Volume Único
Capítulo 2
- ... Bem, o Zaltzman originalmente pertencia a outra organização em Amsterdã, mas tivemos um desentendimento e a Tríade acabou tomando posse dele. Por fora parece um petroleiro normal, mas há um piso falso sob os tanques e uma escotilha no fundo do navio que pode ser aberta para permitir a atracação de pequenos submarinos. É para permitir o contrabando de coisas para a terra sem precisar entrar no porto. Você poderia se abastecer em Roanapur enquanto passa pelo Estreito de Malaca e seguir direto para a Costa Oeste sem que ninguém perceba.
Chang parou por um momento, pausando para acender um cigarro com um isqueiro Dupont Classic.
- Mantivemos o capitão e a tripulação originais de Amsterdã, mas não pudemos exatamente dar-lhes uma festa de boas-vindas, a rota oficial os fazia passar por Roanapur, você vê. Eles não podiam parar, então eu decidi descer de helicóptero à noite e dizer oi. Infelizmente, eu estava fazendo uma visita guiada ao navio quando tudo desabou. Rock, se eu estivesse na ponte naquele momento, teria reconhecido sua voz imediatamente, e talvez então as coisas não precisassem ter chegado a isso...
A ponte do Black Lagoon estava lotada, mas Chang se mantinha tranquilo, como se estivesse relaxando em um sofá em um clube de alta classe. Chang Wai-San podia mudar o ambiente pela pura força de sua personalidade, não importando onde estivesse.
Uma longa hora se passou antes que Benny finalmente conseguisse consertar o Lagoon o suficiente para começar a mancar de volta para casa em Roanapur.
A equipe de Stan tinha sido inteligente o suficiente para deixar um sabotador no Lagoon para impedi-los de perseguir; não era surpresa que a equipe de assalto tivesse destruído o equipamento de controle do helicóptero de Chang também. Os reparos no helicóptero não mostravam sinais de estarem perto de terminar quando o Lagoon foi considerado navegável, e como Chang era um homem ocupado, ele pediu educadamente para que lhe dessem uma carona até Roanapur. Foi assim que acabaram onde estavam agora: transportando um dos mais proeminentes chefes de Roanapur e sua equipe de seguranças, o ar na ponte quase eletricamente carregado.
- Alguém sabia sobre sua agenda esta noite, senhor Chang? Dutch perguntou, mas Chang apenas deu de ombros afavelmente.
- Meus paradeiros em qualquer momento não são exatamente um segredo. Não vamos encontrar muitas pistas procurando por aí, isso é certo.
- ...Senhor Chang, Rock disse, aproveitando a pausa na conversa para se intrometer,
- Tenho quase certeza de que as pessoas por trás disso não são de Roanapur. Todo mundo sabe que frequentemente fazemos negócios com a Tríade; você é um dos nossos melhores clientes. É claro que quem nos contatou em Bangka não conhecia a situação por aqui.
- Talvez, e talvez não,Chang disse de forma neutra, mantendo o olhar fixo em Rock.
- Veja, Rock, há uma possibilidade que pode virar toda a sua teoria de cabeça para baixo... E essa é se a Companhia Lagoon estivesse tentando me matar desde o início.
- Senhor-
Chang levantou uma mão, parando Revy imediatamente.
- Naturalmente, nos conhecemos há bastante tempo, mas não estamos exatamente no nível de confiança cega um no outro, não concorda? Existem quatro homens mortos no Zaltzman que diriam sim a isso.
Isso não quer dizer que Chang Wai-San em si suspeitava que a Lagoon Company estivesse envolvida em jogadas sujas. Se ele estivesse mesmo que minimamente desconfiado, de jeito nenhum teria se colocado nas mãos deles de forma tão descuidada, pedindo uma carona para Roanapur.
Mas sentimentos pessoais de amizade não tinham lugar nesta situação. Chang era o chefe da filial da Tríade em Roanapur e, como tal, era obrigado a tomar decisões que seriam vistas como justas mesmo por aqueles que não conheciam as relações entre ele e a tripulação da Lagoon.
- ...Então, o que você está dizendo é que quer que assumamos a responsabilidade por essa confusão, Sr. Chang?
- Já que vocês não conseguem provar sua inocência, temo que seja assim que deve ser... embora não estejam completamente sem sorte nesse aspecto. Não é verdade, Revy?
- Hã?
Revy sobressaltou-se quando Chang de repente chamou seu nome.
- Tente se lembrar do que aqueles imbecis no Zaltzman disseram logo antes de recuar. 'Recuar por enquanto', se bem me lembro. Eles não desistiram. Tenho certeza de que continuarão tentando me matar mesmo depois de voltarmos para Roanapur.
O sorriso de Chang era tão calmo que ninguém jamais pensaria que ele tinha sido e ainda era o alvo de uma tentativa de assassinato.
- Aposto que o navio de fuga deu meia-volta e seguiu para Roanapur. Eles se esconderão como ratos nas sombras, esperando uma chance para me atacar. Então, meus amigos, tudo o que resta é vocês encontrarem eles primeiro e resolverem a situação.
- Entendo...
Dutch soltou um suspiro profundo, mas o sorriso de Revy parecia um corte de escuridão em seu rosto.
- Era exatamente o que eu esperava. Entendi bem alto e claro, senhor. Da próxima vez que eu te visitar, trarei algumas cabeças decepadas comigo.
- Esse é o espírito, Revy.
Para Revy, isso era mais do que apenas mostrar à Tríade que ela ainda era confiável. Era algo pessoal; o que mais a incomodava era não ter conseguido matar Jake ali mesmo. A realidade diante dela, que um desgraçado inútil como ele a provocou tão descaradamente e ainda estava vivo em algum lugar, enchia-a de uma raiva que não queria compartilhar com ninguém.
- ...Desculpe interromper a sessão de ligação emocional aqui, mas posso entrar por um segundo? Já encontrei uma pista, disse Benny ao entrar na ponte, saindo da sala de comunicações onde estava digitando freneticamente em seu computador.
- Lembram-se de como tiramos uma foto do navio que veio buscar a equipe de Stan? Estava escuro, então a imagem está péssima, mas consegui ajustá-la o suficiente para que pelo menos vocês possam ler o nome.
- Ótimo, Benny.
Todos se reuniram para olhar a imagem monocromática que Benny forneceu. A foto estava severamente pixelada, mas ainda conseguiam distinguir as letras na lateral do cruzeiro.
- Isto parece... cirílico. Rock, você consegue ler?
Linguagem era a especialidade de Rock. Ele massageou a testa enquanto se concentrava, abrindo o dicionário em sua mente.
- Nifrit... Isso é russo para jade, se não me engano...
- O Nifrit?
A leve tensão que entrou na voz de Chang foi e voltou em um instante, mas, infelizmente, nenhum dos presentes na ponte era tão lento para deixar passar.
- Você reconhece o nome, Sr. Chang?
- ...Acho que me lembro de ouvir esse nome em algum lugar. Não tenho certeza, na verdade, Chang disse, tentando passar por nada. Mas logo percebeu que não havia nada a ganhar escondendo as coisas agora e suspirou, fumaça de cigarro saindo em um redemoinho enquanto murmurava em voz baixa:
- Se minha memória não me falha... A Bougainvillea Trading usa um navio com esse nome. Pertence à Balalaika.
Balalaika...
O silêncio trazido por esse nome não foi bem-vindo por ninguém.
—
A Bougainvillea Trading estava localizada em uma esquina da Rua Satanam, em um prédio antigo de estilo ocidental que lembrava os antigos colonos franceses da ilha. Era um segredo aberto em Roanapur que o edifício e a própria empresa aliás, era apenas uma fachada para a filial tailandesa da máfia russa, Hotel Moscow.
A presença da máfia russa em Roanapur não era tão grande quanto a da Tríade, mas ainda assim eles eram temidos como o próprio diabo devido à sua incrível crueldade e violência. Em outras palavras, as portas da Bougainvillea Trading eram na verdade um portal discreto para o Inferno, e qualquer alma pobre que ousasse atravessá-las sem permissão estaria abandonando toda a esperança.
Para Dutch, o Hotel Moscow representava um cliente valioso, um que pagava por seus serviços até mais frequentemente que a Tríade... mas fazia muito tempo desde sua última visita não convidada. E considerando o motivo de sua parada hoje, ele descobriu que seu humor estava ainda pior do que poderia imaginar.
- ...Então é por isso que você escolheu fazer uma visita matinal hoje, hmm? Que história irritante.
Seu início tranquilo de dia já em frangalhos graças à visita não solicitada, a líder feminina da máfia russa bufou, o lado ainda bonito de seu rosto torcendo-se com desdém. Não era necessário olhar para a outra metade - afinal, não havia como as horríveis queimaduras marcando a pele do olho direito até a bochecha direita traírem qualquer emoção.
A mulher que estava à frente da filial do Hotel Moscow em Roanapur era conhecida apenas como Balalaika. Aqueles que não valorizavam a vida a chamavam de "Fry Face" (Cara Frita), mas apenas os extremamente poderosos ou extremamente estúpidos ousariam pronunciar esse nome na presença dela.
O homem corpulento parado atrás dela era Boris, sua mão direita. A visão de seu rosto inexpressivo e a pressão silenciosa que ele exercia ao lado de sua mestre lembravam um Doberman magro, criado e treinado como uma máquina de matar.
- Muito bem, entendi. Babe foi atacado por um navio que possuímos e molhou as calças de medo, não é? Hah, quão surpreso ele deve ter ficado. Apenas lamento não ter podido ver a expressão em seu rosto com meus próprios olhos.
O escritório onde Balalaika recebeu Dutch estava iluminado apenas pela luz do sol filtrada pelas janelas, uma paz pesada como uma pintura a fresco, mantendo o ambiente imóvel. Não importava o quão quente o sol do sul da Ásia batesse lá fora, neste escritório, o ar estava sempre tão gelado quanto o inverno do norte congelado.
- Isso não é motivo de riso, Balalaika.
Dutch colocou o assunto sobre a mesa, sua expressão não entregando nada.
- Mesmo a sugestão de sua presença espreitando por trás dos bastardos que atacaram Chang Wai-San é um mau presságio para as pessoas nesta cidade, pior do que uma chuva ácida. Você sabe disso tão bem quanto eu.
- Claro. E é verdade que houve eventos no passado que podem levar alguém a ter tais apreensões. Se Chang e eu lutássemos mais uma vez, nem mesmo São João seria capaz de prever o banho de sangue que se seguiria.
O tom de Balalaika era leve e arejado, mas o riso em sua voz morreu muito antes de chegar aos seus olhos.
Dutch não sabia ao certo que tipo de inferno vivo ela tinha enfrentado em seu passado, embora muitos sussurrassem entre si que ela havia lutado pela União Soviética no Afeganistão. Mas uma coisa era certa sobre a ex-soldado: bastava dar uma olhada em seus olhos para ver o fogo do purgatório ali, queimando eternamente. Ao contrário do sorriso em seu rosto, o olhar em seus olhos - tão frio que queimava - enviava silenciosamente uma mensagem plana.
Se o mundo fosse acabar amanhã, esta mulher estaria cantarolando a polca enquanto o assistia queimar.
- ...Brinco, Dutch. Eu não esperava que você, de todas as pessoas, estivesse tão preocupado. Dou muito peso às relações amistosas do Hotel Moscow com a Tríade. Também não esqueci do sangue que foi derramado para chegar a este ponto. Não se lembra, Dutch? Você teve um assento de primeira classe em tudo isso, afinal.
- Sim, como eu poderia esquecer.
Ele pretendia que fosse uma resposta leve, mas a memória do horrível banho de sangue que ele havia experimentado deixou a garganta de Dutch de repente seca.
- Não quero passar por nada parecido novamente, se puder evitar, e gostaria de acreditar que você pensa o mesmo. Por isso, decidi que era melhor vir e ver o que você tinha a dizer primeiro, em vez de bisbilhotar pelas suas costas.
- Sempre um cavalheiro, Dutch.
O sorriso cortante de Balalaika contradizia seu elogio. Ela segurou novamente a fotocópia monocromática que Dutch lhe tinha dado... a imagem do Nifrit.
- Você está certo, este é o Nifrit. E a Bougainvillea Trading o possuía. Até três dias atrás, isso é.
- Três dias atrás?
- Foi roubado. Não parecia haver um motivo oculto, então apenas registramos um aviso de roubo. Você pode perguntar a Watsap os detalhes.
Alguém poderia questionar o propósito de registrar o roubo à polícia em Roanapur de todas as cidades, mas era mais uma questão de evitar confusão indesejada caso os bens roubados fossem mal utilizados, do que uma tentativa real de capturar ladrões.
- ...Entendi. Se foi isso que aconteceu, acho que tudo o que posso dizer é que é uma coincidência bastante infeliz. Você tem alguma ideia de quem poderia estar por trás disso?
- Nenhuma. Eu estava prestes a fazer a mesma pergunta para você. Se você soubesse, eu poderia caçá-los e triturá-los em recheio de chiburekki.
- Bem, se você queria uma pista... tem isso.
Observando atentamente o rosto de Balalaika, Dutch colocou um objeto feito de latão sobre sua mesa.
Uma cápsula deflagrada. Revy a havia pegado no convés do Zaltzman. Era do rifle que o atirador havia usado na noite anterior.
- ...Você reconhece, não é?
- Naturalmente. Vejo que esta manhã está apenas piorando.
Um cartucho 7.62x54mmR, de fabricação russa. Durante a Segunda Guerra Mundial, o cartucho era exclusivamente para uso com o confiável Mosin-Nagant M1891/30 dos soviéticos. Mas nos tempos modernos, com o mundo à beira de entrar no século 21, havia apenas um rifle no mundo que ainda usava esses cartuchos.
- O SVD. Para nós, é um rifle tão próximo de nossos corações... Não, ainda mais próximo, do que nossas próprias famílias.
- Ouvi dizer que os atiradores são exigentes quando se trata de escolher suas armas. Isso é verdade?
O rosto impassível de Balalaika não vacilou nem um pouco diante da pergunta direta de Dutch.
- De fato. Se eu me encontrasse em tal situação, escolheria a mesma arma.
Balalaika viu a aposta de Dutch, e ele respondeu.
- O atirador abateu Chang e Revy friamente, atirando em um vento lateral a uma distância de mais de cento e cinquenta metros. Então ele parapenteou do mastro para o convés de um cruzador em movimento. Balalaika, o que você acha disso?
- O atirador em questão é habilidoso com seu Dragunov, e igualmente habilidoso em usar um paraquedas. Ele deve ter sido um paraquedista... Provavelmente um que passou por um treinamento extremo em uma unidade de forças especiais.
A expressão do Sargento Boris se endureceu com ansiedade enquanto ele permanecia ao lado, observando a conversa continuar, as palavras voando mortalmente afiadas como uma dança de lâminas.
- ...Então, alguém com um conjunto de habilidades como essa vem à mente?
Dutch jogou seu último blefe. Mas Balalaika, calma como sempre, aumentou sem pestanejar.
- Qualquer um dos meus Vysotniki estaria mais do que à altura da tarefa.
- ...Eu desisto. Não posso enfrentá-la assim.
Dutch desistiu, levantando as mãos em sinal de derrota enquanto suspirava. Ele fez tudo o que pôde com as poucas cartas que tinha na mão.
- Se você ainda não comeu, gostaria de se juntar a mim para o café da manhã? Balalaika ofereceu amigavelmente, como se tivesse esquecido toda a troca de palavras e intenções afiadas que tinham carregado o escritório apenas um segundo atrás. Mas Dutch sentiu a necessidade de um cigarro reconfortante para acalmar seus nervos ainda mais do que mel e chá.
- Desculpe, mas vou ter que recusar. Preciso falar com Leroy também. Você sabe como dizem que tempo é dinheiro... embora ultimamente pareça que a deflação está se instalando com uma vingança.
- Então talvez da próxima vez. Entre em contato comigo se encontrar alguma pista; talvez eu possa te ajudar.
- Claro. Até lá.
Dutch levantou-se e abriu a porta para sair, mas encontrou-se confrontado por uma mulher na porta aberta. Parecia que ela estava prestes a bater. Apesar de sua roupa pouco lisonjeira, ela era bastante bonita... embora, de qualquer forma, uma completa estranha.
- Ah, desculpe, Dutch disse levemente, acenando com a cabeça enquanto passava por ela para o corredor.
Seu próximo destino era o escritório do corretor de informações, Oswald Leroy, embora ele tivesse suas dúvidas se a visita renderia resultados. Ainda assim ele tinha que ficar de olho em qualquer coisa incomum acontecendo em Roanapur, caso os assassinos atrás da vida de Chang decidissem agir.
Quando ele saiu do prédio, caminhando para fora sob a luz cegante da rua Satanam, Dutch havia esquecido completamente a estranha que tinha encontrado alguns momentos atrás.
- Espero que eu não esteja atrapalhando. Camarada Balalaika, posso ter um momento do seu tempo?
Se olhares pudessem matar, o olhar de Balalaika direcionado para a mulher que esbarrara em Dutch a teria matado ali mesmo. Usando o fato de que Dutch tinha saído sem fechar a porta como uma oportunidade, a mulher nem mesmo se deu ao trabalho de bater enquanto caminhava languidamente para dentro do escritório. Dizer "não" para ela teria sido um exercício em vão mesmo que Balalaika sentisse vontade de tentar. Afinal, o trabalho de Tatiana Yakovleva era tudo sobre entrada não convidada.
Ela estava vestida com um terno cinza genérico, que trazia à mente os céus nublados de Moscou mesmo no calor abrasador do Sudeste Asiático. Ela não era feia de forma alguma, mas seu cabelo castanho curto e cortado, cortado mais para eficiência do que elegância, e os óculos grossos e robustos que ela usava, seriam mais do que suficientes para desviar qualquer olhar de playboy para outro lugar.
- Eu nem quero saber por que você está metendo o nariz nos meus negócios esta manhã.
A postura de Balalaika ao enfrentar Tatiana fez seu encontro recente desagradável com Dutch parecer uma celebração de primavera alegre. Seus olhos cinza-azulados endureceram, tornando-se da cor do gelo glaciar ártico.
Balalaika desprezava Tatiana e não se incomodava em esconder tal desprezo nem na presença dela - não, ela escolhia deliberadamente mostrá-lo exatamente porque Tatiana estava diante dela agora. Mas por parte de Tatiana, o sorriso humilde em suas feições não vacilou nem um pouco, como se ela não estivesse incomodada com o desprezo aberto de Balalaika - ou, talvez, como se os sentimentos de Balalaika não significassem nada para ela. Era natural que qualquer conversa entre duas pessoas assim, seja de manhã ou à noite, não pudesse deixar de ser uma exibição de hostilidade.
- Camarada Balalaika, você quebrou seu jejum esta manhã? Talvez pudéssemos-
- Talvez não. A simples visão de você engolindo kasha vorazmente seria o suficiente para matar meu apetite.
- Como estamos ferozes hoje, disse Tatiana, sorrindo brilhantemente como se tivesse sido elogiada.
- Se você tem tempo para me convidar para o seu conceito de um café da manhã elegante, então você tem tempo para trabalhar, mesmo que tenha que viver com uma dieta de sal. Eu perdi a conta de quanto tempo faz desde que você entrou aqui para brincar de auditoria.
- Lamento muito dizer isso, mas não ocorreu a você que talvez seja seu comportamento hostil o maior impedimento para o meu trabalho, camarada Balalaika?
As sombras se aprofundaram no sorriso de Tatiana, e de alguma forma, um tipo de sedução venenosa começou a aparecer sobre ela, embora estivesse vestida com roupas que estavam longe de serem projetadas para acentuar a beleza feminina. Talvez esta fosse sua verdadeira natureza, talvez seu encanto fosse como um inseto fluorescente, brilhando intensamente apenas nas frias e úmidas profundezas da escuridão.
- Não posso deixar de mencionar que ouvi dizer que um de seus navios foi roubado recentemente. Posso perguntar por que isso não foi trazido à minha atenção? Você sabe tão bem quanto eu, certamente, que foi indiscutivelmente uma grande perda.
- ...Então você estava ouvindo atrás das portas também. Até que ponto você cheka2 está disposta a se afundar na lama?
- Tudo parte do trabalho diário, eu temo.
Provavelmente, Tatiana apenas fingiu esbarrar em Dutch, e na realidade estava ouvindo-os desde o início da conversa. A expressão de Balalaika se tornou, se isso fosse possível, ainda mais fria.
- Você só deveria olhar as contas do ano passado, não é? Não me lembro de você ter sido encarregada de bisbilhotar sobre os assuntos deste mês.
- Oh, não... Oh, não, não, não, camarada. Você deve perceber que sua própria teimosia está me forçando a ser ainda mais cuidadosa e escrupulosa do que antes.
Tatiana caminhou tranquilamente até o lado de Balalaika e, como se estivesse em seu próprio escritório, ergueu-se facilmente sobre a mesa de Balalaika. A expressão de Boris congelou diante da audácia pura.
" 2 Cheka Foi a primeira organização de polícia secreta soviética, criada em 1917 por Vladimir Lenin e Felix Dzerzhinsky que depois se tornou a KGB."
Removendo seus óculos nada atraentes, Tatiana olhou por sobre o ombro para Balalaika, com os olhos meio cerrados de forma quase sedutora. Seus movimentos lembravam uma planta carnívora espalhando suas folhas pegajosas em busca de presas.
- A gestão financeira e de mercadorias da Bougainvillea Trading é muito sombria e incoerente, por qualquer padrão que eu possa imaginar. Em outras palavras, muitos elementos dessa filial são decididos exclusivamente por um único indivíduo... ou seja, você, camarada. Com certeza você sabe tão bem quanto eu que tal sistema vai contra os padrões do Hotel Moscow, contra as próprias crenças do nosso povo.
- Crenças você diz... Hmm.
Balalaika bufou, estendendo lentamente uma mão. O movimento foi tão natural, tão quieto e discreto, que Tatiana não teve a menor ideia do que Balalaika estava planejando até a mão agarrar sua gola.
- O que você acredita, Cheka? Diga-me. Vai cantar para mim o glorioso hino do Partido Bolchevique de outrora, talvez?
Pega completamente desprevenida pela súbita demonstração de violência, Tatiana não conseguiu esconder seu medo. Cara a cara com Tatiana, seus narizes quase se tocando, Balalaika respirou lentamente o leve cheiro daquele terror, saboreando-o. Ela parecia um cão de caça que havia imobilizado sua presa com uma pata.
- ...Vou te dizer apenas uma coisa. A sombra que surgiu da tolice que você chama de crença... Isso somos nós: Hotel Moscow. Não esqueça disso. Você pode tentar ganhar nosso favor vendendo-nos seus sorrisos falsos, mas estamos apenas aguardando o momento certo para atacar suas gargantas. Corra até que esse dia chegue. Corra para onde você não me ofenda com a visão do seu rosto.
Tatiana reuniu os últimos vestígios de seu orgulho, mantendo o sorriso rígido no rosto. Tentando ao máximo manter sua autoridade como auditora, lutando para não lutar, ela fez outra pergunta a Balalaika.
- ...Por que... você escondeu o roubo do Nifrit de mim...? Havia algo... que você queria esconder?
- Foi porque só de falar com você me faz lançar maldições. A menos que eu não tenha outra escolha, não vou te contar uma única coisa a partir de agora. É assim que as coisas funcionam aqui em Roanapur.
Seu ultimato foi entregue com uma finalidade retumbante, como um prego sendo cravado, e Balalaika soltou Tatiana, empurrando-a.
- Seria melhor você terminar seu trabalho e sair da minha vista o mais rápido possível. Passar muito tempo em um lugar estrangeiro como este não será bom para a sua saúde. Posso garantir isso.
- ...Que grosseria, camarada, Tatiana esbravejou, tentando arrumar suas roupas amarrotadas em uma tentativa inútil de salvar as aparências.
- Mesmo que você seja inocente, deveria ter garantido que o negro mantivesse a boca fechada. Talvez você pudesse ter o avisado de forma mais direta, ou cuidado da questão de uma maneira... mais limpa. Pense, o que acontecerá se ele começar a fofocar sobre o que aconteceu aqui? Tatiana sorriu um sorriso escuro e sombrio, como se estivesse saboreando o pensamento.
- Um homem usando um rifle de sniper antigo da Europa Oriental e exibindo suas habilidades de paraquedismo... poderia ser outra coisa senão Spetsnaz? Um homem assim atacou Chang Wai-San e depois fugiu em um barco de propriedade do Hotel Moscow. Qualquer pessoa com a cabeça no lugar concluiria com certeza que Fry Face estava por trás de tudo. Pensariam que ela finalmente decidiu resolver sua velha rixa.
Tatiana tinha esperança de que Balalaika mostrasse algum sinal de ansiedade ou nervosismo, mas, infelizmente para ela, Balalaika sabia muito bem que Dutch era um homem de poucas palavras que conhecia o significado da honra.
- Fuja desta cidade, então, se acha que as coisas vão ficar perigosas. Não posso garantir que as balas voarão apenas de frente para você se as coisas passarem do ponto sem retorno... e mais uma coisa. O SVD é um rifle excelente, construído para durabilidade e tiro rápido em vez de precisão. Mas se você insistir em caluniá-lo chamando-o de antigo, posso provar que está errada, a uma distância de 600 metros.
Balalaika manteve um olhar fixo e impassível, sua confiança inabalável. Tatiana, percebendo que sua provocação não havia surtido o efeito desejado, recuou ligeiramente, mas manteve um semblante desafiador.
- Compreendo. Não quis desrespeitar suas habilidades ou seu equipamento, camarada. Apenas acredito que é necessário ser cauteloso em situações como esta.
- A cautela é uma coisa, Tatiana. A insinuação é outra completamente diferente. Se eu fosse você, tomaria cuidado com o tipo de inimigos que está fazendo aqui. Roanapur não é um lugar para os fracos de coração.
Tatiana endireitou os ombros, ajustando os óculos que havia colocado novamente.
Agradeço pelo conselho, camarada. Apenas faço o meu trabalho, assim como você faz o seu.
Com isso, ela deu um passo para trás, a tensão no ar ainda palpável, mas Balalaika já havia voltado sua atenção para outros assuntos, como se Tatiana fosse nada mais do que uma inconveniência passageira.
Tatiana sabia que sua posição não era segura, mas também sabia que tinha uma missão a cumprir. Ela saiu do escritório de Balalaika com um misto de frustração e determinação, ciente de que o caminho à frente seria perigoso, mas também necessário.
- ...
Tatiana teria adorado oferecer uma réplica contundente, mas embora provocações leves e esgrima verbal pudessem ser dispensadas oficiosamente como parte de seu trabalho, escolher confrontar Balalaika diretamente seria uma clara violação de seu profissionalismo. As coisas seriam diferentes se ela tivesse alguma evidência inegavelmente condenatória, mas como as coisas estavam, a cautela incutida nela pela natureza de seu trabalho a impedia de tomar uma atitude.
Lançando a Balalaika um olhar sombrio que prometia vingança, Tatiana deixou o escritório.
- Lamento que você tenha que testemunhar uma farsa dessas, camarada Sargento.
Boris, libertado de seu tempo como estátua silenciosa, elogiou a contenção de sua comandante à sua maneira brusca.
- De modo algum. Os chiliques da politruka não são novidade. Devemos ser gratos que ela não esteja ficando, se é que há algo a agradecer.
Com a queda da União Soviética, muitas organizações criminosas expandiram suas bases de poder ao receber membros das instituições públicas da URSS, e o Hotel Moscow não foi exceção. Ex-membros da desmantelada KGB, em particular, frequentemente traziam suas redes de espionagem arduamente conquistadas quando se juntavam, provando-se especialmente úteis para os interesses ilegais de seus novos mestres.
Mas o efeito trazido por esses refugiados não foi inteiramente positivo. A estranha e irracional burocracia que fora a maior deficiência da União Soviética seguiu os novos recrutas também, corroendo por dentro as organizações que os recebiam como tumores cancerígenos. Afinal as instituições públicas da URSS desperdiçaram mais de suas energias em lutas internas por poder do que em combater realmente a sombra crescente do capitalismo. Aqueles que vieram da KGB frequentemente permaneciam fiéis às suas naturezas, mesmo após trocar de mestres, e, ainda pensando que o caminho mais rápido para o sucesso estava em delatar seus colegas, aproveitavam cada oportunidade para apunhalar seus aliados pelas costas. Certamente, as auditorias internas sinistras e tenazes introduzidas recentemente pela crescente facção do Hotel Moscow de ex-KGB serviram para eliminar aqueles tolos e corruptos que ousavam deixar a ganância superar o bom senso. Mas para indivíduos eficientes como Balalaika, que preferiam trabalhar na linha de frente, todas as auditorias representavam apenas dores de cabeça desnecessárias.
Tatiana Yakovleva, a auditora que estava em Roanapur desde a semana passada, também era uma chequista, uma ex-membro da KGB. Havia pouca chance de que Balalaika, que não escondia seu ódio pela Cheka, olhasse com bons olhos para uma mulher assim, mas depois ter essa mesma mulher invadindo seu território, bisbilhotando como se fosse dona do lugar e zombando abertamente da autoridade de Balalaika... Era como ter uma cobra rastejando em sua cama.
- Mas... ela tem um ponto. O envolvimento do Nifrit no ataque a Chang é realmente motivo de preocupação.
- Hmm.
Balalaika assentiu, aceitando a opinião de seu braço direito.
- Kapitan, não seria prudente contatar a Companhia Lagoon e dizer-lhes para serem mais discretos? Não podemos ignorar a possibilidade de que sua busca por pistas cause a disseminação de rumores desagradáveis.
Balalaika considerou por um momento, os olhos estreitados em pensamento. Finalmente, ela assentiu, a decisão tomada.
- Sim, Boris, acho que é uma precaução sensata. Entre em contato com Dutch e avise-o. Precisamos ter certeza de que esta situação não saia de controle. A última coisa que precisamos agora é de mais complicações.
Boris acenou com a cabeça e saiu para cumprir a ordem, enquanto Balalaika voltava sua atenção para a janela, contemplando o panorama caótico de Roanapur. A cidade estava fervendo com tensões e segredos, e Balalaika sabia que qualquer passo em falso poderia desencadear uma tempestade de violência. Ela precisava estar um passo à frente de todos, especialmente de pessoas como Tatiana, que poderiam transformar qualquer fraqueza em uma arma contra ela.
Enquanto Boris se preparava para contatar Dutch, Balalaika voltou a sua mesa e olhou para os papéis espalhados. Havia muito trabalho a ser feito, mas agora, mais do que nunca, ela precisava estar vigilante. A segurança e o poder do Hotel Moscow dependiam disso.
- Não precisamos nos preocupar com isso quando se trata do Dutch. Esqueceu, Sargento? Ele é o homem que negociou a paz entre nós e a Tríade. Suas preocupações sobre a retomada das hostilidades não são para mostrar.
Balalaika olhou para a foto que Dutch havia trazido enquanto falava, lembrando-se do que ele lhe dissera. Usar um navio roubado como veículo de fuga não era nada fora do comum. Mas o que a incomodava era o fato de o navio em questão pertencer à Bougainvillea Trading. Havia muitos outros navios atracados no porto que seriam mais fáceis de pegar.
Talvez tivesse sido uma decisão calculada, uma tentativa de encobrir o ataque a Chang como sendo um acerto de contas da máfia russa. Nesse caso, Balalaika não podia se dar ao luxo de tratar isso como um problema alheio.
- ... A menos que não seja apenas uma tentativa de fazer parecer que fomos nós... Balalaika murmurou, seu rosto se contorcendo como se as palavras diretas deixassem um gosto desagradável em sua boca. Percebendo o significado delas, os traços temíveis do sargento mostraram uma ansiedade incomum.
- Para cobrir quase um petroleiro inteiro com um Dragunov, à noite, através de um vento lateral forte o suficiente para permitir parapente a partir de um mastro de barco... Sargento, como um membro dos Vysotniki faria uma missão dessas?
- Se não houvesse outra opção, eu faria tudo ao meu alcance para garantir o sucesso da missão.
A resposta padrão de Boris tinha um duplo significado.
Para os ex-Spetsnaz sob o comando de Balalaika, tal tarefa estava longe de ser impossível. No entanto, antes de empreender tal missão, eles estudariam a situação em busca de uma maneira mais fácil de realizá-la. E se houvesse uma maneira, eles a escolheriam sem hesitação. Tal era a dificuldade da operação mencionada.
Eles sabiam tudo o que havia para saber sobre rifles e paraquedas, e foi assim que puderam avaliar com precisão as habilidades do atirador que estava no Zaltzman naquela noite.
- De acordo com o que Dutch nos disse, havia muitas outras maneiras que um indivíduo tão habilidoso poderia ter escolhido para atacar o petroleiro. Mas o atirador deliberadamente escolheu um lugar no mastro. Em outras palavras... para ele, a tarefa não era tão difícil a ponto de exigir a busca de alternativas.
Os olhos de Balalaika se concentraram em algo que não estava ali, não naquele momento, mas em algum lugar distante no passado. Boris engoliu em seco, sua garganta de repente seca.
- Kapitan...
- Você consegue pensar em alguém assim, não é, Sargento? Houve um gênio, certa vez, que podia compreender os ventos mais rigorosos e transformá-los em seus aliados mais próximos. Ele era russo; ele era Spetsnaz; ele era um dos nossos.
A mesma imagem veio à tona em suas mentes. Uma terra de rochas e areia, desprovida de qualquer coisa além de ventos secos e luz solar escaldante, um lugar que, simplesmente por existir, rejeitava toda forma de vida.
Com a voz rachada e seca como a terra em suas mentes, Boris finalmente encontrou forças para nomear um homem.
- Cabo Stanislav Kandinsky... Mas ele está morto há anos...
- De fato. É verdade que seu nome é um que deveria estar decorando uma lápide e não saindo de nossos lábios. Mas...
A voz de Balalaika enquanto se lembrava, enquanto recordava aquela terra distante de morte, era de alguma forma como uma prece pelos mortos.
- ...Mas não se pode dizer o mesmo de todos nós também, Sargento?
—
A equipe de Stan havia se escondido em Roanapur, exatamente como Chang Wai-San havia previsto... embora talvez "escondido" não fosse a palavra mais apropriada para descrever a situação.
No canto do saguão de um dos melhores hotéis da cidade, o Sankan Palace Hotel, embora "melhor" ainda não significasse muito em uma cidade portuária nos arredores da Tailândia
quatro homens estavam sentados no bar de jantar pouco frequentado. Eles eram os quatro membros da equipe de assalto que haviam escapado do Zaltzman com vida.
Havia alguns hóspedes que tinham descido para tomar café da manhã até pouco tempo atrás, mas agora já era tarde para que qualquer pessoa devidamente empregada ainda estivesse lá. A reunião suspeita de homens sentados à mesa, sem fazer nada, chamava mais atenção do que deveria.
As únicas outras pessoas na sala eram três belas mulheres, provavelmente prostitutas caras, que pareciam estar desfrutando de algumas bebidas após uma noite difícil de trabalho. Havia também dois homens que pareciam ser seus guarda-costas sentados na mesa ao lado, mas ambos pareciam pouco inclinados a prestar muita atenção à equipe de Stan, que estava sentada do outro lado da sala.
Na verdade, Stan e Jake haviam se hospedado no hotel em Roanapur antes mesmo que os detalhes do assassinato fossem definidos. Não havia planos para atacar um petroleiro em alto mar naquela época, e só uma vez que a missão foi decidida é que os dois viajaram para a Ilha de Bangka para se encontrarem com a tripulação de Caroline e a Lagoon Company.
Os dois piratas que haviam escolhido seguir Jake após a morte de Caroline, Pedro e Alonzo, haviam abandonado seus trajes cômicos e agora pareciam homens civilizados, vestidos com roupas que compraram na loja de roupas do hotel. O ar perigoso de um criminoso endurecido pairava sobre Alonzo, marcando-o inconfundivelmente como um fora da lei. Mas Pedro, agora de barba feita e usando óculos escuros, parecia quase delicado e intelectual; alguém poderia até ser perdoado por confundi-lo com um turista.
- ...Ei, quanto tempo mais essa ruiva vai nos fazer esperar? Alonzo perguntou. Ele estava balançando a perna nervosamente desde que haviam entrado, proporcionando uma distração irritante. Mas era mais do que compreensível. Afinal, eles estavam à vista, no dia seguinte ao atentado contra o líder de uma das organizações mais poderosas da cidade.
Pedro estava em silêncio, como se já tivesse desistido pela metade, o olhar drogado de Stan ainda vagava sem rumo pela sala, e Jake parecia completamente absorvido pelo que estava digitando em seu laptop, com um par de fones de ouvido tocando música alta em seus ouvidos.
- Ela não disse que viria nos buscar de carro até as 10 no máximo? Você acha que houve algum tipo de problema? Hein?
- Vai saber, cara... Talvez ela esteja tentando conseguir um carro que não possa ser rastreado ou algo assim, talvez... Jake murmurou distraidamente.
Tendo falhado na missão, Jake também não queria permanecer em uma posição tão visível. Na verdade, ele já tinha preparado um esconderijo caso algo assim acontecesse. O único problema era que era um pouco difícil de alcançar a pé, então eles decidiram esperar até que a mulher ruiva que os salvara com a chegada oportuna do cruzeiro na noite anterior viesse de carro para encontrá-los.
Mas o tempo prometido já havia passado, e Alonzo e Pedro, que não haviam sido informados sobre os detalhes exatos da operação, não conseguiam conter sua ansiedade.
- ...O que você está fazendo com essa coisa, afinal? Pedro perguntou a Jake, quebrando seu longo silêncio enquanto observava o outro homem digitar as teclas.
- Eh? Ah, bem... Acho que você poderia chamar isso de o trabalho da minha vida, mano. Feito por diversão e lucro, sabe o que quero dizer? E estou quase, pronto, com essa postagem...
Talvez decidindo encerrar as coisas por enquanto, Jake conectou seu celular ao laptop com um cabo, transferindo arquivos para o computador.
- Phew. Acho que vou ter que postar mais atualizações à noite... Hmm. Cara, você está certo. O carro realmente não apareceu.
Pedro e Alonzo encararam Jake, percebendo sua calma total. Sabiam que Stan era o líder da equipe, mas vendo que ele estava quase sempre drogado até a última gota, a menos que estivessem em uma situação de combate, decidiram conjuntamente que Jake era o verdadeiro executor da equipe.
Mas Jake, embora sua impiedade em uma luta e suas habilidades com uma arma certamente não fossem motivos de riso, também estava longe de ser o que alguém chamaria de profissional, e sua atitude sempre irreverente e provocativa tornava difícil para eles confiarem nele, também. De alguma forma, eles chegaram até aqui, mas por dentro, tanto Pedro quanto Alonzo estavam furiosamente calculando quanto tempo estavam dispostos a permanecer nesse barco específico.
- ...Разрешите обратиться (Com licença, posso ter um momento?)
Todos na mesa se enrijeceram com a voz repentina que se aproximava, surpreendentemente, para os outros três, Stan reagiu mais rápido. Eles não esperavam que uma simples voz o tirasse de seu estupor induzido por drogas.
O dono da voz hesitante era um dos dois homens que estavam sentados com as prostitutas do outro lado do restaurante. Vistos de perto, seus ombros largos e a postura firme de seus maxilares tornavam ainda mais óbvio que eram seguranças. Por alguma razão, eles decidiram se aproximar da mesa e agora estavam encarando Stan com expressões decididamente desconcertadas em seus rostos.
Jake, Pedro e Alonzo nem sabiam qual era o idioma. Apenas Stan imediatamente o reconheceu como russo.
Vendo a reação de Stan, os dois homens sorriram largamente... embora essas expressões alegres também estivessem nubladas com confusão.
A torrente de russo que se seguiu empurrou Jake e os outros dois completamente para fora da conversa.
- Sargento Júnior? Sargento Júnior Kandinsky, é você? Você se lembra de nós? Eu sou Kosloff. Eu servi com você em Jalalabad. Eu estava na 11ª força-tarefa.
- Eu sou David. Você não se lembra de mim, Sargento Júnior?
-Ah... não.
Stan se lembrou. Ele se lembrou do som familiar do russo falado, dos rostos dos camaradas com quem havia passado por altos e baixos. Mas ele não conseguia entender por que estavam ali, em uma cidade remota na Tailândia.
Kosloff e David ficaram contentes em ver seu camarada de armas, mas não conseguiram esconder sua consternação com a transformação lamentável de seu antigo superior. Eles se aproximaram dele porque se lembravam do Stanislav daquela época, mas agora certamente estavam lamentando sua decisão diante dessa sombra magra de um homem.
- Ah, não posso acreditar... Sargento Júnior, pensamos que você estava morto...! O que o traz para Roanapur? Essas pessoas são seus amigos?
- ...E o que os trouxe aqui?
Kosloff e David trocaram um olhar significativo diante da pergunta direta de Stan, assentiram juntos e responderam.
- Na verdade, montamos uma empresa comercial aqui com muitos outros ex-companheiros Spetsnaz. E você consegue adivinhar quem é nosso chefe? É a Kapitan Pavlovena. Surpreendente, não é?
Sofiya Pavlovena...
No momento em que o nome alcançou seus ouvidos, o rosto de Stan se contorceu ainda mais, uma expressão de espanto e confusão perturbada.
- Uh... Sargento Júnior?
Talvez para esconder a turbulência dentro dele, Stan baixou seu rosto pálido como se estivesse envergonhado.
- ...Não, vocês devem estar enganados. Eu não conheço ninguém com esse nome.
- O quê? Do que você está falando? Kosloff começou, mas Stan o interrompeu com a mão levantada, como se em súplica.
- Eu... eu sinto muito. Devo ter dito algo que os confundiu... Não importa. Por favor, vão embora.
- ...
Kosloff e David se olharam mais uma vez, desta vez consternados com a mudança súbita de comportamento de Stan. E naquele momento, de trás deles, vieram as vozes das prostitutas que estavam cuidando.
- Ei, quanto tempo vocês vão ficar conversando aí? Queremos ir para casa, então preparem o carro!
Os dois homens não estavam no bar de jantar a passeio pessoal. Eles estavam muito preocupados com o comportamento perturbador de seu camarada, mas sua prioridade máxima no momento era garantir o retorno seguro das mulheres.
- ...Se acontecer alguma coisa, por favor nos contatem aqui, disse David, sua voz tingida de preocupação enquanto tirava um cartão de visita de dentro do seu paletó.
- Sargento Júnior... Mesmo agora nunca deixaríamos um camarada em apuros. Se precisar, não hesitaremos em ser sua força. Que possamos nos encontrar novamente.
Dito isso, os dois homens saíram, olhando com pesar por cima dos ombros enquanto se afastavam.
- ...Quem eram aqueles caras, Stan? Você os conhece ou algo assim?
Jake, que ficara perplexo com a conversa em russo, pegou o cartão de visita que fora deixado na mesa e o examinou com suspeita.
- Vamos ver aqui... Hm. Bougainvillea Trading, né? Santo Deus.
- ...Você os conhece? perguntou Stan, ainda incapaz de esconder completamente sua surpresa com o reencontro inesperado.
- Yeah, eu fiz minha pesquisa antes de vir pra cá... Isso é uma fachada pra máfia russa. Dizem que eles são uns filhos da mãe bem brabos. Você tem uns amigos assustadores, mano.
- Máfia, você diz?
Em vez de acalmá-lo, a resposta de Jake só serviu para aumentar ainda mais a angústia de Stan.
- Yeah. Dizem que a líder, Balalaika, é a mais cruel, mais durona da cidade. Às vezes a chamam de Fry Face... Ei, qual é a dessa cara esquisita?
- Não é nada...
Stan tentou com todas as forças transmitir uma imagem de calma, mas era óbvio que ele estava profundamente abalado.
- Você não viu aquelas garotas de programa agora? Por que caras que trabalham em uma empresa de comércio estariam cuidando de garotas assim, huh?
- ...
A incredulidade ainda estampada em seu rosto, Stan só pôde encarar o corredor do hotel onde seus antigos camaradas tinham desaparecido.
- Não pode ser... Kapitan? Mas... mas, não... por quê?
—
No final da tarde, o calor se juntou à umidade para formar uma panela de vapor. Dentro da sala de máquinas da Companhia Lagoon, onde nunca havia soprado um vento de ar condicionado, Benny trabalhava arduamente nas máquinas do navio, suas roupas e pele cobertas de suor e óleo.
Ele realmente não acreditava no conceito de ética de trabalho, e também não era masoquista. A única razão pela qual ele decidiu abandonar o interior abençoado e fresco para trabalhar em um ambiente infernal como esse foi porque se sentia assaltado pela sensação enlouquecedora de ter sua vida por um fio, sem nada que pudesse fazer a respeito.
Os membros da Companhia Lagoon foram encarregados de encontrar a equipe que havia atacado o Zaltzman, e a Tríade espreitava nas sombras, esperando para dar um fim cruel caso eles falhassem. Dutch, Revy e Rock partiram assim que o navio atracou para encontrar informações. Dutch, a combinação ideal de cérebro e força, não teria problemas em procurar pistas a pé, e embora Revy provavelmente nunca tivesse ouvido a palavra "negociar", ela tinha Rock para falar por ela. Como as habilidades de conversação de Rock e outros talentos eram excelentes, mas ele muitas vezes faltava coragem para usá-los bem, e os talentos de Revy estavam na intimidação, eles formavam uma equipe surpreendentemente boa.
A questão era que, no final das contas... Benny se via sozinho, sem lugar para ir.
Na opinião de Benny, era uma loucura sair e enfrentar os cidadãos de Roanapur, que eram sérios candidatos ao título de "pessoas mais desajustadas do mundo". Muito melhor, ele pensava, era trabalhar com máquinas. Mesmo a engrenagem ou mola mais delicada sempre agiria como esperado, desde que se tomassem os passos certos ao lidar com ela. Seus companheiros o conheciam bem, é claro, por isso foi decidido que Benny ficaria para trás para reparar a Lagoon enquanto eles saíam e cuidavam do aspecto humano.
Ele havia terminado os reparos e substituições mais importantes pela manhã; o que restava não era tão urgente. Ainda assim, embora fosse bom descansar um pouco durante a tarde infernal... Benny não era tão sem vergonha a ponto de se acomodar na frente do computador com uma cerveja gelada e navegar na web enquanto os outros corriam para fora.
- Heeey, Benny! Você está aí? A voz de Revy chegou do convés; parecia que ela havia retornado enquanto ele estava ocupado. Benny desviou a atenção das porcas e parafusos à sua frente.
- Sim, estou na sala de máquinas. O que houve?
- Hora do almoço. Dutch disse para nos encontrarmos no Khao Han.
Então já é hora do almoço, hein... Benny verificou seu relógio de pulso enquanto enxugava o suor da testa e só então percebeu o quão faminto estava.
Ele poderia perguntar aos outros como foi a investigação. Ele se perguntava se deveria ousar ter esperanças.
Recolhendo suas ferramentas e se levantando para sair da sala, Benny foi subitamente atingido por uma sensação estranha e se virou para olhar novamente para as máquinas atrás dele.
- ...
Ele não sabia dizer por quê, mas por algum motivo... O dia todo, ele havia sido intermitentemente assaltado por uma sensação estranha enquanto fazia seus reparos, e agora aquela sensação se manifestava novamente. Claro, não havia nada de errado na sala. Ele podia garantir isso, tendo trabalhado nela por mais de uma hora sem parar.
- Benny? Ei, tem algo errado aí embaixo?
- Hã? Ah... Desculpe, já estou saindo.
Ele devia estar mais estressado do que havia percebido. Benny assentiu, tentando se convencer, e subiu para se juntar a Revy e os outros.
Apenas alguns minutos depois de Benny sair...
Uma silhueta negra, vagamente moldada como um homem, lentamente ganhou forma dentro da silenciosa e deserta sala de máquinas.
De fato, parecia que uma das muitas sombras da sala havia subitamente adquirido massa e forma, coalescendo na forma de um ser humano. Essa figura havia estado escondida nas sombras a poucos metros de Benny enquanto ele trabalhava, e ainda assim evitou ser detectada.
As roupas japonesas de estilo mate preto pareciam totalmente fora de lugar no homem, cuja forma robusta parecia ser feita puramente de músculo treinado. Ele era o ninja que, por todos os direitos, deveria ter sido despedaçado pelas granadas de Dutch.
Não é preciso dizer que não havia objetos na sala de máquinas grandes o suficiente para um homem assim se esconder. Na verdade, Benny o tinha avistado inúmeras vezes. Mas ele, através de um treinamento árduo e intenso, desbloqueou os segredos do ongyou no jutsu, permitindo-lhe se tornar um com o grande fluxo de ki que corre pelo universo, apagando sua presença de toda percepção. Aqueles não treinados nas artes ninja seriam incapazes de detectá-lo, mesmo se olhassem diretamente para ele... Não, mesmo se ficassem encarando diretamente para ele por longos períodos de tempo, as pobres almas tolas seriam incapazes de registrar a forma como algo significativo.
A tripulação deste navio certamente acreditava que o havia matado com explosivos na noite passada. Mas o que voou para o mar naquela ocasião foi uma boneca inflável, carregada com pesos de halteres e pacotes de sangue falso, envolta em tecido preto. Ele só precisou se esconder atrás dos tubos de torpedo e depois lançar a boneca no momento certo, para parecer que ele mesmo havia pulado.
Esse era o segredo astuto da arte ninja, o utsusemi no jutsu. Tendo ouvido de Stan que ele poderia ser necessário para ficar para trás e impedir que o Lagoon perseguisse o restante da equipe, ele decidiu fingir sua própria morte após terminar sua missão, simulando um salto no mar. Na verdade, ele havia preparado a boneca que serviria de substituta bem antes, escondendo-a atrás dos tubos de torpedo imediatamente após retornar ao Lagoon usando seu suiton no jutsu.
Ele tomou tais precauções, sabendo que o Lagoon seria sua verdadeira rota de fuga. Ele planejava se contrabandear a bordo até que atracassem em um porto, e então desaparecer nas sombras quando a oportunidade se apresentasse.
Mas pelo que ele ouviu a tripulação discutindo, parecia que a equipe de Stan havia falhado em assassinar Chang Wai-San. Além disso, a própria Lagoon havia sido encarregado de transportar Chang de volta para Roanapur. Nem ele, com todo o seu treinamento nas variadas artes do Oriente, havia sido capaz de prever tal evento. Se soubesse, teria sido capaz de preparar armadilhas mortais com antecedência. Mas, infelizmente, como estava, ele não pôde atacar mesmo quando sentiu a presença de Chang por perto, sendo forçado a esperar e aguardar sua oportunidade.
Mesmo que ele tivesse tentado um ataque suicida, as chances de ele conseguir tirar a vida de Chang eram mínimas. Ele foi capaz de sentir a presença dos que estavam reunidos na ponte, e percebeu que todos eram extremamente habilidosos.
Mas isso não significava que a batalha estava perdida.
O barco havia atracado em Roanapur. Ele, assim como Jake e Stan, havia sido contratado desde o início para assassinar Chang, e por isso já estava informado sobre o plano de contingência caso o primeiro assassinato falhasse, e sobre o esconderijo que havia sido preparado para eles se reagrupar. Ele cuidadosamente espalhou seus sentidos e, detectando que não havia ninguém no cais do lado de fora, transformou-se em uma sombra sem forma que deslizou silenciosamente para fora da sala de máquinas.
E assim, o último descendente de toda a escuridão e maravilha do Oriente foi solto sobre a cidade de Roanapur.