Volume Único

Capítulo 3

Para um observador casual, a Rehe Pictures, Inc. (熱河電影公司) era apenas uma fornecedora de TV a cabo comum com sede em Roanapur. Às vezes, filmava projetos conjuntos com outras empresas, mas todo o trabalho real era realizado na filial de Bangkok, deixando o saguão pouco impressionante da sede vazio de qualquer estrela de cinema famosa.

... O que era natural, já que a empresa era apenas uma fachada para a filial tailandesa da Tríade, a organização criminosa chinesa que se estendia por todo o globo.

Portanto, era lógico que o homem sentado no escritório do CEO fosse ninguém menos que Chang Wai-San. Embora fosse conhecido por todos como um dos homens mais marcantes e estilosos da cidade, por algum motivo ele evitava gerenciar as atividades da organização no setor cinematográfico, deixando os detalhes nessa área para seus subordinados. Comentava-se que ele evitava o cenário do cinema porque havia sido confundido com uma estrela de cinema famosa e causado uma grande comoção ao visitar a sede da organização em Bangkok, mas ninguém sabia ao certo.

Quando Chang, que já estava um tanto cansado devido ao tumulto no Zaltzman, além de suas funções normais, se deparou com mais um item de trabalho a fazer, o sol já havia se posto e as luzes de neon começavam a cobrir a cidade com seu brilho extravagante.

- ...Um informante, você diz? Chang perguntou duvidosamente. Seu fiel braço direito, Biu Yu Yun, apenas acenou com a cabeça.

- Ele diz que sabe onde estão escondidos os homens que tentaram matá-lo, Da Ge3. Ele é apenas um mendigo que ganha a vida na Rua Charkuwan, mas sua história faz sentido. Há uma boa chance de que ele esteja dizendo a verdade.

3Da Ge (大哥) é uma expressão em mandarim que significa literalmente "grande irmão" ou "irmão mais velho". No contexto das organizações criminosas chinesas, como a Tríade, "Da Ge" é um título de respeito usado para se referir a um líder ou chefe de alta hierarquia dentro da organização.

- Hmm... O que será que os camaradas da Companhia Lagoon estão fazendo lá fora, afinal?

Foi implementado um bloqueio de informações dentro da Tríade em relação ao ataque ao Zaltzman. Isso significava que, para um espião ter vindo até eles com informações, já devia haver um rumor nas ruas sobre a tentativa de assassinato.

Havia a possibilidade de que os membros da Companhia Lagoon tivessem deixado escapar algo sobre a tentativa de assassinato durante sua busca. E se se tornasse conhecido que a Tríade estava envolvida de alguma forma nesse evento, era natural que qualquer pessoa com informações procurasse vendê-las a quem estivesse disposto a pagar mais.

Se esse espião estivesse dizendo a verdade, os esforços da Companhia Lagoon seriam todos em vão. A surpresa de Chang era compreensível.

- O que você vai fazer, Da Ge? Nossos rapazes já estão prontos, se você quiser que eles entrem em ação.

 - Eu não sei. O que devemos fazer?

Recostando-se em sua cadeira de couro, Chang suspirou e olhou para o teto. Ele esperava deixar tudo nas mãos de Dutch e sua equipe, pelo menos para o bem de suas futuras relações. Mas se a Companhia Lagoon continuasse mostrando resultados tão desanimadores, ele não teria escolha a não ser repensar a questão.

Chang passou muitos minutos refletindo sobre o assunto e, depois de chegar a uma conclusão, estendeu a mão direita. Biu colocou um celular nela, como se estivesse esperando apenas por isso. Primeiro, Chang fez duas chamadas para alguns funcionários de confiança e, finalmente, discou o número da Companhia Lagoon.

- ...Ah! Isso mesmo! Rock gritou de repente. A equipe estava em seu escritório, reunida em torno de uma pizza entregue e comendo o que passava por jantar.

Dutch e Revy lançaram olhares furiosos para ele, com os nervos já à flor da pele após um dia inteiro de buscas infrutíferas.

- Que diabos é isso?

- Eu acabei de lembrar disso. Você acha que pode ser uma pista?

Rock tirou um pequeno pedaço de papel do bolso da camisa. Era o cartão de visita de Jake, o que ele tentou passar para Revy durante a confusão no porão. Até Rock havia esquecido completamente dele depois de enfiá-lo no bolso.

Não poderia realmente ser chamado de cartão de visita. A única coisa na frente do cartão eram as palavras "Ultimate Cool J", escritas em uma fonte ridiculamente decorativa, sem endereço ou número de telefone.

Revy deu apenas uma olhada rápida antes de bufar e desviar o olhar, talvez lembrando algo que preferia não ter lembrado.

- ...Seu idiota. Como diabos isso é uma pista?

 - Olhe para o outro lado. Não é um endereço da web?

Benny se adiantou para dar uma olhada, como se sentisse que era sua vez de entrar em cena.

- Ei, você está certo. Não sei se isso vai nos ajudar ou não, mas não custa nada dar uma olhada.

- Droga, como isso vai ajudar. Esse site provavelmente é algum tipo de site pornográfico cheio de vírus.

- Talvez. Mas acho que seria mais divertido do que ficar sentado aqui comendo essa pizza horrível.

Dutch, que estava carrancudo enquanto mastigava uma pizza de marguerita fria, levantou-se e foi até o computador.

- Benny Boy, aposto que vale a pena tentar. Vamos ver o que temos.

- Ok.

Benny abriu um navegador de internet em seu amado PC. Atrás dele, Dutch, Rock e Revy espiavam por cima do ombro dele com vários graus de expectativa nos rostos.

Logo, um logotipo chamativo apareceu na página inicial.

—Deadly biz—

Um jogo de vida e morte jogado no fio da navalha. Esse é o estilo Ultimate Cool.

- Ah... er... bem... Eu acho que você poderia dizer... um... o estilo dele é muito único?

Rock sorriu de maneira constrangedora, como os japoneses costumam fazer quando se deparam com algo completamente fora de sua zona de conforto.

Abaixo do logo, havia uma foto da arma que Jake tinha mostrado a Revy com tanto orgulho no porão do Lagoon, a pistola automática que era tão modificada que era impossível dizer qual era o modelo original. Não poderia haver outra arma como aquela em todo o mundo. Era certo que esse blog era administrado pelo próprio Jake.

- O que é isso... algum tipo de comercial? Ele está dirigindo algum tipo de negócio na internet? perguntou Dutch, surpreso, mas Benny apenas balançou a cabeça.

- Não, não é nada disso. Isso é... um diário. Ele está mantendo um diário online. Enquanto Benny rolava para baixo, eles viam entradas datadas aparecendo uma a uma.

-Set. XX.

Wisconsin. Eu me aproximo para o golpe final. A única luz na estrada deserta, os raios frios e frios da lua. O holofote do céu brilha neste duelo apenas para dois. Em outras palavras, o evento principal, a batalha entre mim, UCJ, e Willows "Junkman" Ganash. Pelo que sei, você pode contar nos dedos os profissionais no meio-oeste do nível de Ganash. Todos nós estávamos esperando por isso, sim. Este desfile de dois homens, jogado com pólvora e tiros...

- ...Jesus, esse filho da mãe é louco, murmurou Revy, seu nojo ultrapassando algum limite invisível e transcendendo para uma espécie de reverência admirada.

Se alguém apenas lesse o texto, a entrada do diário poderia facilmente ser descartada como uma história inventada. Mas a imagem que foi carregada junto com ela tornou isso impossível.

Era uma foto de um cadáver. Não de um corpo morto no chão. Era de um homem, no exato momento em que a bala atingiu.

Pela distorção e baixa resolução, era claro que a imagem era uma captura de tela de um arquivo de vídeo, não o trabalho de um cinegrafista habilidoso. Mas a baixa resolução na verdade serviu para tornar a cena mais real, o borrifo de sangue explodindo das costas do homem ganhando vida entre os pixels ásperos.

Embora sua habilidade com as palavras nem valesse o esforço para ridicularizar, até mesmo Revy poderia entender o fascínio mantido por esta única imagem.

Para aqueles com certos gostos, esta imagem representava algo ainda mais atraente do que um caviar caro.

- ...Como diabos ele tirou essa foto?, Rock murmurou em voz alta, repulsa clara em seu rosto. Revy abriu a boca para zombar dele, mas a fechou ao perceber algo importante. Rock havia se adaptado muito à bagunça caótica em que se encontrava, e a simples visão de um cadáver não podia mais abalá-lo como costumava fazer. Mas ele nunca teria visto um cadáver dessa perspectiva específica. Para Revy era uma visão familiar, mas para Rock era certamente uma perspectiva completamente alienígena.

- Rock, esta é a perspectiva do cano da arma.

-O cano...?

- Pense na arma daquele filho da mãe. Sabe, aquela que estava bem ali em cima. Tinha algo estranho na moldura, não tinha? Pensei que fosse um ponteiro laser, mas acho que deve ter sido uma câmera.

- Ah, entendi.

Rock olhou para baixo, envergonhado por sua própria ignorância. Era uma resposta simples o suficiente quando ele pensava sobre isso, mesmo que nunca tivesse atirado em ninguém antes.

- ...Mas espere. Ele posta essas histórias doentias e masturbatórias para o mundo todo sempre que faz um trabalho? Ele deve ser louco. Por que ele não poupa o trabalho da polícia e se entrega?

- Porque ele não será pego. Este site parece estar cheio de informações perigosamente reveladoras, mas se olhar de perto, não há nada que realmente o ajude a descobrir quem é Jake. É o anonimato da internet em ação, explicou Benny, apontando para a pistola cromada no topo da página.

- A única pista da identidade de Ultimate Cool J é essa arma personalizada. Não há uma única imagem neste site com o rosto dele. Até mesmo esses registros do diário são escritos apenas sobre 'quem morreu onde', mas sem uma única pista sobre quem realmente fez o assassinato.

- ...Entendi. Desde que Jake não desfile por aí com sua arma personalizada à mostra, ninguém saberia que ele é o dono deste site, disse Dutch, assentindo.

- Não importa que tipo de merda louca ele poste aqui, todo ódio estaria focado em um homem imaginário chamado J... Mas espere, isso não faz sentido. Por que ele mostrou a arma para Revy, então? E ele também deu a ela um cartão com o endereço do site. É como se estivesse admitindo quem ele é diretamente. No que ele estava pensando?

- Talvez ele achasse que não importava se um monte de gente de alguma cidade do interior de Taiwan soubesse dele? Ou talvez ele esteja esperando algo de Revy ao ver este site.

- Vai se foder, isso não é engraçado, cuspiu Revy, parecendo genuinamente perturbada pela sugestão de Benny.

- Merda... Esse idiota realmente se excita fazendo isso? Por que ele trabalharia tão duro em algo que ninguém vai ler, afinal?

- ...Não, Jake pode ser um narcisista, mas acho que não é só isso... Olhe bem aqui. E aqui também. Rock apontou para vários lugares nos registros.

- Está tudo acabado... para ele. O que eu tinha que ele não tinha? Este incrível quebra-chamas. O compensador especial do armeiro Tracy mais uma vez seduziu a Senhora Sorte para o meu lado. Se você também quer controlar o recuo impressionante de um .45 ACP, clique aqui.

- Os otários pensaram que me eliminaram, mas eu dei a última risada. Um cara tão legal como eu sabe que é melhor prevenir do que remediar. Minha camisa de kevlar de ponta bloqueou as balas 9mm parabellum deles, permitindo-me renascer das cinzas como uma fênix. Para mais informações, clique aqui. Será a melhor decisão que você já tomou.

- Finalmente é hora do negócio começar em Nova Orleans. Os invernos do Canadá são realmente frios. Em um ambiente gelado como este, você também tem que ter cuidado com que tipo de óleo para arma escolher. Por isso eu uso o óleo especial de alta qualidade de Lev Mikey. Mesmo que esteja tão frio que você possa usar bananas como pregos, se você tiver isso ao seu lado, estará tudo bem. Clique aqui agora!

Clicando nos links um por um, Benny descobriu que todos levavam a sites de compras na internet especializados em armas e outros itens relacionados a armas de fogo.

- ...Aha, ele deve ter feito um acordo com esses negócios. Talvez ele receba comissões de publicidade?

- Publicidade? Que merda é essa? A Telecom World faria um trabalho melhor vendendo coisas do que essa porcaria.

- Tem certeza? Se esse contador estiver dizendo a verdade, esse lugar recebe muitos acessos... Vamos ver o que tem no BBS.

Benny clicou no link que levava ao livro de visitas dos visitantes.

>robin666: Eu experimentei a mira traseira ajustável que o J recomendou na minha Colt. Muito legal! Muito legal mesmo! Todo mundo no estande de tiro estava me olhando! Ele é um verdadeiro profissional!!!

>Car-Morgan: UCJ é o melhor. Eu adoraria dormir com ele.

>Savage-X: A última Revisão de Assassinatos foi incrível. Quem é incrível? Você é incrível, Ultimate Cool J. Da próxima vez, mate XXX e XxxX!

>spookydog: Vamos lutar, UCJ. Estarei esperando por você no estacionamento do Bank of America esta noite. Vamos ver quem é realmente o mais legal de todos.

>IIIOwOIII: Por favor, J, mate minha professora Miss Garroway! Toda a classe está disposta a contribuir para o seu pagamento. Me envie um e-mail, ok?

>xXsteelCommanderXx: Típicos americanos e seu culto cego à Magnum. A velocidade conta mais do que a massa em termos de energia cinética, então se você está falando de poder real, não há muita diferença entre uma .45 e uma 9mm parabellum. Não é a escolha óbvia para um profissional escolher a 9mm então, já que você pode disparar mais balas antes de ter que recarregar?

>MADMAX: Ei, cale a boca nazista. Os nazistas fizeram a 9mm, então qualquer pessoa que use 9mm é um nazista, entendeu? Agora suma daqui.

- ...Ei, Benny. A internet toda é cheia de retardados assim, ou é só esse lugar que é especial?

- Bem, dependendo de como você olha para isso, acho que dá para argumentar a favor da primeira opção.

Revy ficou ligeiramente pálida com a exibição inesperada de estupidez, mas Benny, acostumado a tais idiotices, parecia mais entediado do que qualquer outra coisa.

- Bem, acho que agora sabemos como funciona a mente do Jake, mas não acho que haja algo aqui que nos ajude a encontrar... huh?

Benny interrompeu sua atualização desatenta da página e se inclinou para a frente, ajustando seus óculos.

- Houve uma atualização... Outro registro no diário, talvez? Estava datado de hoje.

A nova imagem que adornava a página inicial era uma foto, não de um cadáver, mas uma imagem ampliada enormemente de alguém participando de um tiroteio, a qualidade da imagem quase risível.

Essa pessoa era uma mulher vestindo uma regata e shorts jeans curtos, uma tatuagem tribal muito familiar em destaque em seu braço direito. Mas ao mesmo tempo, parecia desconhecida, como se alguém tivesse editado a imagem antes de postá-la.

Os seios da mulher pareciam cerca de duas vezes maiores do que o esperado, e mesmo estando no meio de um tiroteio feroz, seus olhos foram retocados para parecerem sedutoramente semicerrados em vez de encararem a câmera.

- Olá. Nosso especial desta vez vem dos mares do sudeste da Ásia. Hoje quero falar sobre este gatinho fofo que eu, o ilustre UCJ, tive a sorte de encontrar.

Vamos chamar essa gata quente aqui, que usa um par de pistolas Beretta personalizadas, de Duas Mãos R. Ela é uma sedutora que encanta os homens para a cama com seu corpo exótico e depois os mata quando termina, uma verdadeira prostituta sem vergonha. Ela também é o meu alvo.

No começo, pensei em aproveitar um pequeno cruzeiro romântico fingindo estar do lado dela, mas o desejo em seus olhos estava tão quente que pensei que até poderia derreter o legalmente supremo aqui. Essa gatinha deve estar morrendo por um pouco de amor doce. Veja esses peitos? Sem sutiã para esses bebês, meninos e meninas. Vê-los balançar, o que posso dizer? Deveriam ter enviado um poeta.

Do jeito que vejo, não tem como ela não estar faminta por um homem, pelo jeito que age.

Mas parece que ela não sente nada lá embaixo, exceto por um monstro de consolo ou dois. Eu entendo por que ela usa duas armas, se é que você me entende. Deve ser bastante frustrante, toda essa necessidade e nenhuma maneira de satisfazê-la.

Então por isso tomei minha decisão. Vou transar com ela da maneira mais legal possível. Vou pegar ela tão forte que ela não vai conseguir andar por semanas.

Agora, todos vocês vão ficar acordados comigo e ajudar a pensar em maneiras de fazê-la gritar? Se você tiver uma boa ideia, deixe uma mensagem no livro de visitas. Estarei esperando!

Dutch, Rock e Benny encontraram-se todos repentinamente sem palavras. Naquele momento, estavam ligados por uma espécie de experiência psíquica compartilhada. Talvez um técnico ao lado de um reator nuclear ativo tivesse alguma ideia da sensação que os envolvia naquele momento. O terror sem palavras trazido pelo banho em uma radiação invisível e intangível. Através de suas próprias peles, podiam sentir o poder incrível e a fúria sendo gerados ao seu lado.

- ...Benny, meu garoto. Feche o navegador, disse Dutch, forçando as palavras de sua garganta ressequida. Benny moveu-se rapidamente para obedecer, mas em sua pressa seu dedo indicador pressionou o botão esquerdo do mouse enquanto se movia. Por sorte, foi exatamente quando o cursor estava passando sobre o livro de visitas.

Apenas alguns minutos haviam se passado desde a última visita, mas já uma série de novas postagens havia preenchido a tela.

>BunkerBuster: Caramba, Duas Mãos R! Cara, que gata!

>smokemoneter: Olha só esses peitos, cara. Aposto que a tatuagem no ombro dela vai até os peitos e até lá embaixo na buceta. Meu pau sabe que é verdade.

>funfun85: quero ver você estuprá-la, cara. Quem se importa se ela morrer?

>masamichi: foto nua no uploader

>sleipnir: PORRA! SIM MASAMICHI!

>Savage-X: Meu corpo está pronto

>DX_Synner: Por favor, UCJ, pelo amor de Deus, nos dê um filme de você fodendo ela com o UC Custom enfiado na buceta dela. Vou gozar na minha tela.

>MassiveBOY: Tem algo errado com os peitos da R. Você tem certeza de que não é uma armadilha?

>Jason13: uma armadilha também é boa

O monitor de Benny era um display EIZO de 20 polegadas, seu orgulho e alegria. Era um equipamento caro, sem dúvida, um investimento por parte da Companhia Lagoon que servia como peça central do escritório. Infelizmente, no entanto, ele não fora feito para resistir a uma bala de 9mm disparada diretamente contra ele.

Ainda mais infelizmente para todos os envolvidos, Revy fora tomada naquele exato momento pelo desejo súbito e imediato de matar Jake e todos os seus fãs, e como eles não estavam em lugar algum, ela se viu sem escolha senão expressar sua insatisfação com o universo em geral na máquina que lhe mostrara tais palavras repugnantes.

A única coisa boa nessa situação foi que nenhum estilhaço de vidro do terrível massacre do monitor voou para fora e acertou alguém. Outra sorte foi que Revy não sentiu vontade de disparar duas ou três vezes mais, para garantir.

- Seu filho da puta... Sim, tudo bem, entendi, saco de merda... Quer morrer tanto assim, é? Precisa de um bilhete expresso direto para o inferno, é o que diz? Sim, entendi, vou providenciar um agora mesmo...

Revy começou a rir sombriamente consigo mesma, como se sua raiva tivesse produzido uma espécie estranha de narcótico em seu cérebro.

Justo naquele momento, quando ninguém conseguia descobrir como desarmar a situação e sair com todas as partes do corpo ainda intactas e presas aos seus lugares originais, o telefone tocou. Seus tons agudos soavam para os três homens como um coro de anjos lá do alto. E verdadeiramente, a ligação era algo muito parecido com o evangelho, era Chang Wai-San ele mesmo, ligando para dizer que o esconderijo de Jake fora encontrado.

 

Stand observou cuidadosamente as veias de seu braço esquerdo. Ele precisava se injetar.

Incontáveis buracos de agulha já marcavam a pele de seu braço, desenhando um complicado mapa que ilustrava as profundezas do vício de Stan.

- Ei, mano... Não acabou de dar uma puxada há um segundo? Jake disse ao lado, sorrindo sem humor. Isso dizia muito sobre o quão perdido Stan estava, para um homem como Jake expressar sua preocupação. Ele devia estar em pior estado do que pensava.

Mas não importava. Tudo o que ele precisava fazer era evitar se ver refletido. Não era hora de se preocupar com o quão mal estava. Tudo o que ele precisava naquele momento era o conforto que apenas a heroína poderia proporcionar.

Ele espetou a agulha, esvaziou o êmbolo. Imediatamente, sentiu o doce afago do Ceifador fluindo por suas veias. Ele poderia ter trocado o mundo por esse prazer. A consciência de Stan derreteu as restrições de tempo e causalidade, caindo profundamente em um labirinto de memórias.

Eles o bateram. Eles o cortaram. Eles pressionaram ferros incandescentes contra sua pele. Ainda assim, Stan não sentia dor. Mas logo o interrogador mujahidin percebeu que Stan era um viciado em heroína. Foi quando a verdadeira tortura começou.

Gemendo de dor pelos sintomas de abstinência, Stan contou tudo em troca de uma única dose de felicidade. Seu nome, sua patente, o nome de sua unidade, os lugares onde ele tinha lutado e quem ele tinha matado lá. Foi quando os guerrilheiros perceberam quem era seu prisioneiro.

- Shaitane Badi...

Seus suaves gritos continham não apenas ódio, mas também uma inconfundível nota de admiração e reverência.

Eles lhe deram um Dragunov roubado. Disseram-lhe para provar suas habilidades. Quando ele acertou limpo através de uma melancia a 500 metros, os mujahidin perceberam o valor de Stan.

Ele vagava sem rumo. Nem mesmo a lua brilhava para iluminar a noite negra. Ele poderia estar em Istambul, ou Varna, ou talvez até em Ancara.

Ele simplesmente fazia o que lhe mandavam, como um cão de caça estúpido. Ele matava e, em troca, recebia heroína.

Mas seus mestres de repente desapareceram. Ninguém apareceu no ponto de encontro. Nem mesmo o canal de rádio de emergência que lhe ensinaram a usar era de alguma utilidade. Talvez eles tenham sido destruídos antes dele. Era bem possível. A polícia local poderia tê-los pego, ou talvez uma agência de inteligência ocidental, ou talvez tivessem sido vítimas de uma emboscada dos talibãs pashtuns. Stan frequentemente recebia missões para eliminar indivíduos pertencentes a essas organizações, então não parecia tão estranho que eles tivessem decidido retribuir com interesse.

Foi assim que Stan se viu vagando sozinho em uma terra estranha, sem lar para voltar e sem companheiro ao seu lado além da noite silenciosa.

Talvez se ele matasse mais alguém, poderia receber mais heroína...

Esse era o único pensamento que passava pela cabeça de Stan enquanto ele seguia, temendo os inevitáveis sintomas de abstinência que podiam atacar a qualquer momento.

O fluxo do tempo derreteu. As correntes da causalidade desapareceram.

Stan observou cuidadosamente as veias de seu braço esquerdo. Ele precisava se injetar.

O hazara que lhe deu as drogas o encarou antes de cuspir aos seus pés.

- Você matou meu irmão mais novo, disse o homem. O irmão em questão era mujahidin, um dos muitos que haviam caído diante do vento ceifador de Shaitane Badi. Isso foi quando os mujahidin ainda estavam lutando contra os soviéticos. Quando Stan respondia por "Sargento", não por "Cão".

- Nunca vou perdoar o que você fez, disse o homem, o ódio colorindo sua voz.

- Pague a dívida que me deve com almas. Use as habilidades que derrubaram tantos de nossos irmãos por nós agora.

Os afegãos continuaram a lutar. Eles continuaram lutando depois que os soviéticos saíram, como tinham feito antes que os soviéticos chegassem. Os inimigos de Alá eram, afinal, incontáveis.

Mesmo aqueles que adoravam o mesmo deus eram inimigos. Os hazaras, os pashtuns, os uzbeques, os tajiques, todos lutavam uns contra os outros com unhas e dentes pelo controle do país. Os adversários que estavam em seu caminho eram tão numerosos quanto os grãos de areia do deserto, e suas vidas, também, valiam tão pouco quanto aqueles mesmos grãos de areia.

E assim Stan continuou a lutar naquele inferno arenoso muito depois que seus camaradas partiram. Sempre que eliminava um alvo, recebia heroína. Era a única razão pela qual ele empunhava seu Dragunov, dia após dia.

O fluxo do tempo derreteu. As correntes da causalidade desapareceram.

Ele vagava sem rumo. Ele caminhava por entre a fumaça negra e sufocante, o cheiro de napalm pairando pesado e pegajoso ao seu redor.

Alguns dos corpos ao seu redor eram nada mais do que cadáveres carbonizados. Outros, ainda piores, estavam vivos. Ele sabia que os menores eram os corpos de crianças. Talvez as massas retorcidas ao redor delas, como se as protegessem do fogo, fossem suas mães. Ele podia ver tudo. Ele viu que nenhum dos corpos segurava uma arma nas mãos.

Ele fora informado de que aquele lugar era um esconderijo para uma célula dissidente de guerrilheiros mujahidin antigovernamentais que se opuseram à administração de Kamal. A informação viera de uma fonte confiável, então não houve reconhecimento, nenhuma confirmação. A infantaria recebeu a ordem de limpar depois que os bombardeios e a artilharia fizeram seu trabalho.

- O guerrilheiro deve nadar entre as pessoas como um peixe nada no mar, disse Mao Zedong uma vez. Os soviéticos, percebendo que não poderiam pegar todos os peixes, passaram a secar o mar. Ataques indiscriminados a aldeias civis já estavam se tornando procedimento padrão. Em breve, a província de Baghlan se tornaria nada além de uma terra deserta.

Ele não sentia raiva. Ele nem mesmo achava injusto. Se permitisse sentir tais emoções, seria incapaz de aceitar a realidade. Essa era sua missão. Essa era sua guerra.

Ele não tinha escolha senão aceitar... que neste lugar, uma vida valia menos que um grão de areia.

Stan estudava cuidadosamente as veias de seu braço esquerdo. Ele precisava se injetar.

Ele estava cercado pelo deserto, sua própria autoestima reduzida a menos que um grão de areia. Sempre que Stan recobrava a consciência, ele se encontrava procurando o conforto da heroína.

Enquanto ele permanecesse no acampamento, as drogas eram mais fáceis de conseguir do que bebida alcoólica. O Afeganistão era um produtor mundialmente famoso de ópio. As drogas passavam indiretamente pelos rebeldes locais para as mãos do exército soviético. E os lucros passavam indiretamente para as mãos dos mujahidin. Mas ele nem sequer conseguia mais se importar. Ele precisava do fugaz momento de êxtase que apenas a heroína poderia proporcionar. Sem ela, ele nem mesmo conseguia mais levantar seu fuzil.

Por que os soviéticos estavam aqui no Afeganistão? A desculpa fraca de que estavam lá para apoiar a administração de Kamal em Cabul não tinha mais fundamento. Rumores abundavam, alguns dizendo que estavam usando o impasse como uma oportunidade para dar aos soldados experiência de combate real, e outros sussurrando que o verdadeiro objetivo do governo era testar novas armas experimentais. Apenas o Kremlin sabia a verdade.

De qualquer forma, tudo o que os soviéticos tinham que fazer era destruir as estradas que ligavam as cidades do Afeganistão e controlar os aeródromos. Então eles procederiam a queimar todas as fazendas, levando os guerrilheiros até a morte. Apenas uma terra seca de areias movediças permaneceria... sim. Eles estavam lutando aqui para devolver tudo ao pó.

Mas... agora que ele pensava nisso... Stan se perguntou, revirando suas memórias nebulosas.

Ele sentia como se as coisas não tivessem sido sempre assim. Houve um tempo em que ele tinha uma razão para lutar, independentemente da situação, independentemente do que os políticos diziam. Não havia uma bravura em seu coração que não temesse a morte, uma vontade em seu peito que o instigasse a avançar sempre?

Agora, ele nem sequer tinha certeza de que algum dia tais tempos existiram. O que havia mudado? Tudo ficou obscurecido pela tempestade de areia, os cheiros enterrados sob o cheiro de napalm e gordura humana borbulhante, e tudo mais uma vez escondido atrás de um véu de heroína. Ele não lembrava de nada.

Ele vagava sem rumo. O frio da noite do deserto penetrava em seus ossos. A terra árida se estendendo infinitamente em todas as direções, vazia exceto pelo som do vento soprando, de alguma forma fazia lembrar as profundezas do oceano. Deve ter sido a lua pálida no céu negro como breu, parecendo como o sol poderia parecer debaixo das ondas.

Ele não tinha comida ou água, e certamente nenhuma arma. Sem nada nas mãos, ele havia caminhado todo o caminho desde a base. Quando o sol nascesse, o calor impiedoso certamente o queimaria até a morte. Isso seria o suficiente. Ele recebeu sua própria morte de braços abertos.

Havia uma maneira mais rápida, mais certa de resolver as coisas. Envolveria colocar o cano de uma Makarov na cabeça e puxar o gatilho. Mas se ele tivesse coragem para isso, provavelmente não teria se tornado viciado em drogas em primeiro lugar. Em outras palavras, ele estava apenas tentando fugir. Ele queria correr e correr, até não poder mais correr, e finalmente alcançar a terra da morte. O único método de suicídio disponível para um covarde desses era "caminhar". Ele estava tentando andar até a morte. Ele estava entregando sua vida ao deserto árido porque não tinha o necessário para encerrá-la sozinho,.

Mas... mesmo enquanto flutuava pela memória nebulosa daquela jornada noturna, Stan mais uma vez se perguntava...

Do que ele estava fugindo? Será que ele tinha medo de que o peso das vidas que ele tirara o esmagasse, grãos de areia se acumulando e formando uma duna imensa? Não, a cura para isso deveria ter sido a heroína. Por que ele estava buscando a morte agora, quando havia enterrado sua tristeza e desespero sob uma onda de fantasias impulsionadas por drogas? O que estava o perseguindo? Do que ele estava fugindo?

Tudo o que ele conseguia pensar era na memória daquela única noite, e no fim absurdo que veio para aquela travessia fria pelo deserto.

O preço por sua fraqueza havia sido muito alto. Algum tempo depois de desmaiar, sem forças em seus membros, Stan havia recobrado a consciência... suas mãos e pés firmemente amarrados com correntes.

Uma patrulha de reconhecimento da Mujahideen o encontrara desmaiado no deserto. O destino havia dado a Stan uma vida muito mais vergonhosa e patética do que a morte.

O fluxo do tempo derretia. As correntes de causalidade desapareciam.

O grito de balas rasgando o ar quase parecia o riso da própria Morte.

A base avançada isolada no Vale de Panjshir oferecia um alvo tentador para os guerrilheiros. Primeiro, eles se mantinham afastados, provocando os soldados soviéticos e os forçando a um estado constante de alerta, até que finalmente os homens estavam no limite mental. Foi quando os guerrilheiros atacaram, surgindo das montanhas para atacar com toda a força. Stan já havia experimentado esse ciclo muitas vezes... mas este provavelmente seria o último.

Os ataques contínuos já haviam esgotado o suprimento de homens aptos da base, e até aqueles capazes de lutar já estavam feridos ou sofrendo de exaustão aguda. E ainda assim, seus inimigos eram como um enxame de gafanhotos. Não importava quantos matassem, não havia fim para os atacantes. Homens velhos e meninos jovens, suas vozes erguidas juntas em louvor a Deus, avançavam sobre os corpos de seus camaradas e para o fogo das metralhadoras Deglachev sem olhar para trás.

Não havia como vencer. Mil Kalishnikovs e bilhões de balas não teriam virado o jogo. Eles precisariam de balas suficientes para atirar em todos os grãos de areia do deserto para acalmar as vozes que cantavam o louvor de Alá. Os Mujahideen vinham como uma onda de maré. Uma tempestade de areia feita de vidas humanas. Não havia como derrotá-la. Tudo o que podiam fazer era resistir. Resistir até morrer, resistir até não restar mais nada.

A mente de Stan, entorpecida pela heroína, há muito havia descartado o conceito de medo. Só restava uma apatia vazia, um vento seco que soprava através de seu coração. Sim, ele pensou. Somos apenas grãos de areia. É nosso destino sermos levados pelo vento diante dessa tempestade, empilhando-se nesta terra árida. Enterrados e esquecidos.

Vysotniki, alguém murmurou, a palavra sendo apenas uma coleção de sons sem sentido.

Ainda assim, havia uma espécie de esperança desesperada na voz do homem, um desejo tolo que havia chegado tarde demais.

Vysotniki. Isso já foi algo como uma oração, uma palavra sagrada que trazia salvação. Compostos pelos melhores dos melhores da 11ª esquadra da brigada de distração traseira soviética 318, os Vysotniki apareciam onde quer que as vozes de seus aliados pedissem ajuda. Desprezando o perigo, eles mergulhavam nas zonas de morte mais letais, nas situações mais desesperadas, para criar caminhos para a vida onde não havia nenhum. Eles eram, em uma palavra, a última esperança dos soldados soviéticos isolados e de outra forma condenados.

... Mas os Vysotniki eram apenas uma lenda, uma nota nos anais da história.

Stan sabia disso. Ele próprio fora membro dos Vysotniki. Ele uma vez se lançara destemidamente em inúmeros campos de batalha infernais, e o nome "Shaitane Badi" havia feito os guerrilheiros afegãos tremerem de medo. Houve um tempo, há muito tempo, em que ele sentia o sangue quente correndo em suas veias enquanto lutava para salvar mais um camarada, mais uma vida.

Mas os Vysotniki haviam sido desfeitos, dispersos pelos quatro ventos junto com o orgulho que achavam que duraria para sempre. Junto com a crença na batalha que fora sua única crença. Naquele dia fatídico de julho de 1987... Stan deveria ter morrido. Melhor ter morrido ali do que ser varrido como um grão de areia aqui...

De repente, um estrondo ensurdecedor veio de fora. Um flash de luz cegante. O rugido dos motores Ysoft duplos, alimentando o rotor de cinco lâminas de um helicóptero, dominava o campo de batalha.

Dois helicópteros de ataque Hind pairaram sobre os Mujahideen, espalhando fogo e morte em seu rastro. Eles fizeram uma volta e seus lançadores de foguetes cuspiram fogo, a minigun de 12,7 mm pendurada abaixo do cockpit tocando uma música de massacre.

Com todas as armas em chamas, os Hinds distribuíam morte aos Mujahideen. Eles pairavam no lugar, e Stan podia ver anjos guardiões descendo das escotilhas. Mensov, David, e até o temível sargento, Boris... Seus camaradas de armas, junto com quem ele havia lutado em todas as situações. Stan honestamente não conseguia dizer se eles eram reais, ou simplesmente os lampejos de memória que se viam antes da morte.

Os Vysotniki, alguém gritou. Havia alegria naquela voz, mas também medo. Medo ao ver esses messias retornados do túmulo.

E foi então que Stan a viu. A deusa da guerra entrou no bunker. A valquíria havia chegado.

Seu rosto, manchado com a fuligem e a sujeira do campo de batalha e torcido com horríveis cicatrizes, era certamente um rosto adequado para um demônio que poderia dançar levemente através de tal Inferno. O cheiro de sangue pairava sobre ela como perfume. E ainda assim, Stan só conseguia tremer, completamente capturado por sua beleza... Sim. Não poderia haver outra palavra para descrevê-la. Ela era um avatar de vontade de aço, um conceito dado carne que jogava fora os grilhões do desespero e do terror para avançar. Havia uma piedade sobre ela que só podia ser vista no campo de batalha, no inferno sem deus onde se encontravam, uma qualidade sagrada que anunciava a todos o quão fortes os seres humanos podiam ser. Ela era a prova viva dessa força.

- Parece que te fiz esperar, camarada Sargento Júnior.

Os tons frios, porém fortes, de sua voz desafiavam todas as tentativas de Stan de descartá-la como uma alucinação.

- Estou aqui, parecia dizer a voz.

- Estou presente.

- Tenente Pavlovena...Como você está aqui?

Você já lutou o suficiente. Você foi capturada enquanto protegia refugiados, resistindo à tortura que durou um mês e a deixou com queimaduras por todo o corpo. Sua luta

deveria ter acabado. Quando te vi espancada e machucada depois que te resgatamos, quando soube que você tinha sido mandada de volta para casa e os Vysotniki foram dissolvidos, suspirei de alívio em vez de chorar de desespero. Queria brindar a você, pois finalmente tinha encontrado uma saída desse inferno. Mas por quê…

- Por que... Por que você voltou, Tenente?

- Tenente Pavlovena foi dispensada. Mas Capitã Pavlovena não, camarada Sargento Júnior.

Sofiya Pavlovena sorriu largamente, como se dizer uma piada fosse a melhor resposta para tal pergunta. Então ela se virou para as tropas reunidas ao seu redor e deu suas ordens, sua voz ecoando corajosamente, como sempre fizera.

- Todos os soldados, saiam! Protejam quaisquer aliados sobreviventes e persigam todos os remanescentes hostis!

...E assim, os Vysotniki ressurgiram das cinzas, renovados mais uma vez. O herói havia retornado.

Sofiya Pavlovena mudara por dentro desde que retornara ao Afeganistão como capitã. Isso era evidente à primeira vista.

Havia um vazio em seu olhar calmo, quase vazio, como se tivesse renunciado a algo importante para ela. Parecia que nunca mais haveria esperança ou alegria brilhando naqueles olhos.

- ...Por que você voltou? Stan perguntou novamente, depois que a batalha terminou. O vento da noite batia contra eles enquanto observavam a unidade se preparar para deixar o local.

- Ouvi rumores de que você tinha sido escolhida para a equipe de tiro soviética para as Olimpíadas de Seul. Mas por quê...

- Você acha que eu poderia competir com o orgulho do meu país em jogo com um olho assim? Sofiya apontou para o lado direito de seu rosto queimado com um sorriso que era brilhante demais para ser chamado de auto-depreciativo.

- Infelizmente, minha visão deste lado não é nem metade do que costumava ser.

Com um sorriso longe de ser auto-depreciativo, Sofiya apontou para o lado direito queimado de seu rosto.

- Os superiores decidiram que eu me sentiria mais em casa no inferno do Afeganistão do que vestindo uma medalha em Seul. E eu concordei. Estou... cansada, suponho que poderia dizer, de viver minha vida de acordo com as vontades hipócritas deles.

Stan podia sentir em seu tom seco, de tempos em tempos, o coração de um animal velho e cansado procurando um lugar para morrer. Uma premonição assustadora dominava Stan, e seu rosto congelava de ansiedade.

Mas Sofiya sorriu então, como se para acalmar as apreensões de Stan. Era o mesmo sorriso animado que ela usava há um ano.

- Perdi tudo, mas aqui, ainda há algo que posso recuperar. 'Capitã...'

- Nossa retirada do Afeganistão finalmente está sendo colocada em prática. Finalmente. Não há mais razão para que alguém perca a vida nesta terra. A guerra que travamos em busca de uma vitória que nunca existiu acabou. Agora, estamos lutando apenas pelas vidas de nossos soldados.

Ao contrário de quando falava de sua própria vida, a voz de Sofiya ao falar das batalhas que estavam por vir estava cheia de vontade de ferro e espírito.

- Eu não preciso mais de honra ou glória. Um  soldado a mais  para trazer para casa é o bastante para mim. Talvez agora, finalmente, eu tenha encontrado uma batalha significativa para lutar.

Ao lado dela, Stan viu em sua postura casual o que significava ser um herói.

De fato, apenas a batalha poderia sustentar sua alma. Mesmo depois de ser queimada viva, a Capitã Pavlovena encontrara sua fome por guerra insaciada. Diante de sua determinação feroz e coragem nobre, Stan não pôde deixar de se olhar. Em seu coração, o coração que uma vez mergulhara profundamente nas profundezas do vício e se afastara de enfrentar a realidade, as palavras do herói encontraram seu alvo. A dor nem sequer podia ser comparada à de uma ferida de bala. Queimava muito mais intensamente. Era muito mais difícil de suportar.

Ele quase se surpreendeu. Não pensava que ainda pudesse sentir a emoção chamada vergonha.

Sofiya então falou com ele, uma simpatia incomum colorindo sua voz.

- Sargento Júnior Stanislav, você lutou bem. Vá para casa agora e descanse. Ainda não é tarde demais.

Sim... Ela deve ter percebido instantaneamente. O rosto magro de Stan e os olhos vazios eram inconfundíveis, afinal. Eram as características de um viciado em drogas.

Cada pensamento que ele já teve voltou para ele enquanto o tempo derretia e as memórias perdiam coesão.

Raiva e dor. Orgulho e alegria. Desespero e vergonha... Tudo o que ele havia entregado à heroína.

Na época em que era chamado de Vento do Diabo, Stanislav Kandinsky havia lutado lado a lado com Sofiya Pavlovena. Não por uma ideologia, não por ódio. Ele erguera sua arma apenas pelo bem de seus camaradas que lutavam ao seu lado. Esse era o total de seu motivo, sem um pingo de dúvida. A pedra angular de sua vontade de lutar.

Ele havia admirado aquela nobreza. Aquela coragem havia iluminado seu coração. Mas ele havia manchado aqueles dias gloriosos com suas próprias ações.

O que ele estava fazendo durante o ano em que Sofiya estava fora? Ele havia matado homens velhos demais para portar armas, atirado em mães tentando proteger seus filhos. Incapaz de suportar o peso de suas ações, ele se entregara, corpo e alma, ao pó branco. Ele havia se dito que qualquer ser humano teria feito o mesmo diante de condições tão severas? Ele realmente achava que isso era verdade? Ele conhecia uma mulher que havia estado à beira da morte, uma mulher que continuara lutando mesmo quando queimaduras cobriam todo o seu corpo. Ela era o que significava ser Spetsnaz. Uma soldada modelo, vontade indomável estampada em seu peito. E ele... ele era lixo, pior do que lixo.

Chegou finalmente o dia para os soldados soviéticos retornarem para casa, e nenhum deles estava em condições de cantar canções triunfantes ao partir. Mas ainda assim, sua pátria certamente os receberia de braços abertos, reconhecendo as dificuldades que enfrentaram e a coragem e orgulho que guardaram em seus corações. O que mais poderiam chamar as pessoas de sua terra natal senão os que sobreviveram em condições tão severas de heróis? Como poderiam celebrar algo se não pudessem celebrar o retorno de soldados tão valentes?

Mas apesar disso, não, por causa disso, Stan não tinha um lar para onde voltar. Seria um insulto para guerreiros tão nobres um perdedor como ele caminhar ao lado deles. Ele se considerara apenas um grão de areia. Ele desistira, resignado a um destino de ser levado pelo vento. Como poderia voltar para casa como um herói depois de pensar tais coisas?

Então ele fugiu. Envergonhado consigo mesmo, incapaz de encarar os heróis ao seu redor nos olhos, acreditando que desaparecer nos desertos dessa terra estrangeira era a única forma de expiar seus pecados, ele fugiu.

Mas mesmo assim, incapaz de morrer como desejava, ele continuou lutando e matando, uma ferramenta para os homens que uma vez foram seus inimigos. Sua mente mais uma vez um grão de areia, vagando, procurando uma veia, ciclando infinitamente através das memórias que se derretiam diante da influência da heroína...

...Mesmo agora, nós nunca deixaríamos um camarada em apuros...

Uma voz do seu passado. A preocupação e o apoio dos seus camaradas, que ele pensava perdidos nas profundezas das suas memórias.

O som ainda ecoava em seus ouvidos, ressoando dentro de sua cabeça.

Não podia ser. Não havia como eles estarem vivos em um antro tão miserável. Tais vozes nunca deveriam ser ouvidas aqui, no lugar para onde ele tinha ido parar depois de virar as costas para a vida orgulhosa de um soldado.

...Dizem que a líder, Balalaika, é a mais cruel, mais durona filha-da-mãe da cidade. Às vezes a chamam de Cara Frita...

Uma mulher com cicatrizes de queimadura no rosto. A lembrança do fantasma que uma vez brilhou mais do que qualquer outro dentro do seu coração.

Isso não poderia ser. Isso não deveria ser.

A heroína certamente havia retornado à sua pátria para ser agraciada com elogios. Certamente, na Rússia, ainda hoje cantavam canções em sua homenagem.

Embora ele tivesse caído na lama, ele acreditava que ainda havia uma estrela brilhando nos céus. Essa era a única coisa que havia dado um alívio à sua alma torturada.

Por isso, não poderia existir uma mulher chamada "Balalaika". Tal mulher não poderia existir neste mundo...

O fluxo do tempo derretia. As correntes da causalidade desvaneciam.

Preso em um pesadelo interminável, Stan só podia continuar murmurando negações para si mesmo.

A Tríade havia descoberto onde a equipe de assalto Zaltzman estava escondida antes da Companhia Lagoon, e agora não era exagero dizer que a reputação do Lagoon estava em frangalhos. Mas Chang, sempre magnânimo, havia dado a Dutch uma nova chance.

Ele sugeriu que uma equipe de freelancers invadisse o esconderijo em vez de enviar membros da Tríade para o trabalho, uma equipe de freelancers que naturalmente incluiria uma pessoa da Lagoon. A tripulação da Lagoon, sem posição para recusar, não teve escolha senão enviar Revy para se juntar à equipe escolhida a dedo por Chang.

E foi assim que Revy se encontrou sendo chacoalhada de um lado para o outro no interior sujo de um Jeep Cherokee, espremida com outras cinco pessoas enquanto se dirigiam para uma fábrica abandonada nos arredores de Roanapur, conforme a dica de seu informante. Ela não havia sido informada sobre quem estaria trabalhando com ela... e agora, pensando nisso, deveria ter percebido que algo estava errado.

- Ooooooh... O menino menestrel foi para a guerra! Ah hey hey! Nas fileiras da Morte você o encontrará, a espada de seu pai ele cingiu oooooon! E sua harpa selvagem pendurada atrás dele!

O irlandês ao volante estava obviamente drogado até a alma com cocaína, mal mantendo o controle do volante enquanto cantava uma canção tradicional com toda a alma. De alguma forma, ele havia ficado ainda pior desde a última vez que a vida de Revy dependia de suas habilidades.

- Se eu soubesse que esse filho da puta louco estava dirigindo de novo, teria pegado um tuk-tuk em vez disso...

A bela mulher sentada no banco do passageiro deu uma risadinha para Revy, verificando distraidamente sua maquiagem no pequeno espelho compacto que tinha aberto.

- Não se preocupe. Leigarch está alto como a lua esta noite, mas ele nunca comete erro ao dirigir.

O cabelo preto lustroso que caía até a parte inferior de suas costas e o cheongsam de seda que ela usava, com uma fenda perigosamente alta na coxa, poderiam levar alguém a acreditar que a mulher era uma hostess em algum clube noturno caro. Mas, na realidade, ela era uma caçadora de recompensas infame, temida até mesmo na casa de loucos sem lei dos mercenários que era Roanapur.

- ...Por que diabos vocês todos estão aqui afinal, hein?! Vamos, me digam, sim senhora!

- Boca ainda suja como esgoto, vadia. Devia ter aprendido boas maneiras antes de aprender inglês, sim?

Embora a parceira de Leigarch, Shenhua, fosse de ascendência chinesa, assim como Revy, ela alegava ser benshengren, e seu inglês ainda precisava de algum trabalho. Ainda assim, ela era uma assassina de primeira classe, e suas habilidades com o par de liuyedao que empunhava eram incomparáveis.

Revy havia lutado ao lado dela apenas uma vez, pensando bem, naquela vez também havia sido a pedido de Chang e viu com seus próprios olhos enquanto Shenhua desossava um grupo de homens armados com armas, sem lhes dar sequer tempo de puxar os gatilhos.

- Beleza, eu acho que ele poderia ter conseguido você, mas por que diabos os Irmãos Tango também?

Revy lançou um olhar fulminante para a terceira fileira de assentos, e, como se em resposta, os três homens hispânicos sentados lado a lado começaram a cantar, suas vozes se elevando em um ritmo animado.

- ♪O Senhor Chang nos chamou, então vamos matar.♪

 - Matar!

- ♪Andando de jipe.♪

 - De jipe!

- ...Tá bom. Eu entendi a mensagem. Agora calem a porra da boca.

Os três homens cantarolando alegremente, aparentemente alheios à atmosfera assassina, formavam o trio de matadores conhecidos como os Irmãos Albondigas. Os irmãos tinham chegado a Roanapur depois de perceberem que sua banda de tango não estava indo a lugar algum, tornando-se matadores profissionais ao longo do caminho. Eles mantiveram o hábito de falar em ritmo sincopado mesmo após a mudança de cantores para assassinos, tornando-se uma irritação mortal para seus colegas, assim como para seus inimigos.

Revy resmungou.

- Meh, eu não acredito no Chang... Ele poderia simplesmente ter me dito onde estão os desgraçados e então eu poderia ter ido e terminado o trabalho sozinha, ela murmurou.

- Isso só significa que ele não acredita na tripulação do Lagoon. Ele quer alguém para ficar de olho nos idiotas que ajudam a equipe de ataque do tanque.

- ...Que merda você acabou de dizer para mim, vadia? Você deve ser ainda mais burra do que eu pensava se eu ouvi direito. Eu devo ter entendido errado, né, senhora?

Revy lançou a Shenhua um olhar venenoso, mas ela apenas devolveu na mesma moeda, com um olhar assassino.

- Somente estúpidos acreditam na vadia que mentiu sobre onde os documentos estavam em Basilan. Nunca ouviu falar do menino que gritou lobo?

- ...Jesus, porra, você ainda está ressentida com isso? Deixe-me adivinhar, você não tem muita sorte com os caras, né? Eles todos fogem por algum motivo, certo?

- Eu acho que isso não é da sua conta, não é?

Os Irmãos Albondigas continuaram brincando entre si, indiferentes à atmosfera assassina que se acumulava como uma nuvem de tempestade ao redor das duas mulheres.

- ♪Um dia, a equipe começou a brigar entre si.♪

- Entre si!

- ♪Brigando por coisas do passado.♪

- ...Eu não disse para vocês, filhos da puta, calarem a porra da boca?!

Shenhua suspirou, seu desejo de matar completamente extinto pelo ritmo do tango.

- De qualquer forma, certifique-se de matar os idiotas que atacarem Chang Da Ge onde eu possa ver você. Não há outra maneira de acreditar em você. Você entende, não é?

- Sim, sim, eu entendi, disse Revy, levantando a voz em uma imitação sarcástica de Shenhua.

- Só não me atrapalhe... e, ouça. Se você vir algum desgraçado que pareça um rapper ou algo assim, carregando uma arma que parece ser de plástico, ele é meu. Mate ele, e eu mato você. Atravesse meu caminho, mesma coisa.

Todas as discussões com Shenhua fizeram pouco para distrair Revy de sua missão atual na vida: matar Jake. Cada momento gasto discutindo no jipe era um momento desperdiçado. Ela queria encher aquele desgraçado de chumbo quente o quanto antes.

- Oh? Parece que há rancor ali, sim? Muito divertido. Acho que vou assistir.

- ♪Uma fenda se formou em nossa equipe.♪

- Em nossa equipe!

- ♪Mas, logo essa fenda foi consertada.♪

- Eu disse, calem a porra da boca!

Totalmente alheio à briga que acontecia atrás dele, Leigarch continuava dirigindo, perdido em um mundo de música folclórica irlandesa.

- Tuas músicas foram feeeeeeeeeeitas, para os puuuuuuros e livreeeeeeeeeees! Elas nunca soarão na escravidaaaaaaaaaaão! Simmmmmmm!

A verdade sobre Roanapur e as coisas que aconteciam dentro de suas fronteiras nunca foram realmente reveladas ao mundo exterior. As organizações criminosas que dominavam a cidade se uniram para manter o covil da vilania preservado para sempre, reduzindo a quantidade de informações que escapavam dos limites da cidade ao mínimo absoluto.

E assim acontecia que, às vezes, muito raramente, uma empresa estrangeira com muita ambição e pouco bom senso via que os preços de terra e mão de obra em Roanapur eram extremamente baratos e, sem perceber que Roanapur poderia muito bem ser chamada de Sodoma, pensava em estabelecer-se dentro da cidade.

Naturalmente, quase todos esses planos tolos eram rapidamente encerrados pelas forças por trás de Roanapur, às vezes indiretamente através de ameaças sutis e interferência e às vezes diretamente  através de advertências diretas. Mas de vez em quando, muito raramente, quando o gerente da empresa em questão era muito tolo mesmo, os planos de expansão continuavam até que um prédio fosse construído.

Não havia nada digno de menção sobre as tragédias que inevitavelmente se seguiam. De qualquer forma, era fácil encontrar prédios meio-finished desertos dentro e ao redor dos limites da cidade de Roanapur, prédios cujos ocupantes haviam desaparecido misteriosamente poucos dias após o início da construção.

O esconderijo escolhido para a equipe de Jake era uma dessas fábricas desertas. Cercada por floresta em todos os lados e de difícil acesso a pé a partir dos limites da cidade, a fábrica apresentava um esconderijo perfeito, seguro contra a atenção indesejada de vagabundos e sem-teto errantes.

Se a fábrica estivesse fora do alcance do celular também, Jake nunca teria concordado em se estabelecer lá. Mas felizmente, o sinal era forte e claro, permitindo que Jake continuasse sua segunda vida online.

Jake sorriu, desfrutando das reações de seus fiéis leitores no livro de visitas de seu blog, Deadly Biz. Mas essa felicidade provou ser passageira, pois o transceptor ao seu lado escolheu aquele momento para tocar. Era Alonzo, que estava postado do lado de fora como vigia.

- ...O que está acontecendo?

- Tem um carro vindo na nossa direção. Isso é ruim... você acha que alguém estava nos seguindo?

- Não, cara. Provavelmente é um casal vindo para se divertir. Faça o que quiser com eles, eu não me importo. Espie, talvez se junte a eles...

- Desgraçado, cara... ei, espere, cinco pessoas acabaram de sair. Eles parecem... meu Deus! Merda merda merda! Um deles é a vadia da Lagoon!

- ...Hein?

Jake se contorceu ao som do estrondo agudo dos tiros que irromperam simultaneamente do transceptor e, fracamente, do lado de fora.

- ...Alonzo? Ei, cara, você está aí? O transceptor permanecia silencioso. Ainda parecendo como se não conseguisse acreditar no que ouvira, Jake colocou seu laptop em modo de suspensão e se levantou.

- O que está acontecendo?

Pedro correu do cômodo ao lado, ainda esfregando o sono dos olhos. Parecia que ele tinha um ouvido afiado, se nada mais.

- Acho que o Alonzo morreu. Ele disse que a mulher da Lagoon está aqui.

- O quê? Isso é impossível. Como diabos ela nos encontrou?!

- É, droga se eu sei. Algo está errado. Ninguém deveria saber que estávamos aqui... Jake murmurou em um sussurro baixo e ritmado, puxando lentamente sua UCJ Custom e empurrando-a sob o nariz de Pedro.

- ...a menos que tivessem uma fonte interna, sabe o que quero dizer? Ei, Pedro. Você deu uma linha para a Tríade?

O tom de Jake era amigável, mas Pedro ficou pálido como um lençol, quase espumando pela boca de medo.

- C-claro que não! Eu nem tive tempo para isso, mesmo se quisesse! Eu e o Alonzo nem sabíamos o que era Roanapur até você nos arrastar para cá esta manhã! Como eu ia saber sobre os chineses?!

- Yeah, você tá certo, Jake disse, encolhendo os ombros enquanto aceitava o raciocínio de Pedro e guardava sua arma.

- Então o que diabos está acontecendo? De jeito nenhum que o Stan fez isso... Ah, pensando bem, onde está o Stan? O que ele está fazendo?

- Ele está m algum lugar do corredor ali, olhando para a parede e falando sozinho.

Eles foram verificar e encontraram o líder ilustre deles viajando, tão chapado que sua cabeça provavelmente estava nas nuvens, agachado no corredor e murmurando desesperadamente para si mesmo.

- ...Kapitan... não... eu...

- Stan! Ei, Sta-a-an! Alguém em casa?!

Jake o sacudiu pelos ombros com força, depois deu-lhe alguns tapas fortes. Finalmente, Stan olhou para cima para Jake, um reconhecimento embaciado aparecia em seus olhos nebulosos.

- Temos problemas, cara. Pro-ble-mas. Entendeu? Me entende? Estamos em apuros, cara!

- ...

Sem uso. Jake encolheu os ombros em silêncio para Pedro. Pedro, percebendo que haviam perdido outro aliado precioso sem nem mesmo um único tiro ser disparado, balançou a cabeça em desespero.

- Ei, Stan. Vai ficar tudo bem, entendeu? Apenas corra para fora pela porta dos fundos. Ligue para nosso cliente, ok? Entendeu?

- ...

Quase inconsciente, embora os olhos estivessem abertos, Stan assentiu, ainda movendo os lábios. Bem, parecia que ele tinha entendido. Jake não podia se dar ao luxo de cuidar dele por mais tempo. Escrevendo Stan como uma causa perdida, ele soltou a gola do viciado.

- Ei, Jake. Vou pegar o rifle dele.

Talvez incapaz de confiar no automático Smith & Wesson pendurado no cinto, Pedro pegou o Dragunov de Stan de seu lugar na mesa, o visor noturno ainda preso.

- Yeah, que seja. Ele não está em condições de dizer não, de qualquer maneira.

- ...Yeah, eu o reconheço. Ele fez parte da festa ontem à noite. Este é o lugar, Revy disse baixinho, olhando para o rosto sem vida de Alonzo. O corpo tinha caído de bruços e ela teve que chutar para virá-lo.

- Oh, isso foi rápido.

Shenhua suspirou, parecendo tão chateada que Revy quase perguntou se ela estava esperando algo diferente. Pelo menos estava claro que a Companhia Lagoon não estava trabalhando junto com o inimigo.

Os cinco assassinos que saíram do Cherokee viraram as costas para a floresta escura e olharam para a fábrica abandonada que se erguia sob a luz da lua. Leigarch escolheu ficar no carro, aproveitando um pouco de tempo de qualidade com seu melhor amigo, um certo pó branco. Seu papel nisso tudo havia terminado, desde que nenhum dos alvos decidisse fugir de carro.

- Agora, qual é o plano para entrar?

- Você precisa de um plano? Eu pensei que já tinha te dito.

Agora que ela sabia com certeza que Jake estava em sua mira, o fogo dentro de Revy se inflamou ferozmente. Ela se tornara um míssil humano.

- Só uma regra neste plano. Não me atrapalhe. É só isso.

Sacando suas espadas, a fome por sangue flutuando ao seu redor como uma aura tangível, Revy entrou na fábrica sem dar uma segunda olhada.

- ♪Como Revy está assustadora hoje.♪

- Que assustadora!

- ♪O que você acha que devemos fazer, mana?♪

Os irmãos Albondigas olharam para Shenhua, suas vozes ligeiramente abafadas. Talvez o intento assassino de Revy tivesse penetrado até mesmo em seus crânios grossos. Quanto a ela, Shenhua estava ocupada demais pensando para ter medo.

De acordo com Chang, quatro assassinos haviam escapado do petroleiro. Provavelmente teria havido talvez um ou dois a mais no navio que veio resgatá-los. Isso representava toda a força que o inimigo poderia reunir. Revy havia eliminado o sentinela há apenas um momento, então um já estava fora. Mas a fábrica abandonada era grande demais para quatro ou cinco pessoas se esconderem. Se a equipe de Shenhua simplesmente avançasse sem um plano, era uma aposta segura que eles poderiam perder um ou dois.

Mesmo enquanto Shenhua repassava as possibilidades em sua cabeça, os sons de tiros e gritos frenéticos chegaram da porta aberta. Espiando cautelosamente para dentro, ela podia ver que havia alguém de pé lá em cima, perto do telhado, atirando em Revy com um rifle, e outro que estava gritando algo para ela.

- Hmm... Apenas dois vieram dar as boas-vindas para a vadia, sim? Isso não está certo... Irmãos Tango. Vamos dar a volta para a porta dos fundos. A vadia pode cuidar de si mesma aqui.

- ♪Em volta nós vamos para matar.♪

- Para matar!

- ♪Pegar qualquer um que fuja.♪

- ...Vocês três precisam mesmo calar a boca. Quietas agora, e me sigam.

Ainda discutindo ruidosamente, os quatro começaram a contornar a fábrica pela direita, indo em direção à saída dos fundos.

Quase no momento em que Revy pisou dentro da fábrica, foi recebida com o estampido de um rifle Dragunov vindo de cima.

Não foi apenas sorte que ela não levou um tiro ali. Ela estava esperando alguma emboscada e imediatamente correu para frente e se jogou atrás de uma cobertura assim que entrou. O atirador escolheu esse momento para tentar atirar.

Atirar em um alvo em movimento era mais coisa de cinema e de romances do que realidade - não havia muitos atiradores de elite que realmente conseguissem fazer esses tipos de tiros. Naturalmente, o primeiro tiro disparado contra Revy tinha errado completamente, e Revy percebeu instantaneamente que o atirador que enfrentava não era o franco-atirador da Zaltzman.

Um bom atirador de elite não apenas tinha uma grande mira. A primeira regra era nunca disparar um tiro que pudesse errar. Um atirador tinha que saber exatamente quais eram os limites de sua habilidade, comparar a situação em questão com essa habilidade e só puxar o gatilho quando pudesse ter certeza de acertar o que queria. Qualquer atirador que não percebesse isso era simplesmente de segunda categoria. Revy pôde perceber que quem estava atrás do rifle Dragunov agora não era um profissional. Era apenas algum idiota que tinha atirado instintivamente ao avistá-la.

- Ei, Revy! Que bom que você veio ao meu lugar! Quer transar? Jake chamou-a de algum lugar na escuridão.

A maioria das máquinas na fábrica nunca foi removida, deixando o interior do prédio parecendo um labirinto de aço. Em outras palavras, Revy teria que jogar um jogo mortal de esconde-esconde, não era  uma de suas maneiras favoritas de lutar de jeito nenhum.

- Vai se foder, Jake! Vai bater punheta para um dos seus posts de merda na internet!

Uma segunda bala do Dragunov bateu no chão diante de Revy, deixando uma faísca brilhante em seu rastro. O atirador era bastante ruim, sim... mas não tão desajeitado que Revy pudesse se dar ao luxo de ignorá-lo em sua mente. Suas habilidades com um rifle não eram nada de especial, mas ele ainda sabia exatamente onde Revy estava. Provavelmente usando o visor noturno como na Zaltzman. Mal-aimed ou não, bastava uma bala para acabar com uma luta. Se ela mostrasse a cabeça com muita frequência, quem sabe? O atirador poderia simplesmente acertar o alvo.

- Oh hey, você viu meu site? Não sei o que dizer!

Jake saiu para o aberto e revelou sua posição, seguro na certeza de que o Dragunov o estava cobrindo.

- Então, como é se sentir uma estrela na internet? Os olhos de todo o mundo estão em você, baby! Não está se sentindo quente e incomodada?

A voz animada de Jake trouxe de volta a memória daquele site vergonhoso na mente de Revy, revivendo a raiva que ela havia sentido.

- Eu não sou uma doente como você, seu merda!

- Oh, vamos lá, Revy. Você realmente quer viver toda a sua vida aqui nesta cidadezinha sem nome, não é? Vai continuar sendo apenas uma bandida armada pelo resto da vida?

Em contraste com a fúria avassaladora de Revy, a voz de Jake era amigável e calma, como se ele fosse um professor dando uma lição a uma criança faltosa.

- Você tem o dom, querida. Seria uma maldita vergonha alguém como você acabar como isca de pirata. Você tem o talento para brilhar em outro palco.

As palavras só serviram para enfurecer ainda mais Revy. Seu sermão extravagante permitiu que ela quase localizasse sua posição, mas sempre que tentava se mover para um lugar que lhe desse um tiro claro, o Dragunov disparava um aviso de cima, impedindo-a de se mover. Maldição!

- Que porra você está falando, seu filho da puta... Que diabos você pensa que é, afinal? Hein?!

- Vamos trabalhar juntos, Revy. Vamos lá, pense nisso. Ultimate R and Cool J! Podemos ser estrelas, baby!

 - ...Que porra é essa?

- Hollywood não é o único caminho para a fama nos dias de hoje. Os tempos mudaram! Qualquer um pode encontrar um caminho para o estrelato. É a revolução da internet, baby!

A proposta de Jake era tão absurda que na verdade serviu como um choque para trazer Revy de volta do ponto de ebulição.

- ...Quão estúpido você é? Os romulanos te lavaram o cérebro ou algo assim?

Sua raiva borbulhante se acalmou por um momento, e Revy finalmente começou a pensar em um plano.

Ela precisava decorar a bunda de Jake com alguns furos de 9mm parabellum, e para fazer isso, precisava de um plano adequado.

Primeiro, ela tinha que cuidar do atirador wannabe acima dela.

- Qualquer tipo de talento que você tenha, pode ser suficiente na internet. A lei, o bom senso? Não importa, cara. Tudo que você precisa é de uma história e um personagem... você nem precisa mostrar seu rosto! Eu provei isso!

Ignorando Jake enquanto ele tagarelava alegremente, Revy deliberadamente se jogou para fora da cobertura e rolou para trás de outra peça de máquina. O Dragunov seguiu obedientemente, disparando em seu novo esconderijo. Mas era exatamente o que Revy queria. Ela olhou para cima, avaliando a posição do atirador pela direção do tiro... ele estava em algum lugar perto do telhado. Lá. Ele estava meio escondido por uma das saídas de ar no teto, mirando em Revy.

- Nós assassinos, não precisamos mais nos esconder no escuro! Algumas habilidades muito fodas são tudo o que você precisa para seguir em frente. Ei, você sabia que no Japão chamam suas estrelas de 'talentos'. Os japoneses sabem o que está vindo pela autoestrada da informação!

O discurso ridiculamente grandioso de Jake continuou, mergulhando cada vez mais fundo nas profundezas do absurdo. Ainda sem lhe dar atenção, Revy fez outro movimento calculado, observando o flash da boca do Dragunov. Sim, das saídas de ar novamente. Que idiota. O atirador estava tão seguro na superioridade de seu visor noturno que até mesmo negligenciou trocar de posição entre os tiros.

Pensando bem, enquanto Jake desabafava tentando convencê-la a mudar de lado, o homem nas vigas continuou disparando com a intenção de matar. O que estava acontecendo? Inferno, o idiota lá em cima provavelmente estava tão surpreso com o discurso repentino de Jake quanto ela. Ele provavelmente estava tentando matá-la agora e acabar com isso rapidamente.

- Vamos, Revy. Eu consigo ver agora. Seus fãs estão lá fora, esperando por você! O século XXI vai ser a era dos ídolos da internet! Você e eu juntos, dez mil visualizações por dia serão fáceis!

Já tendo provado a derrota nas mãos de um atirador uma vez, Revy estava preparada. Ela pausou ao recuperar seu cartão oculto de seu lugar no cinto; não seria cortês, refletiu, deixar a grande declaração de Jake sem resposta.

- Ei, Jake... Eu tenho que admitir que estava errada sobre você. Eu pensava que você era apenas algum louco ou algo assim.

- Então agora você sabe que não sou, né?

 - Sim, claro.

Revy sorriu... Um sorriso cadavérico, esticado morto como um corte da foice do Ceifador em seu rosto.

- Você é algo totalmente novo, algum tipo de coisa terrível tão horrível que nem tem nome. Diabos se eu sei o que te chamar. Talvez eu arraste seu cadáver para algum cientista e ele possa dar um nome latino chique quando eu terminar com você.

Ela puxou o pino de sua granada de luz antes que Jake pudesse formular uma resposta adequada e a lançou para cima.

O estrondo veio primeiro, o som agudo de alumínio e percloreto de potássio se dispersando rapidamente e então o flash, transformando a noite em dia. Para o atirador, olhando através de um escopo de visão noturna que amplia a luz, os efeitos foram catastróficos. Enquanto o atirador acima dela cambaleava bêbado, Revy segurava apenas uma de suas Cutlasses em ambas as mãos e mirava, lenta e cuidadosamente, no homem desorientado.

A arma de Revy não tinha mira, mas mesmo assim ela podia ver claramente a silhueta de um homem nitidamente delineada contra a fraca luz do céu crepuscular. Como todos os iniciantes, ele havia assumido cegamente que o lugar mais alto com a melhor vista era sempre o ideal. Ele pagaria por seu erro com a morte.

Apenas um tiro era tudo o que ela precisava. A Cutlass rugiu, um grito sufocado foi interrompido, e os dois objetos de massas diferentes caíram juntos, Dragunov e cadáver, uma reencenação dos testes de Galileu na Torre de Pisa.

- ...Heh, peguei ele.

Ela esperava que a posição Weaver parecesse estranha, já que raramente a usava fora do estande de tiro, mas parecia que, quando chegava a hora, era como andar de bicicleta. De qualquer forma, com esse obstáculo fora do caminho, Revy finalmente estava livre para voltar sua atenção para o prato principal. Sacando rapidamente sua outra Cutlass também, ela correu pelos corredores atrás de sua presa, o aroma intoxicante de sangue inundando seus sentidos.

Desprovido de sua parceira, Jake tentou bater em retirada, indo direto para os níveis internos da fábrica. Revy o parou bruscamente com alguns tiros bem colocados bem na frente de seu rosto.

- Yo, agora é sua vez, baby. Vamos lá, deixe-me ouvir mais da sua proposta de negócios.

- ...Bem, vai se fuder.

Finalmente era hora do confronto deles. Sentindo que sua raiva e frustração logo seriam aliviadas rapidamente e de forma violenta, Revy sorriu um sorriso predatório e lambeu os lábios vorazmente.

Stan rastejava pela escuridão, sua consciência oscilando desordenadamente entre o perigo real que enfrentava e a alucinação.

O inimigo estava ali. O inimigo estava perto. Jake disse a ele... corra, pela porta dos fundos.

Mas quem era o inimigo? Os Mujahideen? O governo? O Talibã? Contra quem ele deveria lutar? Quem ele tinha que matar? Quem o estava perseguindo? Ele estava no Vale do Panjshir, na Turquia ou na Grécia...?

Não, ele estava na Tailândia. Uma cidade portuária chamada Roanapur. Este lugar não tinha nada a ver com seu passado.

Mas... por que, então, ele estava sendo perseguido pelo fantasma de seu Kapitan? Ela havia feito um glorioso retorno à Rússia. Ele era o único que restava rastejando nesta imundície. Não. Ele não devia se lembrar.

Aqueles eram apenas sonhos passados. Mas, se assim fosse, quem era Balalaika?

Sim, Kosloff. Eu morri. O soldado chamado Stanislav morreu. Apenas a casca vazia do que ele costumava ser continua se movendo sem rumo. Ela rasteja cegamente, em busca de heroína. Não, por favor, não olhe para mim. Eu imploro, deixe-me em paz...

Com mãos trêmulas, ele agarrou o ar vazio. Talvez estivesse tentando agarrar a realidade, manter sua consciência no presente.

Um rifle... Essas mãos precisam de um rifle. Meu Dragunov, meu parceiro. A única coisa em que posso confiar. A sensação suave de sua coronha me despertará deste pesadelo. Mas... ele não está aqui. Onde está?

Onde está meu rifle?!

Ele soluçou de ansiedade. Não sabia onde estava a porta dos fundos. Nem sequer sabia em que direção devia correr, apenas que o inimigo estava se aproximando cada vez mais. Ele não conseguia se mover. Se se movesse agora e fosse pego, seria morto...

De repente, alguém estava ali, apoiando-o. Mãos grandes e fortes bateram suavemente em seus ombros.

...Stan-dono, não tema. Você voltou a si?

Um aliado. Era um amigo. O Vysotniki tinha... não, espere... quem era esse...?

...Siga em frente por este corredor. Quando não puder ir mais longe, vire à direita. Então você poderá escapar. Não há necessidade de confusão...

Ele conseguiu acenar com a cabeça, lutando para afastar a desordem dentro dele. Mas, no momento seguinte, outra preocupação se manifestou em seu peito.

Se Stan fugisse, o que aconteceria com esse amigo desconhecido? 

- Mas você...

...Não se preocupe comigo. Agora vá...

O homem invisível deu-lhe um empurrão gentil para mandá-lo seguir em frente. Só então o cérebro de Stan começou a funcionar novamente.

No estado em que estava, ele era apenas um estorvo. Tinha que sair o mais rápido possível. Não podia se dar ao luxo de atrapalhar seus aliados.

- ...

Respirando profundamente, Stan seguiu as instruções que havia recebido, cambaleando instavelmente pelo corredor.

Shenhua parou, uma estranha sensação de desconforto lavando sobre ela.

Ela não tinha sentido nada com certeza. Se seus sentidos não estivessem já aguçados, certamente não teria notado nada.

Ela olhou para a escuridão da fábrica abandonada. Sentiu a sutil mudança na essência do lugar.

Sim... Até um momento atrás, os instintos de caça de Shenhua haviam transmitido a ela os sentimentos de sua presa, o medo e a ansiedade se tornando claros através da escuridão. Mas isso havia desaparecido de repente, como se o inimigo tivesse sumido sem deixar rastro. Será que o alvo havia morrido de algo como um ataque cardíaco, falecendo silenciosamente nas profundezas da escuridão?

Não, não era isso... Shenhua estreitou os olhos e elevou sua consciência ao máximo, pressionando suas habilidades de espadachim ao extremo. Havia, de fato, ainda um inimigo em fuga. Mas a presença daquele havia sido sobrescrita por outra. A presença de uma lâmina oculta, algo silencioso e transparente, mas infinitamente perigoso, no entanto.

- ...Já é hora de fechar o cerco, Albondigas. Vocês estão pronto? Shenhua disse em voz alta, deliberadamente chamando seus aliados. Revy havia matado um inimigo, e como estava lutando contra mais dois do outro lado da fábrica, isso deixava um, talvez dois no máximo, para Shenhua e o trio enfrentarem. Com uma vantagem numérica assim, ela podia se dar ao luxo de revelar sua posição na tentativa de atrair o alvo.

Mas... não houve resposta. Onde três vozes deveriam ter respondido em um ritmo animado de tango, havia apenas silêncio.

- 这个王八蛋 (Filho da puta)...

Ela xingou em sua língua materna.

Tres Albondigas, o mais jovem dos três irmãos, tinha ouvido Shenhua chamá-los. Mas seu irmão mais velho, que deveria ter sido o primeiro a responder, estava em silêncio. Como o mais novo, seu papel era entrar na conversa quando seus irmãos diziam algo... o que significava, inversamente, que se seus irmãos não falassem, ele não podia simplesmente se adiantar e dizer o que queria.

Enquanto Tres caminhava sem rumo, impotente, um som de algo molhado sob seus pés chamou sua atenção para baixo.

Ele estava parado em uma poça de sangue. A realização fez com que ele girasse no lugar, olhando em volta desesperadamente, e logo seus olhos se fixaram no corpo de seu irmão mais velho, Uno Albondigas, pendurado sem vida sobre uma máquina.

- U...Uno...

A garganta de Uno havia sido rasgada por algum tipo de arma de gancho, seu rosto para sempre congelado em uma expressão de choque agonizante. Ele havia sido emboscado e morto tão rapidamente que nem sequer teve a chance de gritar.

Memórias surgiram involuntariamente na mente de Tres, dos dias felizes que ele compartilhou com seu irmão. Uno, que sempre cuidou de seus irmãos mais novos. Houve a vez em que discutiram sobre quem tinha o melhor bronzeado, e a vez em que todos foram juntos ver as flores, e aquela vez em que foram olhar a lua...

- Aaaaaaaaagh! Unooooooo! Tres gritou, a raiva angustiada colorindo sua voz - pois ele admirava seus irmãos mais velhos tanto quanto Uno cuidava dele.

- Desgraçado! Onde você está?! Onde você está, seu assass-

O fino som de metal cortando o ar foi todo o aviso que Tres teve enquanto girava cegamente sua espingarda Mossberg, antes que o shuriken se enterrasse profundamente em seu crânio. A lâmina afiada perfurou facilmente o osso e se alojou em seu cérebro.

Do seu ponto de observação na passarela alta acima do chão da fábrica, Dos Albondigas, o irmão do meio, imediatamente compreendeu o significado das palavras abruptamente interrompidas de Tres.

Embora entendesse que ambos os irmãos estavam mortos, ele manteve a calma, avaliando a situação com tranquilidade. O lema de Dos sempre foi cuidar de si mesmo, independentemente do que seus irmãos acreditavam.

Tanto Uno quanto Tres perderam a vida para um assassino silencioso. Nem mesmo um silenciador seria capaz de produzir mortes tão silenciosas. Isso significava que o assassino havia abandonado as armas de fogo e, em vez disso, usara uma faca ou arma similar de combate corpo a corpo para atacar silenciosamente por trás.

Isso, por sua vez, significava que não havia necessidade de se mover de onde estava... Dos sorriu satisfeito.

A passarela onde ele estava era uma linha completamente reta de uma ponta a outra. Qualquer um que quisesse alcançá-lo teria primeiro que subir um dos dois lances de escada em cada extremidade. Em outras palavras, Dos poderia interromper qualquer tentativa contra sua vida simplesmente mantendo os olhos nesses dois pontos.

Não importava o quão rápido o possível assassino avançasse, a espingarda totalmente automática Striker de Dos dispararia ainda mais rápido. Não havia nada a temer. Tudo o que ele precisava fazer era ficar parado, e a vitória seria dele...

Dos não tinha ideia do terrível poder das maravilhas do Oriente, e assim talvez sua confiança fosse compreensível. Nem em seus sonhos mais loucos ele poderia ter imaginado o assassino subindo silenciosamente a parede e no teto, uma sombra móvel sem som, preparando-se para atacar de cima.

Um último lampejo de intuição fez Dos olhar para cima, e ele viu um homem enorme envolto inteiramente em uma roupa de ninja preta como ébano voando pelo ar. Como uma aranha saltadora pulando em direção à sua presa, o homem agarrou Dos por trás e, no mesmo instante, impulsionou-se da passarela, mais uma vez ficando no ar. Sua trajetória o fez girar no meio do ar, deixando ambos, ele e Dos, de cabeça para baixo, caindo em direção ao chão abaixo.

- Oqu-

Quem poderia dizer quais pensamentos passaram pela cabeça de Dos nos poucos milissegundos antes do impacto?

Dos foi o único a se espatifar de cabeça no concreto inflexível. Todo o terrível impacto da queda foi absorvido diretamente pelo corpo de Dos, enquanto o homem que o levou em seu último voo saltou levemente sem um arranhão. Esse era o poder dessa técnica temível, projetada para transferir toda a força gerada pelo peso de dois corpos acelerados pela gravidade para a coluna de uma pessoa... a arte ninja secreta, Izuna Otoshi.

O assassino de preto havia matado três homens em três minutos, mas não teve tempo de saborear sua vitória. No momento em que seus pés tocaram o chão novamente, ele se jogou para trás.

Os liuyedao de Shenhua passaram a um fio de cabelo de cortar seu nariz, em vez disso, cortando ao meio um velho tambor de aço atrás dele.

Os dois liuyedao de Shenhua estavam conectados por um cordão longo e resistente. Usando esse cordão enquanto balançava ou jogava suas lâminas, ela podia se tornar uma máquina de matar, capaz de criar tempestades mortais de aço que poderiam matar a distâncias inimagináveis.

Usando esse método, ela tentou decapitar seu oponente de longe, lançando sua lâmina, mas ele evitou o ataque sem nem olhar, como se tivesse sentido a vinda do golpe. Não apenas isso, mas seu cordão de repente ficou frouxo, o peso familiar na extremidade desaparecendo.

O homem de preto usou as lâminas escondidas na palma de sua mão esquerda para cortar o cordão de Shenhua enquanto evitava sua espada. A arma ninja, conhecida como bagh nakh por alguns, foi a ferramenta que rasgou a garganta de Uno Albondigas e também a que permitiu ao homem escalar paredes íngremes.

Shenhua mudou a empunhadura de sua arma restante, segurando-a como uma guonaodao enquanto esperava o próximo movimento de seu inimigo. Ela não queria nada mais do que comentar sobre suas roupas, pois envolto da cabeça aos pés em preto absorvente de luz, e com o rosto escondido por uma máscara, ele parecia saído diretamente de um filme ruim, mas depois de testemunhar sua habilidade temível em primeira mão, seu gosto estranho por roupas deixou de importar. Só o fato de ele ter conseguido desarmar Shenhua de uma de suas armas era prova de que esse homem era um mestre do mais alto calibre.

O homem de preto fitou Shenhua por um momento, como se quisesse avaliar sua habilidade, e então lentamente retirou uma lâmina reta e esguia de trás de suas costas. E dessa vez, Shenhua não conseguiu esconder seu choque.

Que tipo de postura de combate é essa?!

Ela nunca tinha visto ou ouvido falar de uma postura assim. Não, não era apenas isso... era tão completamente errada em todos os aspectos imagináveis que Shenhua não conseguia nem começar a compreendê-la. Mesmo um olhar superficial revelava inúmeras aberturas na defesa do homem, e tudo desde onde ele colocava seu centro de gravidade, até onde plantava seus pés, e até a maneira como segurava sua espada, tudo sobre a postura era um banquete de aspectos que desafiavam completamente tudo o que ela sabia sobre combate corpo a corpo do tipo mata ou morre. Mas mesmo assim... apesar de tudo o que ela instintivamente entendia naquele instante, não havia um único elemento de hesitação na forma como ele se posicionava. Ela não tinha a menor ideia de que tipo de treinamento havia contribuído para a criação de tal postura, mas sabia uma coisa com certeza: era mortal.

O homem não mostrava hesitação em confiar sua vida a essa postura absurda. Era claro que ela o tinha guiado através de inúmeras batalhas. Foi exatamente por isso que Shenhua se sentiu ameaçada por esse fator desconhecido. Significava que ela não conseguia prever como o inimigo atacaria. Se ela escolhesse atacar ou defender, não podia prever como aquela postura mudaria para reagir. Era difícil para ela imaginar o que poderia acontecer se ela decidisse estender-se em um golpe em uma daquelas aberturas flagrantemente óbvias.



A cada segundo que passava sem movimento, a ansiedade e o medo cresciam dentro dela. Shenhua havia lutado e matado por muitos anos, mas nunca tinha encontrado um adversário tão estranho.

A luz da lua filtrando-se pelo teto aberto da fábrica iluminava os olhos do homem, brilhando das profundezas daquela máscara indecifrável. Eles eram azuis. Olhos azuis tão profundos quanto os abismos do oceano, tão profundos que ela sentia que poderia cair e se perder neles. Mesmo enquanto mantinha o olhar fixo no homem, Shenhua sentia como se sua vontade de lutar, e até mesmo sua capacidade de se concentrar, estivessem sendo absorvidas pelas profundezas insondáveis daqueles olhos.

Como? Como ele pode ser tão habilidoso?! Eu não consigo nem ler suas intenções...

Ela não sentia nada na lâmina do homem de preto, não nervosismo, não ansiedade, não confiança ou intenção assassina, nem mesmo o desejo de lutar. Ele estava em um nível muito além desses estados de espírito. Sua lâmina era como a de um buda, transcendendo as preocupações terrenas...

Shenhua se viu diante de uma presença tão absolutamente pesada e vazia, que era como tentar ler as intenções de uma rocha.

O primeiro a se mover morreria. Era isso que seus instintos lhe diziam. Mas apenas mantendo sua postura, o homem atormentava Shenhua mais a cada segundo que passava. 

...Droga!

Justo quando Shenhua cerrava os dentes, incapaz de ignorar por mais tempo os gritos de pânico de seus sentidos, o homem de preto se moveu. Mas não foi a mão que segurava a espada. Sua mão esquerda mergulhou subitamente em suas roupas, como se fosse sacar uma nova arma.

Mesmo enquanto ele se movia, a liuyedao de Shenhua já estava cortando o ar. Não é que ela pensasse que o ataque tivesse alguma chance de acertar. Ela não tinha escolha senão atacar, dominada pelo medo de que, se não atacasse naquele instante, o homem à sua frente certamente a devoraria.

Uma nuvem densa de fumaça branca e sufocante surgiu subitamente diante dos olhos de Shenhua. A mão esquerda do homem havia alcançado uma bomba de fumaça.

Ainda mais atordoada pelos movimentos inesperados de seu inimigo, Shenhua lançou-se para trás, saindo da nuvem de fumaça, e se escondeu atrás de um pilar de aço na tentativa de obter um campo de visão claro.

Livre da fumaça cegante, Shenhua percebeu tardiamente uma mudança no som dos tiros vindo do outro lado da fábrica. Até então, ela ouvira apenas tiros intermitentes de rifle, mas agora os tiros vinham rápidos e furiosos, como se dois usuários de armas de mão estivessem trocando fogo. Será que o homem de preto havia notado isso antes dela e recuado para ajudar seus aliados?

- Seu desgraçado...!

Mas mesmo quando Shenhua deu um passo à frente, com a intenção de perseguir seu oponente, um shuriken cortou o ar diante de seus olhos, errando-a por uma margem mínima e cravando-se no pilar de aço ao seu lado. Era um aviso claro, dizendo a Shenhua sem nenhuma dúvida que ela ainda estava sendo observada.

- Merda...!

Shenhua escondeu-se novamente atrás do pilar. Mas, por mais que tentasse, não conseguia determinar de onde seu inimigo havia lançado o shuriken. As sombras estavam do lado dele, não dela. Ele sabia onde ela estava, mas ela não tinha como adivinhar onde ele estava... As cartas estavam muito empilhadas contra ela. Ele havia partido, ou ainda estava observando? Ela não tinha como saber.

Furiosa por estar encurralada e tremendo de medo diante da habilidade que a havia colocado nessa situação, Shenhua gritou na escuridão:

- Quem diabos é você?! Apareça e lute de frente, covarde!

O silêncio foi sua única resposta. A tensão no ar era palpável, cada segundo se arrastando enquanto ela tentava manter a calma e traçar um plano. Com sua visão comprometida e a ameaça invisível à espreita, Shenhua sabia que precisava mudar a dinâmica do confronto, mas como? Suas opções eram limitadas e o tempo não estava a seu favor.

Determinada a não ser uma presa fácil, Shenhua apertou o punho em torno de sua liuyedao restante, seus olhos varrendo a escuridão em busca de qualquer movimento. Se o inimigo estava lá fora, ela estaria pronta para ele, cada músculo de seu corpo tensionado como uma mola prestes a se soltar.

O confronto estava longe de terminar, e Shenhua sabia que, para sair dessa viva, precisaria de toda sua astúcia e habilidade.

Em vez de enfrentar seu golpe desesperado com um dos seus próprios, o homem de preto pulou para trás.

...O quê?!

- 你是谁?! 有种的说出你的名字! (Quem diabos é você?! Pelo menos diga seu nome!) 

Mas apenas os ecos de sua voz ressoaram oco nas ruínas... Não houve resposta. Como se uma sombra nascida das trevas não tivesse nome para revelar.

Na verdade, o homem simplesmente não entendia chinês, mas Shenhua não tinha como saber disso.

Com os nervos à flor da pele e a paciência esgotando-se, Shenhua sabia que precisava mudar de tática. Ela não podia continuar presa ali, esperando o próximo movimento do inimigo. Respirando fundo, ela tentou pensar em suas opções. De repente, um pensamento cruzou sua mente: se ele estava se movendo silenciosamente pelas sombras, talvez ela pudesse usar o ambiente a seu favor.

Cuidadosamente, ela examinou o espaço ao seu redor, procurando algo que pudesse usar para criar uma distração ou descobrir a posição do seu adversário. O pilar de aço ao seu lado estava conectado a uma série de vigas e estruturas metálicas antigas, algumas das quais estavam precariamente equilibradas. Uma ideia começou a se formar.

Com um movimento rápido, Shenhua pegou uma pequena ferramenta de seu cinto e lançou-a em direção a uma pilha de caixas enferrujadas do outro lado do armazém. O estrondo reverberou pelo espaço, e por um breve momento, o silêncio foi quebrado por um som metálico. Ela se manteve imóvel, seus ouvidos atentos a qualquer sinal de movimento.

Nada. O homem nas sombras era mais paciente do que ela imaginava.

Determinada a não ser uma vítima fácil, Shenhua decidiu arriscar. Movendo-se furtivamente de seu esconderijo, ela avançou pelo espaço aberto, tentando fazer o mínimo de barulho possível. Cada passo era calculado, cada movimento era controlado. Seus sentidos estavam em alerta máximo, procurando qualquer indício de seu inimigo.

Então, ela ouviu. Um leve farfalhar, quase imperceptível, vindo da esquerda. Sem hesitar, Shenhua virou-se rapidamente e lançou seu liuyedao na direção do som. O metal brilhou no ar antes de cravar-se firmemente na parede de metal, mas ela não esperou para ver se havia acertado. Em vez disso, ela correu em direção ao outro lado do armazém, buscando uma nova posição de vantagem.

Agora, a tensão era ainda maior. O homem em preto não era apenas um assassino habilidoso, ele era um predador paciente. E Shenhua sabia que, para sobreviver, precisaria ser ainda mais astuta do que ele.

Tendo perdido Pedro muito antes do esperado, Jake se encontrou em apuros.

Para dizer a verdade, Jake não estava esperando ou sequer imaginando um tiroteio um a um com Revy. Essa era a diferença entre o personagem fictício Ultimate Cool J e seu ator, Jake U. C. Jake sempre cansava seus alvos primeiro, mandando capangas baratos para enfrentá-los, e só então aparecia no último momento para gravar o assassinato com sua UC Custom. Naturalmente havia certas diferenças entre as postagens de seu blog Deadly Biz e o que realmente acontecia, mas, ei, ele estava fazendo entretenimento, não um maldito documentário.

De qualquer forma, não havia como ele dar conta de Revy sem antes recuar e ganhar um pouco de espaço, então ele se retirou apressadamente, focando apenas em manter-se vivo. Mas Revy o perseguiu obstinadamente, não perdendo ele de vista por um momento sequer... não dando a ele um único instante fora do alcance de suas armas. A tenacidade e ferocidade dela lembravam a Jake uma piranha que havia sentido o cheiro de sangue na água.

Jake havia se apaixonado pelas habilidades de Revy à primeira vista, mas agora ele se pegava pensando que talvez fosse melhor se ela fosse um pouco pior com suas armas. Sim, ela era definitivamente boa o suficiente para atrair uma multidão, mas mais da maneira que uma besta enjaulada faria do que como uma ídolo sedutora. Cada vez que ela disparava e ele respondia às cegas, na esperança de que o spray apressado de balas a afastasse, ela parecia se tornar cada vez mais inumana. Sentia-se como se estivesse sendo perseguido por um T-Rex empunhando pistolas akimbo. Essa vadia realmente evoluiu de mamíferos como o resto da humanidade?

Com cada grama de seu ser focado em Revy, mais precisamente em sobreviver a Revy, Jake não notou o homem mascarado que apareceu silenciosamente atrás dele até que este o tocou no ombro. Jake quase teve um ataque cardíaco.

- Fa, Falcon! O que você...

- Stan-dono saiu do terreno com segurança. Jake-dono, você também deve se apressar. Jake apontou para Revy, que ainda corria em direção a eles com olhos assassinos.

- Estou tentando, cara! Estou tentando pra caralho, mas ela está no meu encalço e não me dá folga! Falcon, faz alguma coisa sobre ela! Sei lá, ninja ela!

- ...Será feito.

Jake correu sem olhar para trás, deixando o homem mascarado para trás. Revy o avistou e hesitou por um instante, reconhecendo o traje e simultaneamente lembrando que, com certeza, ele já deveria ter virado comida de peixe. Mas a parte dela que era como um tubarão atrás de sangue rapidamente afastou isso em favor de perseguir Jake, desconsiderando o cosplayer como nada mais do que um obstáculo menor, uma pedrinha no caminho. Tudo que ele tinha consigo era uma espada, ou assim parecia.

- Sai do meu caminho, babaca! Sai ou vou te fazer sair!

Revy brandiu suas Cutlasses ameaçadoramente, mas o homem mascarado já havia pegado um punhado de esferas de metal de dentro de seu traje, e mesmo enquanto ela se aproximava, ele lançou sua mão em um arco, espalhando-as no chão à sua frente.

Nem sequer passou pela mente de Revy que ela poderia ser parada dessa maneira. Incapaz de desacelerar, seu salto pousou diretamente em uma das esferas de metal, que saiu rolando debaixo dela e a fez cair dolorosamente no chão.

- Aiii... Ai! Que porra é essa?! Jesus!

Revy gritou quando seu traseiro fez contato com o chão. Misturados com os rolamentos de esferas que o homem havia jogado, havia caltrops afiados, cujas pontas penetraram impiedosamente nos quadris de Revy.

- Seu filho da puta! Eu vou te matar!

Revy tinha deixado cair sua Cutlass esquerda quando caiu, mas levantou a que estava em sua mão direita, desta vez visando matar a incógnita mascarada.

Mas antes que ela pudesse puxar o gatilho, o homem exalou rapidamente, disparando a zarabatana que havia levado aos lábios. Detectando uma pequena diferença no peso de sua arma, Revy tomou uma decisão em frações de segundo e retirou o dedo do gatilho. O homem de preto sentiu sua chance e correu, rasgando a escuridão como um vendaval sombrio e desaparecendo sem deixar rastros.

Revy nem mesmo observou sua partida, em vez disso, encarou perplexa o dardo preso no cano de sua Cutlass. Ela o retirou, notando como brilhava na luz fraca, estava embebido em algum tipo de líquido inflamável. Nitrocelulose. Se ela tivesse puxado o gatilho, não havia como saber o que teria acontecido com sua mão.

- Santo Deus...

Sua raiva desapareceu diante do choque, Revy só pôde olhar para a escuridão onde o homem de preto havia estado.

Pelo menos ela tinha uma história para contar a Eda na próxima vez que se encontrassem para tomar uns drinks.

...Ninjas realmente existiam.

Stan caminhava, guiado pelas ruas apenas pela luz da lua. Ele ainda não havia se livrado completamente da heroína, mas pelo menos no momento, estava livre das alucinações confusas que o haviam dominado apenas um minuto atrás. Ele sabia onde estava e quando estava. Também sabia para onde estava indo. Se caminhasse direto pela noite, chegaria aos limites da cidade de Roanapur antes do amanhecer.

Ele não tinha como saber se seus aliados haviam escapado da fábrica abandonada. Se estivessem vivos e ilesos, seu cliente garantiria que eles se encontrassem novamente, e mesmo que nenhum deles sobrevivesse, Stan ainda estava decidido a terminar sua missão sozinho, se necessário.

Não era que ele sentisse qualquer animosidade particular em relação a Chang Wai-San, nem que sentisse qualquer lealdade particular ao seu cliente. Ele nunca abandonara uma missão no meio do caminho; era só isso. Agora que pensava sobre isso, talvez fosse a única coisa sobre si mesmo de que tinha certeza. Chamar isso de orgulho seria risível. Mas agora que tanto seu passado quanto a honra que mantinha em seu coração estavam em ruínas, não havia mais nada a que Stan pudesse se apegar.

Justo quando ele estava começando a perder a noção de quão longe havia caminhado... Stan parou, sentindo uma presença ameaçadora se infiltrar no ar.

No instante seguinte, feixes de luz intensos perfuraram a escuridão, cegando-o.

Dois Mercedes-Benz estavam escondidos nos matagais ao lado da estrada, estacionados de maneira tão astuta que eram quase invisíveis ao olho humano à noite. Agora eles mantinham Stan cativo no brilho de seus faróis.

Mesmo enquanto instintivamente levantava os braços para cobrir seu campo de visão, Stan pôde ver, através da luz cegante, muitas sombras saindo rapidamente dos carros. Seus movimentos não eram os de bandidos comuns, cheios de arrogância e esforço desperdiçado, mas as ações rápidas e eficientes que só poderiam ser esculpidas na memória muscular do corpo por incontáveis horas de treinamento exaustivo. Se Stan tivesse que pensar em um exemplo... Sim. Seus antigos camaradas teriam se movido assim, se desdobrando pela porta lateral de um Hind que acabara de pousar em um ponto crítico. A emoção nostálgica que o varreu, uma emoção tão absurda de se sentir naquela situação, logo se transformou em algo muito mais pesado e ameaçador.

Enquanto seus olhos se acostumavam ao brilho dos faróis, a primeira coisa que ele percebeu foi que os homens à sua frente estavam vestidos com uniformes de campo de paraquedistas. E então, quando ele conseguiu distinguir as listras em suas camisas de marinheiro, percebeu que já havia visto todos aqueles rostos antes.

Kosloff, David, Zamyatin. O melhor dos melhores da Spetsnaz, com quem ele havia atravessado as profundezas do Inferno. Os rostos inesquecíveis dos Vysotniki...

- Ah...

Seus joelhos tremeram. Sua garganta ficou subitamente seca.

Os rostos desses espectros não davam atenção à linha entre realidade e pesadelo neste fim de mundo desgraçado, Roanapur. Como aqueles que sempre o perseguiam nas memórias de seu passado de repente surgiram para bloquear seu caminho?

- ...Nunca pensei que veria vocês de novo como um dos vivos, camarada Sargento Júnior.

E uma última figura se revelou, saindo lentamente do banco traseiro de um dos carros. Ela tinha olhos azuis frios, como geleiras. Um lado de seu rosto estava marcado por queimaduras.

Ela estava agora na frente de Stan, seu casaco de oficial pendurado frouxamente nos ombros sobre um traje de negócios de corte sedutor, fumando um charuto tranquilamente.

- Capitã... Você... Você não pode...

- Esse nome pertence a uma lápide em algum lugar. Não é um nome adequado para alguém que anda entre os vivos.

- Então...

Stan parou, sua voz quebrando com o arrependimento diante da frieza daquela voz.

- Então devo chamá-la de Balalaika? Líder da máfia nesta cidade desgraçada...? É isso que você se tornou?!

A mulher, conhecida por alguns como Fry Face, por outros como Balalaika, apenas sorriu enquanto o observava de cima.

- Sim. Vejo que não há necessidade de explicar a situação. Isso facilita as coisas.

 - ...

Era um sorriso que continha todos os pecados e traições do mundo, o tipo de sorriso que só uma hiena, arrancando a carne podre do crime no submundo sem luz do mundo, poderia fazer.

Privado da força para se levantar, Stan caiu de joelhos.

- Como, como você chegou a isso...

- Conversar com você sobre os tempos passados seria divertido de certa forma, mas não é para isso que estou aqui esta noite, disse Balalaika calmamente, indiferente às lágrimas de Stan.

- Vim para descobrir o significado e o valor do que você tentou fazer. Se você desconhece o equilíbrio de poder em Roanapur, provavelmente também desconhece que o que você tentou fazer teria sido um golpe severo para nós. Se essa não era sua intenção, matar um ex-camarada seria algo difícil até para nós.



Stan apenas se ajoelhou com a cabeça baixa, sem mostrar sinais de ter ouvido suas palavras. Quanto a Balalaika, não havia calor, nem piedade em seus olhos enquanto ela o observava de cima.

- Stanislav Kandinsky. Se você abandonar esta missão e se render a nós, assumiremos total responsabilidade por quaisquer repercussões que possam surgir como consequência disso. Faremos o máximo para garantir sua segurança. Mas... se você não aceitar esta oferta, então o removeremos à força.

Nessas palavras francas, mas inflexíveis, Stan ouviu a voz de seu antigo comandante dos Vysotniki, a vontade inabalável que havia resistido às torturas. Incapaz de resistir, incapaz de recusar aquela voz, Stan lentamente levantou a cabeça e olhou nos olhos da mulher que se chamava Balalaika. Em sua figura, envolta pela luz suave da lua por trás, ele viu a beleza inconfundível e a sublimidade que ele lembrava.

Agora, nem Stan podia mais negar. Aquela mulher não era uma impostora. Ela era sua oficial comandante, Kapitan Pavlovena em pessoa.

- Kapitan...

- Stanislav. Eu uma vez lutei lado a lado com você no campo de batalha. Você é um camarada de armas confiável, a quem confiei minha vida muitas vezes. As ações corajosas que você mostrou então foram mais do que suficientes para serem honradas. É por isso que não o forçarei a tomar uma decisão, peço-lhe apenas a sua escolha. Vou lhe dar tempo para pensar. Amanhã, às seis da tarde, estarei esperando no porto de Roanapur. Saiba que será sua última chance de nos contatar.

Balalaika se virou, como se tivesse dito tudo o que tinha a dizer. Mas Stan não podia deixá-la ir, não sem reunir os últimos vestígios de sua voz quebrada, chamando-a de volta.

- Por quê?! Por que uma... uma heroína como você se tornou nada além de uma criminosa vulgar?! Balalaika parou, ouvindo seu apelo atormentado.

- Responda-me, Kapitan! O que aconteceu com o orgulho que você tinha no Afeganistão?! O que aconteceu com sua honra?!

Ela olhou por cima do ombro para ele, seus lábios se curvando no que poderia ser chamado de um sorriso.

...Não, não podia ser chamado de sorriso, no sentido normal da palavra. Era uma expressão que parecia estranha e aterrorizante no rosto de um ser humano; era mais como uma fenda em suas feições, um abismo sem fundo que devoraria tudo o que ousasse se aproximar.

- ...Sim, é claro. Você nunca voltou para nossa pátria, não é. Então talvez não seja tão estranho que você não possa entender.

E da fenda irrompeu um torrente de magma infernal. Se fosse necessário expressá-lo como uma emoção humana, talvez pudesse ser chamado de risada. Uma expressão de violência, infinitamente má, infinitamente destrutiva, um vislumbre de algo que não descansaria até que tivesse reduzido a cinzas tudo o que ousasse se colocar em seu caminho... Esse era o som da alegria de Balalaika.

- Muito bem, vou te ensinar, Stanislav. Assim como você perdeu seu orgulho, nós fomos abandonados por ele.

Stan congelou de choque, encarando a mulher rindo à sua frente. E na onda de emoção que veio antes da tristeza, ele entendeu a verdade.

...Não. Essa mulher não é a Sofiya. A Kapitan nunca riria assim. Então isso deve ser ninguém menos que Balalaika...

Somente então Stan percebeu que estava diante daquela que chamavam de Fry Face em sussurros, a rainha do mal temida por todos.

- Para o país que se chamava Rússia, o campo de batalha do Afeganistão não passava de um pesadelo a ser esquecido. A memória sem sentido de um sonho horrendo que foi sonhado uma vez, há muito tempo, quando ainda se chamavam de soviéticos. E assim... o que éramos nós para esse novo e brilhante país além de sombras, rastejando para fora das profundezas desse pesadelo? Isso é o que aconteceu conosco, nós que recebemos o título condenatório de 'veteranos do Afeganistão'. Perdemos nossa chance de morrer, e ao fazê-lo, perdemos nosso lugar para viver.

Havia algo ali, no abismo interminável de sua risada maníaca, que transformara a Kapitan Pavlovena em Balalaika. Era o que quer que tivesse acontecido a eles quando retornaram do campo de batalha, o preconceito que fora direcionado aos heróis exaustos. Algo que Stan nunca havia experimentado.

- É por isso que ainda estamos sonhando. Não nos importamos mais onde estamos, contanto que o cheiro de sangue e enxofre esteja conosco. Todos aqui já perceberam que sem as mentiras que chamávamos de causas e honra, podemos continuar sonhando tanto quanto quisermos, pelo tempo que quisermos.

- Kapitan...

Um indescritível sentimento de perda o dominou, sufocando as palavras antes que pudessem sair de sua garganta. Stan nem sequer conseguia começar a imaginar o que acontecera com eles ao retornar para casa.Balalaika parou à beira de se virar mais uma vez, olhando para Stan. Ela sussurrou para ele então, o tom de sua voz subitamente quase nostálgico.

- Companheiro Suboficial Júnior. Você ainda está sonhando também, não está? Você pode sentir aquelas areias secas? Pode ouvir o uivo do vento?

- ...

- Então você é um homem feliz. Me vejo invejando você.

Com suas palavras ditas, Balalaika entrou no banco de trás de seu carro, suas abas de casaco ondulando suavemente ao vento. Os Vysotniki a seguiram.

Os dois Mercedes-Benz viraram, seus motores rugindo um desafio para a noite silenciosa enquanto voltavam para Roanapur.

Apenas Stan ficou, privado até mesmo da força para ficar de pé.



Comentários