Shelter Blue Brasileira

Autor(a): rren


Volume 1

Capítulo 4.5: Dias eternos

A senhora Miyako ficou responsável de resolver algum tipo de burocracia, portanto deixou Jun para trás, entregando a sua espada e mandando ir de encontro a Aimi. Só o fato de levar ele a um hospital já era extremamente inacreditável, pois se tratava de um lugar que poderia descobrir facilmente o seu tipo de aura. Então, ele imagina que tenha algo a ver com isso — ela deve estar arranjando uma forma de omitir as informações quanto a ele.

— Tá tudo bem com você? — Aimi disse em um tom calmo, mas ainda permitia uma certa inquietação ser visível.

— Sim…

Jun se manteve cabisbaixo, mostrando uma óbvia falta de disposição para falar qualquer coisa. Ele sequer conseguia pensar direito no que conversar, ou em prestar atenção no que os outros falavam para si. Em sua mente os acontecimentos envolvendo Hiro não paravam se ser reprisados a cada instante. Embora estivesse vivendo o presente, ainda era como se eles estivesse no passado.

— O que aconteceu lá? Sabe, naquela praia…

— Eu deixei Hiro morrer e perdi o controle para matar a besta. Nada mais.

Em reação, Aimi demonstrou uma feição de angústia. Jun não tem a mínima vontade de imaginar o que deve estar se passando na cabeça dela agora, e ele realmente não queria saber de forma alguma. Tinha medo do que vai descobrir.

— Eu tenho que falar com a Kaori. Preciso esclarecer o que aconteceu para ela…

— Acho que isso não é uma boa ideia. Ela não deve querer te ver.

— Tanto faz…

E como dito, ele foi de encontro a ela. Para chegar na casa da garota é necessário subir até uma das ilhas voadoras da cidade. Nessas casas pontiagudas de material translúcido, ao redor de árvores cheias de flores completamente roxas, as pessoas trocavam olhares com ele. Umas delas até demonstram um certo orgulho perante a sua figura, aliás, a notícia de que um garoto ainda jovem no cambo de batalha derrotou uma besta praticamente sozinho, em que normalmente só indivíduos mais experientes conseguiriam fazer, obviamente iria se popularizar.

O Hiro teve mais importância do que eu para que aquilo fosse morto, mas como morreu, pra você é como se nunca tivesse existido. Só dão importância para os fins e estão pouco ligando para os meios, igualmente ao Major…

Contudo, quando se deparou com Kaori a atitude que ela tomou foi drasticamente oposta em relação a Jun. Ele não só omitiu seu real poder para ela, mas também deixou seu irmão morrer sendo que tinha a total capacidade de evitar isso.

— Sai da minha frente! Eu nunca mais quero olha para sua cara! Seu mentiroso! Seu assassino!

— Mas…

Eu não queria apenas ficar quieto e fingir que aquilo não ocorreu. Necessitava encarar de frente a questão e assumir sua responsabilidade. No entanto sua fala foi cortada antes que pudesse se justificar:

— Por sua causa, meu irmão… Não posso acreditar que tenha ficado ao lado de um One por tanto tempo… como você é terrível… não é de se imaginar que lhe deixaram para viver entre os Zeros… Então era por causa disso que nunca usava a aura!? Você é um monstro!

E ao fundo, lá estava uma mulher, apenas observando tudo isso quieta. Nela havia uma feição cansada, porém ao mesmo tempo um ódio e desespero tremendo. Essa mesma em que Hiro tanto lutou para ajudar nesses últimos anos, mas que agora, jamais teria a oportunidade de realizar esse desejo.

E Jun manteve-se em silêncio, cabisbaixo. Ele não tinha como negar nada do que ele disse. O motivo quanto a esconder seu poder e não permitir que sua aura fosse vista, ela estava correta em certo ponto. Sempre esteve fugindo do que realmente era e fingindo ser algo que jamais conseguiria.

Por todo esse tempo ele viveu atrás de um desejo egoísta que, mesmo no fundo, sabia que jamais poderia se realizar. Apenas almeja viver e aproveitar um cotidiano agradável com quem se importava, sem ter que se matar num campo de batalhas sem fim sendo taxado como um mero objeto sem valor. Entretanto, essa não era a realidade. Ele jamais mereceu ter algo assim.

Nunca tema um lugar nesse mundo.

E como se o destino quisesse confirmar esses pensamentos, o cenário atual foi invadido por uma novel voz na qual ele desprezava:

— Você está certa, uma aberração dessas sequer deveria estar entre nós. Por causa disso, é claro que veremos o mais rápido possível, após reportá-lo.

Um homem vestindo um uniforme preto, cabelos dourados e com um único olho vermelho. O tal do major Noburo que tanto infernizou sua vida nesses últimos anos. No entanto, ele não estava sozinho. Ao seu redor estavam presentes diversos soldados, uniformizados com a típica armadura do Ones.

— A rajada de energia prateada que atravessou o domo no dia anterior nos deixou bastante intrigados quanto a sua origem, de fato. Foi muito interessante, pois fomos pesquisar a fundo e achávamos quase nada de dados a respeito de você, o que significa que conseguiram mascarar bem, mas nada que não fosse impossível de descobrimos.

Por que ele tá sorrindo? Eu nunca o vi com esse tipo de expressão antes…

— Jun Asano, você é o segundo filho da princesa deserdada dos Ones que foi morta há cinco anos, em que imaginávamos ter tido apenas um único filho. Ela até que fez muito bem em esconder a existência da cria defeituosa.

— E você veio me matar?

Na sequência, a energia luminosa preenche os olhos do garoto e partículas em formato de cacos triangulares começam a jorrar de seu corpo. Ele pega a adaga e ativa na hora fazendo com que se torne uma espada, assim a apontando em direção aos inimigos.

— É claro que não, vossa alteza — Um ar de deboche saia da voz do major — Ter alguém como você que conseguiu viver até essa idade é uma sorte tremenda. O mito de um terceiro tipo finalmente pode ser comprovado por mim e isso é mais do que perfeito.

— Do que você está falando? Enlouqueceu?

— De qualquer forma, capturem os dois — ignorando completamente Jun, ele falou. A imagem era de que esse homem se achava superior a ele e consequentemente não tinha a necessidade de respondê-lo — A garota com ele é uma traidora por omitir esse fato por tantos anos. E também, ela ainda pode servir para o nosso projeto.

— Não ousem colocar as suas mãos nela! A Aimi não tem nada a ver com isso!

Na mesma hora, Jun avança em direção aos soldados usando uma arrancada de aura. Ele golpeia o primeiro, desse modo servindo de alerta para os outros começarem a reagir. A partir de agora, não pararia até se livrar completamente deles.

Ou pelo menos era o que pensava…

Foi só uma questão de instantes para que um dos soldados sacasse uma pistola antiga. Uma em que disparou um projétil de metal que se movia rápido o bastante para que mesmo acelerando fosse mais rápido do que ele para conseguir desviar. Portanto, teve seu braço perfurado, assim largando a arma em sua mão e ficando invulnerável.

Recebe uma pancada na barriga e é assegurado pelas costas por outro na sequência, onde puxa seus membros para trás, ignorando totalmente o ferimento e passam a espancá-lo sem parar. Sua visão começa a ficar turva, contudo, no último segundo ele avista ela. Junto dele, Aimi também era presa pelos soldados.

 

* * *

 

Quando recuperou sua consciência, se deparou com o som de inúmeros gritos em agonia contínuo. Estava em um local no qual desconhecia, muito semelhante a sala de hospital de antes, mas completamente fechado com paredes que se mostravam ser maciças. O braço onde baleada foi enfaixado, e ele se encontrava deitado sob uma cama, no entanto sem conseguir se movimentar de forma alguma, o que ele precisa fazer imediatamente.

Seus quatro membros foram amarrados e o desespero causado devido ao que presenciava diante de si era esmagador. O garoto tenta romper aquilo com toda a força na esperança de rasgar, porém obviamente essa foi uma atitude em vão. Era algum tipo de objeto feito de couro ou outro material sintético altamente resistente. Portanto se for algo realmente desse tipo, existia uma provável solução. Caso não desse certo, agora seria o seu fim. Uma luta ocorria diante de seus olhos.

Jun concentrou sua aura nas amarras fazendo com que começassem a torrar. O que prendia ele então tornou-se incandescente e assim se dilaceraram em uma explosão tornando-se cinzas. Seja lá que o colocou ali, fez isso de qualquer forma. De todo o modo, no presente não importava mais, pois estava bem diante de um monstro que devorava as pessoas desse local.

Era diferente das bestas que normalmente estava habituado a enfrentar. Essa daí possuí um corpo humanoide todo escuro, quase como uma silhueta, contudo os ossos da costela haviam crescido mais do que deviam e rasgaram o dorso. Nas suas mãos haviam garras e dos braços cresciam lâminas que deviam ter saído do próprio esqueleto com suas pontas ensanguentadas. Não tem face e, dos seus olhos e bocas jorrava uma energia sombria com o contorno em roxo.

A aura envolvendo isso é completamente diferente do que eu vi antes dessa criaturas… o que diabos está acontecendo aqui!?

Se fossemos falar do líquido carmesim, ele estava espalhado por toda a sala. O mesmo poderia ser dito do que muito provavelmente seriam Ones, que também estavam por todos os lugares, a única diferença era que não estavam inteiros. Seus corpos foram totalmente destroçados e mutilados. Quem fez isso com eles? O responsável era óbvio, pois ainda estava mastigando um quando Jun despertou.

Então, por que ele não foi atacado pela aberração até então? Bem, o motivo era claro: alguns soldados ainda tentavam enfrentá-la, sendo mortos um a um enquanto ele se soltava. De qualquer forma, parecia que agora finalmente chegara sua vez. A besta partiu em sua direção.

Se realmente foi de qualquer forma, então eles não devem ter pegado isso…

Levando a mão às costas, ele procurou por uma bainha escondida sob as roupas. Para sua surpresa, seu pensamento estava correto. Quem o capturou não se deu ao trabalho de revistá-lo e confiscar sua arma — uma burrice tremenda por parte dos Ones e uma sorte para ele.

Acelerando, ele desvia da investida do monstro, que golpeia a parede, abrindo um grande rombo e revelando um corredor à frente e também a existência de uma porta que até então ele não tinha notado (ele podia ser um pouco lerdo às vezes). De qualquer jeito, Jun percebeu uma coisa: “esse monstro era muito lerdo”.

Além do mais, ao analisar mais profundamente, além da fisionomia humanoide, sua estatura também era a de uma pessoa, mas bem pequena. Sendo assim, se o núcleo sólido que dava vida a essa forma de existência imunda era o coração, o local em que devia mirar já era óbvio.

Concentrando a energia na espada, ele parte em uma arrancada. Um estrondo é causado, fazendo os móveis e os corpos atrás dele serem jogados para trás. Jun movimenta o pulso e, com uma estocada, cria um rombo no peito do inimigo. Então, ele se depara com uma esfera toda deformada cravada na sua lâmina, que gradualmente se dissolve no ar junto com seu dono.

Isso até que foi muito fácil. Não sei como que esse Ones conseguiram ser derrotados tão drasticamente… Bem, talvez experiência sirva pra algo.

Se realmente quisessem prender alguém como ele, o certo seria terem usado algo feito de alguma substância que absorvesse a aura. Parecia que não imaginaram que ele poderia rasgar as amarras dessa forma. Eram muitos detalhes que mostravam uma falta de preparo para a situação.

— O que realmente está acontecendo aqui? Cadê a Aimi? — pensou em voz alta ao entrar no corredor e observar as atrocidades ao redor, horrendas demais para descrever. Um massacre estava ocorrendo contra esses Ones sequestradores.

Entretanto, quem estava cometendo esse terror? Seriam mais bestas como aquela? Essas eram boas perguntas. Ainda assim, em meio às milhares de dúvidas sobre o que estava presenciando, Jun tinha um único objetivo na cabeça: encontrar sua irmã de consideração e fugir desse lugar de uma vez.

Pelo caminho, encontrou muitas pessoas espalhadas por todos os lados com ferimentos, outras que já haviam morrido. Entre elas, estavam até mesmo aqueles soldados de armadura. Como eram todos do tipo dourado, ele sequer se importou e apenas continuou seguindo adiante, embora um pressentimento terrível o acompanhasse. Seguiu em direção à fonte do barulho mais próximo.

Quando chegou, deparou-se com uma porta que dava entrada para um quarto do mesmo tipo em que despertou. E, como se estivesse vendo algo repetido, lá dentro havia uma besta da mesma espécie que a anterior. No entanto, além dos homens inúteis que eram abatidos um por um, lá estavam presentes crianças.

Sem pensar duas vezes, ele partiu em investida. Aproveitando-se de que seu alvo não havia percebido sua presença, Jun logo no primeiro ataque o golpeou em seu ponto vital, eliminando-o de vez. Diante dos pequeninos, viu que estavam amarrados da mesma forma que ele ao despertar.

Então, a incompetência deles ao me prender é porque o alvo principal deles eram jovens que mal sabem usar a aura direito ainda?

— Saí pra longe seu Zero imundo! — exclamou um dos moleques amarados que mal conseguia se movimentar.

— Zero imundo? — Uma expressão de confusão tomou a face de Jun.

Na aparência deles não existia nada que remetessem que fosse Ones, pois nem um tem cabelos ou olhos dourados, uma vez que é normal um desse dois elementos remeter a cor da energia usuário. É claro, considerar que nem um deles possuíssem uma das características remetentes a real humanidade era uma possibilidade, contudo esse com certeza não é o caso.

Eles não fariam isso com os seus semelhantes e, ainda mais, com pessoas tão novas como essas…

A questão era que havia um fator crucial a mais nisso tudo. No interior do peito deles uma energia vazava e até chegava a atravessar a pele com seu brilho — algo que a magia não fazia, pois não era possível de se observá-la a olho nu se formando no interior de um indivíduo. Só que o estranho não era somente isso.

No corpo deles uma casca preta se formava se expandindo ao ponto se que iria toma-los por completo. E entre os poucos cacos de aura que saiam, no centro uma coloração sóbria se formava de tal modo que só o contorno continuava colorido. Jun sequer pode tentar imaginar o que era, pois logo na sequência já viu qual era o resultado que iria ocorrer.

Com a aura jorrando com força, uma delas começou a dar berros de extrema agonia. Sua pele derretia e era carbonizada. O corpo se contorcia e os ossos cresciam rasgando a pele. A face que a pocou segundos estava lá, então tornou-se vazia e lisa com os olhos estourando. Desse modo, ele se tocou de vez que estava diante de um besta.

Como assim? Que droga tá acontecendo aqui!? Era pra ser possível que já é capaz de usar passe a rejeitá-la e vire um monstro! Isso não faz sentido!!

De um jeito ou de outro, ele não pode ficar parado. Tem que matar isso o quanto antes, caso o contrário, algo pior pode ocorrer. E assim fez, no instante em que se desprendeu das amarras, Jun perfurou o peito daquilo com sua espada fazendo com que sua existência passe a desaparecer.

Ele então olhou para o rosto de uma das quatro crianças restantes no quarto. O olhar em que ela encarava Jun ela do mais puro medo e desespero. Era óbvio, pois ele acabou de matar uma delas (ou o que se tornou). Para esse moleque ele devia ser tão assustador quanto o próprio monstros, porém essa feição de espanto logo sumiu. O rosto da pequena foi tomado completamente por aquela casca preta.

— Me desculpa… — disse ele, segundos antes finalizá-la.

Para as restantes, o mesmo se repetiu. Primeiramente veio o terror e depois o nada, causado por uma escuridão maior ainda. Ele não pode permitir que esse lugar se torne infestado de bestas, mesmo assim ainda era muito doloroso. Entretanto, não teve outra escolha a não ser livrá-las desse destinou pior que a própria morte.

Agora eu entendi… todas essas crianças são cobaias para seja lá o que esse Ones querem. Então era por isso que as criaturas de pareciam com pessoas pequenas…

Sua lâmina atravessou uma por uma sem que pudessem reagir. Jun escutou os gritos ecoarem e apenas fechou os olhos durante cada ataque. Porém depois já não ouvia qualquer outro som. Para falar a verdade, sequer enxergava qualquer rastro delas, pois seus corpos desapareciam como as aberrações ao serem eliminadas.

Eu preciso encontrar a Aimi de uma vez…

Ele assegurou o cabo se sua espada com força e começou a correr. Foi em direção a última fonte de barulho nessa localidade aparentemente subterrânea até adentrar um sala maior. Do caminho até chegar dentro dela estava com a mesma visão terrível de antes, exceto por uma figura ainda de pé. Era o maldito daquele major. Todavia ele se mostrava muito ferido enquanto empunhava uma pistola em uma das mãos e uma espada na outra.

Jun preparou-se para atacá-lo no mesmo instante, mas foi incapaz de finalizar essa ação. Antes que pudesse chegar até Noburo para dar um fim de uma vez a esse maldito, o homem foi arremessado contra a parede por uma ventania repentina de energia caindo inconsciente. Ele ficou em choque com o que acabara de presenciar, mas manteve a compostura.

Diante dele estava a garota que tanto buscou, virada de costas e levemente agachada com as mãos na cabeça. Por um momento ele sentiu um alívio incrível, mesmo assim junto de um tremenda preocupação.

Ela só estava assustada perante a esse ambiente horroroso, não deviam ter feito nada com ela obviamente. Só pensava em andar e tocar no ombro dela e reconforta-la. Queria olhar para sua face e recebe-la com uma expressão alegre. Então, a levaria para longe desse lugar e assim voltariam ao encontro do restante de sua família.

E quando ele a encostou de verdade, sentiu um calor ser transmitido para sua mão em meios aos batimentos cardíacos frenéticos. A angústia passou a se dissipar. Aimi então se virou e quando avistou deu um sorriso em meio a todo esse caos, ao ponto de lágrimas começarem a se formar em seu olhos. Era somente isso que Jun gostaria de ter nesse momento.

Mesmo assim, por que ele se via paralisado diante dela? Por que seus se arregalaram e ele se mostrou incrédulo? Por que ele queria acreditar que estava presenciando uma mentira?

— Aimi…

No interior do seu peito da garota uma energia de brilho esverdeado vazava se tornava escura. Ao redor da sua pele, uma casca preta se formava e começava a tomar o corpo dela lentamente. E entre os poucos cacos de aura, de uma coloração totalmente sombria, vazavam fazendo rasgos.

— Eu quero que isso pare… — A voz dela estava tremula — Jun faz isso parar, por favor… eu não aguento mais…

O que tá acontecendo? Por que ela tá desse jeito? O que fizeram com ela? O que diabos é essa merda!? Nada faz sentido!! O que eu faço!?? Eu não sei o que fazer…

— Jun, por favor me ajuda… —Ela estende a sua mão que aos poucos era tomada completamente por aquela casca — Tá doendo! Tá doendo muito… por favor… eu tô com medo…

— Me diz que isso não é verdade! — Lágrimas se formavam em seus olhos.

Contudo já sabia o que estava acontecendo com ela. Independente do que os Ones tenham feito com as pessoas nesse lugar. Ela estava se tornando uma besta. A Aimi que ele conhecia estava deixando de existir.

— Não… Não, não, não! Por quê!? Por quê!? — Ele agarrou os ombros dela com força e agonizou. Sacudiu a cabeça. Mordeu os lábios. Assegurou com força a camisa no peito e sabia que ainda assim, nada poderia ser feito.

A energia começou a jorrar dela cada vez com mais força, fazendo-a dar berros da mais pura dor. E a única coisa que ele podia fazer era ver isso acontecer. Aimi uma vez disse que queria se tornar uma curandeira; a melhor de todas e fazer jus ao casal de heróis na qual era filha. Salvaria todas que pudesse e não deixaria ninguém se machucar. Entretanto quem iria a salvar?

No momento não existia ninguém que fosse capaz disso.

O poder Jun o fez ser separado de sua primeira família, mas com o tempo conseguiu conquistar uma nova. Mas devia ao negar essa parte de si, deixou que um amigo importante fosse morto quanto ele sempre teve a capacidade para impedir esse fim. E agora mais alguém iria perder a vida por sua causa… O verdadeiro monstro dessa situação sempre foi ele.

— Por favor, Jun… — Aimi cai de joelhos — Faz isso parar… Me mata.

Por qualquer coisa nesse mundo ele jamais aceitaria esse pedido. Contudo, querendo ou não, sabia que essa era a única alternativa que restava. Precisava impedir que ela se tornassem uma criatura que iria destruir a todos. Um destino pior do que a morte, realmente.

Portanto apontou a espada para ela. A sua mão tremia de forma descontrolada e quase não tinha forças para segurar o cabo. As lágrimas não paravam de escorrer por seu rosto. E não parava de acelerar, ao ponto de ameaçar explodir só para poder olhar para face dela mais um pouco.

A imagem daquele último instante prende em sua mente. Aquela feição aliviada com um sorriso caloroso, mesmo perante ao seu inevitável fim. Essa irmã que viveu junto dele por todos esses últimos cincos e meio, agora prestes a sumir para sempre. Mas antes dizendo suas últimas palavras para que fiquem presas dentro dele por toda a eternidade, como uma maldição.

E assim, Jun então fecha os olhos vira a cara movendo seu braço na horizontal.

Uma linha prateada atravessa a sala e gradualmente some.

Ele escuta o som o corpo caindo e debater contra o solo molhado de vermelho. Para depois não ou mais nada, não sentir qualquer calor para que ele volte a enxergar e veja um apenas com o rastro de Aimi, como uma besta sumindo em meio ao ar até restar somente o vazio.

Ele agarra o cabo com força e o sangue espreme entre os seus dedos até escorrer. Com sua ires totalmente coberta por um brilho prateado gostas escorrem e pingam sem parar. E é quando a última partícula que indicava que sua irmã uma vez esteve entre ele desaparece para nunca mais ser avistada.

Ele cai de joelhos e coloca as duas mãos sob o rosto e se encolhe. Grita. Grita e se agoniza com força, o mais alto possível… no entanto ninguém mais poderia escutá-lo agora. De nada adiantava ficar sofrendo, ele não podia ficar parado e precisava fazer depois do que ouvira, portanto só lhe restava se alevantar e seguir em frente dessa vez, mesmo estando sozinho.

 

* * *

 

Dentre tantas coisas que poderiam se passar na cabeça de Aimi naquele momento, ela não sentiu raiva ou muito menos medo. Mais do que ninguém ela sabia que tudo que ocorreu não foi porque Jun desejou.

Para aquela criança perdida que se apresentou ao invadir o quarto. Para esse garoto carregado de culpa que finge não ser ele mesmo para ser aceito numa realidade onde não é bem-vindo. Ela só deseja para esses dois que consigam encontrar a felicidade e alguém tão especial que os façam parar de temer a solidão.

— Eu quero que você não se culpe e me prometa, vai viver a vida ao máximo e fazer todo que gosta. Garanta pra mim que nada será em vão. — E assim o mundo que a cercava se apagou.



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