Volume Único

Capítulo 4

O sol mal tinha despontado no horizonte quando Balalaika entrou em seu escritório na sede da Bougainvillea Trading, e imediatamente seu rosto se congelou em uma máscara de fúria. A razão para sua ira era evidente: sentada em sua cadeira, fumando um de seus caros charutos cubanos, parecendo como se fosse a dona do lugar, estava Tatiana Yakovleva.

- ...Será que você não quer ninguém além de si mesma sentada nesta cadeira, camarada Balalaika? Tatiana perguntou, sorrindo de forma desarmante. No entanto, parecia que ela se lembrava de ter seu colarinho agarrado pelo aperto de ferro de Balalaika, pois rapidamente se levantou da cadeira e se afastou para uma distância segura.

- Ou talvez, sua irritação surja do fato de que toquei em suas posses? Embora, se não me engano, este charuto tenha sido comprado com os lucros da organização.

- O que me irrita mais do que qualquer coisa é a visão do seu rosto, Cheka. Faça sua escolha. Você pode sair desta sala com seus próprios pés ou ser transportada para fora dela em uma maca.

Sua voz era fria demais para suas palavras serem uma ameaça vazia; Balalaika quase parecia esperar que Tatiana escolhesse a segunda opção. Mesmo assim, o sorriso sombrio de Tatiana permaneceu, segura no conhecimento de que estava fora do alcance imediato de Balalaika.

- Posso perguntar por que você é constantemente tão agressiva? Eu poderia estar oferecendo a ajuda que você precisa.

- Se você realmente acredita nisso, precisa ver um psiquiatra, sua espiã de duas caras.

- Não te mataria acalmar-se um pouco quando você está em apuros, camarada.

Uma atmosfera de tensão mortal encheu a sala. Balalaika manteve seu silêncio, seu olhar ameaçador prometendo uma dor sem precedentes, enquanto Tatiana continuava calmamente.

- Me dói ser vista como uma agente dupla, mas suponho que seja um fardo que devo carregar. Sempre foi minha missão detectar as preocupações que meus camaradas possam estar guardando em seus peitos e oferecer-lhes salvação antes que fosse tarde demais.

- O papel de um pai com uma filha adolescente. Você realmente acha que vou acreditar em qualquer uma das suas besteiras?

-...Então me deixe perguntar isto. Como você vai concluir o caso de Stanislav Kandinsky? Tatiana finalmente revelou sua melhor carta. O olhar de Balalaika ficou mais afiado do que nunca antes.

- Cheka vadia...

- Vocês, soldados, sempre tentam resolver seus problemas com balas. Ou matam seu antigo companheiro de armas, ou viram suas armas para fora contra tudo para protegê-lo... Essa é a única escolha que vocês têm? Uma triste verdade, devo dizer... embora, se fosse eu, poderia cuidar da situação de uma maneira muito mais flexível, disse Tatiana, observando cuidadosamente a expressão de Balalaika por trás de seus óculos quadrados.

- Nós remanescentes da KGB, ainda temos nossas conexões das redes de informação levantadas durante a Guerra Fria, são nossas maiores armas. E nosso valor reside no fato de que podemos controlar e criar verdades e falsidades à vontade. Mudar o paradeiro ou o status de uma única pessoa está bem dentro do nosso poder. Transportá-lo para fora de Roanapur ou até mesmo incriminar outra pessoa pelo ataque aos Zaltzman seria brincadeira de criança. O que acha, camarada? Entende agora como minha ajuda pode ser valiosa?

- ...Que piada, Balalaika disse, desprezando a oferta de Tatiana com um sorriso cínico.

- Sua audácia realmente não conhece limites, Cheka. Qualquer ajuda oferecida por seu tipo nunca é nada mais do que uma isca armada para suas armadilhas patéticas. Se você realmente pensou que eu morderia a isca, deve ser mais delirante do que eu imaginava.

- ...

Tatiana não respondeu, escondendo seus sentimentos atrás de uma máscara inexpressiva. Mas, quando Balalaika puxou uma pistola de dentro do casaco, a ex-KGB começou a suar profusamente.

- Há uma coisa sobre a qual estou curiosa, suka. Onde você ouviu o nome Stanislav? Isso é algo que eu gostaria muito de saber.

- ...Você está realmente pensando em me atirar? Esqueceu que fui enviada aqui por ordens de Moscou?

- Uma medida necessária para prevenir o vazamento de informações. Ah, claro, eu não sonharia em entediá-la com ameaças vazias e sem sentido.

Balalaika sorriu enquanto apontava o pesado cano da Stechkin para Tatiana, sua expressão era a de um diabo embriagado pelos vapores cruéis da violência.

- Vou atirar até você implorar para falar. Primeiro suas rótulas, depois seus dedos, um por um... Hmm, o que devo atirar em seguida? Ainda terei oito balas restantes.

Era uma declaração que faria qualquer bandido de rua se molhar de medo, mas a sagacidade e coragem de Tatiana ainda não haviam declarado rendição. O sorriso que ela mostrou a Balalaika não era totalmente um blefe, embora sua voz saísse como pouco mais que um sussurro.

- Naturalmente, quem me contou sobre o Sargento Júnior Stanislav foi alguém com quem você compartilhou o segredo.

- ...Um membro dos Vysotniki?

- Oh? Isso é surpresa que detecto no seu tom? Certamente você entende que há aqueles entre os seus que têm uma cabeça sensata sobre os ombros. Eles, pelo menos, sabem o quanto têm a ganhar ao se aliarem conosco, ex-KGB.

Traição, apunhaladas pelas costas... Estes, acima de tudo, foram os instrumentos que a KGB usou para manter a grande União Soviética sob controle, e eles foram surpreendentemente eficazes em manter o sistema totalitário da URSS funcionando. Mesmo nos dias de hoje, não há agências no mundo tão adeptas quanto a KGB em persuadir supostos aliados a se voltarem uns contra os outros.

Era difícil acreditar que um dos inabaláveis Vysotniki cairia nas mentiras doces da KGB, mas era um fato que Balalaika havia dado uma ordem especificando que apenas os Vysotniki deveriam saber que Stanislav Kandinsky estava em Roanapur.

- O nome deles?

- Eu não poderia lhe dizer nem se quisesse. Há minha segurança a considerar, afinal, disse Tatiana. Balalaika entendeu perfeitamente o que ela quis dizer.

 

- Você vai atirar? Pode imaginar o que aconteceria se você apertasse o gatilho? Nosso informante misterioso não assumiria que você sabia deles assim que soubesse que fui torturada? Claro, como membro dos gloriosos Vysotniki, tal pessoa nunca seria tão fraca a ponto de sentar e esperar placidamente pela morte. Pelo contrário, eles provavelmente agiriam antes que você viesse cobrar o preço por sua traição... Em outras palavras, você teria um potencial traidor completamente anônimo entre suas fileiras.

- ...A maneira como você, Cheka, fala incessantemente nunca deixa de me surpreender. Eu mandei você falar, não tagarelar. Ou isso é a sua maneira de implorar pela vida?

- Não, isso é um aviso. Se você quiser me matar, faça isso depois de encontrar o espião entre seus soldados sozinha. E até lá, não dê nenhum sinal de que sabe que algo está errado.

- Hmph, você deveria ter simplesmente aceitado sua morte, disse Balalaika com um resmungo, baixando a Stechkin. Uma soldada endurecida como ela nunca apertaria o gatilho apenas por sentimentos pessoais, especialmente não quando tal ameaça se apresentava. Mas isso não significava que as chamas de sua raiva haviam sido extintas, na verdade, elas haviam se comprimido, guardadas em antecipação de uma explosão ainda maior por vir. Suas feições em branco, completamente sem expressão, serviram para desestabilizar Tatiana mais do que qualquer birra raivosa.

- Você vive para ver mais um dia. Mas saiba que desta vez, você se tornou verdadeiramente minha inimiga. Vou fazer você desejar ter morrido facilmente hoje.

- ...Não se esqueça de que você tem tarefas diante de você que poderia estar cuidando, em vez de desperdiçar sua energia me ameaçando.

Com a arma fora de vista, Tatiana parecia recuperar um pouco de sua compostura, o sorriso sombrio voltando a aparecer em seu rosto.

- Você não precisa me lembrar. A questão de Stanislav será resolvida hoje. Tenho um encontro com Chang ao meio-dia de amanhã, no Golden Swinging Nightclub, e seria uma marca no meu orgulho vê-lo com este problema ainda não resolvido.

- ...Entendo.

Balalaika teria notado a luz sombria que de repente brilhou nos olhos de Tatiana?

- Agora, saia da minha vista. Se eu tiver que olhar para o seu rosto por mais tempo, sinto que vou ceder aos meus impulsos e estrangulá-la até a morte com minhas próprias mãos.

- Como desejar. Hoje será um dia ocupado para você, afinal.

Tatiana acenou educadamente e saiu do escritório. Sozinha na sala, Balalaika olhou pela janela para a luz tênue filtrando pelas cortinas enquanto o novo dia nascia sobre Roanapur.

Seu olhar era como o do lendário basilisco, ameaçando destruir tudo o que encontrasse.

Os itens recuperados da batalha da noite passada estavam espalhados sobre a mesa de Chang, no escritório do CEO da Rehe Pictures, Inc.

Cartuchos de três pistolas diferentes e um rifle. Revy havia testemunhado sobre quem disparou o quê, então não havia necessidade de investigar isso. O verdadeiro problema estava nos objetos bizarros ao lado dos cartuchos usados, completamente alheios a qualquer tipo de tiroteio.

Dois shuriken em forma de estrela. Onze caltrops.

A expressão de Chang, enquanto ele os observava, era de extremo desconcerto, como a de um homem que revirou seu próprio armário e encontrou algo extremamente inesperado.

- O que me intriga mais do que qualquer coisa é que, mesmo tendo enviado você e a Revy, temos mais aliados mortos do que inimigos mortos.

Shenhua, que estava parada silenciosamente diante dele, abaixou a cabeça como se as palavras de Chang a tivessem envergonhado.

- A culpa é inteiramente minha. Eu subestimei estupidamente o inimigo e dividi nossas forças.

Ela podia conversar com Chang em cantonês. Livre das restrições sufocantes do inglês, a voz de Shenhua carregava um carisma sedutor que complementava perfeitamente sua beleza natural.

- Ele era realmente tão bom quanto você diz? Esse... ninja, quero dizer.

- Se eu o encontrasse novamente, tiraria meus saltos altos, respondeu Shenhua, com um espírito combativo ardendo em seus olhos.

-...Hmm.

Shenhua sempre usava saltos agulha com mais de cinco centímetros, não importava a situação, apesar de ser uma duelista de lâminas que, por necessidade, tinha que se esforçar fisicamente regularmente. Chang sabia muito bem que ela não os usava apenas para parecer bonita.

A verdade é que ela havia adotado o uso do calçado incômodo como uma forma de manter seu aguçado senso em Roanapur, onde as chances de enfrentar um indivíduo habilidoso em artes marciais eram mínimas. Para Shenhua declarar que tiraria seus saltos altos significava que ela estava absolutamente séria.

- ...Eu não duvido de você. Sei o quanto você valoriza seu orgulho. Alguém como você me dizendo tão francamente que ele é uma verdadeira ameaça me faz tremer mais do que qualquer história de terror.

Shenhua estava em boa posição não apenas com Chang, mas com toda a filial tailandesa da Tríade. O conhecimento de que ela havia sido completamente dominada por um homem, apesar de ter três aliados ao seu lado, forçou a Tríade a reavaliar a ameaça representada pela equipe de assalto Zaltzman. Na verdade, esse novo conhecimento eliminou quaisquer dúvidas sobre a confiabilidade da Companhia Lagoon, pois Revy havia derrubado dois desses formidáveis inimigos sozinha na noite passada. Até os membros da Black Society não tiveram escolha senão reconhecer o valor de Two Hands, pois ela se lançou de frente contra um inimigo para o qual até Shenhua estava mal preparada.

- Mas honestamente, um ninja...

Agora que pensava nisso, Dutch mencionou hesitante ter sido atacado por "algum tipo de pessoa ninja" na noite anterior à última. Com tantos testemunhos confirmando sua existência, a ameaça não podia ser negada. Mas...

Chang pegou um dos shuriken da sua mesa e o encarou, questionadoramente.

- Shenhua. Você já ouviu falar de ninjas lendários usando armas gravadas com iniciais?

- ...Isso também me incomodou.

As letras "OMC" estavam estampadas no meio do shuriken. Ao examiná-lo mais de perto, o metal parecia ter uma fabricação barata, e as letras chamativas pareciam mais um tipo de logotipo de empresa do que iniciais de uma pessoa.

- Esta é apenas uma teoria, mas... armas como essas podem ser do tipo de brinquedos vendidos para fãs. Talvez o ninja as tenha comprado, gravado sua marca nelas e as afiado para usar.

- Você está sugerindo que nosso verdadeiro guerreiro das sombras, direto dos livros, comprou o tipo de brinquedos que se encontra em anúncios baratos de revistas?

- ...Sim, você está certo, é ridículo. Não sei o que estava pensando. Esqueça que eu disse qualquer coisa.

- Bem, não. Veja... Hmm...

Chang inclinou a cabeça de um lado para o outro, como se ponderando se deveria ou não expressar seus pensamentos, e finalmente murmurou:

- Veja... Não consigo deixar de sentir que já vi esse logotipo em algum lugar antes.

Rock retornou ao escritório após uma ida ao mercado e encontrou Revy e Benny trabalhando arduamente e, estranhamente, de bom humor.

- ...O que vocês dois estão fazendo? Rock perguntou, apesar de si mesmo. Sua curiosidade era compreensível, pois a atmosfera tensa que havia se instalado no escritório da Companhia Lagoon ultimamente não estava em lugar algum.

- Heheh. Bom, o Benny aqui teve uma ideia legal para sacanear aquele idiota do Jake.

O sorriso de Revy, que se tornara uma visão rara recentemente, era tão brilhante e claro que se tornava perturbador. O cheiro forte de tinta acrílica agredia o nariz de Rock, e ele se aproximou para ver que ela estava trabalhando duro pintando algo que parecia vagamente com uma pistola.

- A Revy disse que ajudaria com meu novo monitor, então decidi arregaçar as mangas e tentar isso, disse Benny. E seu sorriso, assim como o de Revy, era incomumente amplo e inocente... Embora considerando que ele era o tipo de cara que podia usar o mesmo sorriso enquanto hackeava um banco de dados militar, as aparências poderiam enganar. Na verdade, embora seu sorriso fosse o de um jovem, seu olhar enquanto ele encarava seu monitor de backup de 15 polegadas, digitando linha após linha de código, era mais como o de uma besta perigosa.

Rock colocou cuidadosamente as sacolas que estava segurando na mesa, seus instintos dizendo-lhe para estar atento. Quando o telefone escolheu aquele momento para tocar, Rock foi o único com as mãos livres para atender a ligação; os outros dois nem sequer haviam levantado os olhos do trabalho.

- Alô, Companhia Lagoon. Como podemos a-

- Yo, sou eu, Rowan! E quem é que ouço do outro lado além do meu bom amigo Rock? E aí, mano? Conseguindo alguma gata recentemente? Heh?

A voz animada e estridente do outro lado pertencia a ninguém menos que Rowan "Jackpot" Pigeons, proprietário do maior teatro de striptease da cidade, localizado na Rua Rachada. A Companhia Lagoon às vezes entregava mercadorias para o teatro dele, mas até onde Rock sabia, eles não tinham nada que pertencesse a ele naquele momento.

- Sabe, Rock, tenho que dizer que você sempre soa dominado. Por que você não desce aqui e relaxa um pouco? Na semana passada, peguei duas gatas suecas maravilhosas que poderiam usar um pouco de carinho...

- No, não, está tudo bem, realmente. Err, posso saber por que está ligando? O Dutch não está aqui no momento...

- Não, tenho negócios com sua piratazinha, Rebecca. Chame ela, vai?

- Hã? Uhh...

Rowan havia solicitado Revy várias vezes a possibilidade de um show de SM ou dois no passado, mas ela invariavelmente respondia com um convite educado para enfiar onde o sol não brilha. Ainda assim, ele nunca havia ligado antes, preferindo fazer suas ofertas pessoalmente.

- Ei, Revy, Rowan ligou. Diz que está te procurando. O que devo dizer a ele?

- Hmm? Oh, eu estava esperando por ele. Estou um pouco ocupada agora, então me dê aquele telefone ali, no viva-voz, disse Revy, mostrando uma boa disposição inesperada. Rock alterou o pequeno telefone para a configuração de alto-falante e o colocou na frente dela, o pressentimento sombrio pairando sobre ele crescendo a cada momento.

- Ei, Jackpot. Como vão as coisas por aí?

 - Tudo pronto! Eu afastei todos os outros shows, então o seu será o evento principal de hoje à noite! Eu aumentei os preços em trinta por cento e já estou com ingressos esgotados!

Rowan subitamente se acalmou, quase soluçando pelo alto-falante.

- ...Revy... Eu... Eu não sei o que dizer. Você não sabe quanto tempo esperei por esse dia... Você finalmente vai fazer um show para mim!

Rock quase gritou de surpresa, mas Benny não mostrou mudança na expressão. Talvez ele já soubesse.

- Olha, estou fazendo isso apenas uma vez, entendeu? Estou falando sério. E se você me filmar, vou te dar um tiro. Só minha equipe vai tirar fotos. Entendeu?

- Claro, claro. Você acha que sou louco? Vou reservar um dos lugares na primeira fila para mim, sentar e aproveitar o show!"

- Hmph. De qualquer forma, e o ator que eu pedi?

- Heheheh, fico feliz que tenha perguntado. Consegui o gordo mais filho da mãe que você já viu, exatamente como você queria! O chamam de Baleia Suada, e ele é um verdadeiro escandaloso. Por que até ouvi dizer que ele é um pouco celebridade em, uhh, certos círculos.

- Heh, estarei ansioso para conhecê-lo. Vou recompensar você.

- Claro! Coloquei meus melhores em charge das luzes de palco e dos efeitos especiais! Hoje à noite será a maior noite da minha vida!

Revy resmungou. 

-Fico feliz em ouvir isso. De qualquer forma, nos vemos às dez da noite.

- Estarei esperando, querida!

Rock ficou inquieto por alguns minutos depois que Revy desligou, sem saber o que dizer.

- ...Revy, você não disse que preferiria morrer antes de aceitar as ofertas do Rowan?

 - Hã? Ah, bem, acho que você pode dizer que tive uma pequena mudança de coração.

Revy sorriu de orelha a orelha, incapaz de conter sua alegria. Na verdade, era evidente que ela estava reprimindo o desejo de rir alto. Pela experiência de Rock, as únicas coisas que Revy apreciava tanto assim eram massacres sangrentos, mas...

- Ei, Rock, por que você não vem assistir também? Vou dizer ao Rowan para arrumar um lugar na primeira fila para você... Embora, não posso garantir que você não pegue um novo fetiche ou dois até eu terminar.

- O quê... do que você está falando?

Revy como uma mestra do SM... A imagem mental não era difícil de evocar. Afinal, não era necessário fazer muitos ajustes em relação à forma como ela normalmente agia. Não, talvez apenas um pouco de maquiagem e alguma atuação sensual...

Deixando Rock a refletir sobre suas fantasias, Revy virou-se para Benny e mostrou a ele o fruto de seus esforços.

- Ei, Benny. Isso está bom?

"Isto" era um bloco de algo, que havia sido esculpido grosseiramente em forma de arma e pintado de prata, evocando uma sensação de déjà vu em Rock. Ele pensou por um momento e logo percebeu que era uma imitação da amada arma de Jake, a UC Custom.

- Sim, parece bom. Vou retocar as fotos de qualquer maneira, então você não precisa replicar todos os detalhes.

- Heheheh, entendi. Estamos prontos, então.

Revy girou a arma falsa habilmente em volta do dedo no gatilho, pegou um Lucky Strike de sua carteira de cigarros e acendeu.

- Revy! Você acabou de usar thinner de tinta, lembra? Você tem que ventilar o quarto antes de fumar.

- Não seja um covarde. O que, você acha que uma faísca vai explodir o quarto ou algo assim? Nós não estamos sentados em um barril de pólvora, cara.

- ...

Rock se sentiu excluído, incapaz de entrar na conversa, mas se viu relutante, até um pouco com medo, de perguntar sobre o que eles estavam tramando.

- Umm... Bem, acho que vou levar algumas dessas coisas para o barco. Eu volto em breve.

- Hã? Qual é a pressa? Pegue um pedaço antes de ir pelo menos. Vamos, ainda tem um pouco de pizza sobrando.

- Obrigado, mas vou passar. Não estou realmente com vontade de comer nada gorduroso agora. Vou pegar algo no caminho.

Depois de dar suas desculpas frágeis, Rock saiu do escritório e voltou para o Plymouth Road Runner que tinha deixado estacionado ilegalmente do lado de fora. Ele parou antes de colocar a chave na ignição, apoiando-se contra o volante por um segundo e pensando em como Revy pareceria naquela noite.

- Um show de SM... hum...

Revy o tinha convidado para ir assistir, mas ele tinha suas reservas.

Ele estava curioso, concedido, mas de alguma forma ele sentia que se ele realmente fosse, acabaria atormentado por sonhos estranhos por um bom tempo depois. Felizmente, ele ainda tinha algum tempo até as dez da noite. Ele poderia pensar sobre isso enquanto voltava para o escritório.

O dia abafado finalmente terminou, o horizonte oeste brilhando com o profundo carmesim do crepúsculo. O porto de Roanapur ficou deserto, as pessoas que ganhavam a vida ali tinham ido embora para o dia.

Balalaika ficou sozinha nos cais, olhando para o mar tingido de dourado, o vento marítimo acariciando seu rosto.

O prazo das seis horas que ela havia dado para Stanislav Kandinsky já havia passado há muito tempo. Mas ela não se moveu um passo do lugar onde estava, seu olhar azul-gelo nunca vacilando diante do sol poente.

Ela nem sequer se virou ao ouvir passos medidos descendo o cais em sua direção.

- ... Foi deixada para trás por algum sujeito grosseiro, vejo?

Chang Wai-San parou ao lado de Balalaika, seu casaco aberto balançando preguiçosamente ao vento.

- E você? Não achei que poderia se dar ao luxo de estar por aí abertamente assim.

- Você está certo, mas pensei que uma mudança de ritmo seria boa. Às vezes, um cara só precisa parar o trabalho e conversar com mulheres bonitas. E com um pôr do sol incrível como este como cenário, como eu poderia resistir?

Balalaika tirou um Parliament e acendeu, sorrindo sarcasticamente para a piada de Chang.

- Suponho que o cenário possa atender aos seus padrões, mas quanto aos outros critérios, devo admitir alguma ceticismo. Nem sei se você e eu compartilhamos algum interesse em comum fora do nosso trabalho.

- Você tem um ponto, disse Chang, apertando de leve um cigarro Gitanes entre os dentes enquanto se apoiava em um corrimão.

- ... Nesse caso, o que você acha de falarmos sobre algo que é trabalho para mim, mas não tem nada a ver com você? Tudo o que você tem que fazer é me ouvir resmungar sobre o meu dia.

- Isso soa bem.

Chang acendeu seu Gitanes em vez de uma introdução. Ele deu uma tragada lenta e pensativa, então começou a falar.

- Você pode ter ouvido que tenho sido incomodado por algumas pragas estranhas ultimamente. Por que, apenas ontem à noite, recebi uma dica me dizendo onde era o ninho delas e enviei algumas pessoas para cuidar disso... mas você sabia, aquele ninho estava no lugar mais estranho. Era uma fábrica abandonada, completamente deserta, mas quando levantamos as tábuas do assoalho, havia toneladas de armas, munições e rações embaixo. Uma montanha de Kalashnikovs, o suficiente para uma companhia de soldados começar uma guerra.

- ...

O silêncio de Balalaika o encorajou a continuar.

- Ouvi dizer que o Vietcong costumava enterrar essas armas nos sulcos de seus arrozais, mas essas estavam embaladas individualmente em caixas de madeira, untadas e amortecidas com serragem. Então, pensei em quem nesta cidade poderia se importar tanto com Kalashnikovs, e... Bem, acho que nem preciso te dizer a resposta, né?

Balalaika optou por poupar-se do trabalho de responder. Assim como Chang suspeitava, aquelas armas haviam sido de fato escondidas ali pelo Hotel Moscow.

No caso improvável de os Vysotniki perderem sua posição na cidade de Roanapur, cada membro havia sido instruído a escapar dos limites da cidade e então se reunir em pontos de encontro predeterminados. Havia várias armaria em lugares ao redor da cidade que haviam sido preparadas antecipadamente para tal evento, e a fábrica abandonada escolhida por Jake e seus aliados era uma delas.

- Uma seleção absurda de assassinos, um plano cheio de falhas. Uma dica que surgiu exatamente na hora certa, e pistas do Hotel Moscow a cada esquina... Bem, me sinto um pouco insultado com a sugestão de que somos burros o suficiente para brincar com esse tipo de cenário.

- Hmph. Não muito perdoável com o dramaturgo, hein? Chang deu de ombros, olhando sem rumo para o mar.

- Eu sei como você trabalha. As únicas pessoas nesta cidade que conhecem melhor seu modo de operação do que eu estão descansando seis pés abaixo do solo. Por isso, posso ter certeza de que você nunca planejaria algo tão idiota. Isso é apenas uma espécie de jogo feito por alguém que quer te encurralar.

Sua observação não era uma revelação para Balalaika. O lado esquerdo de seu rosto, ainda bonito e imaculado, não traía emoção alguma.

- Então, sobre aquele alguém desconhecido que roubou seu barco e direcionou meus supostos assassinos para um de seus esconderijos. Você considerou que eles poderiam ter armado a isca em sua própria porta?

- Por mais que me envergonhe admitir, você pode estar certo.

Chang hesitou diante da confissão franca de Balalaika, como se debatendo mentalmente se deveria continuar. Finalmente, ele disse:

- Mas o que mais me incomoda é a isca que nosso pescador está usando. Olha só, Fry Face. Por quem você estava esperando aqui?

Balalaika manteve os olhos no pôr do sol, um pequeno sorriso erguendo seus lábios para cima.

- Certamente você está fazendo muitas perguntas para alguém que diz estar falando consigo mesmo, Chang. Eu pensei que tudo o que eu tinha que fazer era ouvir? Ou talvez isso faça parte do negócio como de costume?

- Não, claro que não. Apenas pense nisso como um homem desajeitado bisbilhotando o passado de uma mulher que deveria ser deixada em paz.

- ...

Eles ficaram em silêncio por um tempo, ambos observando distraídos a fumaça do cigarro se dissipando na brisa.

- O atirador sobre o qual o Dutch falou... é um dos seus? Chang quebrou o silêncio primeiro, e Balalaika assentiu.

- Nós uma vez seguimos o mesmo caminho. E como nós, ele perdeu seu lugar para morrer.

- Você conversou com ele?

- Se ele tivesse vontade de se entregar, teria aparecido aqui antes do pôr do sol. Acho que fui dispensada.

A questão finalmente veio à tona, provocada por uma conversa cuidadosa. Ainda assim, Chang não estava satisfeito.

- ...Então, o que você vai fazer?

 - Terei que cumprir meu aviso.

Não havia necessidade de Balalaika explicar o que esse aviso implicava, nem qualquer necessidade de Chang perguntar.

- Está claro que perder Chang Wai-San não seria benéfico para nós também, considerando o equilíbrio de poder em Roanapur. Ainda mais se estivermos implicados na situação.

- É bom ouvir isso.

Ao contrário de anos atrás, quando Hotel Moscow e a Tríade haviam lutado com unhas e dentes pelo controle de Roanapur, havia outras organizações na cidade como  os colombianos e os italianos,  prontas para aproveitar qualquer oportunidade. No caso de uma batalha aberta, mesmo o vencedor sairia muito prejudicado, e era certo que as gangues menores escolheriam esse momento para atacar antes que pudessem se recuperar. Para os dois superpoderes igualmente equiparados de Roanapur, qualquer coisa que pudesse resultar em conflito real tinha que ser resolvida rapidamente e de forma decisiva.

- Mas aqui está a questão. Seja qual for a sua relação com ele, o fato é que perdemos quatro de nossas pessoas. Isso é mais do que suficiente motivo para buscarmos retaliação. Você não precisa morder a isca. A ira de Taishan Fujun cairá sobre aqueles que conceberam esta farsa de peça.

Balalaika arqueou uma sobrancelha apesar de si mesma, incapaz de esconder completamente sua surpresa com essa proposta inesperada.

Se toda essa situação realmente fosse resultado de uma luta interna de poder dentro do Hotel Moscow, a Tríade de Chang era nada mais do que um inocente espectador que havia sido envolvido na violência. Nesse caso, seria mais fácil para Chang exigir algum tipo de compensação.

- ...Se deixasse isso para nós, você não teria que se esforçar, e poderíamos eliminar qualquer suspeita sobre animosidade entre nós. Isso não seria melhor para você?

- Se estivéssemos falando sobre trabalho, é claro. Mas veja, tudo o que estou fazendo é apenas ser um tipo de cara desajeitado.

O tom de sua voz era leve e arejado, mas os olhos de Chang atrás dos óculos escuros estavam completamente sérios.

- ...Olhe, Balalaika. Somos bandidos, as hienas do mundo. Se torcêssemos o nariz para carne podre, morreríamos de fome. Mas, por outro lado, não deveríamos precisar comer essa carne podre se não precisássemos.

- ...

- Ter que matar um velho amigo... Não consigo pensar em carne mais podre do que essa. Se você tivesse que fazer isso para sobreviver, suponho que teria que fechar os olhos e dar uma mordida. Mas se quiser vomitar, então faça. Até mesmo os cachorros sabem fazer isso.

- O que você está tentando dizer, Chang?

- Sente-se e observe, Balalaika. Este é um problema que a Triad resolverá. Você apenas prepare as flores de condolências.

Balalaika riu de repente, como se não pudesse mais conter sua alegria.

- Que delicado de sua parte. É por isso que você nunca se livrará de seu apelido, Babe.

- Fry Face...

Chang parou, engolindo suas palavras. Algo na qualidade da risada de Balalaika o fez parar.

- Chang, por que você acha que estou ainda aqui? O horário prometido passou, e eu não tenho mais negócios aqui. Então por que, você supõe, ainda estou aqui sozinha?

- ...

- Pensei comigo mesma que queria aproveitar este glorioso pôr do sol por mais um tempo. Não é como eu, eu sei. Mas é que estou tão feliz. Eu quase quero propor um brinde em celebração. Porque ele não veio.

Talvez seus olhos não estivessem olhando para o mar do sul, mas sim para a terra árida de uma terra distante. Uma terra manchada de sangue muito mais escuro do que a luz do sol poente... A pátria onde sua loucura nasceu.

- Ele escolheu continuar sua luta em vez do conforto da segurança ignóbil através da rendição. Mesmo aqui, nos becos dos infernos, ele escolheu avançar, inabalado. Ele é um de nós. Mesmo agora ele sonha os mesmos sonhos sangrentos, nossas almas como uma... Ah, é apenas agora que posso finalmente me regozijar na alegria do reencontro. Nos separamos por um tempo, e acabamos em lados opostos. Mas isso é tudo. Temos sonhado os mesmos sonhos, lutando para morrer no mesmo caminho.

Agora, o som da risada de Balalaika era inconfundível, a festa de um dos habitantes do inferno. Era o tipo de riso que pertencia a alguém que desfrutaria de rios de sangue, alguém que receberia o toque do enxofre e da pedra-pomes.

- É por isso que não posso deixar você tê-lo. Eu vou realizar o desejo dele. Vou saciar sua sede. Vou abençoá-lo e enterrar seus sonhos. Chang. Você disse que isso era um pedaço de carne podre e fétida, mas para nós, não é nada menos que um buffet requintado. Ele e eu, ambos estamos tentando realizar nossos ideais neste lugar. A vontade de lutar, e morrer lutando, corre em nossas veias.

Chang, que estava ouvindo sem comentar, olhou distraído para o longo palito de cinza que tinha sido seu Gitanes e murmurou,

 - ...Isso é loucura. Você está dizendo que é...

- Exato. Somos ainda piores do que bandidos. Não pense em nos julgar por seus padrões.

O sol desapareceu no horizonte, e o mar começou a escurecer com a cor da noite. Impulsionado pela brisa do mar, agora gelada, Chang se endireitou e jogou a ponta do seu Gitanes no oceano.

-Peço desculpas. Realmente acabei com o clima.

- Tudo bem. Às vezes é bom falar sobre algo que não seja trabalho, para variar.

Chang ergueu uma mão em despedida sem olhar para trás enquanto saía do cais. Deixada sozinha e olhando para as costas dele, o olhar de Balalaika era inesperadamente sereno e suave, mas não havia ninguém por perto para ver.

Mesmo enquanto completava volta após volta, do porta-malas aberto do Road Runner até o depósito e de volta novamente, Rock não conseguia se livrar das fantasias sórdidas que invadiam sua mente.

O show de Revy, habilmente chamado de "Mistress Rebecca Presenteia um Escravo com suas Punições". Sim, ele supunha que haveria um chicote. Não, talvez velas. Como diabos o cara deveria ser chamado de Baleia Suada, afinal?

Ela provavelmente se vestiria de forma provocante. Mas o que uma mulher que normalmente usava um biquíni como roupas teria que vestir para ser ainda mais provocante?

Ele ainda estava tentando, e falhando, em tirar as fantasias de sua cabeça quando percebeu que havia movido o óleo do motor, a haste de solda de tungstênio e os cilindros de oxigênio para o depósito, e agora havia terminado. Um olhar para seu relógio de pulso revelou que eram 8:15. Já estava na hora de decidir se iria ou não passar na casa de Rowan.

- Hmm.

Bem, ele decidiria depois de trancar o depósito. Mas ao enfiar a mão no bolso, Rock finalmente percebeu que havia esquecido de trazer as chaves.

Ele as havia deixado cair? As tinha deixado em algum lugar no carro? Retrocedendo em suas memórias, ele percebeu que as havia deixado no escritório. Ele as colocou junto com suas sacolas antes de atender a ligação de Rowan.

- Droga, agora tenho que... espera, o quê?

Rock congelou, percebendo de repente algo mais, muito mais importante do que seu erro distraído. Se ele havia deixado as chaves do depósito no escritório, então como ele havia entrado?

Ele não desconfiava de nada, sua mente estava ocupada com pensamentos inúteis, mas agora que ele se concentrava, não conseguia se lembrar de ter tirado o cadeado. Em outras palavras, as portas do depósito estavam abertas desde o início.

O silêncio preencheu o depósito escuro. A quietude tornou-se repentinamente opressiva e hostil. Rock ficou congelado no lugar, incapaz de mover um músculo, e olhou para a porta do depósito aberta.

Os cinco metros que o separavam do lado de fora pareciam mais milhas. Quem havia forçado a entrada antes dele? Talvez o intruso misterioso estivesse escondido em algum lugar, observando cada movimento de Rock.

Ele olhou para a direita, para a esquerda, e lentamente virou-se para olhar atrás de si. e se encontrou de frente com um homem enorme de roupas pretas parado bem atrás dele.

- Ga-

Olhos azuis se abriram rapidamente atrás da máscara preta antes que Rock pudesse fazer mais do que tomar um fôlego surpreso, e...

- Tomare!!

O grito agudo atingiu os tímpanos de Rock com força, paralisando sua mente.

- Tomare kono katana agerukara tomare, onegai onegai tottekure, suware katana agerukara suware...4

- 4 Pare, pare, vou te dar esta espada, por favor, por favor, pegue, sente-se, vou te dar esta espada, então sente-se...

 

A voz bizarra ecoava e reverberava como se estivesse realmente ressoando dentro de sua cabeça, lentamente paralisando tanto sua mente quanto seu corpo. Rock não via nada, não ouvia nada. Seu mundo inteiro encolheu até que tudo o que restasse fossem um par de olhos azuis e o ritmo daquela estranha cantilena.

Não podia ser... Estaria ele sendo hipnotizado?

Mas quando ele percebeu, já era tarde demais, e a consciência de Rock mergulhou na escuridão.

 

Uma noite de inverno no Passo de Salang, Afeganistão, cumprimentou os membros da 11ª esquadrilha da brigada de distração traseira 318ª, conhecida como Vysotniki, com um vento gélido. Suas esperanças de uma celebração tranquila de Ano Novo no calor dos seus alojamentos foram frustradas quando o helicóptero Hind destinado a buscá-los foi abatido por guerrilheiros.

A supremacia aérea soviética desapareceu com a introdução de mísseis Stinger de busca de calor nas mãos dos Mujahideen, obtidos por canais americanos via Paquistão. Essas armas sofisticadas estreitaram a lacuna tecnológica, paralisando o avanço soviético apesar de sua superioridade de fogo.

Em uma noite como essa, até os orgulhosos Vysotniki ansiavam pelo lar, com seus pensamentos voltados para suas famílias celebrando o Ano Novo sem eles em lugares distantes.

- Já faz três anos inteiros desde que comemorei o Ano Novo com pelmeni bem quentes...

O Cabo Saharov murmurou, olhando fixamente para o calor reconfortante da fogueira laranja.

- Seria difícil até encontrar uma árvore de Natal neste lugar, o Sargento Chiganov disse, solidarizando-se com o outro homem.

 - Aqui não tem nada além de pedras e areia. Eu não esperava que alguém pudesse sobreviver aqui, muito menos tentar nos fritar com balas e mísseis... Ah, isso me faz chorar.

Na Rússia, todas as famílias, por mais pobres que fossem, faziam o possível para comer o melhor possível no Dia de Ano Novo, pois acreditavam que a variedade de alimentos que comeriam durante o ano era decidida pelos pratos na mesa do jantar de Ano Novo. Considerando isso, não era surpresa que os soldados estivessem incomumente sombrios, sentados ao redor de uma fogueira, enchendo seus estômagos com rações militares insípidas.

- Agora que vi o Afeganistão, sei com certeza que os americanos mentiram sobre ir à lua. Aqueles desgraçados provavelmente vieram aqui e tiraram fotos. Tenho certeza disso.

- Nem me fale. Gostaria que pudéssemos voltar para a Terra. Não acha, Kandinsky?

Stanislav Kandinsky pegou o cantil que Chiganov ofereceu e balançou a cabeça, lembrando-se das planícies congeladas intermináveis de sua terra natal.

- Este lugar não é tão diferente de casa. Não, a falta de gelo aqui torna mais fácil de suportar. Chiganov franziu a testa, perplexo com a resposta inesperada.

- ...Eu não acredito em você. Olhem aqui, rapazes. Nosso Sami aqui diz que este inferno é melhor do que sua amada casa.

Stanislav, que vinha do Okrug Autônomo de Yamalo-Nenets, se destacava entre seus camaradas, que eram todos urbanos. Se ele tivesse encontrado Saharov ou Chiganov como civis, as diferenças em seus valores e estilos de vida certamente os deixariam incapazes de se entender. Mas ali, vestindo o mesmo uniforme, arriscando suas vidas na mesma missão, nada podia se interpor entre eles.

Era o segundo ano novo de Stanislav Kandinsky no campo de batalha, e não havia garantia de que seria o último. Era provável que seu período de serviço obrigatório de dois anos fosse estendido devido à sua promoção a sargento júnior.

Mas Stanislav não lamentava seu destino. Claro, não era que ele não sentisse falta de sua casa. E também era verdade que este serviço militar era extenuante e duro. Mas mesmo considerando esses fatores, Stanislav tinha um lugar ali. Ele pensava consigo mesmo que sofrer junto com seus camaradas naquele lugar, confiando suas vidas uns aos outros, tinha mais significado do que qualquer outra vida,ou de fato, qualquer outra morte que ele pudesse imaginar.

Stanislav olhou de soslaio para a causa desses pensamentos nobres. Ela estava sentada ao lado da fogueira com os outros, escolhendo manter o silêncio enquanto consertava um rifle.

Sofiya Irininskaya Pavlovena. A única razão pela qual uma tenente como ela estava comandando os Vysotniki era porque todos os de patente superior à sua já haviam sido enviados para casa em sacos para cadáveres.

Suas bochechas estavam manchadas de fuligem, não de maquiagem, e seu cabelo dourado brilhante havia sido implacavelmente cortado curto e enfiado sem cerimônia sob um boné, mas ainda assim sua beleza natural brilhava. Sempre que atravessavam uma chuva de balas inimigas, Stanislav fazia uma oração para que o rosto impecável dela permanecesse intocado, sem nunca se preocupar com a própria segurança.

Havia mais de uma dúzia de atiradores de elite entre os Vysotniki que poderiam ter se tornado os melhores franco-atiradores de qualquer outra esquadrão, mas as habilidades da Tenente Pavlovena com o rifle estavam muito acima até desses homens formidáveis.

Ela mesma não parecia inclinada a falar muito sobre isso, mas havia rumores de que, se o Kremlin não tivesse boicotado as Olimpíadas de Los Angeles, ela teria ido buscar o ouro como atiradora olímpica. Alguns até diziam que ela seria a próxima Lyudmila Pavlichenko.

O rifle que ela estava consertando naquele momento era nada menos que o próprio Dragunov de Stanislav. Ela interveio e pegou a arma depois de vê-lo lutar inutilmente para consertá-la sozinho. Era vergonhoso para um atirador de elite entregar seu rifle, seu parceiro, aos cuidados de outra pessoa, mas se essa pessoa fosse a tenente, Stanislav não se sentia envergonhado. Na verdade, ele se sentia até honrado.

Ela era a mãe de todos os Vysotniki, sua irmã mais velha, seu anjo da guarda. Apenas sua presença silenciosa ao redor da fogueira tornava a situação suportável. Graças a ela, eles podiam esquecer o fato de que estavam cansados, sujos e amontoados, tremendo de frio em uma terra estrangeira no alvorecer do ano novo. Os mais otimistas entre eles, como Saharov e Chiganov, até conseguiam encontrar humor para fazer piadas.

- Segundo Sargento Kandinski, todos na sua terra natal atiram contra o vento forte como você? perguntou o Cabo Saharov, tirando Stanislav de seus pensamentos.

- Não... Não, meu pai não. Mas meu tio era muito melhor do que eu. Ele conseguia até sentir o cheiro do vento e dizer quantos lobos havia em uma matilha.

- ...Então é isso, disse o Sargento Chiganov, dando de ombros alegremente. 

- As habilidades do nosso Shaitane Badi faziam parte do repertório Sami!

A Tenente Pavlovena se levantou, e imediatamente todos os olhares se voltaram para ela.

- Você poderia ser o maior atirador do mundo, mas se continuar cuidando do seu rifle dessa forma, não posso chamá-lo de um franco-atirador adequado, disse ela bruscamente, entregando o Dragunov de volta ao seu dono. Parecia que ela estava ouvindo a conversa enquanto trabalhava.

- Tenente, meu rifle...

- Mmm. Não adianta. Não consigo consertá-lo com as ferramentas que temos aqui.

O dial de elevação na mira PSO-1 do Dragunov de Stanislav estava solto, tornando a mira funcionalmente inútil. Se até a Tenente Pavlovena havia admitido a derrota, então estava além do poder de qualquer um no esquadrão consertar.

- Honestamente, Segundo Sargento... O seu manuseio bruto da mira do rifle tem sido um problema constante. Quantas vezes devo dizer que este é um instrumento preciso e delicado?

- Minhas desculpas, Tenente.

Agora o olhar penetrante da Tenente Pavlovena se voltou para o Sargento Chiganov, que estava assistindo à situação com diversão.

- E eu me lembro distintamente de avisar você também, Sargento. Não use as casas das pessoas como fonte de humor. Se você se mostrar incapaz de levar minhas palavras a sério, tenho outras maneiras de fazê-lo entender.

- Ah, não, isso não será necessário, Tenente. Eu... Minhas desculpas. Falei fora de hora.

Chiganov imediatamente ajustou sua expressão e pediu desculpas a Stanislav.

Stanislav não era totalmente russo de sangue; seu avô era Nenets. Ele há muito tempo se acostumara a essas brincadeiras, mas o fato de a Tenente achar adequado defendê-lo em tais situações simultaneamente o envergonhava e o deixava um pouco feliz.

- De qualquer forma, Segundo Sargento. Remova a mira; ela não lhe servirá de nada agora. E agradeça ao projetista que pensou em deixar miras de ferro no Dragunov. Com suas habilidades, você deve ser capaz de cobrir distâncias de pelo menos trezentos metros apenas com os olhos.

- Imediatamente, Tenente.

Tinha sido um tanto indireto, mas suas palavras podiam ser interpretadas como elogio, e Stanislav removeu a mira sentindo-se bastante animado. Objetivamente, perder o uso de uma mira de visão noturna em tal situação não era motivo de riso, mas até mesmo esse fato em si servia como uma fonte adicional de humor para Stanislav.

...Tinha sido um lugar frio e cruel, um lugar onde a Morte sentava ao seu lado, podendo levá-lo a qualquer momento para a escuridão da noite gélida. Mas, por outro lado, havia um tipo de calor ali, diferente do calor de um fogão ou da sensação de comida quente na barriga.

Tudo estava perdido no outro lado de suas memórias... Antes do Sargento Chiganov ter sido despedaçado por um tiro direto de morteiro. Antes de a Tenente Pavlovena ter sido capturada e torturada. Antes de Stanislav, deixado sozinho, sucumbir ao apelo das drogas. A própria memória era como o sonho de uma vida anterior.

A nostalgia pacífica se distanciava, envolta em uma névoa espessa. Ele retornou ao presente ao sentir alguém procurando uma veia em seu braço. Em preparação para inserir uma agulha.

- ...Ah...?

Stanislav voltou a si e se encontrou em um lugar desconhecido.

Sentiu um colchão macio sob ele, coberto com lençóis dobrados com precisão. Ele estava deitado em uma cama de hotel.

Ele tentou lembrar como tinha acabado em um lugar assim... mas a picada fria de uma agulha em seu braço derreteu seus pensamentos em nada. O presente de heroína fez com que todas as preocupações que ele mantinha dentro de si parecessem nada mais do que tantas preocupações insignificantes.

Ele se lembrou... Ele se lembrou de seguir em frente pela noite. Mas onde ele estava? No deserto iluminado pela lua? Nos becos de Istambul? Ou...

Sim. Ele havia encontrado alguém. Ele havia chorado, lágrimas verdadeiras escorrendo por suas bochechas. Não conseguia se lembrar de quantos anos tinham se passado desde que ele chorou daquele jeito. A dor que o atingiu naquela época era algo que ele não sentia há muito tempo, algo diferente da agonia aguda da abstinência. Era uma dor que constrangia sua mente, não seu corpo.

- ...Stan? Você pode me ouvir? Stanislav Kandinsky.

Ele abriu os olhos ao som de seu nome e se viu olhando para uma mulher de longos cabelos vermelhos. Ela parecia um belo anjo, segurando uma seringa abençoada em uma das mãos.

- ..Por que você não foi até as docas? A Sofiya não te chamou?

Sua mente dispersa se concentrou apenas um pouco. As docas... 18h... sua última chance...

Mas quem havia lhe dito isso?

 - ...Não. Ninguém me chamou...

O anjo ruivo balançou a cabeça e suspirou em exasperação.

- A Sofiya tentou te ajudar. Você está dizendo que está recusando a oferta dela?

Não ouse falar dela assim.

Mas ela o empurrou para baixo antes que ele pudesse se levantar completamente, o grito morrendo em sua garganta. Seus sussurros suaves fizeram cócegas em seu ouvido.

- O que há de errado, Stan?

- Aquilo foi Balalaika. Não a Kapitan. Ele cuspiu o nome odiado como uma maldição.

Balalaika. Sua risada infernal ecoava em seus ouvidos.

Ela compartilhava o rosto de seu herói do passado... mas era um demônio.

Sim. Ele se lembrava agora. Ontem, o demônio havia lhe oferecido um acordo. Um acordo para renunciar ao seu último orgulho em troca de segurança.

Stan riu sem esperança.

Claro. Eu não vou desistir. Eu nunca poderia desistir. Porque...

- A Kapitan... A Kapitan teria continuado lutando. Ela nunca se renderia.

Ele se lembrou dos vales, incendiados pelo pôr do sol. A valquíria com metade do rosto encarando o campo de batalha, indiferente ao vento uivante. A visão de suas feições gloriosas.

- É por isso que... Eu...

Lábios cor de carmim cobriram os seus, sufocando as palavras antes que ele pudesse pronunciá-las.

O puxão suave em seus lábios. Uma língua passando por suas gengivas. O anjo da heroína ofereceu mais distração, e mais neblina caiu sobre sua mente já enevoada. Mesmo assim, Stan reuniu seu último esforço, agarrando-se desesperadamente a um último fio de força de vontade.

 - ...Eu, eu não vou desistir desta missão. Vou levá-la até o fim.

- Muito bem. Se você insiste.

A respiração dela fazia cócegas em seus ouvidos. O cheiro feminino sobrecarregava seus sentidos, guiando suas mãos para deslizar sobre a pele suave.

- Então complete sua missão, Shaitane Badi... Mate Chang Wai-San. Você deve matá-lo. Essa é a sua... última missão.

- Missão... Ele vagava sem rumo. Sobre a pele branca como a neve.

O fluxo do tempo derreteu. As correntes da causalidade desapareceram.

Perdido em um mar de prazer e confusão, Stan ainda segurava firmemente seu último fragmento de vontade. Missão... Sim. Desta vez, ele não fugiria. Encare. Complete o objetivo. E morra com honra. Morra para expiar por tudo o que escorreu por entre seus dedos como tantos grãos de areia.

Jake bateu na porta do quarto 509 do Lafette Roanapur Hotel, conforme havia sido instruído pelo telefone. A porta se abriu imediatamente.

Sua cliente, a mulher ruiva que ele conhecia apenas como Jane, estava dentro, vestindo um roupão de banho. Essa era apenas a quarta vez que ele realmente a encontrava pessoalmente. A primeira vez foi quando ela lhe ofereceu o trabalho, a segunda quando ela veio no barco para levá-los embora do Zaltzman, e a terceira quando ela os levou até a fábrica abandonada. Nem é preciso dizer que Jake não tinha interesse na identidade dela, ou mesmo no que ela estava atrás. Havia uma regra não dita no negócio, que simplesmente não se cavava fundo demais sobre esse tipo de coisa. Claro, ela era um belo pedaço de carne, e se seu peito fosse um pouco maior, ele poderia ter sido tentado a abordá-la de verdade. 

- Onde está o Stan?

- Descansando lá dentro. O Falcon ainda não chegou, mas...

Ela parou, distraída pelo repentino bater na janela francesa que levava à varanda. Abrindo as cortinas, foi recebida por um homem de preto silhuetado contra o céu noturno, pendurado de cabeça para baixo do alto da janela.

- ..Sabe, irmão. Eu sei que essas roupas são legais e tal, mas você já pensou em, sabe, entrar pela maldita recepção vestido normalmente ou algo assim? Jake disse, segurando a janela aberta.

O homem com a máscara preta deslizou silenciosamente para dentro da sala, escolheu um local onde pudesse ver todas as portas e janelas e se encostou silenciosamente contra a parede.

- É só isso, então?

A mulher ruiva parecia impassível, apesar do fato de que sua equipe original havia sido reduzida até restarem apenas três sobreviventes.

- Bem, não importa. Estamos de volta a onde estávamos antes de pegarmos os piratas de Tortuga de Caroline Morgan.

- Sério? É isso que você está pensando, querida? Jake disse, visivelmente irritado.

- A Tríade já está em alerta. Emboscadas não vão mais funcionar. Aqueles otários do barco torpedeiro também estão atrás de nós. Inferno, provavelmente seria mais fácil matar o maldito Papa agora do que o Chang.

- Oh, está dizendo que está com medo, Ultimate Cool J?

A voz sedutora dela tinha um tom provocativo, mas Jake apenas bufou em vez de cair na provocação.

- O que estou dizendo é, estou fora, vadia.

- ...

- Devo pensar que foi apenas má sorte que aqueles desgraçados da Lagoon eram amigos do Chang? E quanto ao nosso novo esconderijo sendo atacado no mesmo maldito dia em que chegamos lá? Estou nesse negócio há muito tempo, mas nunca vi merda acontecendo de forma tão estranha como agora.

Jake deu um passo em direção à mulher, seu corpo inclinado para frente agressivamente.

- ...Por que diabos você queria um maldito viciado como Stan para ser nosso líder, afinal? Você realmente quer Chang Wai-San morto? Ou talvez, só talvez, você organizou tudo isso, mas nunca esperou que conseguíssemos?

- Parece que estou sendo alvo de suspeitas infundadas, disse a mulher suavemente, completamente impassível diante das palavras intimidantes de Jake. Ela se sentou no sofá e cruzou as pernas, acendendo um cigarro Pianissimo.

- Se você acha que não pode fazer isso, não precisa.

- É, tanto faz.

A mulher franziu a testa agora, surpresa com a pronta aceitação de Jake. Ela esperava que ele exigisse mais pagamento, mas a conversa estava fluindo em uma direção diferente do que ela havia previsto.

- ...Estou chocada. Você realmente veio de LA até aqui só para voltar de mãos vazias?

- Hã? Mãos vazias? Não, eu arranjei uma coisinha para mim.

Jake não tinha a menor intenção de contar a Jane sobre seu novo plano envolvendo a pistoleira de duas mãos, Revy. Ele não se importava mais com o quanto iria ou não ser pago por matar Chang. Toda a sua atenção estava agora focada na mulher provocante e perigosa dos seus sonhos.

- Até mais. Diga ao Stan que eu mandei um tchau. E diga a ele para parar de se drogar tanto, pelo amor de Deus.

Jake parou com a porta aberta, lembrando-se de repente que havia outra pessoa na sala também.

- Ei, Falcon. O que você vai fazer, irmão?

O homem de preto finalmente quebrou seu silêncio, falando de forma medida por trás da máscara escura.

- Ouvi dizer que Chang Wai-San é um senhor sombrio que governa esta cidade imunda com mão de ferro. Minha lâmina está destinada a derrubar o mal onde quer que ele se esconda, e por isso devo levar esta missão até o fim.

- Uh... tá, certo, seja como for. Bem, boa sorte com isso, eu acho.

O homem esperou até que Jake tivesse fechado a porta antes de voltar seu olhar para Jane, e então disse:

- Como Jake-dono disse, é verdade que a missão está sendo impedida por fatores infelizes que estão além do mero acaso. E novamente, ele estava certo ao dizer que Stan-dono não está em condições de liderar nossa equipe... Portanto, não tenho escolha senão me separar de vocês.

- ...O que você quer dizer?

- Este aqui vai derrubar Chang sozinho. Vocês não terão que se colocar em perigo.

O homem moveu-se rapidamente mais uma vez para a janela francesa aberta, mas parou no último momento quando Jane estendeu a mão para ele freneticamente.

- Espere! Se você não me ouvir, eu não vou pagar você!

- ...Eu sigo apenas o mandato dos céus!

Ele desapareceu na escuridão além da varanda, suas últimas palavras ecoando na sala. Sozinha, a mulher só pôde suspirar em exasperação e dar uma tragada profunda e reconfortante de mentol e nicotina.

Ela não estava esperando por isso, mas no final, eles haviam sido apenas peões para confundir o inimigo. Enquanto permanecessem em Roanapur e causassem uma verdadeira comoção, eles serviriam adequadamente, mesmo que relutantemente, como parte de seu plano.

Ela soltou um suspiro e verificou o horário. O ponteiro das horas do relógio estava quase às dez.

Depois de se certificar de que Stan ainda estava dormindo profundamente no quarto ao lado, ela pegou o telefone e o levou até a pia, colocando-o no modo de alto-falante e discando um número internacional. Ela estava ligando para o Japão. Considerando a diferença de horário, provavelmente era meia-noite em Tóquio, mas ela tinha certeza de que o receptor não se importaria com a hora tardia, considerando as circunstâncias.

Ela removeu os grampos de cabelo de seus cabelos enquanto esperava a chamada se conectar, jogando a peruca ruiva para o lado e soltando seus cabelos castanhos de sua rede de cabelo.

Logo, uma voz baixa veio do alto-falante. Estava falando em russo.

- ...Sou eu.

- Peço desculpas por ligar tão tarde, camarada Laptev. Trago notícias da situação em Roanapur.

A mulher mudou suavemente para o russo também, massageando cuidadosamente creme facial sobre suas bochechas.

- Ah, excelente. Como estão as coisas? Nossos planos para eliminar esse suka rejeitado do Afeganistão estão indo bem?

- Sim, camarada. Houve alguns problemas inesperados, mas nada que eu não pudesse resolver. Ainda estou bem dentro do orçamento projetado também.

- Hmph.

Estava claro até mesmo pelo telefone que Vasili Laptev estava lutando para conter o riso. Ele era o chefe do território do Hotel Moscow em Shinjuku, Japão, e também um dos líderes da antiga facção da KGB dentro da organização.

A mulher continuou a massagear o rosto com movimentos automáticos e práticos, sua voz ganhando confiança enquanto falava.

- Estou à beira de iniciar a fase final de nosso plano, e apenas queria perguntar qual deles colocar em movimento. Os planos A e B parecem arriscados no melhor dos casos, muito provavelmente impossíveis neste ponto. Devo seguir com o Plano Б em vez disso?

- Hmm... Não é o que eu estava esperando. Mas suponho que não importará. Laptev suspirou, embora pelo tom de sua voz ele não estivesse aborrecido de forma alguma.

O Plano A seria pedir para Balalaika ajuda com conexões da KGB para tirar Stanislav para um lugar seguro. Então eles teriam adicionado juros à dívida incorrida por aquele favor, lentamente minando a autoridade de Balalaika dentro da organização.

O Plano B teria sido iniciado se Balalaika optasse por proteger Stanislav por conta própria. Então tudo o que teria que ser feito era esperar pelo momento certo para vazar essa informação para a Tríade e causar atrito. Não importa qual fosse o resultado, Balalaika perderia prestígio dentro do Hotel Moscow, sendo rotulada como fraca que deixou suas emoções tomarem conta dela. Mas mesmo este plano era tímido em comparação com o último.

- Entendido. Provavelmente acontecerá ao meio-dia amanhã.

Sua escolha final foi o Plano Б. Eles fariam com que Stanislav avançasse e assassinasse Chang Wai-San, então culpariam tudo em Balalaika e, finalmente, inflamariam as faíscas que surgissem em um confronto frontal completo.

- Mesmo que o Hotel Moscow acabe perdendo seu ponto de apoio em Roanapur, se aquele rejeitado do Afeganistão perder seu poder como resultado, valerá a pena. Não suporto a ideia dela. Perdi a conta de quantos dos meus antigos camaradas da KGB e GRU caíram vítimas de sua perseguição.

- Concordo. Estou orgulhoso de participar de um plano que vingará nossos camaradas caídos.

Todos os vestígios de maquiagem finalmente removidos, a mulher começou a limpar o rosto com algodão facial embebido em sabonete. Gradualmente, um rosto completamente diferente daquele que Jake reconheceria emergiu de sob a maquiagem.

Transformar seu rosto além do reconhecimento com apenas o mínimo de maquiagem era sua especialidade, afinal.

- Depois que Balalaika for expulsa, haverá muita disputa pelo vácuo de poder deixado para trás. Naturalmente, também haverá vagas abrindo entre os líderes, e quando chegar a hora, farei questão de mencionar seu nome ao nosso líder.

- É uma honra, camarada. Entrarei em contato com você com notícias dos resultados amanhã.

 - Estarei contando com isso.

A mulher secou os últimos vestígios de umidade de seu rosto enquanto a linha ficava muda e pegava um par de óculos quadrados.

- Minha grande chance finalmente chegou.

Tatiana Yakovleva sorriu sensualmente para seu reflexo no espelho.

Ele podia ouvir o som de alguém rezando, vindo de longe.

Rock recobrou a consciência lentamente, emergindo das profundezas escuras para a consciência.

- ...Sha, to, pyo, rin... Zai, retsu, jin, kai... Zen. O cântico continuava de algum lugar ao seu lado, as sílabas sem sentido ecoando sem parar. Ele abriu os olhos. A primeira coisa que viu foi o teto de um motel barato.

Pela fraca luz que se filtrava pelas cortinas firmemente fechadas, ele podia dizer que lá fora estava apenas um pouco mais claro do que dentro. Isso significava que era amanhecer, ou talvez pouco antes do pôr do sol. Era difícil dizer, já que ele não sabia quanto tempo tinha estado inconsciente.

Rock percebeu que estava deitado em um futon no chão, não em uma cama. Ele devia ter estado lá por um bom tempo, julgando pela dor latejante em suas costas.

As sombras no quarto escuro tremiam instavelmente de vez em quando. A luz da vela era a única fonte de iluminação lá dentro.

E bem ao lado de uma das velas ele podia ver um homem enorme, vestido da cabeça aos pés de preto.

-...Sha, to, pyo, rin... Zai, retsu, jin, kai... Zen.

Um pergaminho pendurado na parede, o caractere nin (忍) escrito nele em pinceladas largas. Uma espada reta repousava no suporte à sua frente, e duas velas gordas queimavam brilhantemente de cada lado. O homem estava sentado de pernas cruzadas de costas para Rock, de frente para o pergaminho, seus dedos reunidos em um selo de mão.

- ...Sha, to, pyo, rin... Zai, retsu, jin, kai... Zen.

 - ...

Agora que ele ouvia atentamente, Rock finalmente conseguia entender o que o homem estava dizendo. Ele se perguntou, distraído, se deveria se incomodar em apontar que ele tinha errado a ordem.

O homem parecia ter notado que seu prisioneiro havia recobrado a consciência. Ele interrompeu seu cântico, curvou-se em direção ao pergaminho e virou-se para encarar Rock.

Não havia erro. Era o homem que havia atacado Dutch e depois encontrado um destino terrível no mar há alguns dias. Claro, era impossível ver seu rosto por causa da máscara preta, mas Rock não achava que poderia haver outra pessoa no mundo todo construída daquela forma, que se vestisse daquela maneira também.

Por que ele tinha sido sequestrado? Rock congelou onde estava deitado, nervoso. O homem silenciosamente pegou uma tigela de barro, a encheu com um pó esverdeado, adicionou água quente de uma chaleira ao seu lado. Enquanto Rock observava, ele colocou algum tipo de bastão na tigela e começou a mexê-lo ferozmente.

- ...Espere...

Seria um ritual de chá? era o que Rock queria muito perguntar, mas hesitou com a boca aberta. Ele ainda não tinha decidido se realmente deveria perguntar ou não quando o homem colocou a tigela de chá pronta em sua mão virada para cima, virou-a cuidadosamente uma vez e a apresentou respeitosamente a Rock com ambas as mãos.

- ...

Ele realmente não queria beber, mas quem sabe o que poderia acontecer com ele se recusasse? Rock pegou a tigela hesitante das mãos do homem e deu um gole.

O gosto o surpreendeu tanto que ele falou para si mesmo. 

- ...Huh? Ei, isso é bem gostoso.

A maneira como tinha sido feito tinha apenas uma semelhança passageira com o procedimento adequado, mas o aroma profundo e calmante que inundou seu nariz acalmou seus nervos e o despertou. Enquanto Rock observava, o homem juntava as mãos e se curvava profundamente para ele, sua testa quase tocando o chão. Parecia que, pelo menos por enquanto, o homem não pretendia machucá-lo.

- Uh, hey. Umm... Se não se importa que eu pergunte, quem é você?

 O homem levantou a cabeça e respondeu, sua voz profunda mas tranquila.

- Eu sou apenas uma sombra sem forma, e portanto não tenho nome.

Rock suspirou silenciosamente de alívio; resposta estranha ou não, pelo menos tinha sido em inglês simples. Mas lhe ocorreu que era uma maneira estranhamente indireta de responder a uma pergunta, e depois de um momento de reflexão ele perguntou, 

- Então, err, como as pessoas te chamam?

- Shadow Falcon. Bem, isso foi simples.

- Ah... Ok. Bem, Senhor, uhh, Falcon. O que você vai fazer comigo?

- Enquanto você não resistir e concordar com meus pedidos, ficaria muito feliz em tê-lo como meu convidado de honra.

A voz tranquila de trás da máscara soava séria o suficiente, mas mesmo assim Rock ainda não tinha ideia do que estava acontecendo.

- Bem, isso meio que depende do que você fizer, mas eu suponho que está tudo bem. Mas por que você me trouxe aqui em primeiro lugar?

- Você é claramente da terra natal do ninjutsu, o Japão. Eu apenas fiquei maravilhado com o fato de você ter percebido meu suiton.

Rock inclinou a cabeça para o lado, se perguntando do que diabos ele estava falando, e de repente se lembrou da conversa que teve com Dutch na Lagoa naquela noite. Falcon deve ter estado ouvindo escondido de onde quer que estivesse.

Rock engoliu em seco e finalmente fez a pergunta inevitável.

- Então, Senhor Falcon. Você, sabe, é um daqueles? Um... um ninja?

As bochechas de Rock coraram com a absurdidade da pergunta, mas Shadow Falcon apenas acenou uma vez, lenta e severamente.

- Não desejo me gabar, mas este aqui detém um trigésimo dan no estilo de ninjutsu Kouga Death Shadow.

- Quero ir para casa...

- Bem, quero dizer, sabe, estamos à beira do século 21 e tudo mais, então não é um pouco tarde para ninjas? Não, bem, sou japonês, concedido, mas ainda assim...

Rock se atrapalhou, procurando as palavras adequadas, mas Shadow Falcon não mostrou sinais de se sentir ofendido. Em vez disso, ele se levantou silenciosamente, tirando um pequeno livreto de trás do rolo de parede e voltando.

Com cautela, pegando o livreto oferecido, Rock viu que ele era bem antigo, com as páginas amareladas pelo tempo e murchas pelo uso constante e umidade acumulada. Algumas das páginas estavam até prestes a cair completamente. Mesmo à primeira vista, era óbvio que era o resultado de um trabalho de impressão em massa barato. Na capa do livro rasgada havia uma silhueta de Sho Kosugi provavelmente impressa sem o menor cuidado com os direitos autorais e abaixo dela, escrito em inglês, Rock podia ver apenas as palavras "KOUGA DEATH SHADOW☆NINJUTSU SHINAN SHO".

Na página de direitos autorais, na penúltima página do livreto, em vez de um endereço, havia apenas as letras OMC.

- ...Se não se importa que eu pergunte, o que é essa coisa do OMC?

- Essas letras significam Oriental Mystic Collection. Uma organização que forneceu a este um grande número de itens ninja.

- ...Deixe-me adivinhar, eles também te enviaram esse rolo e a espada, certo? Shadow Falcon assentiu. Um sentimento horrível começou a pesar na mente de Rock.

- Posso fazer mais uma pergunta? Onde você soube dessa coisa do OMC?

- Descobri-os nas páginas de propaganda do Black Belt e do Inside Kung Fu.

- ...

Rock nem sabia o que dizer a isso.

Para resumir, esse homem não passava de uma vítima ingênua de um esquema de compra por correio meio louco. Rock não conseguia dizer como ou por que Falcon acabou caindo tão fundo, mas era óbvio que de alguma forma ele se tornara um assassino e vagara pelo esgoto do submundo até chegar a Roanapur. Era quase desolador como a vida de uma pessoa poderia dar tão errado.

Rock folheou o panfleto novamente, percebendo pela fonte que nem sequer era um trabalho de impressão barato, as páginas simplesmente haviam sido impressas diretamente de um documento do processador de texto. Quanto ao conteúdo, estava repleto dos tipos de métodos de treinamento ridículos que alguém poderia esperar encontrar em um filme de ninja ruim dos anos 80. Correr a toda velocidade com um chapéu de palha colocado contra o peito e garantir que ele não caísse. Vendar-se e identificar o som de uma única agulha caindo no chão entre muitas. Para piorar as coisas, algum esforço mínimo tinha sido feito para parecer um manual de treinamento; uma fonte simples em cada página numerava os métodos de treinamento bizarros de "1ST DAN" a "30TH DAN".

...De repente, Rock lembrou do que Falcon havia dito momentos antes.

- ...Espera, você disse que possui um trigésimo dan?

- É verdade.

Shadow Falcon concordou calmamente.

- Não, mas espera, se você... Espera, você está me dizendo que pode fazer tudo o que está escrito neste livreto?

- É verdade.

Falcon concordou mais uma vez, mostrando nem um indício de arrogância. Ele estava apenas declarando um fato.

- ...Essa parte sobre plantar cânhamo e saltar sobre ele todos os dias, também?

Rock apontou para uma página, e os olhos azuis dentro da máscara se nublaram com nostalgia.

- A princípio parecia uma tarefa trivial, mas o verdadeiro teste de minhas habilidades começou com o terceiro mês.

Até onde Rock sabia, o cânhamo podia crescer mais de três metros em apenas cem dias, e considerando que o recorde mundial recentemente estabelecido para salto em altura era de pouco menos de dois metros e meio...

- ...E essa parte sobre andar sobre washi molhado sem rasgá-lo?

- Cada passo era uma batalha contra mim mesmo. Quando ainda não estava treinado nos caminhos da sombra, levava quatro dias para percorrer cinco metros.

Em outras palavras, isso significava que ele havia mantido um estado de concentração intensa por quatro dias seguidos, sem parar para comer ou beber ou até mesmo dormir.

Rock olhou mais uma vez para o corpo de Shadow Falcon. Mesmo envolto em roupas negras informes, seus peitorais espessos, ombros e pescoço robustos, e bíceps e coxas como árvores eram facilmente aparentes. E ainda assim sua cintura era relativamente fina para um homem de seu tamanho, o cinto apertado fazendo claro que não havia nem um grama de gordura em excesso em seu corpo.

Ele não era apenas um homem grande. Ele era um homem possuído por um corpo que poderia fazer os maiores atletas e os fisiculturistas mais fortes ficarem verdes de inveja.

Se este homem realmente acreditasse em tudo neste manual de treinamento falso e, por tentativa e erro e esforço inimaginável, realmente completasse cada exercício no livro... Sim, nesse caso, tal corpo sobre-humano não seria totalmente inacreditável. Mas o que foi que o impulsionou a perseverar através de tal dificuldade? Isso estava além do limite do que simples determinação ou crença poderiam alcançar.

- ...Por que você queria tanto se tornar um ninja? Você assistiu muito Tartarugas Ninjas. Os olhos de Falcon subitamente se inflamaram de raiva, sua voz tranquila se transformando em um grito estrondoso.

- Não mencione as tartarugas!!

Rock recuou inconscientemente, reagindo instintivamente à mudança súbita e assustadora no comportamento do homem. Mas logo Falcon, também, pareceu se recuperar e curvou a cabeça profundamente.

- ...Não há desculpa para minha perda de controle. Vejo que meu treinamento ainda está incompleto; ofereço minhas mais humildes desculpas.

- N-não! Tudo bem! Eu que sinto muito! Não deveria ter dito isso. Rock acrescentou uma nova regra à lista em sua cabeça: Nunca mencione as tartarugas.

Shadow Falcon, por outro lado, ergueu-se para responder à pergunta, seus olhos se tornando desfocados enquanto mergulhava profundamente em suas memórias.

- Eu... Sim, é isso mesmo. Eu só queria me tornar mais forte. Eu queria mudar. Eu queria parar de ser intimidado na escola. Mas...

O ninja de olhos azuis fez uma pausa, lançando um olhar profundamente significativo para o rolo na parede.

- Após inúmeros dias meditando sobre o caractere 'nin' (忍), cheguei a uma revelação. O importante não é a espada (刃), mas o coração (心) que a sustenta.

- Ah... Ok... Hmm...

Quem quer que tenha pensado na OMC sentiria culpa por enganar um menino inocente com um golpe tão absurdo e desviá-lo tanto de uma vida normal? Ou sorriria e se recostaria na cadeira, satisfeito com um trabalho bem feito?

- ...Mas espera, você até encomendou a espada pelo correio? Não, não. Isso não pode ser.

Subitamente tomado pela curiosidade, Rock ignorou as vozes em sua cabeça dizendo que era uma má ideia e apontou lentamente para a espada em seu suporte.

- Uhh, se não se importar, eu poderia dar uma olhada nessa espada?

O ninja considerou por um momento e então, aparentemente decidindo que Rock era confiável o suficiente, assentiu e retirou a espada de seu lugar de descanso.

- É uma lâmina perigosa, e peço que exerça a máxima cautela ao usá-la.

Rock levou o aviso a sério, engolindo em seco enquanto retirava cuidadosamente a espada de sua bainha.

...A lâmina havia sido cuidadosamente afiada e polida, mas não importava o quão meticulosamente fossem limpas, armas que tiraram muitas vidas tinham uma maneira de manter o cheiro de sangue, e a espada de Falcon era uma dessas armas. Rock se viu quase sem palavras, suas suspeitas confirmadas.

- ...Você sempre usa essa espada para matar pessoas?

- É verdade. É uma lâmina demoníaca temível forjada do ódio do mestre ferreiro Tanaka San. Seu nome é Borda Izayoi Número 108.

Rock percebeu mais uma vez o quão temível era o homem diante dele. Ele havia conseguido matar pessoas com uma espada feita de duralumínio.

- O ódio contido em sua lâmina faz até os cortes mais leves se transformarem sem piedade em ferimentos profundos. Quando eu ainda era um novato, não conseguia domar esse poder temeroso e destruí 107 de seus irmãos.

Para Rock, parecia que Falcon apenas havia espancado as pessoas até a morte em vez de cortá-las, os "ferimentos profundos" causados por sua pura força, mas ele não tinha mais vontade de sequer tentar corrigir o mal-entendido. E quanto ao mestre ferreiro que, de alguma forma, reuniu o ódio para impregnar nada menos que cento e oito lâminas com raiva demoníaca, bem, Rock refletiu que poderia haver piores saídas para esse tipo de coisa.

- Então, você vai pegar essa espada e bater - quer dizer, cortar, o senhor Chang?

- O covil de Chang é fortemente guardado. Será impossível levar a Borda Izayoi Número 108. Portanto, devo usar o genwaku no jutsu para me infiltrar em sua fortaleza.

- Ge, genwaku no jutsu?

- Ouvi você ser chamado de Rock, mas sei que esse não é seu verdadeiro nome. Você me honraria revelando-o?

Rock vacilou por um momento, pego de surpresa pela pergunta súbita, e respondeu antes mesmo de poder refletir adequadamente sobre o assunto.

- Rokuro... Meu nome é Okajima Rokuro. Mas por quê?

- Rokuro-dono. Tomarei seu rosto e seu nome para destruir o mal de Chang Wai-San.

- O quê?

Shadow Falcon levantou uma mão calmamente, como se para aliviar os medos de Rock.

- Será apenas um momento passageiro. Eu prometo que não mancharei sua reputação. Apenas observei em suas conversas no barco que você tem relações próximas com Chang Wai-San. Portanto, se eu me transformar em você e me aproximar de Chang, conseguirei enganar seus guardas. Tudo o que peço é que você fique aqui até que minha missão esteja completa.

- ...

Então era isso que Falcon queria dizer com "acatar meus pedidos". Mas não era como se ele pudesse recusar agora.

Rock não podia ter certeza de quanto dessa estranha ameaça esse homem representaria para Chang e para a Tríade, mas o assunto estava fora de suas mãos. Ele só podia esperar que Chang não baixasse a guarda.

- Você vai se transformar em mim? Como?

- Nos pináculos das artes ninja, as falsidades se tornam verdades, e a realidade se torna uma mentira. A técnica ninja utsushimi no jutsu facilitará assumir sua aparência.

Sem mais delongas, Shadow Falcon imediatamente começou a tirar roupas e maquiagem em preparação.

...Uma hora depois.

O ninja observou seu rosto no espelho e acenou satisfeito. 

- Perfeito.

- ...

Rock não conseguia encontrar palavras para responder.



 



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