Volume 1
Capítulo 1.3: Mundo ilusório
A sala de aula era no formato de um auditório. Ao centro, degraus subiam até o fundo, para as carteiras duplas, enfileiradas a cada cinco. Obviamente, Jun e Seiji se sentaram fazendo dupla. Ter um grande amigo como companhia para falar besteira em meio aos desesperantes momentos de tédio das aulas, deveria ser a melhor coisa, ou pelo menos era o que Jun pensava.
— Antes de tudo, vamos fazer uma introdução para vocês que irão futuramente defender a humanidade das bestas do exterior.
O professor, em que aparentava já ter chegado na terceira idade, estava prestes a começar uma a respeito do controle de aura. A princípio, para Jun não parecia ser interessante, pois ele só veria escutar sobre coisas que já sabe.
— Como já devem estar cientes, a nossa cidade, dentro do domo, possui duas divisões. A primeira delas, no interior das muralhas que contornam a torre, onde vivem os Ones — sendo esses que estava se referindo quando dizia “humanidade” — E no exterior, nos Zeros, que possuem o único dever de protegê-los com nossas vidas.
Jun escorou os braços na carteira e deitou a cabeça sobre eles. Estava prestes a entrar no modo de repouso e apenas escutar o que o velho tinha pra falar.
— Com isso, já dá para entendermos como as armas de aura funcionam. Para os Ones, com suas auras douradas de brilho metálico, onde não há mais nem uma outra com essa característica, são capazes de usar suas armas únicas nas quais possuem um poder drasticamente superior às normais. Sendo essas últimas que nós Zeros, com suas auras de cor sólida e qualquer outro tom que seja diferente das deles, conseguimos usar.
Foi a partir desse instante que, a grande reviravolta aconteceu para Jun. A partir daí, não deixou de prestar atenção no que ouvia, para sua surpresa. Relembrando que essa era uma realidade que, até então, nunca havia vivido antes. Chegava até mesmo a ser um pouco difícil de acreditar que agora existia um lugar assim — feito para ensinar esse tipo de coisas para os jovens, ao invés de só jogá-los para o campo de batalha.
— Caso alguém que não tenha a energia de cor dourada tentar ativar uma arma única, fazendo uma espada sair do seu modo de adaga, por exemplo, nada irá acontecer. E esse é o principal motivo de termos que servir aos Ones, mesmo com equipamentos mais fracos
Na atualidade, já se tornou extremamente incomum de encontrar outros tipos de equipamentos que não fossem esses. Além de serem mais resistentes, ainda permitiam o uso de magia. Simplesmente, o melhor dos dois mundos.
— E eu estou aqui para ensinar vocês a transformar essa fraqueza em poder. E assim, talvez, consigam viver por um pouco mais de tempo quando se formarem.
E, indo nesse ritmo, quando Jun menos pode perceber, o sinal já havia tocado indicando o término das aulas.
— O começo desse ano está sendo uma revisão sem sentido. Não falam nada que eu já saiba — comentou Seiji, guardando suas coisas.
— Bem, pra mim que era proibido de usar a aura, até que está sendo bastante útil.
— Isso é um bom ponto, mas acha que ainda é melhor ficar nisso?
— Eles já sabem disso, então é só uma questão de tempo até virem — falava Jun, se espreguiçando como quem não queria nada.
Os dois então desceram as escadas, indo em direção à saída. Agora não restava mais nada para se fazer na academia durante esse dia, pelo menos para Jun. Seiji ficaria nos dormitórios para os estudantes, quando ele iria para casa. Ele, de fato, possuía uma casa nessa cidade, mas fazia seis anos desde que colocou seus pés lá.
E também, se não fosse aquele desagradável incidente que ocorreu nesta manhã, talvez tivesse tido tempo de ir até lá.
Enquanto isso não acontecia, os dois amigos continuaram andando pelo campus e botando a conversa em dia. Em meio às diversas árvores e canteiros de flores, com calças de mármore e pontes cruzando entre pequenos riachos, eles exploram o lugar. Por todo lugar estava espalhado fontes de águas, bancos e quadras pros alunos duelarem. Esse era um ambiente, de fato, muito agradável para se habitar — até dava uma certa inveja por Seiji viver num lugar assim.
Sequer parecia que esse lugar ficava na cidade exterior, logo após o grande muro que contornava o interior. Agora estava tendo uma oportunidade que jamais sonhara antes que teria. Contudo, é claro, nem tudo era às mil maravilhas que aparentava ser. Ainda terá as festas e batalhas onde eles precisariam arriscar suas vidas.
Mas, de qualquer forma, vamos deixar essa enxurrada de monólogos por um tempo. Enquanto Jun estava meio avoado, submerso nisso, alguém começou a cutucar seu ombro incessantemente… O que diabos Seiji deveria querer?
— Finalmente te achei.
Entretanto, quebrando suas expectativas em uma reviravolta, Jun se deparou com uma figura de cabelos brancos e olhos de um azul muito forte. Uma usava um vestido preto com gola em v de uma saia curta, por cima de uma camisa branca com colarinho, acompanhada de um laço da mesma cor de suas ires. Se tratava de Rie.
— Tem algo que eu queria pedir pra você.
— Ah, oi? — A mente ainda estava processando o fato de repentinamente ter se deparado com essa garota.
Aliás, eram informações demais acontecendo ao mesmo tempo, sem falar que também era muito desconfortável. Todos os estudantes voltaram suas atenções para os dois no instante em que ela falou com ele, como se estivessem presenciando algo raro. Bem, isso deveria ser algo esperado, certo? Aliás, Rie era famosa — a vocalista de uma banda sem nome da internet, seja lá como isso é possível.
O esperável era que os demais garotos, perante a esse acontecimento, vissem Jun com inveja e raiva por estar sendo abordado por uma garota tão bonita — o que faria ele dizer mentalmente: “chupa seus lixos”, se fosse esse o caso. Contudo, por alguma razão, eles apenas demonstraram surpresa. E para completar todo esse conjunto desagradável, vários cochichos em tom pejorativo ressoavam pela atmosfera ao redor.
— Eu quero que você saia comigo — disse Rie de forma confiante.
— Pera, o quê? — O delay mental ainda assombrava Jun.
— Você é surdo? Eu estou te chamando pra um encontro.
Com esse pedido um grande rebuliço começou ao redor deles. No entanto, Jun conseguiu não prestar tanta atenção e voltou seu olhar para o amigo de cabelos azuis ao lado. Seiji se mostrava igualmente em surto.
— Ah, tudo bem. Bora — E assim Jun deu sua resposta, guiado por uma curiosidade a respeito do que isso iria levar.
— Uau, até que você aceitou isso rápido — comentou Seiji em uma feição de análise.
— Bem, acho que você sabe… Quem não arrisca, não petisca.
— Ah, vai te catar, moleque.
Em reação, Jun deu um pequeno sorriso de canto e se virou indo em direção à garota. Seiji acenou com a mão e com uma cara de quem dizia: “você não tem jeito mesmo”, assim, se retirando na sequência. Após respirar fundo, ele então faz a seguinte pergunta para Rie:
— Então, vamos aonde?
Na mente de Jun, a vida discreta como um colegial que pretendia ter, já havia ido para o saco. Portanto, agora não tinha mais nada a perder. Mas e quanto a ganhar? Esse era um caso que iria descobrir em breve.
* * *
Após a pergunta de onde eles deveriam ir, Rie pegou na mão de Jun e puxou quase o fazendo perder o equilíbrio e cair. O garoto cambaleou por alguns segundos e então passou a segui-la normalmente. Ela observou sua face ficar levemente avermelhada, em comparação a energia de convencimento que demonstrava anteriormente.
Provavelmente foi somente para impressionar aquele outro garoto que estava junto dele. “Que imaturo”, eram os tipos de pensamentos que passavam pela mente dela ao ver isso, ao mesmo tempo que achava engraçado e, até mesmo, fofo.
— Ah, bem… Eu vejo que você está meio empolgada… está? Mas, sabe? Aonde que a gente vai ir mesmo? — Ele disse todo enrolado e atropelando as palavras.
— É mesmo, né? — Rie, enfim, se tocou que havia se esquecido desse detalhe crucial — Tem um parque muito bonito que a gente tem que ir.
— Como assim, tem que ir?
— Por que é bonito, ué? Esse lugar é obrigatório.
E assim, os dois caminharam pela cidade, ao menos, isso que chamam de cidade. Calçadas de mármore repletas de musgo e prédios de vidro com trepadeira, como um típico cenário pós-apocalíptico. Exceto pelo fato desse lugar não estar nada morto. Por todas as partes estava repleto de pessoas.
A maioria desta capital era composta por lagos e longos rios, então ter pontes por todos os lados era a coisa mais comum. Durante o caminho eles cruzaram por uma em que possuía uma água muito cristalina abaixo, ao ponto de poder ver os peixes. Um deles chegou a pular para fora d’água, e Jun ficou olhando distraído inocentemente. Ele até chegava a ser adorável quando ficava nesse tipo de postura.
Não era incomum vê-lo se distrair com qualquer coisa ao redor. Rie até ficou um pouco emburrada, aliás, isso era um encontro, não? Então imaginava que iria receber uma dose a mais de atenção. Estava começando a ficar carente, no entanto, estava ciente que ele estava praticamente redescobrindo todo esse lugar, então, tudo deveria ser novidade para ele.
De qualquer forma, para chegarem até o parque onde queria ir, de modo que houvesse algum tipo de emoção no caminho, acabaram optando por pagar as passagens para ir até lá de barco. O que eles pegaram era um pequeno, ao ponto de ter só o cara que controlava, e os dois. Embora o lugar ficasse muito próximo da escola, algo assim era divertido de se fazer.
No meio do caminho, eles pararam no lado de um vendedor e assim compraram um picolé, um daqueles de dividir em dois. Jun o repartiu e ofereceu para ela.
— Olha só, nós já estamos quase chegando — disse Rie apontando com uma mão, enquanto a outra estava ocupada para fazê-la tomar o picolé. Estava muito bom… até que Jun tinha bom gosto para os sabores.
— Ohh, que legal… é mais bonito do que eu imaginava.
— Não é? Eu sei mesmo como impressionar alguém no primeiro encontro — ela falava enquanto terminava de tomar, sem perceber que estava agindo de modo infantil. Mas de todo o modo, pouco importava, pois estava contente.
— Ah, tá… — Jun falava em deboche, dando risos no final.
E assim eles aterrissaram de volta à superfície. Jun estendeu a mão para ajudá-la a levantar e acenaram para o cara do barco antes de irem embora. Rie estava animada para mostrar esse lugar para ele, mas foi quando reparou em algo.
Jun desviou seu olhar para uma mãe com seus dois filhos, que pareciam ser da mesma idade brincando num parquinho. Os olhos dele ficaram trêmulos por um instante.
— Ué, algum tipo de sentimento nostálgico acabou despertando em você? — Ele fez essa pergunta, se inclinando para frente, deixando seu cabelo cair levemente, o olhando diretamente no rosto com um sorriso sapeca.
— Tipo isso, algo assim… Eu costumava brincar desse jeito quando criança…
— Ohh!! Que legal! — Os olhos dela começaram a brilhar — Eu adoraria escutar as histórias das incríveis aventuras do pequeno Jun!
— De fato, elas foram muito incríveis, mas acho melhor te poupar dessas histórias por enquanto, pois acredito que não esteja preparada para tamanha emoção — Ele falava enquanto girava seu dedo em círculos orgulhosamente.
Rie cruzou os braços, fez beiço e então disse:
— Ei!? Isso não é justo! A única que pode provocar você aqui sou eu!
— Que estranho… Pensei que era o contrário… — O garoto apoiava sua mão no queixo em uma postura de análise, enquanto a encarava.
— É? Então me provoque mais, se for capaz… — Um olhar provocativo surgiu na face de Rie.
De um segundo para o outro, o rosto de Jun tornou-se vermelho de uma vez. A garota deixa escapar alguns risos. Ela estava se divertindo e muito com a situação, no entanto, a próxima atitude de Jun a deixou sem reação.
— Perfeito, então pode deixar que farei você ter o encontro mais inesquecível, toda a sua vida — Ele pega na mão dela e começa a levá-la para dentro do parque — Não vai dar três minutos e você vai ficar toda derretidinha de paixão por mim.
— Olha só — Ela dizia enquanto dava risadas. Por mais que um lado dela estivesse surpresa por o garoto entrar na mesma zoeira que ela, o outro estava muito contente em ver que Jun não estava levando tudo isso na malícia.
Ela estranhava claramente o fato de estar conseguindo agir tão livremente com um garoto que recém estava conhecendo melhor, mas até que estava gostando. Fazia muito tempo em que não conseguia esquecer de seu interior quebrado e se divertir tanto.
No entanto, enquanto Rie pensava no próximo ataque a fazer, nessa guerra de quem conseguia provocar mais, não teve como ela deixar de reparar algo. Mesmo que por um instante, Jun voltou seu olhar de volta para aquela família. Qual seria o tipo de lembrança que aquela cena o fez se recordar? De todo o modo, seja o que for, no momento ela estava mais interessada em curtir esse encontro.
Teria a mesma mentalidade que Jun, ao aceitar o seu convite de sair, aliás, como era mesmo? “Quem não arrisca não petisca”, certo? Não podia perder a oportunidade de conhecer o garoto que ela tanto estava curiosa a respeito, embora essa não tenha sido a intenção original de ter o trazido até aqui.
* * *