Volume 1
Capítulo 2.4: Estrela de um céu limitado
Gritos de desespero ecoavam pela sala e faziam as poucas pessoas que restavam voltar suas atenções para a fonte. Aquela garota de cabelos rosas era a razão disso. E Jun, que gradualmente ia recuperando sua consciência e despertando após receber um golpe de seu pai que o fez ficar desacordado.
— Rie, sai daí! Sai daí, logo! — exclamava ele, enquanto não tirava os olhos do notebook em seu colo. Ele segurava a tela com ambas as mãos de modo que ameaçava partir a tela em duas.
Jun nem precisou pensar para rapidamente ligar todos os pontos do que estava ocorrendo. Aliás, ele sabia perfeitamente no que aquele tipo de bestas poderia resultar. Elas se uniram e deram lugar a algo maior e mais ameaçador. Ele podia confirmar isso ao avistar aquela projeção da cidade. Os quatro pontos que antes estavam lá deram lugar a somente um.
Diferente deles, esses monstros possuíam um núcleo de aura sólido e também, considerando que Rie era alguém sem experiência nesse assunto, obviamente ela não deve ter se certificado de destruir isso para prevenir um caso desses de acontecer. E esse mapa só projetava as criaturas como um único tipo de ponto, o que só atrapalhava ainda mais. Se soubessem que se tratavam de criaturas dessa espécie, era certeza que não a mandariam ir tão despreocupadamente.
No entanto, cometeram o mesmo erro de confundi-las como meros filhotes. Exatamente da mesma forma quando ele foi mandado para morrer, sem que ao menos pudesse saber, na cidade onde estava anteriormente.
E Jun simplesmente não aceitava ver algo assim outra vez. Rie estava prestes a perder sua vida por um deslize bobo. Portanto, ele não ficaria parado de forma alguma, estava certo de que iria até lá de um jeito ou de outro. Sendo assim, decorou rapidamente a posição onde ela estava no mapa.
Entretanto, ao se mover, foi parado pelo cano de uma arma na hora:
— Aonde você pensa que vai, moleque?
Um homem alto e robusto, de pele escura e cabelo bem cortado, raspado nas laterais, provavelmente como havia sido ordenado, estava impedindo Jun de sair.
— A Rie vai morrer se continuar lutando sozinha, então vou ajudá-la.
— Ela é uma garota prodígio e uma das nossas espadachins mais fortes, como você já ouviu. Não há motivo para você se preocupar.
— Ela pode ser o que for, mas nesse caso, pouco importa o que ela é.
Como alguém pode tratar isso com tanta ignorância? Pode ser um mísero deslize qualquer e isso já vai custar a vida dela. E além disso, como pode alguém capaz de socorrer não fazer nada? Eu não suporto isso… É algo que eu jamais deixarei de fazer outra vez.
Jun, o garoto de cabelos da cor do sangue, não parava de pensar nessa situação com desprezo. Ele não conseguia tolerar o que estava presenciando.
— E quem você pensa que é, moleque?
— Vocês não fazem nada quando veem uma garota seguindo um caminho que a levará para uma morte inevitável, e ainda me tratam assim…
Jun brevemente olhou para o horizonte através da janela. Diante dele, estava o céu coberto por polígonos azuis, que permitiam apenas a luz do exterior passar. Em meio às estrelas presentes naquele instante, ele viu uma rasgar o céu deixando um rastro para trás e, então, sumir. Ao avistar isso, ele ficou mais do que decidido.
Os objetos presentes na sala repentinamente começaram a tremer. Partículas luminosas, então, gradualmente começaram a jorrar do corpo de Jun. O homem, em reação, colocou a mão no gatilho da arma.
— Tente concentrar a energia, acelerar ou o que for. Faça isso, e antes mesmo, vou atirar em você!
— Certo, tudo bem… Então, você quer saber quem eu sou? Vou deixar claro de uma vez para que engula essas últimas palavras…
Se ele fosse acelerando aos poucos para alcançar sua velocidade máxima, em vez de criar uma sobrecarga e chegar nisso de uma vez, ele jamais perceberia. Seu poder ficaria contido dentro dele e não chegaria a vazar, também. Estaria utilizando o máximo de seu potencial.
— Eu sou o único! Aquele capaz de salvar a vida dessa garota… nada mais — E, ao final dessas palavras, os olhos de Jun foram carregados pelo poder de cor prateada.
Uma bala, então, foi em sua direção; contudo, movendo seu braço, que deixava um rastro como uma aberração cromática na realidade, ele fechou seu punho. De sua mão, então, uma leve fumaça pôde ser vista em meio a cacos luminosos que se desfaziam na atmosfera.
— Então, vamos dar início ao ápice… — sussurrando essas palavras, Jun se vira e investe contra a parede de vidro com seu cotovelo, impulsionando-se para frente como se fosse uma película criando uma distorção na realidade no mais puro silêncio.
O material superaquecido, então, girou como uma espiral líquida e estourou com gotículas que se tornaram sólidas, partindo-se em milhares de cacos que se espalharam ferozmente. Uma pressão maciça se formou e, em uma rajada imensa, Jun atravessou aquilo em cheio e fez tudo se propagar em um rombo ainda maior.
E só assim, chega a vez de seu estrondo poder ser escutado por todos.
Desenhando uma linha reluzente, ele atravessou todos os seus limites, até mesmo aquela barreira invisível, e continuou a avançar progressivamente, cortando a própria realidade. Ele queria ir além, atravessar tudo que era possível e acelerar de modo interminável.
O vento batia com força em sua face, fazendo o blazer sacudir e seu cabelo preso atrás balançar ao ponto de se soltar. Em meio a essa vastidão, ele sentiu o poder fluir por todo o seu corpo, a sair e ser deixado para trás, como aquela aberração de uma luz tão intensa e clara, mas que também possuía todos os espectros de cores dentro dela. Seu coração pulsava freneticamente e o ritmo só alimentava, porém não era devido à sua habilidade.
Foram as diversas memórias que reverberaram em sua mente e o golpearam desenfreadamente, graças a todo esse último ocorrido. Ele sabia que precisava deixá-las apenas no passado, no entanto, a todo instante elas jamais paravam de borbulhar em sua cabeça. Estavam lá, ocorrendo com uma retrospectiva e ainda mais quando presenciava no presente o mesmo tipo de situação ocorrer.
Mesmo que Jun não ficasse parado, por mais que estivesse atravessando uma cidade inteira movendo-se além do limite da barreira do som, aqueles acontecimentos seguiam. Essa era sua culpa, seu pecado. E por causa disso, ele precisava ir mais além do que nunca foi.
Eu quero ser como aquela estrela cadente. Quero riscar o mundo e sumir logo em seguida, aparecendo mais longe do que nunca fui.
Usando a arrancada de aura aos poucos, ele foi freando a sua queda e assim conseguiu aterrissar. Então, quando seus pés tocaram o chão, ele continuou a acelerar e a avançar desenfreadamente. Correndo, ele criava rombos ao pisar e sua aura como linhas chicoteava a superfície enquanto o solo jorrava para trás como um líquido incandescente fervente em meio ao vapor que o cercava. E ao perder o equilíbrio, com um dash, ele volta a rasgar o ar.
Quero ser como a luz e sempre correr numa velocidade interminável. E eu serei a própria e nada nesse mundo mais vai me parar. Não vou esconder mais o meu poder e vou mudar o mundo destruindo esse falso céu!
Ele para brevemente para tomar um próximo impulso e vê vários daqueles soldados Ones com armaduras douradas à sua frente. Eles sacam suas armas e espadas para atacá-lo.
— Saiam da minha frente! — Os olhos de Jun se intensificam num prata reluzente, e ele dá outra arrancada.
Em uma rajada, ele golpeia todos os homens, gerando uma pressão avassaladora que os arremessa para longe. Em explosões que causam clarões, eles saem voando falhando a atmosfera e, então, param em meio às crateras que criam ao entrar em impacto contra os edifícios. Suas armaduras, então, são fragmentadas e o sangue espirra pelo alto.
Sei que dentro de mim há um grande potencial que eu mesmo desconheço. Um universo cheio de galáxias e estrelas que cintilam intensamente se expandindo ao infinito sem parar, mas a única diferença que eu tenho é que, em meio a isso, eu sempre continuo a acelerar.
Rasgando tudo adiante de si, ele seguiu avançando como um cometa resplandecente, acelerando até a própria luz, deixando seu rastro para trás e assim sumindo no além. Sacou sua adaga e então ela cresceu, se tornando uma espada, preparando-se para continuar se impulsionando.
Entretanto, dessa vez, por um momento, hesitou.
Em meio aos Ones, uma certa figura extremamente irônica trocou olhares com ele. Era como se o destino quisesse debochar de sua cara, deixando claro que o passado sempre iria alcançá-lo, não importando o quão rápido pudesse ser. Não bastava que tivesse surgido justamente o mesmo tipo de besta daquela vez. E não bastava que, dentre todas as possíveis situações, fosse justamente uma garota que almejava ser cantora.
Ele havia decidido que jamais ficaria parado, mas agora que voltou para essa cidade, significava que tudo aquilo que tinha deixado para trás iria voltar para o encarar? Tem algo mais importante para ele fazer agora, mas isso não mudava o fato de que estava cara a cara com um indivíduo extremamente familiar.
— Jun? — Seu nome foi chamado e isso o deixou em um conflito interno. Aquele garoto, de cabelos prateados e olhos dourados, realmente o conhecia.
E o mesmo valia para Jun, que paralisou ao perceber quem era. Entretanto, ele respondeu:
— Eu não tenho tempo para você.
Foi apenas uma questão de segundos em que os dois se encararam, antes que ele desse outro dash e voltasse a avançar. Mesmo assim, foi como se minutos tivessem se passado. Contudo, havia algo que Jun precisava fazer agora. O que já tinha sido deixado para trás, pode muito bem continuar assim por mais um tempo.
No fundo, a razão dele ter tomado a atitude que tomou não foi por causa de Rie, mas porque ele não queria ver esse mesmo tipo de acontecimento terminar como foi da última vez. Era por um motivo egoísta, criado pela culpa de sua incapacidade anteriormente, que ele era movido. Ainda que não fosse um motivo nobre, ele poderia transformar isso em poder para algo positivo. E é isso que ele vai fazer.
Eu preciso ser rápido… Muito rápido. Mais rápido do que já fui, e cada vez indo além. Eu tenho que ser como a luz, como uma estrela cadente e então avançar ao infinito!
* * *
Os dois membros em formato de lâmina cravaram no chão quando o monstro saltou sobre Rie, mas por pouco ela desviou no último instante com uma arrancada. A criatura então, com seu corpo que se contorcia ao se mover, investiu nela, explodindo a superfície. Em meio à fumaça e destroços que voavam ao redor, ela observava aquilo se aproximando.
Seus braços afiados são balançados na horizontal, e Rie coloca sua espada na frente para se defender. A força aplicada pela pressão era tanta que ameaçava esmagá-la, a tal ponto de ela sentir que seus ossos estavam prestes a se partir. Ela fechou os olhos e, empurrando com tudo o que tinha em si, conseguiu suportar e criar um recuo, proporcionando isso para o alto. E agora, uma abertura estava diante de si.
Com sua arma imbuída pela aura azul, tomando impulso, ela se moveu em trajetória linear e perfurou o peito da besta, que agonizou de dor. A estocada foi tão potente que um som semelhante ao tiro de um canhão ecoou em meio a um estrondo de cacos luminosos que se propagavam junto de uma corrente de ar que jogou para longe a poeira e fez seu cabelo balançar.
Rie puxou seu braço de volta e, girando seu corpo, iniciou. Com um corte horizontal comparável a uma tormenta, atravessou e dilacerou o corpo da besta. A criatura tentou reagir, mas agora ela não tinha como ser parada.
Com sua lâmina deixando o rastro de sua silhueta no ar, ela fez rasgos na criatura, da esquerda para a direita, de cima para baixo. Movimentando-se de um lado para o outro, ela não deixava que os braços a esmagassem. Agachando-se e saltando, usando seus reflexos, desviava de ser cortada ao meio. E em meio aos arcos de cor safira, Rie continuava a enfrentar a criatura, num ritmo frenético tão feroz que poluía o ambiente com riscos cintilantes na atmosfera.
Entretanto, ao acreditar que conseguiria bloquear um dos golpes, acabou sendo arremessada com força para longe. A espada caiu e ricocheteou contra o chão. Ela estendeu a mão para pegá-la, contudo já era tarde demais.
É quando se deparou com as duas pontas imensas e afiadas, caindo rapidamente em um ataque esmagador sobre ela. Com os olhos em uma feição de desespero, ela sequer chegou a processar que esse era o seu triste e lamentável fim.
Rie Koike morreria de forma ridícula e humilhante, antes mesmo do que esperava. Um desfecho digno para uma garota tão imprestável.
Eu… realmente… não consigo servir para nada…
E diante desse seu último pensamento, o destino lhe deu uma resposta. Foi uma sensação de vibração tomando seu mundo ao redor, seguida de um lampejo; uma rajada de luz tão intensa que tomou sua visão. Ela enxergou centenas de estrelas, e um zumbido tomou seus ouvidos.
Esses pontos luminosos cintilaram ao extremo e partiram como estrelas cadentes que rasgaram toda a existência, deixando seu rastro para trás. Foi então que um cometa, de um brilho tão reluzente contendo um espectro de cores infinitas, atravessou essa chuva de cintilações e, causando um impacto de uma potência avassaladora, Rie foi arremessada para trás. Ela foi parada por escombros atrás dela e, com seus cabelos balançando num ritmo feroz, seus olhos foram preenchidos por um brilho ao avistar o que estava diante dela.
Com o mundo todo tremendo e sacudindo, ela foi tomado por essa chuva de estrelas cadentes que o atravessava como aberrações cromáticas. Elas estouravam como supernovas, causando clarões que deixavam centenas de partículas que jorravam freneticamente. Tudo ia de encontro a um único ponto em comum, girando em uma espiral perfurante que parecia ter a massa de uma galáxia inteira.
Um cosmos que fazia toda a carne do monstro se fragmentar. Os espinhos roxos derretiam como magma líquido. Com o sangue expelido virando vapor e se propagando. A existência daquilo era desfeita por uma pressão de tamanho imensurável, que a lançava partindo tudo, em direção a ela.
E nesse rastro de destruição que cria rombos em inúmeros prédios adiante, Rie se vê diante daquele garoto de cabelos escarlates. Uma vibração o preenchia e dava a impressão de que era uma existência que ameaçava destroçar a própria realidade onde estava. Tomado por uma aberração cromática, linhas de energia jorravam do corpo dele num jato que chegava a arranhar sua pele e fazê-la sangrar, com o líquido se desfazendo em instantes.
É como se, diante de mim, estivesse um universo inteiro em expansão, mas que acelerava mais e mais a cada instante… É assustador, mesmo assim, também é muito belo…
Com ela se vendo dentro desse infinito que tomou todo o cenário à sua volta, com intermináveis cintilações, o garoto se virou na sua direção. Suas mechas, agora soltas, tocavam os olhos, porém ainda não escondiam seus olhos, agora tomados pelo prata que reluzia de tal forma que era como a luz com suas cores sem fim.
— Que bom que você ainda está bem… — Mesmo passando essa imagem, Jun sorriu aliviado ao olhar para ela. Tinha uma expressão gentil nessa situação que mal dava para acreditar que, mesmo depois de tamanho poder que usara, a besta ainda se levantava lentamente, com suas partes se juntando outra vez, atrás dele.
* * *