poder. — Virou-se para Rie. — Quase perdeu por experimentar demais. Achar que venceria só com força bruta, sem dominar o que fazia, pesou bastante. Quando concentrou aura na espada e controlou direito, superou a velocidade dele sem esforço.
— Hã? Eu? — Rie apontou com o indicador para ela.
Yuri baixou o olhar para o filho. Jun permanecia deitado de costas na superfície fria; o peito subia e descia rápido. A adaga vermelha estava fincada ao lado do rosto. A lâmina marcada refletia a luz fraca do teto de vidro; ele a encarava fixo, como se tentasse ler algo nas irregularidades do metal. O olhar vazio, rosto imóvel e respiração curta. A mulher imaginava que ele suprimia algo, mas não conseguia deduzir o quê.
— De todo modo… — Yuri suspirou, oferecendo a mão para ajudá-lo a levantar. — Da próxima vez, quem vai testar vocês na prática serei eu.
Ela sequer sabia por onde começar para descobrir quanto tempo estava sem empunhar algo em combate. Precisava compensar os anos parada. Pelo menos tinha certeza de que era a mais apropriada para treinar o filho no momento.
Ainda assim, a preocupação apertava o peito. Amanhã Jun e Rie voltariam à academia, e os Ones, com certeza, iriam reagir ao que fizeram. O estômago dela revirava ao imaginar o cenário.
* * *
A lua tomou o céu e as estrelas surgiram. Era difícil não prestar atenção à paisagem. Rie não estava acostumada e, até então, o máximo que tinha visto fora em imagens ou gravações antigas de qualidade duvidosa. As pessoas ao redor também se reuniam em grupos para observar; algumas conversavam, outras apontavam, e havia quem tirasse fotos com os celulares.
Conforme caminhavam, elas sumiam. Os prédios ficavam mais sujos, a vegetação crescia, as calçadas trincadas, janelas quebradas, edifícios derrubados, crateras, marcas de impacto, fendas, arranhões — e somente o barulho do vento permanecia. O oceano aparecia.
Hipnotizante era a palavra que lhe vinha à mente para descrever a vista. Por mais que tentasse, tinha um final impossível de enxergar. As águas estavam calmas, com poucas ondas batendo na praia, algo que acreditara inexistir naquela cidade.
“É mesmo, a gente prometeu que iria nadar, agora dá!”
Imaginando esse momento, ela entrelaçou os dedos nos do namorado e apertou o toque. Grudou nele de modo a quase o empurrar para o lado. Caminharam até um beco entre duas construções e se depararam com uma parede coberta de musgos. Seguiram adiante e um efeito mágico circular, semelhante a um portal, se formou, permitindo que atravessassem e visualizassem escadas.
No passado, foram feitos abrigos subterrâneos para proteger as pessoas de ataques das bestas do exterior; no entanto, ao fim, provaram-se uma ideia fracassada. Os quartos estavam vazios, algumas paredes caídas e muitos corredores soterrados. O casal seguiu até uma pilha de escombros e atravessou outra fenda ilusória.
— Nossa, finalmente em casa, eu não via a hora… — disse Rie, esticando os braços para frente e curvando as costas. Afrouxou o laço no pescoço e se agachou, retirando os sapatos. — Meus pés estavam me matando.
— Mas também, você insiste em usar salto… sei não… — Jun ergueu as sobrancelhas com um sorriso de canto.
— Ahhhh, para de ser fresco. Estilo em primeiro lugar, viu? — Ela apontou e empurrou com o indicador o peito dele, apoiando a outra mão na cintura e segurando os calçados. — E também, você acha que eu usaria algo que me machucaria? Se toca, humpf… — Então apoiou a palma sob o peito, fechando os olhos. — Tive que andar e andar pra buscar as nossas adagas e agora você–
— Ai, ai… Quanto drama. Você tá carente, é? — falou, inclinando-se e dando um peteleco na testa dela.
— Ei!? Isso não é justo! — Ela encolheu os ombros e fez bico. — E qual o problema? Esse é um direito meu, só meu, entende?
— Entendo…
Jun estendeu os braços, procurando a cintura de Rie. Ele a agarrou, puxou para perto e a abraçou, encostando um corpo no outro. A moça relaxou ao sentir o calor do toque dele. Ele tinha um aroma de perfume masculino misturado com suor, após um dia inteiro de treinamento. Não estava em posição de criticar, pois se encontrava numa situação parecida.
— Bem, essa é uma situação rara. — Jun apoiou o queixo na cabeça dela. — Você fica tão pituquinha assim…
— Aé? Você tá me chamando baixinha? — A garota inflou uma das bochechas.
— Putz…
O lábio superior dele tensionou, como se tentasse conter algo. Então o canto da boca subiu, revelando um sorriso travesso. Ela se inclinou na ponta dos pés e sussurrou no ouvido do garoto:
— E você não resiste, né? — Ao final, deu um beijo no cangote dele.
Viu-o paralisar, o corpo enrijecer por completo. Um arrepio percorreu dos pés até a cabeça, e ela deixou risos sapecas escaparem. Apoiou as mãos no peito do parceiro e inclinou-se até suas bocas se encontrarem. Segundos depois, Rie se afastou e apoiou o dedo nos lábios dele, impedindo-o de falar.
— Xiiiu… — O sorriso permanecia estampado no rosto. — E nem adianta vir com desculpinhas agora. Foi você que começou.
Jun piscou algumas vezes, como se tentasse organizar os próprios pensamentos, franzindo as sobrancelhas com o rosto quente.
— Eu… não comecei nada. Você é que…
— Shhhh… — Rie repetiu, apertando o queixo dele entre os dedos. — Só admite que adorou.
Ele segurou a mão dela, afastando o dedo dos lábios. Depois agarrou o rosto dela por inteiro.
— Tá bom… — Fitou os olhos dela. — Mas fique sabendo que eu, jamais, em hipótese alguma, me daria por vencido, há, há, há! — Atuava, maligno, apertando e puxando o rosto dela, moldando caretas na garota.
Rie ruborizou, fazendo beiço. Esperneou, soltou-se e caminhou até a sala balançando os sapatos pendurados na mão.
— Pois, veja, e fique sabendo que eu sempre ganho, Jun! — Colocou os punhos na cintura e separou as pernas, curvando-se para frente. — Só você não percebeu ainda, ouviu?
— Aham. — Ele resmungou, indo atrás dela. — E depois não faz drama…
Ela riu, jogando o cabelo para o lado sem olhar para trás.
— Quer saber? Agora eu só quero um banho quente e alguma coisa decente pra comer. E aí, chef Junzinho? Vai cozinhar pra mim ou vou ter que morrer de fome hoje?
— A comida favorita.
— Ohh! — As íris dela se iluminaram.
— A minha, no caso… — completou, retomando a pose de vilão.
As palavras prenderam na garganta de Rie, fazendo-a engolir o ar. Girou o corpo e arremessou os sapatos nele; Jun agarrou os dois, quase perdendo o equilíbrio de tanto gargalhar.
— Ah, vê se me erra! — Cruzou os braços e virou-se de costas.
Ela bufou, pisou firme e seguiu até o banheiro. Fechou a porta, removeu o laço, tirou o vestido e começou a desabotoar a camisa, quando uma ideia lhe veio à mente. Parou e reabriu a porta, lançando olhares pela fresta.
— Vem comigo?
Ele a encarou por um momento, em silêncio.
“Quer ver, ele vai ficar todo vermelhinho e gaguejando, inventando um milhão de motivos pra não vir. Vai ser tão adorável… hehe…”
— Ok. — Andou até Rie.
— Opa! Opa! Calma! Calma! Calma, aeee! Era brincadeira! — Trancou a maçaneta de modo brusco, apoiando-se contra a madeira com as pernas tremendo.
— Covarde.
— Eu não sou covarde, não! Seu tarado!
— Olha só quem fala, eu hein… Se não aguenta, então nem adianta tentar. É um cãozinho que late, mas não morde mesmo…
— Humpf!
Depois que terminou, saiu com a toalha no peito e na cabeça. No quarto, vestiu um cropped de frente única vermelho em crochê, shorts jeans e sandálias, enquanto o outro tomava o banho dele. Usou o secador, escovou o cabelo por um bom tempo e amarrou num coque baixo.
Ao retornar para a sala, Jun estava sentado no sofá com uma bandeja de cachorros-quentes na mesa, esperando pela companhia dela. Usava uma camiseta azul folgada e calção preto. Ela apoiou o peito no encosto e abraçou o pescoço dele por trás.
— Agora sou eu quem está mais alta que você…
Ele sorriu, ergueu o braço e acariciou a nuca da garota. Rie ronronou feito uma gatinha com o cafuné. Sentou-se ao lado dele e começaram a comer juntos enquanto procuravam uma série na televisão. Era inevitável notar os espasmos do garoto ao saborear a refeição; risos escapavam dela a cada vez.
Deitou a cabeça no ombro de Jun e permaneceu ali. Então percebeu que ele havia caído no sono. Após um dia inteiro treinando sem pausas — até desmaiando em momentos — ela imaginava o quanto ele estivesse exausto. Pegou um cobertor e o enrolou nele, deitando-se ao lado.
Por causa de Jun, sabia que, no presente, não precisaria se preocupar com o amanhã. Contudo, a insegurança ainda persistia. Uma hora iria assimilar isso; mesmo assim, precisava estar junto até lá sempre que fosse dormir.
“Amanhã vai ser complicado…”
* * *
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