Shelter Blue Brasileira

Autor(a): rren


Volume 1

Capítulo 1.2: Mundo ilusório

Foi num piscar de olhos, mas quando ela pode se dar por si, aquilo já havia acontecido. No instante em que Rie e Jun chegaram à superfície, o garoto, sem dizer uma palavra, a pegou no colo e atravessou a cidade. Esse foi um fato que ela recém conseguiu processar, aliás, a velocidade em que ele se moveu foi tão absurda que para a garota foi como se tivesse aparecido num lugar diferente repentinamente.

Ela colocou seus pés no chão e então foi arrumar seu cabelo que ficou bagunçado em meio a esse último acontecimento. Estava muito curiosa quanto a que tipo de habilidade ele possuía, contudo deixaria isso para outro momento. Agora decidiu se localizar onde estava.

Se encontrava num parque bem pequeno no meio de prédios feitos inteiramente de vidro. Possui algumas árvores e arbustos na volta, como alguns poucos bancos de madeira também. E nessa hora os raios solares da manhã os iluminavam, vazando feixes entre os edifícios e as folhas projetando uma iluminação graciosa nos dois.

— Mas então, qual foi o crime que você cometeu? — perguntou Jun de forma cômica em um tom provocativo. Rie sentiu seu rosto ficar vermelho, mas ela sacudiu a cabeça e se recompôs em instantes

— Não fiz nada demais. Foi só aqueles Ones sendo insuportáveis, como sempre… Acho que você tá ligado com esse tipo de coisa — Ela inclinou levemente a cabeça e apoiou um dedo enquanto falava de modo pensativo e debochado.

— Sim. Disso daí eu sei muito bem, infelizmente… Só não esperava ver esse tipo de palhaçada tão cedo. Poxa, eu mal cheguei na cidade… — Havia uma certa dramaticidade nas falas deles com uma certa mistura de humor.

E após isso o silêncio tomou a atmosfera em meio a um certo clima desagradável que brotou entre os dois. Entretanto, isso durou poucos instantes. Quando percebeu, os dois já haviam começado a rir juntos.

— Pelo menos, até que foi divertido… 

— Né? Aquela vista da cidade estava muito linda, não? Foi emocionante! — Rie dizia animadamente com os olhos brilhando.

Chegava a ser um pouco bizarro que, ao invés de ficarem preocupados com o ocorrido, na realidade ficaram zoando com a situação. Mesmo assim, Rie gostava dessa forma mais leve de ver as coisas. Contudo, não podia continuar dessa forma para sempre. Ao notar que no redor dos dois havia começado a surgir uma movimentação de pessoas, uma nova questão veio à tona:

— De todo o modo, o que nos resta fazer agora é ir para a escola.

— Ué? Mas já tá na hora disso?

— Sim. E é por isso mesmo que temos que ir logo, ou vamos nos atrasar.

E Rie começou a andar na mesma hora, porém ela parou logo em seguida. Confusa, encarou o garoto que ficou parado no mesmo lugar com uma cara de bobo.

— O que foi? Não precisa se preocupar Os soldados não podem nos atacar lá… Ou, quem sabe, na verdade você não sabe como chegar lá?

A reação na face do garoto entregou de bandeja que a última hipótese de Rie estava perfeitamente correta. E ela não conseguiu se conter e acabou deixando escapar alguns risos.

— Fica tranquilo, eu te mostro como que chega até lá — Ela dizia com um sorriso travesso enquanto fazia um gesto balançando à mão.

— Ah, bem… obrigado… — E a voz de Jun foi decaindo enquanto falava, deixando-se ser tomado pela vergonha. Rie achou aquela cena extremamente adorável.

De todo o modo, ela andou até o garoto e parou bem na frente dele, ao ponto de quase fazê-lo tombar para trás com um susto. Seus olhos se encontraram e ficarem se encarando por breves segundos até que, quebrando o clima drasticamente, ela fala:

— Então… Vem logo! — E pegando a mão dele num ato súbito e puxando ele para irem de uma vez para o colégio.

Instantes depois, o garoto passa a andar ao seu lado e assim ela o larga. Jun a olha de forma esquisita por um breve momento, porém ela não entende a razão disso. Entretanto, deixando esse pequeno detalhe de lado, durante o caminho que os percorreram, agora estavam conseguindo ter uma caminhada calma sem ninguém apontado uma arma para eles.

Rie achava bastante curioso que durante esse trajeto Jun olhava para tudo ao redor de forma avoada e curiosa. Até mesmo a imagem de gatinho que tinha um corpo que parecia ser composto por chamas roxas, foi o suficiente para fisgar a atenção dele. Ela se perguntava como deveria ser a cidade anterior em que ele vivia, pois parecia que ele estava descobrindo um novo mundo nesse lugar.

Contudo, suas dúvida a respeito do garoto teriam que ser deixadas para depois, pois ele se antecipou nesse quesito quanto a ela soltando uma fala despreocupada:

— O que você costuma fazer, além de atazanar os Ones?

— Hmm… Eu sou uma garota que gosta muito de música e de cantar, também! Eu até tenho uma banda na internet, só que tem um detalhe confuso, pois ela meio que não tem um nome, sabe? — Rie falava muito animada e de uma forma meio infantil, mas ela teve que se conter.

Após perceber que Jun havia parado de andar por um breve momento, Rie o encarou diretamente. E ela ficou muito confusa com o que viu, pois a expressão na face dele, além de parecer surpreso com a revelação que acabara de descobrir, também parecia ter se assustado? Ela imaginou ter visto uma certa angústia nele, porém devia ter sido coisa da sua cabeça, pois havia se exaltado um pouco demais ao falar do assunto.

Aliás, o comentário seguinte do garoto não demonstrava o que tinha imaginado:

— Nossa… que legal, isso é algo bem raro de se ver…

O tom da voz de Jun parecia um pouco diferente de antes, no entanto, ela finalmente conseguiu encontrar um motivo para essa súbita mudança. Logo quando chegaram na escola, os dois instantaneamente viraram o centro das atenções e, óbvio, a culpa disso era dela.

 

* * *

 

Rie Koike é uma famosa cantora da internet — essa foi uma descoberta que até o momento reverbera incessantemente na mente de Jun. Após terem deixado aqueles soldados comendo poeira em sua fuga, por mais surpreendente que fosse, os dois conseguiram um momento de paz sem armas apontadas nas suas caras. E dentre tudo que falaram, essa informação se prendeu na mente do garoto de uma vez só.

Em conjunto com a chegada deles, a ideia que Jun imaginava originalmente, na qual ele passaria os dias como um colegial comum sem chamar muita atenção, acabou sendo o oposto da realidade. Aliás, agora ele se tratava do garoto que chegou ao campus ao lado de uma das garotas mais populares, como se fossem um casal.

De todo o modo, relevando que no momento ele era alguém que estava no boca a boca dos demais estudantes, isso fez com que uma certa curiosidade a respeito de Rie brotasse em si. Mas por hora, enquanto não tiver a oportunidade de falar com ela de novo, essa questão pode ser deixada para depois.

Nesse momento, ele andava pelos corredores do colégio despreocupadamente enquanto comia um cachorro-quente e falava sobre os ocorridos dessa, nada natural, chegada à cidade. Contudo, por alguma razão misteriosa, o seu ouvinte parecia interpretar seu relato como se fosse um conto de fadas: 

— Você falando até parece um pobre garotinho que acabou de se apaixonar — dizia a sua escuta em risos.

Jun observou ele com o canto dos olhos, tentando não mostrar seu rosto levemente envergonhado, apenas abocanhando sua refeição sem pensar. Ele não se deixaria levar por esse tipo de provocação. Tinha que ser forte.

— Bem, pelo lado bom, acho que nem um One seria louco o bastante para atacar essa escola. Sabe? Isso meio que seria uma proclamação de guerra.

Esse garoto de cabelos azuis de tom escuro e olhos violetas, no qual usava um óculos de borda preta, se chamava Seiji Ikeda. Possuía uma pele levemente mais escura e, comparado a Jun, estava com o seu blazer perfeitamente abotoado e organizado. Tratava-se de um amigo de longa data que foi transferido junto.

— Se bem que seria curioso se isso acontecesse. Imagino qual seria o novo tipo de entretenimento deles… — Jun falava pensativo enquanto mastigava sua refeição.

— Acho curioso você falando de algo trágico como se fosse uma situação engraçada.

— Acontecendo ou não, continua sendo trágico da mesma forma.

— É… Errado não tá.

E os dois continuaram a botar a conversa fora descontraidamente, enquanto andavam pelos corredores do colégio. Esse local possuía uma típica arquitetura moderna, com as paredes feitas de vidro, o chão feito de mármore e a decoração em madeira. Contudo, neste caminho em que interligava um prédio ao outro, no qual os garotos percorriam, a sensação era de que estavam caminhando numa passarela em meio ao ar.

Obviamente, o lado de fora podia ser avistado de onde estavam. Um local repleto de vegetação, com árvores, arbustos e jardins de flores, em conjunto de calçadas ao lado de pequenos riachos e bancos para os alunos se sentarem, aliás, muitos tinham este campus como moradia. E em meio a tudo, a atenção de Jun foi tomada por um duelo de espadas entre dois estudantes numa quadra.

— Não imaginava que a rapaziada já estivesse tão animada com os duelos, logo agora…

— Bem, ninguém quer ir mal nas festas, de qualquer forma.

— Ué? A gente vai ter que dançar?

— Eu sabia! Sabia que iria fazer essa piada. — Seiji fechava o punho com um gesto de comemoração.

Ainda era um pouco difícil de processar para Jun, mas essa era uma escola em que teria que lutar várias vezes ao decorrer do ano. A ideia é que os alunos sejam ensinados sobre combate, desde a infância até o final da adolescência, seja tanto em aulas teóricas como práticas. E a partir desse dia esse será o lugar que ele irá frequentar nos próximos anos.

— De qualquer forma, como isso funciona? Só me falaram pela metade.

— Viu só? Chegar atrasado dá nisso.

— Ei?! Mas eu não tenho culpa disso! Tinha que conseguir vir em segurança de um jeito ou de outro.

De fato, os dois haviam se transferido para esse colégio ao mesmo tempo, no entanto, Jun não conseguiu chegar a tempo da abertura do ano letivo. Portanto, na atualidade ele se tratava de um estudante que chegou uma semana atrasada.

— Bem, pra falar a verdade é bastante simples. O foco dessa academia é nas batalhas e, a principal razão disso, são as tais festas que irão ocorrer durante o ano.

— Por que parece que você está querendo me assustar?

Essas festas na realidade são nada mais do que torneios, ou simplesmente, competições entre os alunos. O motivo por serem chamadas desse nome é pela maneira como os espectadores as veem. Por se tratar de algo em que aura é utilizada a todo momento, elas são vistas como um grande show de fogos de artifícios, graças aos impactos de energia mágica presentes durante os embates.

E no momento isso podia ser avistado ao vivo naquele duelo entre os estudantes. Suas espadas deixavam rastros luminosos e toda vez que se chocavam, criavam explosões de partículas.

— As disputas principais vão ocorrer entre essa e as três instituições restantes na cidade. Mas, obviamente, também vai ter as internas.

Até então, tudo isso que vivenciava era algo completamente novo para Jun. Aliás, quanto morou nesse lugar pela última vez, há seis anos, essa realidade ainda estava no processo de construção.

— E então chegamos ao ponto mais importante. Todos os duelos são feitos em combates de dois contra dois.

— Oh, que dahora…

Jun dá um tapinha no ombro de Seiji.

— Então, vambora?

E o seu amigo apenas deixa escapar em breve riso. Foi como se estivesse rindo da cara de Jun, que entrou num breve pânico interno ao perceber que havia agido precipitadamente, ainda sem entender.

— Bem, não é assim que isso funciona. As duplas são selecionadas pelo próprio colégio e, pelo que sei, sempre são de um garoto com uma garota.

— Tá… agora, eu tô realmente assustado.

— De qualquer forma, por enquanto isso vai demorar pra acontecer. Por hora, eu acho que é bom você recuperar as notas dessa sua última semana de vadiagem, mas não querendo dizer nada…

— Eu já posso pedir arrego?

— Que dramático…

Em reação, Jun dá um leve sorriso de canto e então abocanha o último pedaço do seu cachorro-quente. Ele olha através da parede de vidro mais uma vez. Tudo estava tão limpo e perfeitamente cuidado que sequer dava para imaginar que, se continuasse após os portões de entrada, iria se deparar com uma cidade que parecia abandonada. 

Isso significava que agora estava no topo da sua parte da sociedade, mesmo que, por outro lado, ainda não tenha se acostumado com isso. De certo modo, era esquisito.

Entretanto, seu foco foi tomado por algo em específico.

Sentada num banco em frente a uma árvore rodeada por flores azuis, estava aquela garota de antes. Rie Koike escutava música com seus fones de ouvido enquanto comia uma marmita e, aparentemente, observava a fonte de água adiante. No entanto, ela estava solitária.

Isso era um tanto estranho, aliás, ela era uma das garotas mais famosas da escola. A vocalista de uma banda muito popular na internet. Portanto, o esperado era que, a todo momento, houvesse inúmeras pessoas ao lado dela, ou não? Na realidade, parecia ser o exato oposto, pois os outros sequer chegavam perto dela, e os que passavam a olhavam torto. Parecia que tudo ao redor a julgava sem parar

— Eu não acredito que você já esteja gadando as garotas a esse ponto.

— Ah, não enche — Jun reclama, mas logo parou ao perceber a cara debochada de Seiji — Não é nada disso. Bem, é que aquela dali é a garota que estava falando antes.

— Hmm… — Seiji observa ela com uma cara de análise — Sinceramente, você já cogitou em jogar na loteria alguma vez? Pois não é possível…

Jun dá de ombro e suspirou antes de dizer:

— Tô começando a achar que o gado aqui, na verdade, é você.

— Então você admite que é um?

Ele paralisa ao perceber que, sem querer, havia cavado o próprio caixão. Contudo, tinha uma estratégia infalível para que Seiji não fosse se achando o ganhador dessa zoeira como se fosse o maioral. Apenas o ignoraria esse último acontecimento e o faria se sentir um idiota.

— De qualquer forma, precisamos cumprir com nosso dever logo. Uma nação inteira precisa da gente — Jun dizia em tom sarcástico e debochado.

— E com essa de dever, você queria dizer aula, né?

— Exatamente — Ele estala os dedos e aponta um deles — Já se esqueceu? Somos as incríveis armas da humanidade. A sobrevivência dos Ones depende de nós.

Jun podia falar desse assunto de forma cômica no momento, no entanto, sabia qual era sua realidade. Estava nessa academia para criar esse recurso que morreria no campo de batalha eficientemente, mas que não importava se fossem perdidos, pois, de um modo ou de outro, ainda eram Zeros.

 

* * *



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