Shelter Blue Brasileira

Autor(a): rren


Volume 1

Capítulo 3.5: Músicas de um lírio sem nome

Na cabeça dele o lugar seria pelo menos três vezes maior do que era presencialmente. Mas no fim se tratava de uma casa simples de dois andares, feita de tijolos bem gastos e com partes em madeiras na qual trepadeiras a tomava, junto de musgo. Embora seja assim, ao redor tinha um jardim bem cuidado, com flores e brinquedos de criança também feitos de materiais orgânicos.

Por mais que nada levasse a entender, esta residência tratava-se de um orfanato, e um bem deixado de qualquer jeito levando em conta a função para o que servia. E a punição que Jun sofreu é a de tomar conta desse lugar, seja lá por quanto seja necessário. Contudo, pelo lado bom estaria com alguém conhecido, uma vez que Rie também faz essa tarefa — por motivos pessoais que ele sequer conseguia imaginar.

— Aqui é onde as crianças que nascem entre os Ones como Zeros são mandadas. Ou seja, aqueles que não despertam uma aura dourada — explicou a garota enquanto abria o portão do quintal.

Em outras palavras: “aqueles que não acabam sendo mortos, são descartados para esse local”, essa era a melhor forma de observar a situação e a mais bonita também. Como agora tornou-se mais fácil de descobrir a cor da aura antes mesmo de chegar na idade necessária para despertá-la isso passou a ser feito com mais frequência, pois conseguiram desenvolver um exame capaz de determinar isso com antecedência. Contudo, vir para cá apenas deve ser comum para os indivíduos que não venham ter uma cor que seja variante do ouro. Esses daí já devem ser mortos, mesmo.

— Eu quis fazer esse trabalho, pois sou como as crianças daqui. Uma garota que nasceu com um poder defeituoso e foi jogada fora.

E Jun era o filho de uma mulher na qual deveria ter sido executada, por motivos muito parecidos, mas na qual acabou conseguindo escapar e sobreviver. Era uma existência rara e de certo modo alguém mais único que os próprios Ones, pois é desse significado que vem o nome deles.

No entanto, esse assunto que ela acabou trazendo uma nova dúvida à tona: “se a Rie tem uma aura como a dele, o que aconteceu para deixarem ela viva?”, talvez ainda existisse algum tipo de falha que não permitisse descobrir isso com antecedência independente de fazerem o teste ou não, porém ainda é uma possibilidade. Aliás, a garota foi adotado um pouco antes de começar a adolescência e até onde sabe, esse tipo de refúgio só veio a existiam a um pouco menos de três anos. Tudo levava a crer que ela não passou por isso.

 Jun estava prestes a perguntar a ela para responder essa dúvida, contudo foi impedido por uma agitação repentina:

— Rie, você veio!

— Que demora! Eu não aguentava mais esperar!

— Ei! Não me empurra!

— Quem é ele?

Um grupo de cinco crianças, sendo três delas meninas e o resto meninos. Todas foram correndo ao redor de Rie, fazendo uma algazarra sem tamanho. Jun ficava perdido só de tentar acompanhar toda a bagunça que presenciada. Ainda assim, até chegava a ser divertido e revigorante de presenciar esses pequeninos.

— Esse garoto aqui se chama Jun Asano. A partir de hoje ele vai vir junto comigo nos finais de semana.

E olhares fascinados e curiosos foram lançados para ele de uma vez só. O garoto, de cabelos da cor do sangue, estava totalmente sem jeito e não sabia como reagir. Ele ficava tímido quando se tornava o centro das atenções.

— Bem… eu vou dar um jeito de limpar esse lugar e… e depois vou cozinhar algo para essa molecada — disse começando a entrar na residência.

— Eu quero um bolo! Um bolo bem grande! Desse tamanho aqui! — E exclamou uma das crianças com o ânimo nas alturas gesticulando os braços para mostrar a largura da refeição que gostaria;

— Vou fazer um bolo, então.

— Olha só, vocês não estão felizes!? Finalmente, temos alguém aqui que sabe cozinhar — exclamou Rie batendo as palmas com um sorriso.

— Ihh… você não sabe? Mas que incompetente… — disse em tom claramente provocativo antes de entrar na casa, sem que tenha alguma brecha para atacá-lo de volta.

E partindo do começo, como foi dito por ele, Jun começou a fazer a limpeza. Era lamentável o estado que estava essa casa; as crianças desse lugar foram jogadas aos prantos e deixadas para se virarem sozinhas como se tivessem independência própria para fazer isso — bem, não estava completamente errado, no caso de serem sem qualquer pessoa para se importar completamente. Sabia que todos os dias algum responsável vinha aqui para servir comida para elas e ver se estava tudo de acordo, mas somente isso, o que já era um descaso por completo.

Ele arremangou as mangas, pegou um esfregão e com um trabalho braçal começou a faxina. Fazer isso até que era algo nostálgico um tanto agridoce, pois quando vivia na casa da sua avó era obrigado a realizar essa tarefa direto — ele sentia arrepios só de lembrar da expressão sacana daquela velha toda vez que o mandava fazer isso. O lado bom é que ele já aprimorou todas as suas habilidades de limpeza a um nível de maestria e conseguia terminar essa atividade rapidamente.

E nessa sua corrida para não deixar aqueles mais novos esperando por muito tempo, quando terminou logo partiu para a cozinha. Assim, utilizando-se do que já estava disponível na despensa, onde até que estava bastante completa e cheia de variedades, começou a preparar um bolo de manteiga. Como eram seis, um grande de fato seria necessário para satisfazer a todos, e Rie que estava brincando com elas no quintal ficaria com algum pedaço caso sobrasse.

Após o tempo de preparo acabar, ele partiu ao encontro do restante. E, no instante que foi avistado, logo foi recebido por gritos de alegria:

— Ele realmente fez!

— Eba, eba!

Jun distribuiu um pedaço para cada uma deles e Rie inclusa, pois para a felicidade da garota foi o bastante pra que tivesse para ela também. Assim, de forma surpreendente em poucos minutos já não restava uma migalha sequer na bandeja. Com isso, voltaram suas atenções novamente para a garota, o que ele já esperava uma vez que era novo nesse lugar, mas pelo menos ficou contente que tenham gostado da refeição que preparou.

— Então, então!? Você pode cantar aquela música de antes!?

— Sim, aquela da última vez.

— Por favorzinho…

A garota de cabelos brancos fica levemente envergonhada. Por alguma razão ela ficava trocando olhares constantemente com Jun a tal ponto dele ficar confuso e posteriormente preocupado, até ela responder:

— Sabe, bem… aqui, na frente dele, não.

Ele achou fofo essa preocupação dela, pois como é filho de uma cantora famosa algo desse tipo devia incomoda-lo. Entretanto, ele jamais levaria isso para o lado negativo, embora uma parte dele lhe trazia ansiedade quanto a isso. Ele via essa situação como algo divertido

— Não tem problema. Eu não vou sair correndo com os braços abanando dramaticamente se você começar a cantar.

— O que eu pensei não foi isso. E também, você realmente agiria assim? — De repente, o tom de voz dela se tornou mais sério.

— É claro que não! Você tá louca?

— Hehe, parece que o bobo caiu na minha armadilha mais uma vez — E então um sorriso sapeca foi surgindo na face dela gradualmente.

Como que isso é possível!? Ela não cansa nunca de ficar com essa provocações? E eu pensando que era algo importante… que injustiça!

Ela dá um pulinho de onde estava sentada e levanta. Um arrepio percorre pelo corpo de Jun que, aguardava ela começar com muito nervosismo. Não importava o quanto desse para ele mesmo ser forte, os anseios dentro dela ainda o afetavam. Já fazia um pouco mais de cinco anos desde que ele se privou completamente de escutar qualquer coisa do tipo. Não queria se lembrar da sua mãe que até recentemente, pela falta de respostas, imaginava que havia sido morta.

Rie puxou o ar e então começou. No início fez apenas um cantarolar melodioso, porém de ritmo alegre e calmo. Foi quando ela deu entrada a canção, ainda na mesma entonação suave e lenta. Entretanto, tudo se elevou de uma vez só.

Os olhos de Jun se arregalaram nesse instante. Um sentimento gelado e confortável com a brisa numa manhã de primavera. Algo incrivelmente nostálgico, mas que trazia uma dor sem fim. Ele queria tapar os ouvidos e se fechar numa concha para não ter mais que encarar isso. Tudo isso em conjunto o fazia mal conseguir prestar atenção na leta. Contudo, desta vez ele não iria deixar que fosse levado por isso.

Eu tenho que ser forte. Mais forte do que já fui antes. Muito forte, ao ponto de que nada mais nesse mundo consiga me abalar!

Ele iria que seguir adiante e encarar essa dor.

Antes que fosse consumido por completo.

Ele faria isso torna-se uma verdade.

Estava na hora de não ficar mais parado.

— Essas cores estão sorrindo para nós…

Palavras que ele conhecia melhor do que qualquer um. Aliás, ele ouviu isso milhares e milhares de vezes durante a sua infância, e em conjunto de um controle de voz absurdo que Rie possuía intensificava tudo de forma extrema. Algo que agora se mostra ser apenas a memória de um longo sonho distante, trancafiado em um lugar tão profundo no qual jamais seria alcançado novamente.

Venho à tona a imagem daqueles dias em que acordava muito disposto e animado. Nesses que desejava com todas as forças que fossem eternos. De todas as tardes que brincava sem parar com seu irmão, ao ponto de voltarem para casa completamente sujos de terra e lama sem ao menos perceber.

Das manhãs de primavera, onde o vento soprava muito forte e parecia derreter na pele devido à suavidade. Em meio às diversas pétalas rosas que voavam tornando o mundo ao redor extremamente vivo. Sempre junto de uma canção calorosa vinda de uma figura que estava mais que disposta a recebê-lo com um grande abraço, a qualquer instante.

Todas as vezes que se questionava o porquê dessas músicas, sempre recebia a mesma resposta de volta: “não há nada mais agradável e divertido do que fazer aquilo que gosta”. Era impossível esquecer os diversos momentos em que deram as caras com os joelhos ralados e tanto e correr e fazer folia com o irmão naquela época. Das inúmeras brigas bobas, mas que do fim terminava como se nada tivesse ocorrido, mais uma vez voltando àquela baderna sem fim. Então eram recebidos com um sorriso amoroso, quando tudo se encerrava.

Um no qual Jun tentou se convencer de que jamais existiu. Onde foi bloqueado por uma enxurrada de inseguranças que só o aprisionavam dentro do seu próprio mundo seguro onde acreditava que só lá poderia pertencer, criado pela cabeça de uma criança amedrontada após ser afastadas de sua família a força por pessoas que queria eliminá-los por terem nascido diferentes do que era aceito.

Como foi que ele conseguiu se permitir tomar tal atitude de trancafiar essas memória? Agora essa era uma decisão que sequer conseguia conceber.

— Está tudo bem com você, moço?

Ao som dessa inocente pergunta, a música enfim chegou ao seu fim. A garota, com os olhos de um azul mais forte que o céu, então o encarou surpresa. Foi quando ele se tocou que mesmo contra a sua vontade, sem que percebesse quanto teve o início disso, duas linhas começaram a escorrer pelo seu rosto.

No entanto era estranho, pois de alguma forma estava feliz.

— Como você é cruel… — falou para aquela garota que exalava um brilho reluzente que só fazia a achar cada vez mais fascinante, com o sorriso mais sincero que surgiu em sua face depois de bom tempo.

 

* * *

 

Em meio a uma mistura de cores rosas, roxas e laranjas causadas pelo pôr do sol, o garoto e a garota andavam em direção a suas casas. No lado deles, estava um rio que projetava um som reconfortante, rodeado por lírios-brancos com o interior azul na borda. Um ambiente curioso — parecia que o destino havia os trazido para esse local —, mas fez uma grande ideia brotar em Jun.

— Se colocar tudo aquilo que atormenta você para fora em palavras numa canção, não está funcionando. Por que você simplesmente não começa falar daquilo que gosta, ou do que gostaria? Seus desejo mais profundos.

Rie então voltou sua face para ele com os olhos fixados e preenchidos de um brilho nunca visto antes. Essa expressão que ao mesmo tempo o fazia ficar sem jeito, também fazia Jun a achar incrivelmente encantadora. Algo que lhe dava vontade de acelerar para que pudesse observá-la assim por um longo período de tempo e quantos minutos forem necessários.

— Sabe, eu vejo você como se fosse uma flor prestes a desabrochar. Um lírio como esses, mas ainda sem um nome.

— Então você quer dizer que eu posso ser como ela?

— Você pode ser melhor.

De repente, ela começou dar passos rapidamente até se distanciar de Jun. Então, parou e se virou de frente para ele e como um sorriso, disse:

— Por sua causa, agora eu tenho uma boa ideia do que posso fazer, então… muito obrigada, parceiro! — disse mostrando o celular com um grande sorriso.

Em reação, Jun rapidamente pegou o dele para conferir o que acabara de avistar. E, de fato, não havia se enganado. Nas notificações tinha uma mensagem muito em evidente, dizendo: “Jun Asano e Rie Koike devem comparecer no estádio na próxima manhã, para que assim possam se apresentar como nova dupla para as festas do próximo mês”. Essa garota, realmente sabia que isso iria acontecer.

— Acho que agora você vai ter que me aturar por muito mais tempo do que imaginava, hehe.

— Ai, ai…

E para surpresa dele mesmo, desta vez não estava incomodado com a notícia, ou achando um saco por completo. Até que estava, estranhamente, contente.

— E aproveitando disso… Não, na verdade, eu já queria perguntar isso antes. Só não sabia como fazer.

Rie, repentinamente, mostrou uma feição séria.

— Será que você pode me contar o que aconteceu com você, na outra cidade? Eu ouvi isso de Seiji, mas queria muito ouvir de você.

Jun, então, congelou por completo. Uma parte dele, dizia para ficar irritado e virar a cara na mesma hora, porém algo o impedia. Era como se houvesse uma força maior o instruindo para fazer o oposto. Aliás, já estava na hora de encarar isso de vez, sem usar a mesma desculpa de não ficar parado e seguir adiante apenas para fingir que nada disso existiu, pois eles só estaria destruindo o real significado dessas palavras.

Isso era para dizer que ele pode ser o único; aquele que é capaz de qualquer de alcança e realizar coisa. Se fosse realmente superar os seus pecados, precisava encará-los diretamente.



Comentários