Shelter Blue Brasileira

Autor(a): rren


Volume 3 – Arco 2: Desejos

Capítulo 1.2: Nesse céu em pedaços

Ela caminhou até a pequena arquibancada no fundo da sala e sentou-se; encostou uma coxa na outra, e a meia-calça deslizou. O garoto de cabelos vermelho-vinho treinava sem pausa, agora manejando a espada que ela entregou, traçando formas no ar imbuídas de energia.

Orgulho e surpresa se misturavam ao vê-lo evoluir tão depressa, mas sua perna tremia, rígida. O desejo de viver fez Jun abandonar tudo que o tornava especial por causa dela; o seu medo iminente da morte, conduziu ele até essa situação.

“Será que eu consigo proteger ele?”

Não parava de imaginar como reagiriam quando aquele inferno retornasse. Seriam atacados e perseguidos pelo povo dourado, ainda mais, após a destruição deixada. Agora, as atenções estavam voltadas para ela, mas não pelo motivo que almejava.

“Antes que desapareça, farei que todos saibam que uma vez estive aqui…”

Sequer cumpriu esse objetivo e, no momento, isso não combinava mais com ela. Afinal, não morreria mais. No fim, foi incapaz de fazer isso acontecer Apenas foi salva, e ainda obrigou Jun a se sacrificar por ela.

As motivações antigas continuavam ali, mas sem peso. Abandonou a música por medo, mesmo repetindo que preparava algo novo. A essa altura, cantar significava pouco. O sonho já não tinha sentido. Agora, os viam como uma ameaça. Para eles, eram um novo tipo capaz de oprimir e iniciar um ciclo de dor.

“Do que adianta cantar… Quem é que vai querer ouvir alguém assim?”

Entre as faíscas da aura prateada de Jun, que ficavam roxas ao ganhar eletricidade, ela se prendeu aos próprios pensamentos. Carregava o direito de continuar viva, mas o gosto amargo do resultado a sufocava.

— Jun me contou que você quer ser uma cantora, também… Por que você não quis me contar isso? — A mulher de olhos escarlates, sentou-se ao seu lado, sem que percebesse.

A garota travou. O corpo falhou em reagir. Diante dela estava a lendária Lily — a voz que motivou uma nação inteira.

Essa mulher foi sua maior inspiração desde a infância, mesmo quando Rie era forçada a se tornar guerreira contra a própria vontade. Ela a marcou de várias formas, porém a lembrança desse impulso parecia distante, desfocada.

A ideia de provar sua existência perdia sentido.

Abraçou os joelhos e abaixou a cabeça. A mulher aguardava uma resposta. Os fios prateados mudavam entre roxo e azul devido o poder de Jun no centro da sala, tentando se reerguer rápido. O tecido na pele ameaçou desfiar.

— Porque, no fim, eu acabei não prestando para nada…

 

* * *

 

As últimas palavras daquela garota de cabelos brancos despertaram algo adormecido dentro dela. O ambiente confortável iluminado por cores vivas tornou-se frio. A agonia a consumia enquanto as faíscas da magia do filho, faziam as luzes piscarem.

O mundo que conhecia sumiu. A luz pela qual lutou perdeu força. Em um piscar, tudo que Yuri reconhecia mudou. O marido, antes a fonte inspirava a volta, carregava culpa. Os filhos amadureceram do dia para noite, e, quanto a um deles, mal o alcançava, pois estava sob posse de pessoas que desejava longe.

No outro garoto ainda via resquício daquela antiga luz. Jun desviava o olhar para ela, como se temesse dor, mas não se afastava. Isso a empurrava a seguir mesmo perdida na realidade atual.

“Aquela criança já é um jovem crescido, como uma parceira e tudo, já seguindo o próprio caminho…”

Saber que não o apoiou até esse ponto pesava. Não esteve presente como mãe e, embora soubesse não ter culpa, doía igual.

A cena de Jun com a garota trouxe essa angústia à tona. Buscava motivo para negar o que via, mas era também a última fagulha de brilho. A imagem dos dois lembrava a dela com Isamu quando novos, enfrentando o mundo em busca de algo improvável.

— Não prestou pra nada, é? Bem, isso foi o oposto do que ouvi de você.

A luz da garota ao lado do filho ultrapassava o que imaginava, mesmo à beira de um fim. Isso a alegrava, mas a motivação da jovem a irritava. A expressão dela mostrava vontade de largar tudo para permanecer com quem amava, focando apenas em protegê-lo. Tentava compensar consequências de acontecimentos fora do próprio controle, cegando-se.

Yuri reconhecia aquele caminho e não aceitava que a jovem o seguisse. Lembrava-se de quando tomou rumo parecido e caiu em coma, afastando-se da família. Não queria que ninguém repetisse isso.

— Eu falhei em tudo e só causei mais problemas… — A garota se encolhia, abraçando os joelhos. — Eu tenho que consertar isso… — O som de sua voz sumia.

Yuri sentou-se ao lado de Rie. A garota tentou se afastar.

— Falhar? Como assim? Como foi que você falhou em algo que sequer começou direito? E, o que está quebrado que você tem que consertar?

Yuri observou o filho treinando e Rie acompanhou o olhar. Ele superava a expectativa. O menino que sofria para usar aura na infância, no presente, avançava rápido. Imbuir um elemento deveria ser um fator a complicar. Yuri permanecia incrédula.

O poder dele atravessava o ambiente em ondas que o aqueciam e tingiam.

— Se você for consumida somente por preocupações, vai deixar de lado todos os desejos que lutou para ter — comentou Yuri, enquanto o subconsciente a puxava de volta ao passado.

Naquele dia, prometeu ao marido que fugiriam da cidade ao se reunirem, mas usou isso como desculpa para levá-los a um lugar seguro antes de partir sozinha para o combate. Uma das crianças foi enviada para longe, enquanto o pai tentava resgatar a outra capturada. Depois disso, não pode mais voltar para a família por anos.

— O que quer dizer com desejos? — A voz da garota saia abafada.

— Quando começou a cantar, você tinha algum desejo, não?

Rie desviou o olhar, pensativa. A apreensão marcava seu rosto, mas ela falou:

— Quando comecei, eu queria provar minha existência e conseguir me sentir viva… sabe…

Rie desviava o olhar, distante. Yuri reparava que, por alguma razão, Rie agia de modo contido perto dela, enquanto com Jun se soltava e esquecia o mundo ao redor. No momento, não identificava o motivo.

— Querer sentir-se viva é diferente de querer ser lembrada porque vai morrer. Não é o que imaginei que seria… mesmo assim, se é realmente isso que quer, esse ainda continua sendo um desejo genuíno a ser realizado.

A nora enfim a encarou. A feição deprimida começou a dissipar-se.

—  Não deixe de aproveitar o que tem, querendo proteger para que não tomem de você. Se for assim, aí sim você falhou.

Um riso interrompeu Yuri. Ela olhou para Rie, surpresa.

— O que foi?

— Nada… Eu só pensei que agora sei por quem o Jun puxou…

Ver aquela expressão a alegrava, embora não compreendesse totalmente o que a jovem queria dizer.

— Olha, acho que entendi o que você quis dizer, então… obrigada. Mesmo assim, ainda acho que preciso compensar mais.

— Tipo no quê?

— Pelo menos, começar conseguindo preparar uma refeição que o Jun irá amar descontroladamente…

Ao ouvir isso, Yuri questionou novamente a escolha do filho quanto a sua parceira. Não devia ser apenas porque Rie era bonita. Havia algo mais. Pelo menos, era o que esperava.

 

 

* * *

 

Depois de repetir a mesma ação tantas vezes, Jun observou a mãe e a namorada conversando por um bom tempo. Limpou o suor da testa e sacudiu a espada, fazendo-a retornar ao estado de adaga antes de guardá-la na bainha. Foi até elas.

— O que vocês estão fazendo aí? Eu ocupo tanto espaço treinando assim, para estarem nesse cantinho aí, isolado… hein? — Apoiou a mão na cintura e ergueu as sobrancelhas.

— Nada, só tô tentando conhecer melhor a nova integrante da minha família — disse a mulher, abraçando a jovem ao lado. — Eu sou a melhor para ensinar como nós mulheres devemos mandar nos homens dessa família.

— Tá bom…

“Ai, ai… Sei não… Não lembro dela sendo assim quando eu era criança… Ela parecia que não estava indo bem, com a cara da Rie, então duvido. Tem algo aí…”

Yuri abraçou Rie, que permaneceu estática. O rosto ficou pálido. Os olhos da garota arregalaram-se e o corpo dela tremia. Parecia ter perdido o fôlego. Eram tantas expressões misturadas que Jun não conseguia distinguir.

“Encenação? É, deve ser isso daí. Tem móóó cara de encenação. A minha mãe deve ter ficado só criticando a coitadinha, pra ele ter ficado tão acanhada assim… Ficaria, né? Não sei…”

Conforme os segundos passavam, a face de Rie na visão de Jun transformava-se em pedido de socorro mais que em mera vergonha. Considerando que uma pessoa que ela admirava — no mesmo ramo de cantar — a abraçava, devia se desesperar. Imaginava que, para Rie, seja loucura ter essa pessoa como sogra. Curioso para continuar observando o acontecimento só para ver no que daria.

— De todo o modo, acho que você já ficou tempo o bastante brincando com aquelas faíscas. Tá na hora de você colocar isso em prática — soltando Rie, Yuri arrumava a saia enquanto se levantava.

“Faíscas é? Faz melhor, então…”

Yuri trocou olhares com Jun e desviou para Rie algumas vezes. Um calafrio percorreu, o fazendo querer virar as costas e ir o mais longe que puder. A energia em seu corpo se esvaia ao deduzir o que estava prestes a escutar. Em contrapartida, a jovem de cabelos brancos continuava inerte.

— Eu quero que vocês dois façam um duelo. E você, Jun, dê o máximo de si nisso, ou vai sofrer uma punição.

— Ohh, quanta intimidação…

— Ei, mas eu acho que isso não vai ser muito útil… Sabe, contra mim, no estado que ele está, vai ser… b-bem… bem injusto pra não dizer outra coisa… — Rie contestava com um sorriso torto, desviando as ires.

“Vai lá, continua humilhando… Continua me chamando de podre, fracassado, broxa, incompetente… devo ser uma vergonha mesmo…”

Na hora, Rie encarou ele com cara na qual interpretou que queria dizer: “para, que eu sei que você quer começar drama”. Jun permaneceu em silêncio.

Antes que pudessem agir, o casal foi empurrado para o centro da arena. A sala esfriava e poucos raios de sol atravessavam o teto de vidro acima. Jun suspirou e sacou a adaga. Em seguida, Rie ajeitou a postura de combate e ativou o sabre.

— Lembre-se, é pra você dar seu máximo, sem exceções — A mãe dele repetiu, enquanto ativava um contador para começar.

“Francamente, por que ela insiste tanto que nós lutemos? Se é pra praticar o que já aprendi, ela mesma poderia fazer… A não ser que… Ela queria saber do que a Rie é capaz.”

O som de estalos de sino ecoou pelo local. Jun posicionou-se com a espada da cor do céu estrelado. Quando o badalar intenso tocou, os olhos dele se encheram da luz do poder. Rie hesitou por instante e recuou um passo. A pressão da aura do garoto fez tudo tremer.

Partículas azuis, junto de poucas brancas que ela ganhara após a união com ele, jorrarem do corpo dela. Brilhando, os olhos imbuíram-se da cor dominante, e a espada seguiu. Quando a energia assumiu tom gelado, mas forte e saturado.

Jun imaginava que ela esperasse ser atacada de imediato. Aproveitaria da postura defensiva dela para se preparar.

Ainda era difícil automatizar o processo e às vezes falhava. No entanto, deu a forma de eletricidade a aura, concentrando para reforçar seu físico. O bônus de agilidade que o elemento proporcionava, ajudava a atingir maiores quantidades ocasionando numa resistência superior.

Contudo, por mais que tentasse, não conseguia evitar que o poder vazasse. O padrão era o oposto da moça. Linhas de energia o rodeavam e partículas saltavam dele, oscilando entre o entre púrpura e safira.

— Escuta, eu não vou deixar você se mover! — Rie exclamou, brandindo o sabre e criando arco de energia vertical.

A rajada avançou até Jun, porém de forma inesperada. Uma onda de gelo formava-se e crescia afiada conforme se aproximava. A intensidade era tanta que compararia a um tsunami sólido à sua frente.

— Ops… — Rie recuou um passo, encolhendo os ombros.

Com um impulso, disparou para o lado batendo na parede e caindo de joelhos. O ataque dividiu a arena em duas atingindo o teto. As estalagmites, compostas pela luz de Rie, se propagavam como se quisessem corroer o espaço aos poucos. Engoliu o ar em seco, erguendo-se apoiado no cabo.

Duo nomeava o tipo de usuário que Jun e Rie representavam. Esse poder só surgia após dois usuários com esse fator unirem auras, como eles. Isso concedia energia mais forte, mais rápida e mais intensa que as demais. Agora, pela primeira vez, tinha uma noção do que isso representava. Mal respirava ao observar.

Algo o apertava por dentro. Na teoria, esse era um potencial que também possuía, mas era incapaz de alcançar — estava longe demais.

“Foi você mesmo que escolheu ficar desse jeito…”

— Ok. Tá bom, já deu de ficar se exibindo, não?

— Olha só quem fala… se continuar agindo assim, eu vou fazer que você durma no sofá essa noite! — Rie fazia biquinho.

Em segundos, a jovem esboçou um sorrisinho para ele. No entanto, Jun ignorou a atitude. Atacaria fogo com fogo. Conhecia os pontos fortes e fracos de Rie.

“Ela só ganhou uma força avassaladora agora, mas isso são detalhes.”

Numa arrancada, avançou. O gelo crescia em sua direção. Jun saltou, arremessou a espada e revezando entre as mãos agarrou os espinhos, deslizando a pele em rodopios, propulsionando-se enquanto apontava as pernas para frente.

Os pés tocaram o chão e patinaram. Empunhou a arma de volta e a cravou no solo fazendo a onda de eletricidade dissipar-se, derretendo a superfície escorregadia ao redor. No entanto, a área atingida bastou apenas para se equilibrar.

— Dessa forma, eu só estou brincando com você, viu? — Rie soltava risadinhas. Sua pose estava relaxada, e a sua lâmina descansava apontada para baixo.

O ruivo calou-se, a encarando com o canto dos olhos. Assumiu postura assumida era diferente da última vez que os dois duelaram, mas quando enfrentou o general e major dos Ones. Notou ela hesitar.

“Não posso lutar no alto, senão ela vai ficar abusando daquelas avalanches, não sem me espaço para contra-atacar… e no chão também fica complicado, pois aí ela deixa tudo escorregadio, sem atrito para que eu consiga me mover direito…”

Usou arrancadas de aura para deslocar-se, mantendo-se na altura dela. As espadas entraram em confronto pela primeira vez. Impactos fazem faíscas e partículas jorrarem. Arcos de aura envolviam os dois e propagavam-se ao redor enquanto Jun mal pisava na superfície.

Precisava manter-se em movimento, porém isso o dificultava além do esperado. Conforme Rie atacava, uma casca gélida tomava o corpo dele, o tornando as articulações pesadas e travadas.

Clicou na mente dele. A habilidade de Rie era a opção mais eficiente contra a dele. Mais temperaturas são inimigas da velocidade, pois as partículas, moléculas de ar e outros elementos desaceleravam. Ainda assim, duvidava que ela tivesse pensado nisso, pois esse conhecimento exigia especificidade.

Jun precisava manter-se de pé. Para isso, bastava conseguir se equilibrar. Também tinha que permanecer aquecido. Envolveu-se sob a eletricidade. A corrente de magia reverberou dos dedos até a ponta dos cabelos. Agitavam como uma melodia que ressoavam pelo seu ser. Quentes, revigorantes, mas ao mesmo tempo retalhavam sua carne de dentro para fora.

Seus sentidos se tornaram sensíveis. Tato, olfato, audição e visão se expandiram, lhe dando uma noção clara do perímetro. A aura que permanecia concentrada, em uma quantidade estática, passou a se ampliar. Ele deu um passo, outro seguido e repetiu, acelerando. Um campo magnético se forma na direção oposta de suas pegadas dando o sustento que necessitava.

— Ei!? Como é que você tá fazendo isso!? — Rie ficou tensa, no instante.

A garota ergueu inúmeras paredes ao redor, fechando o ambiente. Entretanto, explorando o fluxo artificial, Jun caminhou pelas paredes, tetos e manobrou pelo cenário. Ela tentava mudar o gelo, criando espinhos ou ondas gigantescas como antes, porém agora ele reagia.

Não permitindo avanço reto até ela, a garota disparou rajadas de cristais pontiagudos, junto a pilastras que se fechavam para o acertar. Jun cortava-os, porém quanto mais acertava, a casca gélida tomava conta e perdia velocidade. O vapor se espalhou por onde cruzava

Rie conjurou uma avalanche de gelo, cobrindo a sala inteira na intenção de esmagá-lo. Ele avançou adiante com uma estocada. Submerso naquilo, ele absorveu toda a energia. Os olhos brilharam em azul e a aura puxou a coloração da garota.

“É verdade… por causa da união, agora a gente pode dividir a energia! Talvez eu tenha chance contra ela, posso usar isso a meu favor!”

Ele pode encarar qualquer técnica que ele usar com total confiança, pois nada que ela fizesse o afetaria. Ao mesmo tempo, serviria como fonte para fortalecê-lo. Enquanto Rie não percebesse, Jun tiraria vantagem.

“Não importa o quão espalhafatoso seja esse seu poder, um de nós só vai conseguir ganhar se acertar o outro com a espada… E quanto a isso, eu serei o único!”

 

* * *



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