Shelter Blue Brasileira

Autor(a): rren


Volume 1

Capítulo 6.2: Mesmo incapaz

Próximo à onde está, no jardim da escola há uma fonte. Nela, a água jorra fazendo um barulho suave e reconfortante. As flores na volta balançam em meio ao vento com suas pétalas brilhando pela aura do mundo em cresceram, pássaros com corpo de energia brilham gentilmente e poucos estudantes transitam pela volta de modo casual. O céu está estrelado, ou pelo menos tem a imagem de diversos pontos luminosos borrados entre os polígonos escuros.

Jun abre o lacre de uma latinha de refrigerante e se escora contra a parede ao lado da máquina de vendas. A luz da lua bate forte nas árvores e faz a sombra das folhas serem projetadas por todo o redor. Está em um local elevado onde tem toda a vista do campus e até mesmo da muralha que divide a cidade dourada da devastada. Ele bate o pé freneticamente, sem saber direito para onde olhar enquanto aguarda as seguintes palavras que estão prestes a sair da boca de seu amigo:

— Já ouvi falar mais de uma vez em diversas situações que pode partir desse mesmo tipo de caso — coletando uma bebida da máquina, Seiji comentou. — Se utilizar a aura além do limite, a pessoa pode sofrer danos no núcleo que vai dificultar o uso da magia a partir daí. Mas também tem casos que, dependendo, consegue levar a pessoa a um coma ou até mesmo a morte.

Como esse ponto no qual a energia converge se trata mais de algo espiritual do que físico em si, até o presente tem sido muito complicado de acessá-lo para tratar problemas envolvendo o mesmo. Até onde se sabe os danos acontecem, pois o poder se cristaliza ao redor disso, assim o bloqueando.

No caso do de Rie, o dela deve ser um em que vai se desenvolvendo cada vez mais com o passar do tempo até que fique completamente bloqueado. E como não se sabe liberar isso de volta no presente, ter o seu danificado de qualquer forma se torna algo irrecuperável e até mesmo fatal.

— E pelo que você falou, o dela é um estado que vai piorando aos poucos. É como se estivesse com uma bomba-relógio dentro de si, nem imagino o desespero.

— O que aconteceu comigo, depois daquela batalha que matou o Hiro, foi algo que deixou minha aura instável ao ponto de me machucar depois de um tempo. É enlouquecedor o tanto de resultados capazes de surgir a partir de um machucado.

Obviamente, Jun não se esqueceu do que aconteceu com sua mãe. A situação dela é o perfeito exemplo de como alguém não consegue mais se manter na consciência de si, pois não há mais magia fluindo em seu corpo.

— Mas de qualquer forma, sabemos que um cura é possível — falou Seiji, antes de dar um gole em seu refrigerante. — Se o núcleo é controlado ao ponto de fazer magia que criam ou alteram a matéria das coisas, já é certeza que conseguimos o fazer o mesmo para alterar o próprio. Só falta descobrir o feitiço de cura para isso.

— Bem, também tem aquele experimento dos Ones que conseguiu chegar nele ao ponto de fazer uma mudança que torna as pessoas em bestas. Talvez com isso seja possível chegar até essa cura…

Esse projeto maligno, cujo buscava criar armas humanos extremamente fortes e ao mesmo tempo submissa de tal modo a ser controladas, foi a razão principal que gatilho todos os problemas que assombram Jun desde o passado até o presente. Até mesmo chega a ser irônico em imaginar tirar algo de positivo de uma coisa tão terrível.

Entretanto, embora haja a esperança de que consiga usar para chegar até o fim em que quer, ainda precisa descobrir um meio para saber como isso funciona. E de qualquer forma, ir atrás dessa informação significa invadir esses Ones terríveis diretamente no seu lar, ou seja, um ato mais do que suicida.

— É a primeira vez que ouço você falar tanto de uma garota, mesmo que o assunto envolvendo não seja dos mais positivos. Mas relevando essa parte, fico feliz que você finalmente encontrou alguém que gosta.

— Realmente…

Quando Jun termina de tomar o seu refrigerante, o vento sopra forte. A todo momento a culpa envolvendo seus erros anteriores sempre persistiu, frequentemente dizendo para ele desacreditar ou negar a possibilidade de algo assim, como uma voz falando de que não é merecedor, mas ele é mais forte do que isso. Já está certo quando aos seus sentimentos.

Aquela frase: “não há nada mais agradável e divertido do que fazer aquilo que gosta”, foi algo passado por sua mãe e depois reafirmado através de Aimi. Se estar ao lado de Rie é uma coisa que lhe faz bem, portanto garantir que essa garota não desapareça significa se tornar o inimigo de toda uma nação, é o que ele vai fazer. No futuro em que almeja não há um cenário que não consiga.

Nessa hora ele se viu mais uma vez entre o centro de duas realidades. Na direita uma cidade de mármore e vidro coberta por vegetação, tomada pela magia do mundo, e na sua esquerda uma escupida a ouro com a arquitetura mais chique e sofisticada, porém que não esbanja um pingo de vida. Dois lugares que nunca imaginou que pertencesse e realmente não pertence.

O lugar dele está além disso tudo. Adiante daquele falso céu, em um mundo sem limites e consiga voar até onde quiser sem se esconder, ou ser quem não é. Onde ninguém determina o destinou que o outro deve ter.

— Eu encontrei com a Kaori mais cedo. É claro que ela ficou furiosa ao me ver, mesmo assim disse o que tinha que precisava dizer pra ela.

— E com isso, qual foi a conclusão que chegou?

— Quem morreu não vai voltar, mas não significa que deixaram de existir…

— Portanto que não se esqueça, nunca vão.

Em meio aos pensamentos, foi quando ele percebeu um grupo de amigos cruzando ao longe. Dois garotos e uma garota, em que um dos meninos tem a aparência diferente dos outros. Eles andam unidos e gargalhando juntos, mesmo sendo obrigados a participar de uma escola com o único propósito é preparar seus alunos para um campo de batalha sem volta.

Embora trágico, essa é uma situação semelhante a que já esteve antes. Aquela mesma que o atormentou até então por deixar que desaparecesse.

— Pensando bem, algo que existe uma solução para esse problema levando em conta o seu caso. Mas pra isso vai precisar de um sacrifício — comentou Seiji retornando ao assunto anterior.

— Como assim? — E Jun fez essa pergunta em um misto de surpresa e confusão.

— Já se esqueceu daquilo que a gente ouviu na casa do ferreiro?

Ao escutar essas últimas palavras, um click ocorre em sua mente que o faz associar tudo de uma vez. Se trata de algo que já sugeriram fazer outra vez, mas que não considerou na hora, pois não havia motivos. Então seria essa a consequência que ele precisa estar disposto a sofrer? Abrir mão de tudo para chegar até o fim que deseja.

 

* * *

 

Embaixo da terra onde um brilho cintila entre as pedras que se debatem, um som levemente agudo semelhante ao de guizos ecoa pelo ar. O imenso cristal luminoso, no centro do céu de rochas sustentado por pilastras, ilumina o local com uma luz entre diversas pigmentações das cores do arco-íris espalhadas por onde tocava.

Ao lado de um poste entre cercas de ferro forjado preto, um gatinho com o corpo feito de energia branca e olhos azuis passa a patinha na cabeça e solta um miado. Rie dá um sorriso para a pequena criatura a achando a coisa mais fofa e segue andando ao lado de Chie. Nesse instante, as duas estão carregando pedras de aura que foram buscar para que assim o senhor ferreiro tenha seu estoque cheio novamente.

— E então? Como foi exatamente a reação daquele garoto ao saber?

— Foi muito inesperada. Ele simplesmente, ficou muito inconformado.

Rie está contando para outra do momento em que revelou sobre sua condição para Jun. E obviamente, a garota de cabelos rosas guiada por sua curiosidade — um instinto fofoqueira —, agora se vê mais interessada do que qualquer outra coisa a respeito dessa situação. Aliás, teve um resultado bastante considerável se assim pode-se dizer.

Por outro lado, parando melhor para analisar a situação no momento, a única coisa que Rie consegue sentir é uma vergonha imensa internamente, mas é claro que ela nunca vai externar isso para ninguém. A maneira como ela se comportou foi simplesmente ridícula. Sempre viu o fato de atrás do que seus sentimentos desejam como algo muito cruel e egoísta da sua parte, pois estaria colocando falsos desejos e esperança a alguém que logo teria que deixar. Estaria se aproveitando e roubando o tempo de outra pessoa para satisfazer seu egoísmo.

Entretanto, a postura que Jun assumiu na hora foi o completo oposto do que ela esperava. Ao invés de deixá-lo triste ou abalado e dar um motivo definitivo para que se afaste dela, fez com que o garoto tomasse uma atitude digna de uma das fantasias mais profundas de sua imaginação.

Ouvir de alguém que ela não irá desaparecer é algo que desde então quis escutar, de fato. Saber que ele a quer viva foi algo que a fez desabar na hora. A ideia que até então tinha é de que não era merecedora de algo assim — já perdeu as contas de quantas vezes do tanto que escutou que não prestava, e a realidade de mostrava só confirmar isso. E então, veio aquela confissão…

— Ahhh… Eu ainda não consigo acreditar o que aconteceu… — Rie fecha os olhos com força e sente um arrepio percorrer pelo corpo enquanto de recorda.

— Você é uma idiota por completo, devia se valorizar mais. Ainda bem que o garoto soube fazer algo antes.

— Ei!? Eu só estava tentando ser realista, tá?

E repentinamente Chie para de andar, cerra os punhos e encara a outra com uma face indignada. Um olhar que penetra Rie diretamente nos olhos.

— Isso é pra você perceber o quanto é importante, caso contrário ele não teria dito na mesma hora iria atrás do jeito para que seu futuro seja diferente. Você conseguiu arranjar alguém especial para si, mesmo agindo como uma imbecil… isso é revoltante!

Por que tudo mundo tá agindo assim comigo nesses últimos dias?

Chie anda até a frente da garota de cabelos brancos, fazendo-a até mesmo se inclinar levemente para atrás devido à distância. Ela coloca a mão no peito e com uma postura confiante anuncia:

— Quero que fique sabendo que vai ser eu quem vai conseguir uma cura para você a tempo! Não estudei e nem mesmo me tornei uma mestre em magia nesses últimos anos para nada! — A saia de Chie balada e as pedras de aura na bolsa em sua outra mão se chocam em um impacto.

— Você não precisa fazer tudo isso por mim.

— Sua idiota! Mesmo que você nunca tivesse adquirido esse estado, eu teria trilhado esse mesmo caminho. A família é a coisa mais importante pra mim, e você faz parte dela.

Se Chie soubesse da dificuldade que tem para conseguir sentir o mesmo, muito provavelmente bateria nela, ou até mesmo choraria. Aliás, Rie sempre se viu sem pertencer a qualquer lugar, pois é alguém que nunca prestou para nada; um erro que nunca deveria ter existido para começo de conversa. Como que alguém assim seria merecedora de tal família? A existência dele se trata de algo muito cruel, realmente.

Por que eu ainda tenho esse tipo de pensamento? Por que isso não saí da minha mente? Já deu, isso já passou… ahhhh! Eu sou mesmo uma estúpida.

— E também, não vou parar só porque você pediu para fazer. Eu já cheguei muito longe e finalmente estou perto de fazer algo, então só espere!

A garota de cabelos rosas, então, retira seu celular do bolso, desliza o dedo algumas vezes e mostra a tela para Rie. Nele há diversos gráficos e imagens complexos que ela mal consegue entender o que significa.

— Isso aqui são todas as informações e ilustrações do que consegui descobrir ao escanear o seu coração. Basicamente, é como se o núcleo no interior dele esteja se tornando uma joia bruta, igual esses cristais.

Isso na bolsa em que elas carregam são chamados de pedras de aura, minérios gerados pela própria energia do mundo. Grandes quantidades desse poder, ao se concentrarem em um único ponto, se solidificam até assumirem essa forma.

— O que fez você despertar esse poder especial de forma prematura, causou uma explosão de energia que criou um pequeno fragmento sólido ao redor do núcleo. E com o tempo esse pedaço vai absorvendo a energia, apesar de você usar para gerar ou não, até que se torne grande o bastante para cobrir tudo.

Então é o mesmo que dizer que seu coração vai se fechar ao ponto de não ser diferente de uma pedra? É irônico, no entanto, pensar dessa forma não vai ajudar em nada para aliviar a situação. Só faz Rie se sentir pior consigo mesma.

— Como sem exceção, ninguém tem uma aura exatamente igual a de outra pessoa, mesmo sendo Zero ou One, acaba disso ocorrer de forma diferente para cada um. Seja casos de morte, coma, ou o seu que se desenvolve com o tempo.

É interessante pensar sobre isso levando em conta a imagem do Ones, uma vez que eles se autodenominam como uma raça igualitária e única. Se for olhar na teoria, todos são diferentes mesmo que aos olhos não seja perceptível.

— Por essa razão, transplante de coração não são mais possíveis, mas há feitiços que curam doenças e danos envolvendo os mesmos. Se for assim, basta criar um que elimine esses fragmentos e deixe o núcleo limpo.

— Você é mesmo demais. É surpreendente que descobriu tudo isso sozinha.

Chie guarda o celular e solta um suspiro em relação à última fala que escutou.

— Essa sua forma de falar, toda desacreditada como se não houvesse mais solução, me irrita de muitos modos! — Ela diz de um modo um tanto debochado. — Você precisa ser mais positiva, garota! Francamente…

E as duas voltam a caminhar, silenciosamente. Enquanto isso, Rie pensa a respeito quando a postura que tem assumido até então, a respeito de sua condição. Para ele é extremamente torturante se ver dessa forma, pois uma vez que chegue seu tempo limite é capaz de apagar do nada quando menos perceber. Ir dormir durante alguma noite e não acordar mais. Ela não tem o controle quanto a isso, portanto não sabe prever quando ocorrerá.

Rie estaria vivendo sua vida normalmente e repentinamente, cairia num sono sem chance de despertar. Pensar nisso é sufocante. Mesmo assim, deixar de aproveitar a vida que tem por ansiar esse futuro é mais.

— Ei, Chie? Muito obrigada por tudo, até então…

 

* * *



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