Volume Único

Capítulo 1

Rock, antes conhecido como Okajima Rokuro, percebeu mais uma vez que o trabalho atual da Companhia Lagoon era possivelmente o pior que já haviam aceitado. Não era raro para a Lagoon transportar convidados. Eles eram transportadores, motoristas de fuga e dependendo do pagamento, até mesmo piratas. Se você queria um navio rápido e ágil para navegar nas águas do Estreito de Malaca, então recorria à Companhia Lagoon.

Ainda assim, não era como se pudessem oferecer a todos os seus hóspedes um serviço com um sorriso. Afinal, as chances de um passageiro que pudesse se encontrar a bordo da Lagoon ser alguém próximo de uma boa pessoa eram quase zero. Pelo contrário na verdade. Havia momentos em que se viam sobrecarregados com pessoas que pareciam teriam dificuldade em se sentir bem-vindas em qualquer lugar. Como é o caso de seu cliente atual.

Iluminado apenas pela fraca luz das estrelas, o homem sentado no convés olhava silenciosamente para o oceano noturno agitado. Ele parecia um espectro do mar, do tipo que se encontraria nas histórias de fantasmas contadas por marinheiros.

Seu cabelo loiro comprido parecia que muitos anos haviam passado desde que alguém ousara pegar uma tesoura para cortá-lo, e o perfil de seu rosto era pálido e doentio, como se alguém tivesse se esforçado apenas pela metade para esticar sua pele sobre seu crânio. À primeira vista, sua aparência cadavérica tornava difícil estimar com precisão sua idade. Parecia que o homem não notou a aproximação de Rock, pois permaneceu onde estava, olhando para as profundezas negras como um homem possuído.

- Com licença? Senhor Stan?

O homem virou a cabeça lentamente, como uma máquina quebrada, para olhar na direção de Rock... Ele realmente estava olhando? Seus olhos estavam tão vazios que era difícil dizer. Eles eram como cavernas gêmeas; nada podia ser visto dentro delas. Rock sentiu um arrepio percorrer seu corpo. Era como falar com um homem morto.

- ...Senhor Stan, o capitão quer vê-lo. Está quase na hora, então acho que ele quer revisar o plano antes de irmos.

- Mmm. Sim, entendi.



A voz do homem completamente desprovida de vontade e espírito, servia apenas para provar que ele não era um cadáver, nada mais. Não, talvez nem mesmo isso. Havia aqueles na Terra que andavam e falavam como vivos, mas ainda estavam mortos por dentro. Fazia apenas cerca de dois anos que Rock havia se lançado de cabeça no submundo, mas ele já podia perceber isso. Ele já podia perceber exatamente que tipo de pessoa o homem à sua frente era.

Stan levantou-se lentamente e Rock viu claramente quando ele sorrateiramente empurrou algum lixo para o mar ao se levantar.

Uma ampola vazia e uma bola de algodão amassada.

Os olhos de Stan, mais negros que o mar noturno e preenchidos apenas com escuridão vazia, eram os de um viciado em heroína.

Dutch e Benny não conseguiram esconder seu desgosto quando Rock voltou para a cabine com Stan a reboque. Eles também pensavam que este trabalho era o pior em muito tempo.

Ninguém gostava de lidar com pessoas que tinham queimado metade do cérebro com overdoses de dopamina, e Stan era obviamente um exemplo clássico de um viciado em heroína.

De sua posição atrás de Stan, Rock silenciosamente bateu no pulso. Nosso convidado acabou de se drogar. Dutch e Benny perceberam o gesto, e a inquietação em seus rostos só se aprofundou.

- Estamos rastreando o navio que você mencionou no radar, mas ele ainda não parece ter se desviado do curso. Disse Benny, marcando um ponto no mapa, mostrando seu caminho. Ele era um tipo magro e nerd que parecia estar o mais longe possível de um homem do mar. Mas suas habilidades eram irrepreensíveis, e subestimá-lo com base em sua aparência seria um erro.

- Se eles continuarem como estão agora, irão cruzar nosso caminho em cerca de vinte minutos ou mais. Tudo de acordo com o cronograma, em outras palavras.

- Ok então, vamos revisar o plano mais uma vez... Senhor Stan, não houve mudança de planos, certo? Perguntou Dutch, assumindo de onde Benny parou. O enorme homem negro, careca e poderosamente construído, era o capitão do navio e também o líder do grupo de Rock. Normalmente calmo e reservado, que mantinha suas emoções escondidas atrás de seus óculos Rayban, era extremamente raro ele mostrar tal desgosto flagrante.

Mas Stan, com o olhar ainda desfocado, apenas acenou lentamente.

- ...Olha, você tem certeza? Cem por cento? Dutch pressionou por confirmação, sua voz baixando perigosamente, mas Stan apenas respondeu com um sorriso nebuloso.

- Por que você está tão preocupado, capitão? Tudo o que queremos é que você passe na frente do barco e nos deixe em seu caminho em um bote de borracha antes que você seja notado. Então você pode ficar para trás, atrasando-os com algumas ameaças bem escolhidas. Enquanto eles estão distraídos, nos aproximamos do ponto cego deles e assumimos o controle do navio. Não vejo como este plano poderia ser mais simples.

- Mais fácil do que soltar um pum, sem dúvida. Mas veja, Senhor Stan, tenho que admitir que tenho minhas dúvidas de que você saiba como contrair os músculos do seu próprio traseiro. Parecia que Dutch havia decidido usar essa oportunidade para expressar suas dúvidas sem reservas. Rock não podia culpá-lo. Por alguma razão, o viciado em heroína à sua frente havia sido escolhido pelo cliente para liderar uma equipe de nada menos que uma dúzia de piratas. Stan, aparentemente imperturbável diante das palavras duras de Dutch - ou talvez incapaz de entender o significado por trás delas - apenas deu de ombros.

- ...Senhor Stan. 10 minutos. É o tempo que vamos ser sua isca. Se você não conseguir tomar o barco até então, vamos dar o fora daqui. Se você não conseguir voltar aqui com o que quer antes do tempo acabar, mesma coisa. Não vou esperar um segundo a mais. Você sabe disso, certo?

-Claro. Isso é tudo que esperamos de você... Agora, preciso pedir que chame meus amigos no porão. Estarei esperando no convés. Stan acenou casualmente e saiu cambaleando da cabine, parecendo que uma brisa forte seria suficiente para derrubá-lo. O silêncio caiu sobre os homens que ficaram olhando para ele.

Por fim, Benny balançou a cabeça enquanto olhava para Dutch.

- ...Ainda acho que é do nosso interesse dar meia-volta e voltar para Roanapur assim que eles estiverem no bote.

- Não podemos fazer isso, já que aceitamos o adiantamento. Se quisermos dar o fora, eles têm que cometer algum erro que coloque toda a missão em perigo primeiro.

- Não que isso seja tão improvável, sabe.

Benny olhou para a escotilha que levava para o convés e depois jogou a cabeça na direção do porão.

- O líder deles é assim, e os outros onze não são muito melhores. Eu diria que esses idiotas não saberiam distinguir uma missão de uma orgia. Não quero me envolver nos erros dos outros.  Dutch não parecia estar muito confiante nas chances de Stan de tomar o alvo com seu bando heterogêneo, porque ele apenas cruzou os braços e suspirou em vez de refutar a opinião de Benny.

- ...Eu concordo com Benny, disse Rock, incapaz de ficar de fora desta vez.

- Sei que temos uma reputação a manter, mas não há garantia de que não falharemos espetacularmente ao tentar ajudar esses caras. E eles são todos forasteiros que não têm nenhuma conexão com Roanapur, não são? Quem nos culparia por deixar-

- Rumores têm uma maneira de cruzar os mares, Rock. Roanapur não é o único lugar onde fazemos negócios, você sabe.

Mesmo tendo acabado de rejeitar a sugestão de Rock, Dutch ainda parecia irritado, coçando a barba distraidamente.

- ...Foi uma aposta aceitar um trabalho de um cliente sobre o qual não sabíamos nada desde o início. Vocês dois não disseram nada na época também. Desistam.

...Os membros da Companhia Lagoon estavam extraordinariamente desesperados quando aceitaram o trabalho. Transportar contrabando para Pangkal Pinang no trabalho anterior tinha sido bom, mas ter as pessoas que deram a eles a carga e aqueles que deveriam recebê-la caindo em uma operação policial pouco antes da entrega... não. Os membros da tripulação da Lagoon foram forçados a jogar toda a carga no mar antes que a trilha levasse as autoridades diretamente à porta deles. Eles despistaram a polícia, mas seus ânimos ao chegarem à Ilha de Bangka sem um centavo para mostrar por seus esforços estavam realmente péssimos, especialmente no caso de Revy, já que ela estava em seu período menstrual. Para complicar ainda mais as coisas, eles acabaram se envolvendo em um tiroteio na taverna onde foram afogar suas mágoas. Dutch, forçado a pagar pelas paredes e balcão crivados de balas, ficou tão furioso que permaneceu mortalmente silencioso até a manhã seguinte.

Foi quando conheceram seu cliente. Uma bela mulher de cabelo ruivo flamejante, "Jane", um nome falso, se é que já houve um, era uma completa desconhecida. Eles nunca a tinham visto antes, e ela os abordou sem passar por um intermediário primeiro. Mas ela deu-lhes um adiantamento mais do que suficiente para cobrir aquele início incerto, e todos concordaram que um pouco de risco provavelmente era melhor do que voltar para Roanapur de mãos vazias e com o rabo entre as pernas.

O maior erro deles foi aceitar o adiantamento antes de serem apresentados à equipe de operação real. Eles não acreditaram na garantia de Jane de que ela havia reunido apenas profissionais, mas pensaram pelo menos que ela estava razoavelmente certa do sucesso do trabalho, a julgar pela soma generosa que lhes deu. Nunca em seus sonhos mais loucos imaginaram que a equipe seria uma coleção tão heterogênea de desajustados. A dúzia que embarcou no Lagoon era simplesmente além da imaginação. Se o líder viciado fosse o único problema, então a tripulação do Lagoon não teria sido tão pessimista. Mas a dura realidade que encarava seus olhos, que os onze restantes faziam o viciado parecer quase normal, era o que tornava a atmosfera na cabine tão sombria.

- De qualquer forma. É tarde demais para lágrimas de arrependimento agora, não importa que tipo de merda fodida eles decidam fazer. Estejam preparados para o pior e lembrem-se de manter nossos próprios interesses em primeiro lugar... Agora, Rock. Seja um cavalheiro e busque nossos convidados lá embaixo.

Rock levantou as mãos, surpreso.

- Uh... Eu? Benny, rápido como sempre, correu para a sala de comunicações e ostensivamente começou a examinar as máquinas ali, com uma expressão estudada de inocência em seu rosto. Ele sabia, como todos na cabine, quão azarado seria o escolhido para descer até o porão. Isso significava, afinal, que a alma desgraçada enfrentaria a fúria de Revy, depois de ela ter sido presa em uma sala com os onze outros membros da equipe e forçada a vigiá-los por mais de uma hora seguida.

- Você é o único homem para a tarefa, Rock, disse Dutch serenamente, assumindo o leme.

- Considerando como Revy deve estar se sentindo agora, não consigo pensar em mais ninguém que possa lidar com ela... Boa sorte.

Revy percebeu mais uma vez que esse era possivelmente o pior trabalho que eles já tinham aceitado.

Ela acendeu mais um Lucky Strike e olhou dentro do maço amassado. Só restava um. Quando terminasse de fumar aquele, ela chegaria ao seu limite. Não achava que conseguiria aguentar mais.

O porão do Black Lagoon era pequeno demais para acomodar confortavelmente onze pessoas. E se essas condições apertadas fossem acompanhadas por mais de uma hora pela voz de uma mulher claramente fora de si, não seria necessário alguém com o temperamento perigoso de Revy para decidir que já era o suficiente.

-...Então, no final, o Almirante Guzman do Panamá ficou tão encantado com o gênio estratégico do meu antepassado em tomar dois fortes com uma força de apenas quatrocentos homens que ele enviou uma carta dizendo: 'Por favor, envie-me uma arma que possa me mostrar sua força.' Claro, meu antepassado, sendo um cavalheiro, recebeu o mensageiro com cortesia e lhe deu uma de suas pistolas valiosas, com um punhado de balas também. 'Guarde essas com segurança por um ano. Eu mesmo virei buscá-las de volta,' ele disse! Você consegue acreditar nisso?! Que incrível! Meu antepassado era tão incrível!

Seus cabelos loiros ondulados e o peito volumoso balançando desordenadamente, a mulher caucasiana continuava tagarelando, suas notas estridentes subindo muito além do que qualquer um consideraria um tom de voz apropriado para lugares fechados. Seu nome era Caroline Morgan.

Sua blusa estava adornada com uma abundância de babados e botões dourados brilhavam no casaco que usava. Com um verdadeiro tricórnio completo com uma pena no topo da cabeça e uma cutelo antigo balançando em uma das mãos para completar seu traje ridículo, ela estava contando histórias heróicas de piratas do século XVII há mais de uma hora, parecendo mais uma atriz em uma peça de festival escolar.

- Hum. Isso é bem legal. Aqueles piratas caribenhos eram uns filhos da mãe bem maus, hein!

A mulher fantasiada de pirata empinou o peito orgulhosamente. Provavelmente um tamanho F, talvez até G. Sim, aqueles eram peitos para se orgulhar.

- Claro! E é por isso que mantenho a tradição como descendente de uma linhagem tão distinta! Que se danem os aviões de patrulha e as fragatas AEGIS! Verdadeiros guerreiros do mar podem provar seu valor apenas com um cutelo confiável e uma pistola de pederneira ao seu lado!

...E o que tornava a cena toda ainda mais absurda era que oito dos dez membros restantes da equipe no porão estavam vestidos de maneira semelhante, usando coletes acolchoados e cintos, com bandanas e tapa-olhos na cabeça. Eles pareciam figurantes de uma atração de parque temático de aventuras de piratas. Parecia que Caroline era a líder deles, mas nenhum dos outros "piratas" parecia particularmente inclinado a apoiá-la em sua exuberância. Pelas expressões, era claro que não compartilhavam das mesmas esquisitices de Caroline, e estavam apenas vestindo as trajes toscas de acordo com os caprichos perversos da líder. Pelo menos, julgando pelas UZIs e Kalashnikovs que seguravam, eles pareciam mais determinados do que sua capitã a fazer seu trabalho seriamente.

-...Mas, ei, Caroline, não é? Você é mesmo descendente do bucaneiro Henry Morgan? Tem alguma coisa para provar isso?

O único homem que se dava ao trabalho de conversar com a capitã pirata encorajando-a afavelmente, não parecia fazer parte do bando dela. Mas ele também estava com um visual estranho. Os óculos escuros VonZipper escondiam seus olhos, enquanto um boné New Era adornava sua cabeça. Ele usava um casaco Phat Farm e shorts, que, junto com seus tênis Nike Air Max, faziam dele praticamente um garoto-propaganda do estilo hip hop gangsta... O que não pareceria fora de lugar em algum clube na Costa Oeste, mas se destacava como um polegar dolorido na Indonésia. Claro, Caroline não parecia se importar com isso, encantada como estava por finalmente encontrar alguém disposto a ouvir suas baboseiras.

- Yo ho ho! Fico feliz que tenha perguntado. Agora, olhe para este sabre aqui! Se você olhar de perto, na guarda do sabre, pode ver o nome do meu antepassado gravado bem aqui!

- Hmmm... Mas, se esta é realmente a espada de Henry Morgan, não deveria estar pendurada em algum museu ou algo assim? Tudo bem para você balançar essa coisa por aí?

- Está tudo bem! Esta lâmina quer ser banhada nas ondas agitadas e no sangue quente! Tenho certeza de que meu antepassado aprovaria!

Só de ouvir sua voz melodiosa já era suficiente para deixar qualquer um com problemas de audição. Revy desejava poder fechar os olhos e tapar os ouvidos e não ver o mal nem não ouvir o mal, mas, infelizmente, ela tinha sido encarregada de vigiar a fonte de toda aquela depravação cacofônica. Honestamente, não havia como prever o que essas pessoas poderiam fazer se alguém não as mantivesse na linha. Revy sabia que um bando de macacos em um zoológico provavelmente seria mais comportado do que aquele grupo.

Naturalmente, Revy tinha começado a ignorar completamente Caroline e tudo o que ela dizia desde o momento em que zarparam. Caroline, que confundiu Revy com um membro normal da tripulação, imediatamente exigiu que ela trouxesse rum e hasteasse uma Bandeira na proa do barco. Revy respondeu apenas com um olhar que poderia derreter aço, e Caroline concluindo que ela não falava inglês, parou de importuná-la com pedidos absurdos. Se não fosse por aquele rapper de meia tigela, Caroline teria se calado depois disso, maldito seja... Revy percebeu tardiamente que o cigarro que segurava tinha se transformado em um longo bastão de cinzas enquanto ela estava ruminando. Ela murmurou sombriamente para si mesma e acendeu o último. Quando terminasse aquele, não teria escolha a não ser pegar um emprestado de alguém. Mas ela não queria falar com ninguém no porão, se pudesse evitar.

- Então me diga, garota, o que está fazendo aqui? O negócio de pirataria não está indo bem em casa?

- ...Bem, atacamos traficantes de drogas três vezes seguidas, você acredita? Quero dizer, você não pode distinguir eles só de olhar, certo? Mas aqueles canalhas do cartel não viam dessa forma! Honestamente! Eles realmente estavam sedentos de sangue. Então pensei, o Caribe não é o único lugar para pirataria no oceano, e talvez fosse melhor fazer algumas bucanarias em outro lugar enquanto o cartel se acalmava.



- Caramba, gata... Deve ter sido uma droga, hein?

- Eu sei, né?! E, quero dizer, sobre a guarda costeira! Se eles querem tanto derrubar contrabandistas, por que não nos dão cartas de corso e nos deixam ser corsários, hein? Esses idiotas não prestaram atenção nas aulas de história? Alinhar-se com piratas é o passo mais básico para aumentar o poder naval de um país!

Revy podia sentir uma enxaqueca chegando só de ouvir. Idiotas, todos e cada um deles.

Quanto tempo aquele rapper ia continuar conversando com a pirata, afinal? Será que ele era um desses tristes que ficavam excitados só de falar com mulheres peitudas?

Ela só queria que alguém dissesse a Caroline para calar a boca e parar de tagarelar. Talvez isso levasse a uma discussão, ou melhor ainda, a uma briga. Então Revy poderia intervir para "mediar," e se acabasse atirando em um ou dois deles na confusão, bem, tinha certeza de que Dutch não se importaria muito.

Mas na verdade, havia um membro da equipe além do rapper feliz que não era parte da tripulação da pirata. E ele era o único no porão que Revy esperava fervorosamente que não começasse nada.

Ele não tinha dito uma palavra desde que entrou. Seu silêncio não incomodava ninguém, e nesse aspecto ele certamente sabia como se comportar, mas sua própria existência era tão alienígena que ninguém no porão podia ignorá-lo, e sua presença servia como uma espécie de pressão sutil que pesava sobre todos na sala.

Ele parecia um daqueles, mas ninguém queria perguntar diretamente. Nem Revy, nem o rapper, nem os piratas, ninguém. O homem corpulento, tão grande quanto um urso, estava vestido da cabeça aos pés com roupas pretas sólidas que pareciam ser de fabricação japonesa, sua cabeça inteira, exceto os olhos, coberta por uma máscara negra. Ele estava sentado no chão com as pernas cruzadas.

Ele era um ninja? Bem, ele muito bem poderia ser. Claro, os olhos azuis olhando de trás da máscara e o cabelo loiro saindo por cima da testa nem valiam a menção.

De qualquer forma, ninguém no porão conseguia se forçar a perguntar, "Ei, você é um ninja?" Isso era um alívio. Afinal, se ele realmente assentisse e respondesse, "Sim, sou um ninja," então todos perceberiam instantaneamente que tinham em mãos um louco certificado que, de alguma forma, conseguiu entrar na equipe.

Era por isso que cada alma no porão havia resolvido silenciosamente, sem consultar uns aos outros, "fingir" que não notavam o homem enorme com a máscara preta. Todo mundo tem suas próprias preferências em relação à moda, certo? Havia pessoas vestidas como piratas caribenhos, pelo amor de Deus. Eles não poderiam culpar um fã delirante de Sho Kosugi por suas excentricidades.

- Então, baby, o que uma dama como você está fazendo aceitando um trabalho como este? O que aconteceu com seu próprio navio? A pergunta do rapper falso foi surpreendentemente sensata, e Caroline de repente olhou para baixo e ficou pálida.

- Bem, o timoneiro pegou sífilis. E como ninguém mais sabia como conduzir o navio, deixamos o navio aos cuidados do imediato em um porto em Macau.

- Espera... Ninguém mais sabia como conduzir? Você não é uma pirata? Negócio de família, não é?

- As técnicas de navegação passadas de geração em geração no clã Morgan só funcionam em navios que realmente têm velas! O que é isso tudo de radar e GPS?! Eu gostaria que tudo voltasse aos bons e velhos tempos.

- ...Mas você não pode simplesmente contratar outra pessoa?

- Você não tem ideia de como é difícil encontrar um timoneiro que realmente saiba falar inglês por aqui. E quando finalmente encontramos um, ele recusou por algum motivo.

- É, bem, acho que ele não aguentou o código de vestimenta rigoroso, yo. Parecia que o rapper também estava chegando ao seu limite, a julgar pelo tom sarcástico em sua voz, mas Caroline não parecia notar.

- Eu me pergunto por quê. Não estou pedindo muito, e disse que pagaria o dobro do que todo mundo paga.

- Heheh. Generosa, não é?

- Claro. Você não deve subestimar o poder financeiro da família Morgan!

O rapper lançou um olhar rápido para Revy, carregado de significado. Seus instintos lhe disseram que algo estava acontecendo.

- Então, talvez você possa simplesmente comprar este barco, yo? Esses caras entendem inglês, e acho que eles seriam bons numa briga.

Era óbvio que ele não estava falando sério, mas Caroline bateu palmas alegremente.

- Ótima ideia! Quero dizer, este barco não é o melhor, mas acho que com uma bandeira Jolly Roger montada, serviria em uma emergência. E posso simplesmente demitir a chinesa, já que ela não entende inglês! Parecia que Caroline realmente acreditava que Revy não falava a língua.

Mas o rapper, ao que parecia, pensava diferente, porque se virou para Revy e perguntou:

- O que você acha, gata? Nossa capitã aqui tomou sua decisão, eu acho. Uma vida de pirata para mim, eh? ...Era isso. Ela não aguentava mais.

- Cala a porra da boca. Vocês querem ganhar um Razzie como a Geena Davis? 1

1  Greena Davis é atriz que estrelou no filme de piratas e fracasso monumental "Cutthroat Island", que na verdade não ganhou um prêmio Golden Raspberry, foi apenas indicada para um.

Caroline estremeceu com o súbito e violento surto de Revy, mas o rapper tendo esperado por isso, parecia lidar com tranquilidade.

- Então você fala inglês, afinal. É uma pena ficar quieta com uma voz sexy assim.

O olhar de Revy ficou absolutamente glacial diante de sua familiaridade. Ele estava dando em cima dela agora que estava entediado com a pirata louca?

- Vou te dizer aqui e agora. Meu trabalho neste barco é dar uns tiros em qualquer um que agir de maneira estranha, entendeu? Você não começa nada, e eu não preciso terminar. Agora, se você realmente quer continuar latindo como um poodle de merda, então faça isso com a louca ali e não comigo.

- ...Hã? O que, o que foi isso?! Como você ousa!

O rapper ignorou Caroline, que estava cada vez mais inflada de constrangimento e confusão raivosa, em vez disso, deu a Revy uma longa olhada apreciativa. Seu olhar pairou particularmente sobre suas laterais, para ser preciso, nos pares de coldres personalizados e nas armas que eles seguravam.

- Ei, ei, eu não quis dizer nada. Eu só notei suas armas há um tempo. Não é todo dia que se vê uma Beretta longslide 9mm, e duas delas ainda por cima. Eu gosto desse tipo de coisa, entendeu.

- Então vai se masturbar com uma cópia da Guns & Ammo. O banheiro está ali.

- Ah, não seja assim. Vamos, deixa eu ver. Eu deixo você ver as minhas.

Revy ficou em silêncio, temporariamente atordoada com a audácia do rapper. Ele estava pedindo para ver suas armas como se fosse algum garoto da escola falando sobre cartas de troca. Eram armas que poderiam matar um homem com apenas alguns quilos de pressão nos gatilhos, não brinquedos.

- ...Vai se foder, idiota.

- Sou o Jake, mas você pode me chamar de UC, disse o rapper, ignorando o olhar cortante de Revy. Ele sorriu...

...e sacou uma arma de suas roupas.

- ...O quê?!,  Um calafrio repentino percorreu a espinha de Revy.

- E aí? O que achou? A minha não é ruim, né?

Se alguém fosse descrever a arma de Jake em uma palavra, seria "estúpida". O slide cromado prateado imediatamente chamava a atenção e atraía o olhar para a arma, havia tantas modificações presas nela que quase parecia uma pistola destinada a competições de tiro, e até mesmo havia o que parecia ser um mira a laser montada em uma estrutura de plástico. Para um profissional, uma arma tão pesadamente modificada era o auge da idiotice. Quando a vida e a morte estavam em jogo, tudo o que importava era, "Ela pode disparar balas e matar alguém?" Discutir sobre uma diferença de alguns milímetros na dispersão dos tiros ou a sensação do cabo eram luxos que apenas amadores com hobbies de armas poderiam se dar ao luxo.

Se ela fosse avaliar o proprietário com base apenas em sua arma, Revy teria colocado Jake no mesmo nível de completa idiotice que Caroline. Mas...

- Agora, se me perguntar, tenho que dizer que .45 é o melhor. 9mm, o recuo simplesmente não está lá, sabe? A base aqui é uma Colt, mas não há uma única peça do original restante. Veja, se olhar aqui...

O olhar de Revy que foi lançado para Jake enquanto ele iniciava uma explicação orgulhosa de sua arma era infinitamente frio e afiado. Seu corpo inteiro estava tenso e pronto como uma mola, da mesma forma que estaria em um campo de batalha onde um segundo de hesitação poderia significar a diferença entre a vida e a morte.

Revy era uma pistoleira experiente. Ela conseguia perceber quando uma pessoa estava prestes a sacar sua arma apenas pelo movimento dos olhos, a tensão em seus movimentos. Ela lia a intenção deles através de todas essas coisas, e era isso que a permitia sacar primeiro e golpear primeiro.

Mesmo que ele não tivesse sacado com a intenção de matar, Revy não tinha a menor intenção de deixá-lo sequer tocar em sua arma enquanto estivesse no barco. Eles não estavam nem perto de serem familiarizados o suficiente para permitir algo assim. Ela estava preparada para fazê-lo perceber isso e fazê-lo pagar pela lição com sua vida, se necessário. Mas... Jake havia sacado sua arma tão casualmente, ainda mais rápido do que Revy.

Ela não havia baixado sua guarda. Claro, ela o subestimara, mas não era tão estúpida a ponto de perder algo tão potencialmente fatal quanto ele alcançando sua arma.

Para o observador casual, Jake parecia um simples idiota que não conseguia ler o clima enquanto continuava se gabando de sua amada arma. Revy sozinha percebeu exatamente o que ele tinha feito. Ele havia pego Revy desprevenida. Ele havia lido a respiração de Revy, sua postura, tudo sobre ela, e então escolheu o momento exato em que ela teria mais dificuldade para reagir. E então, suave e naturalmente, ele sacou sua arma, tão casualmente que poderia muito bem estar se esticando para bocejar. O ponto era a forma nãochalante como ele o fez... A arma desse homem estava ainda mais familiar em sua mão do que seu próprio membro. Era para usar uma expressão cansada, quase como se a arma fosse uma parte de sua mão.

- Ah... essa arma... Espere, meu deus! É a UC Custom! Caroline, que estava olhando estranhamente para a arma de Jake, de repente soltou um grito assustado.

- Espera espera espera, você, você é o J? Ultimate Cool J?!

- ...Heheh, você está me envergonhando. Nunca pensei que encontraria uma fã aqui.

- Você não faz ideia! Eu visito seu site todos os dias! ...Espera! Meu deus! Você vai escrever sobre isso em Deadly Biz também? Você vai escrever sobre mim?!

- Isso depende de você, querida. Jake lançou a Caroline um sorriso perfunctório enquanto ela pulava descontroladamente pelo porão, gritando de alegria, e virou-se para olhar Revy.

- Agora, deixe-me dar uma olhada na sua arma, Senhorita Duas Mãos.

Havia uma provocação escondida por trás de sua paquera que apenas Revy poderia entender. Eu saquei primeiro, ele estava dizendo. Se eu estivesse sério, você estaria morta agora mesmo. Revy cuspiu seu cigarro meio fumado no chão. Tinha sido seu último cigarro precioso, mas agora só a irritava, como um pedaço de comida preso entre os dentes.

-...Tudo bem, eu vou deixar você ver, disse Revy, sua voz um sussurro baixo e arfante que prometia assassinato.

Jake nem teve tempo para piscar em surpresa quando o cano frio e duro de uma pistola 9mm de repente apareceu pressionado contra sua testa. Se o saque de Jake tinha sido o golpe cuidadosamente calculado de uma cobra, o saque de Revy só podia ser descrito como um raio. Para Jake completamente pego de surpresa, deve ter parecido um truque de mágica. Suas pontas dos dedos haviam se contraído apenas uma vez, e a pistola tinha desaparecido de dentro de seu coldre e reaparecido em sua mão enluvada.

Jake de fato sacou antes de Revy, mas ele não tinha apontado sua arma para ela. Uma provocação disfarçada de tolice era tudo que ele conseguira. Mas Revy tinha sacado sua arma totalmente preparada para matar. Mesmo que ele tentasse trazer sua arma para a mira agora, o dedo de Revy puxaria o gatilho de sua  Cutlass antes que ele pudesse fazer mais do que um tique. O caçador havia se tornado a caça.

- Ei, ei! O que você pensa que está fazendo...

A voz de Caroline desapareceu como se estivesse sendo estrangulada. A intenção assassina irradiando de Revy tinha baixado a temperatura da sala abaixo de zero.

- Não coloque sua vida em risco por uma piada, idiota.

Qualquer pensamento sobre o trabalho que tinham pela frente já tinha desaparecido da mente de Revy. Processos tão complicados não tinham mais lugar em seu cérebro, que agora funcionava puramente por instinto. Ela não era do tipo que ria de piadas sem graça. Isso era tudo.

- Uma vida não vale merda por aqui. Mas ei, sem arrependimentos, certo? Você foi quem apostou isso em primeiro lugar. E eu vou aceitar essa aposta, garoto rapper.

- É Jake, querida. UC Jake, ele disse calmamente, como se uma arma carregada não estivesse apontada para sua cabeça. Ele alcançou lentamente e com cuidado em seu bolso com sua mão esquerda e tirou um cartão de visita.

- Se você acessar o URL neste cartão...

Revy não se deu ao trabalho de continuar ouvindo; ela afastou o cartão de vista com a mão livre. Mas alguém se abaixou para pegá-lo.

- Uh... Desculpe interromper, mas...

Rock limpou a garganta constrangido, sentindo suas roupas grudando em seu corpo pelo suor. De certa forma, ele havia escolhido o pior momento possível para entrar no porão, apenas momentos antes de um banho de sangue acontecer.

- Estamos quase chegando. Talvez vocês dois possam conversar sobre isso mais tarde?

- ...

A situação estava obviamente além do ponto de negociação pacífica, mas Revy retirou seu Cutlass sem dizer uma palavra e deu um passo para trás. A atmosfera lentamente voltou ao normal, e todos soltaram os suspiros que só então perceberam que estavam segurando.

- Vamos lá, vamos todos para o convés. O Sr. Stan está esperando. Vamos.

Rock apressadamente espantou todos antes que as coisas pudessem piorar. Caroline lançou a Revy um olhar de ódio enquanto saía, e Jake, talvez ainda não percebendo o quão perto esteve da morte, lançou-lhe um olhar sugestivo antes de sair atrás da capitã pirata.

-...Para ser honesto eu não estava esperando que você recuasse tão facilmente, disse Rock francamente depois que o último membro saiu, deixando os dois sozinhos. Ele estendeu a mão para o bolso do peito enquanto falava, tirando um cigarro do maço lá e entregando-o para Revy. Não foi uma tentativa consciente de aplacá-la, apenas algo tão natural entre eles como respirar.

Quanto a Revy, ela pegou o cigarro tão casualmente quanto Rock o ofereceu e acendeu. Agora que ela pensava sobre isso, ela começou a se acalmar como se já tivesse dado uma tragada no momento em que viu o rosto de Rock.

- Eu não recuei porque quis. Mas eu pensei que se eu fosse atirar nele de qualquer maneira, eu preferiria fazer isso em um lugar onde eu não tenha que limpar essas malditas manchas de sangue sozinha.

Revy exalou lentamente, seus olhos frios olhando vazios para a fumaça... como se houvesse um futuro ali que só ela podia ver.

-Vou acabar matando aquele desgraçado. Eu sei disso.

 

Um ar definitivo de alívio se instalou sobre a Lagoon quando a equipe de assalto partiu em um par de botes infláveis Zodiac, mesmo que a operação em si ainda não tivesse começado de fato.

Os barcos de borracha logo foram engolidos na escuridão entre as ondas, tornando-se invisíveis a olho nu. Enquanto isso, as luzes de aviso do seu alvo, o Zaltzman, já brilhavam no horizonte. O Zaltzman era um petroleiro, não um cargueiro, e embora de fato transportasse óleo, também servia a um segundo propósito, o de apoiar o trabalho secundário do capitão. Esse trabalho secundário consistia principalmente em contrabando, frequentemente envolvendo obras de arte. Seu alvo desta vez era uma dessas obras, pequena o suficiente para ser facilmente transportada na Lagoon. Em breve, a Lagoon e os dois botes infláveis se posicionariam soltos no caminho do Zaltzman, e uma vez que ele se aproximasse, a Lagoon serviria como distração para fazê-lo parar. Desde que não tivessem uma péssima sorte e um barco de patrulha não aparecesse, o motor Packard de 3.600 cavalos de potência da Lagoon, um equipamento desligado originalmente destinado ao uso em aeronaves, não precisaria se esforçar muito.

- Um viciado, um rapper e a tripulação pirata do Barba Negra. Eu não sabia que deveríamos estar filmando um maldito show de talentos aqui, Dutch resmungou, dando uma tragada no American Spirit entre os lábios.

- Havia um ninja também, Dutch, Benny acrescentou relutantemente ao seu lado.

- Ah, o ninja... Sim. Você está certo. Um maldito ninja. Estava claro que Dutch não queria se lembrar, mas a presença do homem havia sido simplesmente incrível demais para esquecer.

- Pensando bem... Ele não estava carregando uma arma, não é? Eu só vi uma espada nele quando ele estava subindo no barco.

- Não faço ideia. Você acha que ele poderia estar escondendo um monte de armas em algum lugar? Você sabe... talvez alguns shurikens, ou uma zarabatana.

- ...Ei, Rock. Há muita gente assim onde você cresceu, suponho? Pela expressão dele, a pergunta foi a última coisa que Rock queria ouvir, mas infelizmente Dutch não foi tão gentil a ponto de considerar seus sentimentos.

- Sinto desapontá-los, ele disse,

- Mas as maravilhas do Oriente se esgotaram há muito tempo em casa. Se você quiser ouvir sobre ninjas, talvez seja melhor perguntar às tartarugas nos Estados Unidos.

Os três haviam relaxado o suficiente para fazer piadas, mas Revy permanecia sozinha, séria, limpando metodicamente sua Cutlass. Dutch e Benny a conheciam o suficiente para deduzir a razão de sua raiva, e eles haviam concordado silenciosamente em deixá-la em paz.

Rock fora o único a testemunhar a comoção no porão, e nem mesmo ele sabia exatamente como havia chegado àquele ponto. Ainda assim, ele sabia que Revy não estava remoendo simplesmente porque acordara com o pé esquerdo.

Neste momento, a atiradora da Lagoon, infame por seu temperamento explosivo, estava pronta para atirar. Não havia espaço para brincadeiras. Seus dois olhos eram para mirar, e seu dedo existia apenas para puxar o gatilho enquanto ela esperava o momento crucial. Ela era como uma fera predatória que havia sentido o cheiro de um intruso em seu território.

Rock não tinha o hábito de desejar desgraça aos outros, mas apenas desta vez ele só podia rezar para que Jake não retornasse para a Lagoon. Da próxima vez que ele e Revy se encontrassem, haveria derramamento de sangue. E como a situação já havia chegado a um ponto em que apenas uma pessoa poderia possivelmente sair viva do encontro deles, era natural para ele preferir que aquele que não era Revy saísse do palco. Mesmo que toda a operação em si fosse direto para o inferno e eles fossem forçados a se retirar sem o restante da sua compensação, ele pensava agora que seria um preço tão pequeno a pagar.

- ...Hmm? O que é isso? Benny murmurou consigo mesmo de repente, olhando para o radar.

- O que foi, Benny boy?

- Há um ponto no radar, vindo das duas horas. Julgando pela velocidade, diria que é... um helicóptero, talvez? Seja o que for, está indo direto para nós.

- Rock!

Rock pegou os binóculos e começou a sair no convés antes mesmo de Dutch terminar de chamá-lo. Ele podia ver o holofote de algum tipo de aeronave na direção que Benny havia especificado, e logo o barulho batendo dos rotores se fez ouvir sobre o rugido do vento do mar.

- Não é um helicóptero de patrulha da marinha tailandesa, é?

- Não, eu não acho. Na verdade parece um helicóptero civil...

A tripulação esperava, tensa de antecipação, mas o helicóptero logo passou sobre a Lagoon e continuou seu caminho, aparentemente sem perceber a presença deles.

Ele estava indo direto para o Zaltzman.

- Huh? Espera... Seu ponto acabou de se sobrepor ao do Zaltzman. Acho que ele pousou. Dutch já estava no rádio bidirecional, chamando a equipe de assalto.

- Aqui é a Lagoon. Mister Stan, você cópia.

- Claro e audível. O que houve, Lagoon?

- Você provavelmente percebeu, mas você tem convidados do céu. Não faz parte do plano, não é? Mas a voz de Stan vinda pelo rádio não vacilou.

- Não importa. Tudo está ocorrendo conforme o planejado. Não se preocupe com isso.

- O que você quer dizer? Explique.

- O objeto que nosso cliente queria nunca esteve neste barco. Ele acabou de chegar de helicóptero, exatamente como planejado. Agora estamos prontos para atacar.

A testa de Dutch se franzira perigosamente.

- ...Isso é novidade para mim.

- Isso não deveria afetar seu papel neste plano. Agora, por favor, proceda distraindo o Zaltzman.

Dutch, dominado por um súbito pressentimento de perigo, não conseguiu apagar o franzir de sua testa mesmo depois que a linha ficou muda.

- ...Há algo errado com este trabalho.

A silhueta do Zaltzman pairava alta sobre Rock, como uma enorme cascata na escuridão.

Cinquenta mil toneladas não era tão grande para um petroleiro oceânico, mas comparado a um barco PT como o Lagoon ainda era como comparar um elefante a um rato. É claro, não era como se eles fossem lutar contra o barco de frente, mesmo uma pequena colisão poderia significar desastre para ambos os lados, considerando que o petroleiro estava transportando petróleo bruto. O tamanho do Zaltzman significava que ele seria lento para virar, facilitando sua parada. Outro ponto a favor deles. Ainda assim, mesmo levando tudo isso em consideração, a enorme parede de aço que preenchia todo o campo de visão de Rock era uma visão intimidadora. A tripulação da Black Lagoon às vezes tinha que forçar outros navios a parar como parte de um trabalho, e sem falha o coitado que tinha que fazer as exigências com apenas um alto-falante na mão era Rock.

- Ah... Testando... testando... Umm... Atenção, para a fina tripulação do Zaltzman...

Antes de encontrar uma nova vida nos mares sem lei, Rock tinha sido um homem de negócios normal chamado Okajima Rokuro, trabalhando em uma grande empresa japonesa. Claro, "normal" era um termo relativo, na realidade, ele era algo como um elite, encarregado de obter materiais do exterior. Ele era fluente em quatro idiomas, especializando-se especialmente em conversas de negócios. Era natural que um indivíduo assim cuidasse das negociações... Pelo menos, era a desculpa que Dutch dava toda vez que passava pelo alto-falante, mas para Rock parecia apenas que ele estava passando por algum tipo de ritual de iniciação de novato.

- Uhh... Eu sei que isso parece um pouco repentino, mas, hum... Bem, você vê, nós apreciaríamos muito se você parasse por um pouco... É claro, o número de trabalhos onde seu papo reto havia trazido o conflito a um fim sem derramamento de sangue nem chegava a um em dez. Normalmente, Revy perderia a paciência e seu lança-granadas acabaria com as negociações com um estrondo, seguido rapidamente por uma explosão ardente, deixando as coisas como se Rock nunca tivesse dito nada em primeiro lugar. E pior, Dutch decidira que o preço para qualquer granada que Revy disparasse viria do salário de Rock em um esforço para fazê-lo trabalhar mais duro.

- Err... Se você não seguir nossas exigências, bem, sinto muito em dizer isso, mas devo informá-lo que não teremos escolha a não ser fazê-lo parar por quaisquer meios necessários... Ainda assim, desta vez o peso sobre os ombros de Rock não era tão pesado quanto o habitual. Não havia Revy ao seu lado, rindo de forma sinistra enquanto preparava seu lança-granadas para disparar.

Enquanto o Lagoon servia para distrair o Zaltzman pela frente, Stan e sua equipe estavam certamente se aproximando em seus botes infláveis. Um deles se infiltraria a bordo usando um gancho de escalada e então baixaria uma escada de emergência para o resto subir.

Era um plano que só poderia ter sucesso porque era noite, e seu alvo era um navio grande. A Lagoon não precisava fazer o navio parar por seus próprios meios, e por isso não havia planos para Revy usar suas armas anti-tanque. Se tudo corresse conforme o cenário, as ameaças de Rock nunca se tornariam mais do que blefes vazios.

- Eles estão dizendo alguma coisa? Dutch perguntou a Benny casualmente enquanto observava Rock trabalhando duro pelas janelas da ponte.

- ...Hmmm. Nada ainda. Isso está me dando um mau pressentimento. Parecia que Benny também estava começando a ficar suspeito. Mais e mais aspectos preocupantes se faziam conhecidos quanto mais pensavam sobre isso. O pagamento adiantado excessivamente generoso, a equipe ridícula que lhes foi dada, a informação deliberadamente ocultada...

- Ei, Dutch... Você acha que talvez o problema que tivemos em Pangkal Pinang foi apenas o começo, e estamos prestes a ter mais má sorte?

- Não diga coisas assim, Benny boy. Você vai atrair má sorte para nós.

Dutch estava apenas acendendo outro American Spirit quando aconteceu. Algo que nenhum deles poderia ter previsto.

Os alto-falantes do Zaltzman ligaram, um leve chiado metálico desaparecendo para ser substituído pela voz suave e digna de um homem. Seus tons melodiosos ecoavam sobre o mar noturno em volume máximo.

- Ah... Olá? Estou correto em presumir que a voz familiar fazendo barulho na frente de nosso navio pertence a ninguém menos que um membro de nossos bons amigos de Roanapur, a tripulação da Black Lagoon?

Ao ouvir aquela voz inconfundível, Dutch deixou cair o cigarro recém-acendido, praguejando de surpresa. O mesmo choque varreu Benny, Revy e até mesmo Rock, que ainda estava no convés.

- O quê... Senhor Chang?!

- Trabalhar duro é tudo muito bom, mas não posso dizer que aprovo você tentando sequestrar um petroleiro que pertence à Tríade. Bem, suponho que se você não sabia quem era o dono deste navio, podemos simplesmente considerar má sorte. Saia do caminho e tudo será perdoado.

Chang Wai-San era um poderoso chefão da máfia de Roanapur, a base de operações da Companhia Lagoon, e líder de uma das quatro grandes organizações que detinham o poder sobre toda a cidade, a Tríade. Ele era um dos clientes habituais de Dutch, e alguém que eles nunca ousariam cruzar, nem mesmo em seus sonhos mais loucos.

Eles não podiam começar a imaginar por que Chang, que por direito deveria estar relaxando em um penthouse na Rua Palkana, estava em um navio no meio do oceano, mas não tinham tempo para especular tranquilamente sobre as circunstâncias. Seja qual fosse o motivo que levou a esses eventos acontecerem, o fato era que eles acabaram de ajudar uma equipe de assalto armada a chegar a um navio ocupado pelo Senhor Chang.

Dutch empalideceu ao perceber a seriedade da situação e correu para a sala de rádio, arrancando o microfone da mão de Benny.

- Capitão, você me ouve! Se o Senhor Chang estiver aí, coloque-o na linha agora mesmo! Isso é uma maldita emergência, droga!

Deixando seu corpo aos cuidados dos ventos marítimos, Stan concentrou sua atenção na voz de Chang Wai-San vinda dos alto-falantes. Ele estava no topo do mastro dianteiro do Zaltzman, posicionado de forma que pudesse observar todo o vasto convés e a ponte de comando ao mesmo tempo. O restante da equipe, também, havia subido de seus botes infláveis e se movido para suas posições preestabelecidas.

Pelo que Chang acabara de dizer, parecia que ele estava familiarizado com a tripulação da Black Lagoon. Stan não tinha ouvido isso de seu cliente, e o desenvolvimento representava uma séria ameaça ao sucesso da missão, mas era tarde demais para recuar agora.

Não, ele precisava transformar isso em uma oportunidade.

Stan ajoelhou-se, trazendo a mira noturna que ele havia preparado antecipadamente para seu rifle sniper Dragunov até o olho e apoiou a arma contra o ombro. A luz ambiente se reuniu e se ampliou para tornar o mundo brilhantemente verde, permitindo que ele visse os contornos fracos das pessoas na ponte de comando. A baixa resolução da mira noturna não permitiria que ele distinguisse rostos adequadamente. Mas, tendo ouvido a voz de Chang vindo dos alto-falantes, era uma aposta segura dizer que a figura segurando o microfone era ninguém menos que o próprio homem.

A forma da coronha era familiar para suas mãos. Apenas a sensação da matéria dura em suas mãos, em seu ombro, dissipava a névoa confusa das drogas na mente de Stan como uma brisa de primavera, deixando-a clara e afiada... Sim. Essa sensação nunca o trairia.

Nunca o deixaria. Permitia ao homem que parecia um cadáver fazer a única coisa que podia fazer agora: atirar.

Cerca de cento e sessenta metros até o alvo. Isso por si só estava longe de ser difícil, mas o vento marítimo forte estava soprando pelo menos dez metros por segundo. A maioria dos atiradores de elite teria escolhido desistir, mas Stan era diferente. O vento não era seu inimigo. Ele o sentia, conhecia cada aspecto dele, sempre o mantinha como aliado. Stan conseguia ler o vento, não por meio de alguma teoria complicada ou técnica conquistada com dificuldade, mas simplesmente por puro talento natural. Foi graças a esse talento que ele conseguiu sobreviver no deserto infernal. Sua habilidade temível lhe rendeu o apelido de Shaitane, um nome proferido por seus inimigos em sussurros...

O gatilho sendo puxado silenciosamente. O tiro retumbante. O recuo contra seu ombro. O choque incendiando seu cérebro. Sua visão piscando, invertida por apenas um segundo pelo clarão do cano. A escuridão da noite se transformando em uma luz cegante, o cheiro de sal do mar se tornando o aroma seco do deserto...

Ele já teve orgulho uma vez quando estava lá. Ele já sentiu o terror apertar seu coração. Ele tinha uma missão pela qual lutar, dignidade a ser mantida, e camaradas ao seu lado para compartilhar o fardo e tornar a luta digna de ser travada. Eles eram os últimos vestígios do tempo em que sua vida ainda tinha significado. O flashback desses tempos já passados abalou Stan até o âmago. ...Ele disparou rapidamente, derrubando metodicamente os silhuetas na ponte de comando um por um. Um tiro a cada dois segundos, seis tiros no total. Desses, quatro foram mortais. Infelizmente, ele havia perdido o primeiro tiro mais importante. O alvo havia se jogado repentinamente no chão assim que Stan puxou o gatilho, como se tivesse sentido as miras em seu corpo. Ele devia possuir instintos incríveis, aperfeiçoados por inúmeras batalhas de vida ou morte.

Stan estava imperturbável, continuando sua busca por alvos com as miras de sua mira enquanto sussurrava no microfone preso à sua orelha.

- Todos os membros da equipe, ataquem a ponte de comando. Vou eliminar todos que eu ver nas janelas voltadas para o convés. Tentem forçar o inimigo para a minha mira e não fiquem parados aí vocês mesmos.

- Alto e claro.

Stan segurava seu Dragunov em uma posição de tiro perfeita, sentido o estado do mar atrás dele apenas pelo som. O som do motor se aproximando seria o barco torpedo que eles usaram para chegar até ali. Ele se perguntou brevemente como a Companhia Lagoon reagiria à situação. Ele levantou o rádio que estava sintonizado na frequência que ele havia combinado com a equipe da Companhia Lagoon, diferente da que ele usava para entrar em contato com seus próprios membros da equipe.

- Companhia Lagoon, eu não pedi o seu apoio. Fiquem onde estão até terminarmos.

...Sem resposta. Parecia que eles haviam decidido cortar os laços com a equipe de assalto. Não importava que a Companhia Lagoon tivesse escolhido laços locais em vez do trabalho em mãos; tal desenvolvimento estava bem dentro de suas expectativas. Descartando-os de sua mente sem mais pensamentos, Stan entrou em contato com sua própria equipe.

- Atenção, equipe. A Companhia Lagoon se aliou aos nossos inimigos. Vamos para o Plano B.

- Entendi. Mas tenho algo para te perguntar. Era um comando simples, mas Jake, que deveria estar dentro da ponte de comando, aparentemente sentiu necessário intervir.

- Não impeça os caras da Companhia Lagoon se parecer que eles vão subir a bordo, mano. Especialmente a mina com duas armas. Essa vadia é minha.

- ...

Stan franziu o cenho. Suas miras já estavam ajustadas na silhueta que acabara de escalar a escada de emergência pendurada no lado do navio petroleiro e começara a correr em direção à ponte de comando sem olhar para os lados. Definitivamente era a atiradora feminina da Companhia Lagoon, avançando do barco enquanto ele atracava ao lado do petroleiro. Estava óbvio que ela estava indo lá para proteger Chang. Seria senso comum atirar nela ali mesmo, mas Stan deliberadamente jogou fora sua chance de um tiro fatal. Sua equipe mal composta era formada por pessoas que não se conheciam, não confiavam umas nas outras. Em momentos como esse, às vezes era melhor atender aos caprichos dos outros do que fazer a escolha eficiente e arriscar uma briga com o sucesso da missão em jogo.

 Entendido. A mulher já está vindo na sua direção. Vou deixá-la com você, Jake.

- Beleza, mano. Que bom que tenho um líder que sabe ouvir.

- Próximo... Falcão, é a sua vez. Como discutimos anteriormente.

- ...Como você ordenar, assim será feito.

Confirmado que seu último subordinado ouviu suas ordens, Stan abaixou seu Dragunov por enquanto e levantou a pistola de sinalização que ele havia preparado acima da cabeça, disparando um tiro de sinalização para o céu. Agora seus outros aliados esperando em outro lugar saberiam que houve uma mudança nos planos.

- Yo ho ho! Tremei de medo e rezai, seus marujos de porão! Os Piratas de Tortuga estão aqui!

 Caroline gritou enquanto adentrava o navio, dançando e agitando seu sabre selvagemente pelo ar. Parecia estar se divertindo muito. Seus seios enormes balançavam pesadamente, tornando ainda mais difícil passar por ela no corredor estreito. Jake suspirou, notando como os homens atrás de Caroline claramente estavam tendo dificuldade para passar por sua capitã. Parecia que escolher se espremer por ela antes que ela pudesse entrar tinha sido a escolha certa afinal. Os tiros de Stan já tinham alertado a tripulação para a presença de intrusos, e as sirenes de aviso estavam emitindo uma cacofonia estridente que ecoava pelo navio. Eles podiam ouvir os gritos da confusa tripulação do petroleiro, mas a maneira como o som ecoava pelos corredores complicados tornava impossível julgar onde eles realmente poderiam estar.

...De repente, a porta à frente de Jake foi aberta com força e um árabe moreno correu por ela. Ele deve ter sido um membro da tripulação que entrou em pânico ao ouvir as sirenes e decidiu fugir. Infelizmente, ele escolheu um caminho que o enviou correndo direto para os próprios intrusos, e seu rosto se contorceu de terror quando percebeu sua situação. Os olhos de Caroline brilharam quando ela avistou seu primeiro alvo infeliz e avançou agressivamente. -

- Avante, seu trapaceiro escorregadio! Nos diga onde está o tesouro se você valoriza sua vida! Já sabemos que você está contrabandeando obras de arte inestimáveis!

- O quê, o quê—

Mesmo enquanto o homem procurava por palavras, confuso e desesperado, Jake lentamente pressionou sua arma em sua barriga e impiedosamente puxou o gatilho. Um estrondo robusto ecoou pelo corredor, e uma nota adicional de pânico se misturou aos gritos confusos da tripulação.

- Espera um segundo! O que você está fazendo?! Caroline gritou, sua camaradagem alegre de repente desaparecendo e dando lugar ao choque.

- O que diabos você fez, J?! Você acabou de matar um homem desarmado a sangue frio! Você deveria tê-lo perguntado onde estava o tesouro primeiro!

- Que inferno ele saberia? Não havia tesouro neste navio em primeiro lugar, babe, Jake respondeu calmamente, dando um chute no corpo inerte aos seus pés para dar ênfase. O sangue que havia subido ao rosto de Caroline quando ela ficou vermelha de raiva desapareceu tão rapidamente quanto veio, deixando-a com uma palidez cômica.

- O que...?

- Quero dizer, nunca teve nenhuma arte neste navio. O tesouro aqui não é alguma pintura porcaria. É algo mais emocionante e que vale a pena levar.

Ele acabara de matar um homem, mas a risada de Jake era leviana e despreocupada como sempre. Ele continuou falando com a equipe, dando-lhes sua nova missão como se estivesse contando uma piada especialmente divertida.

- Nosso verdadeiro alvo aqui é Chang Wai-San, um oficial da Tríade. Nada complicado. Atire primeiro, pergunte depois. Só não atire no rosto. Precisamos checar e ter certeza de que pegamos a pessoa certa, sabe o que estou dizendo?  Isso foi uma novidade para Caroline, que estava tão ignorante quanto a tripulação da Companhia Lagoon em relação ao verdadeiro objetivo de sua equipe. Não havia como ela ter aceitado se soubesse. Ela pensou que sua missão seria uma nobre excursão em nome da pirataria tradicional, não um assassinato.

- Você, você não pode estar falando sério! Isso é apenas matança sem sentido! Olha aqui! Piratas de verdade seguem um conjunto de regras cavalheirescas mesmo quando estão brandindo vio—.  Jake não se incomodou em dar à distinta descendente do clã pirata Morgan uma chance de terminar. Ele simplesmente suspirou, levantou sua UC Custom e atirou. Caroline morreu instantaneamente quando a bala atingiu bem entre os olhos, seu rosto ainda congelado em uma expressão de raiva, sua palestra para sempre inacabada. Sua voz se tornou um rugido enquanto ele se virava para enfrentar a tripulação pirata subitamente pálida, dominando-os antes que pudessem se controlar.

- Agora é hora de tomar uma decisão, irmãos! Vocês vão se virar e correr porque acham que ainda precisam fazer o que essa cadela morta teria querido, ou vão comigo e sairão dessa ricos? Vamos, qual será, hein?!

Os homens olharam desajeitadamente para trás e para frente , para Jake enquanto ele apresentava seu ultimato, e então para o cadáver de sua ex-empregadora, que era um pouco estranha da cabeça, mas ainda extremamente generosa com seu pagamento. Ainda assim, não havia um homem entre eles que não se sentisse constrangido por ser forçado a se vestir como um pirata.

- ...Quanto você está pagando? perguntou um pirata, arrancando seu tapa-olho e seu chapéu com uma distinta sensação de satisfação.

- Cinco mil só por aceitar o trabalho. Quatro vezes isso para o sortudo que pegar o Chang.

- Estou dentro.

- Eu também.

- Eu também!

Os ex-piratas, agora assassinos, se olharam e assentiram, sorrindo e rindo como hienas. Jake sorriu com seu pragmatismo e observou um momento de silêncio pela capitã pirata risivelmente impopular... Meio segundo, para ser exato.

- Beleza, agora que isso está feito... abaixem-se! O cano da UC Custom de Jake se ergueu enquanto ele gritava, e os assassinos instintivamente se agacharam sem nem mesmo saber o que estava acontecendo.

A bala .45 ACP de Jake rugiu sobre suas cabeças e se enterrou no canto do corredor pelo qual acabaram de passar, faíscas voando por todos os lados. Revy, que acabara de virar a esquina e estava prestes a abrir fogo com ambas as Cutlasses, foi forçada a recuar para trás de uma cobertura.

- Merda... Revy rosnou para si mesma e esticou uma das Cutlasses ao redor do canto, disparando cegamente pelo corredor. Os assassinos, percebendo que estavam como patos sentados, apressaram-se mais pelo corredor enquanto Jake os cobria com fogo de sua UC Custom.

- Vamos lá, Duas Mãos! Vamos embora, baby!

Revy apenas resmungou com a arrogância de Jake e gritou de volta:

- Um idiota como você ficaria melhor dançando bochecha a bochecha com um corpo afogado, idiota... Vou te mandar afundar agora mesmo para você procurar um parceiro!

- Honestamente, Dutch. Existem erros e existem erros. Eu pensei que você fosse mais esperto que isso. A voz de Chang Wai-San pelo rádio era totalmente calma, sem o menor indício de raiva. Mas Dutch não estava em posição de responder com conversa leve.

- Não sei o que dizer, Sr. Chang. Enviei a Revy agora mesmo. Ela cuidará de tudo.

- Uau, isso certamente é um alívio. Suponho que podemos apenas ficar parados na ponte por enquanto?

- Sim, se você puder fazer isso, ficaria muito grato.

Por fora, parecia que Chang estava sendo frio, mas na realidade era uma exibição de generosidade. Ao permitir que Revy se colocasse em perigo sozinha sem colocar membros da Tríade em perigo, ele estava dando à Companhia Lagoon uma chance de recuperar parte de sua boa reputação.

- Embora, para ser honesto, prefiro que você cuide do franco-atirador que se posicionou na proa do navio... Posso parecer calmo agora, mas enquanto falamos, estou deitado no chão. Devo estar parecendo um idiota.

- ...Apenas fique aí um pouco mais. Sei que isso parece estúpido, mas a equipe que levamos para lá é composta por amadores. Eles não serão um problema para Revy.

- Bem, vamos ver.

A linha foi cortada e Dutch soltou um suspiro enorme.

Ao descobrir quem era o verdadeiro dono do petroleiro, a Companhia Lagoon havia concordado unanimemente em anular o contrato que haviam aceitado em Pangkal Pinang.

- Maldição... Fomos feitos de bobos.

Ainda assim, não havia como mudar o fato de que eles haviam se colocado, por mais brevemente que fosse, contra a Tríade. Um erro agora colocaria a Companhia Lagoon em sérios apuros.

- Bem, acho que só nos resta confiar na Revy agora, disse Benny.

- Não é como se ela tivesse algum problema contra esse bando de idiotas liderados por viciados... Eu acho. Provavelmente.

A calma de Benny parecia mais o resultado de resignação do que da crença nas habilidades da Revy.

- ...Mas sabe, eu me pergunto se eles acharam que continuaríamos ajudando depois de descobrirmos que estávamos contra a Tríade. Ou será que eles achavam que conseguiriam nos manter no escuro até o fim?

Se a Lagoon escolhesse deixá-los, a equipe de assalto ficaria encalhada no meio do oceano mesmo se conseguissem subjugar a tripulação do petroleiro... Embora, considerando suas ações até o momento, fosse totalmente possível que eles não tivessem realmente pensado tão adiante.

- Dutch, aquela sinalização que vimos do mastro dianteiro ainda me preocupa. Você acha que eles têm algum tipo de barco pronto para escapar sem a nossa ajuda? perguntou Rock.

Dutch assentiu e disse,

-...Sim, entendo o que você quer dizer. Rock, arme os torpedos. Benny, fique de olho no radar.

- Certo.

Os dois saíram, Rock para o convés e Benny para a sala de comunicações. Dutch assumiu o leme, segurando o volante em suas mãos, pronto para colocar a Lagoon em movimento se uma batalha naval estourasse.

Benny olhou para Dutch e, de repente, viu pelo canto do olho uma figura negra se desprender das sombras no canto e correr pela sala.

- Dutch! Atrás de você!

Os instintos de sobrevivência de Dutch o fizeram se jogar para fora de seu assento sem nem mesmo se incomodar em olhar ao redor. Suas reações rápidas acabaram salvando sua vida. Uma lâmina puramente branca, gravada com desenhos irregulares semelhantes a raios, cortou agudamente o ar onde a cabeça de Dutch estava apenas um momento antes.

- Que porra...

Esparramado de bruços, Dutch só conseguia olhar descrente para a sombra negra parada diante dele. O homem ali estava vestido com trajes de ninja parecendo ter saído diretamente de algum filme de comédia ruim. Mas depois de quase perder a cabeça para uma espada de verdade, Dutch de alguma forma não conseguia encontrar motivos para rir.

Ele nem podia começar a entender de onde o homem tinha vindo em primeiro lugar. A única resposta que fazia sentido era que ele se escondeu em algum lugar na cabine, mas Dutch tinha claramente visto ele embarcar nos botes de borracha com o resto da equipe de assalto com seus próprios olhos.

Ainda assim, não era hora de ficar sentado olhando com surpresa. Dutch recuou freneticamente para trás, sacando sua confiável Smith & Wesson M29 de seu coldre. Sendo um homem grande, Dutch não teve problemas em manusear o revólver magnum, capaz de derrubar grandes feras.

Mas antes que pudesse levantar o cano para mirar, o ninja tirou algo de dentro de seu uniforme e jogou no chão. Instantaneamente, uma espessa parede de fumaça sufocante se espalhou por toda a ponte, tornando impossível ver qualquer coisa.

- Desgraçado!

Dutch jurou veementemente, mas ele não era idiota o suficiente para se meter numa luta de curto alcance com a visão obstruída. Ele se levantou às pressas e encostou-se à parede, mantendo seu magnum pronto enquanto se retirava cuidadosamente.

Ele não sabia como tinha acontecido, mas estava claro que a equipe de assalto no Zaltzman não tinha se esquecido de deixar sabotadores na Lagoon. A questão era, o que o ninja estava querendo... Dutch percebeu imediatamente a resposta, mas a essa altura já era tarde demais. Uma rápida série de ruídos agudos veio da direção do dispositivo de direção, que ainda estava bloqueado por uma parede de fumaça.

O inimigo não estava atrás de Dutch, mas da máquina que Dutch estava controlando. Com o mecanismo de direção quebrado, a Lagoon tinha perdido, pelo menos temporariamente, a capacidade de se mover livremente. A tripulação não teria escolha a não ser sentar e contar as estrelas até que os reparos fossem feitos.

- Filho da mãe!

Dutch disparou três tiros na fumaça, confiando principalmente no instinto. Mas não havia como ele acertar um alvo que não conseguia ver.

- O que está acontecendo?!

A voz de Rock, vinda da escotilha que levava ao convés, de repente se transformou em um guincho surpreso, seguida imediatamente por um pequeno baque como se ele tivesse caído. Não, Rock não tinha caído.

Ele tinha sido empurrado.

- Ali!

Ainda havia fumaça na ponte, mas Dutch conhecia o layout de seu próprio navio como a palma de sua mão. Ele atravessou a sala sem pausas, indo em direção à escotilha que levava para fora. Rock ainda estava sentado no convés, parecendo confuso.

- Dutch?! A-algo acabou de passar por mim! Algo preto!

- Para onde ele foi?!

Dutch abaixou seu centro de equilíbrio, segurando o magnum com as duas mãos enquanto procurava no convés. O ninja tinha que ter se escondido em algum lugar depois de sair da ponte. Talvez até estivesse pensando em emboscá-los novamente.

- Benny! Traga todas as granadas que puder carregar do arsenal! Se mexa! Dutch gritou por cima do ombro, movendo-se lentamente sobre o convés com as costas na parede da ponte. Rock o seguia atrás, desajeitadamente. Ele era um fardo, mas não era como se Dutch pudesse deixá-lo sozinho, Rock não tinha treinamento de combate algum, e deixá-lo se virar sozinho seria o mesmo que matá-lo na hora.

- Ei, Dutch. Aquilo que acabou de acontecer... um ninja?

- Não pergunte. Se eu responder seriamente, acho que vou perder qualquer dignidade que me resta, Dutch murmurou, então de repente animou-se ao lembrar-se dos filmes de baixo orçamento que eram populares anos atrás.

- Sabe, nos filmes, se tem um cara japonês no elenco e algo assim acontece, sempre acaba que ele era um ninja disfarçado também. Bem, Rock?

- ...Dutch, estou te implorando. Não espere essas coisas de mim.

Dutch permaneceu atento mesmo enquanto brincava com Rock, e assim não perdeu o repentino movimento no canto do olho.

- Achei você!

O cano de seu magnum rastreou uma sombra negra enquanto ela se esgueirava de trás dos tubos de torpedo, correndo em direção ao costado. Logo em seguida veio um grande splash. Parecia que o inimigo estava planejando escapar pelo mar.

Dutch pulou imediatamente e esvaziou sua arma nas ondulações, mas as profundezas negras tornavam impossível dizer se ele havia acertado algo.

Nesse momento, Benny saiu correndo do convés, ofegante, carregando em ambas as mãos uma caixa marcada com o sempre confiável aviso "EXPLOSIVO".

 - Dutch, peguei as granadas!

- Me dê essas!

Dutch enfiou ambas as mãos dentro da caixa de madeira, pegando uma granada em cada mão. Puxando ambas as presilhas de uma vez com os dentes, ele as lançou no oceano ao redor de onde o ninja havia pulado. Outras duas logo seguiram. No total, quatro granadas desapareceram no mar em intervalos de cinco segundos, detonando na água e criando gêiseres enormes.

O terrível choque causado pelas explosões subaquáticas não podia ser comparado nem de longe às ondas de choque no ar. Não havia como escapar da força de quatro explosões de tal magnitude nadando em tão pouco tempo.

- ...Rock, ilumine lá.

Rock focou o holofote montado na ponte na superfície onde as últimas ondulações da explosão estavam desaparecendo. Na luz forte, podiam ver claramente a água tingida de carmesim, um pedaço esfarrapado de pano preto jogado pelas ondas como um trapo.

O cano do magnum de Dutch ainda estava fumegando quando ele o enfiou decisivamente de volta em sua bolsa. Mas as palavras que saíram de sua boca tinham pouco a ver com exultação apesar de sua vitória. A fumaça finalmente havia se dissipado, revelando o console completamente destruído dentro da ponte.

- ...Maldição. Não consigo dizer se essas pessoas são estúpidas ou profissionais. Alguém me diga!

- Diria que nós somos os estúpidos, já que somos os que estão levando uma surra, Benny observou de forma marcante, mas Dutch nem tinha energia para ficar bravo com ele.

- E aquele filho da mãe agora! De onde diabos ele veio?! Eu vi ele entrar no bote e sair há pouco tempo!

- Ele deve ter nadado de volta para cá depois que os Zodiacs partiram, eu acho. Então ele se escondeu em algum lugar dentro...

- ...Você está me dizendo que ele fez tudo isso e os quatro de nós não percebemos nada? Hein? Me diga, Rock! Rock olhou impotente para o céu noturno, escrito Por que eu? em todo o seu rosto.

- Bem, uh... Ninjas têm essa habilidade que eles usam para se mover sem serem detectados através da água...

- Hmpf. Entendi. Então esse tipo de coisa deve ser conhecimento comum no Japão, né.

- O quê, o quê? Não, não é! Claro que não!

- Ei, os dois. Silêncio um pouco. Não conseguem ouvir alguma coisa? Benny disse, e Dutch e Rock ficaram quietos e ouviram. De fato, havia um som inconfundível vindo do oeste, o som de um motor de cruzeiro movendo-se pelo mar.

Rock virou o holofote na direção do som e, com certeza, nas partes mais distantes da luz, podiam ver a fraca silhueta de um cruzador de tamanho moderado agitando as ondas.

- Merda, como eu suspeitava... Esses filhos da mãe tinham um barco pronto para nos substituir.

 - Dutch, que tal o rifle Gepárd? 

A Lagoon tinha um rifle anti-material húngaro Gepárd a bordo, pronto para ser usado em caso de emergências. Mas depois de encarar o cruzador enquanto ele passava longe, Dutch só pôde balançar a cabeça irritado.

- É um alvo em movimento que está longe, no meio da noite. Só a Revy conseguiria fazer o tiro.

Sua especialista em armas ainda não havia retornado do petroleiro. Parecia que o mundo estava conspirando contra eles a cada passo.

- Benny, tire uma foto clara daquele navio, pelo menos. Vamos fazê-los pagar mais cedo ou mais tarde.

 - Entendido.

Benny voltou para dentro para pegar o equipamento da câmera. Dutch e Rock ficaram olhando para o petroleiro se erguendo do mar ao lado deles, consternação clara em seus rostos.

- ...Se a Revy pegou todos eles, então aquele navio teria que voltar de mãos vazias, Dutch refletiu. O som fraco de tiros distantes chegava até eles vindo do petroleiro, sem parar.

Os assassinos no Zaltzman de alguma forma se encontraram em um impasse.

Isso não quer dizer que as duas forças opostas estivessem igualmente equiparadas. Na verdade, seria mais preciso dizer que a luta era unilateral. O grupo de homens armados com submetralhadoras estava sendo subjugado por uma mulher empunhando um par de pistolas.

Em vez de avançar pelo navio até a ponte, a equipe de Jake foi forçada a recuar repetidamente, finalmente sendo conduzida de volta à sala de máquinas.

As expectativas de Dutch não estavam equivocadas, e a confiança de Chang também não. Quando entrava em modo de máquina de matar completa, "Duas Mãos" Revy se transformava em um anjo da morte vingativo, vindo direto do Livro das Revelações. Incapazes de enfrentá-la, apesar de terem uma clara vantagem tanto em número quanto em poder de fogo, os nove homens já haviam perdido dois dos seus. Claro, a total falta de coesão devido à perda do líder era um fator determinante, assim como os corredores estreitos que impediam o uso da superioridade numérica. Mas mesmo levando isso em consideração, a habilidade de Revy estava muito além da deles.

Embora tivessem chegado à sala de máquinas onde a complicada trama de metal lhes permitiria montar emboscadas e ataques de pinça, eles eram incapazes de passar por Revy. Foi por isso que a situação podia ser descrita como um impasse.

Considerando que estava no comando de uma equipe que estava sendo derrotada por uma única mulher, Jake não estava nem um pouco perturbado. Pelo contrário, ele estava aproveitando tanto as circunstâncias que desejava poder desistir de sua missão original de assassinar Chang.

Aquela pistoleira de duas mãos... seus amigos a chamavam de "Revy," certo?

Ele soubera que ela era algo especial no momento em que pôs os olhos nela. O próprio ar ao seu redor dizia que ela era perigosa; era o tipo de atmosfera que só pairava sobre pistoleiros experientes. Jake confiava em seus instintos.

E caramba, aqueles olhos amendoados e espirituosos. A tatuagem tribal em seu ombro direito, desafiando-o. As calças jeans ousadamente cortadas, praticamente shorts, na verdade, que direcionavam o olhar para suas coxas descaradamente expostas... ele não conseguia resistir a ela. Ela tinha mais do que talento suficiente para ser um personagem. Jake supôs que, de certa forma, vagara pelas ruas do submundo todo esse tempo, percorrendo metade do mundo, apenas para encontrar uma mulher como ela.

Havia apenas uma característica em seu amado UC Custom que não tinha a ver com aumentar sua letalidade, a pequena lente fixada logo abaixo do cano. À primeira vista, parecia uma mira laser, mas na verdade era uma câmera CCD compacta. Além de seu trabalho como assassino, Jake tinha um emprego paralelo que ele havia assumido tanto por diversão quanto por lucro, e os filmes gravados por sua pequena câmera eram uma parte crucial desse negócio.

A câmera de Jake já havia capturado muitos instantâneos provocantes da pistoleira enquanto ela empunhava suas armas. Ele poderia ter a oportunidade de obter fotos ainda melhores se a luta ficasse mais intensa. Para ser honesto, ele não se importava nem um pouco com quantos dos ex-membros da equipe de Caroline morressem no tiroteio. Jake queria apenas continuar desfrutando da vertiginosa dança das balas.

Por outro lado, Revy não conseguia se livrar da vaga sensação de pressentimento que a assombrava, embora ela estivesse mais do que segurando as rédeas contra nove inimigos.

As duas Cutlasses que ela segurava eram mais afiadas do que seus olhos, mais sensíveis do que seus lábios, eram suas presas, tão naturais em suas mãos que quase se poderia acreditar que ela havia nascido segurando-as. Foi assim que ela sentiu a clara sensação de estranheza nas lutas de suas presas enquanto mordia... Ela não conseguia sentir a ansiedade única da caça emanando de além dos canos de suas armas.

Ela não tinha evidências para apoiar seu sentimento, mas Revy ainda podia instintivamente perceber a brincadeira despreocupada de Jake. Não havia nada que a enojasse mais, mas ela sabia que perder a calma e levar a luta até Jake seria apenas jogar diretamente nas mãos dele.

- Ei, Duas Mãos! O que houve, gata? Você não vem mais pra cima da gente! Tá cansada ou algo assim? Passou da hora de dormir? Quer que eu te coloque na cama?! Quer a sua mamãe?!

Ela podia ouvir a voz zombeteira além da selva de metal, mas o grito ecoante dos motores diesel na pequena sala tornava impossível dizer de onde vinha. Jake sabia disso tão bem quanto ela, é claro, e foi por isso que ele se sentiu seguro em provocá-la. Se ela perdesse a cabeça agora e corresse atrás dele, os outros esperando iriam certamente emboscá-la.

- Você está realmente forçando a barra, seu filho da puta...

Revy respirou fundo, tentando acalmar a raiva que fervilhava dentro dela. Ela sabia que agir por impulso era exatamente o que Jake queria. Em vez disso, ela precisava de uma estratégia para virar o jogo a seu favor.

Enquanto analisava a situação, Revy se moveu silenciosamente entre as máquinas, procurando uma vantagem tática. Ela precisava encontrar um ponto onde pudesse ter uma visão clara dos seus inimigos sem se expor. A sala de máquinas era um labirinto, mas ela conhecia bem o ambiente e estava determinada a usar isso a seu favor.

Ela avistou uma plataforma elevada e rapidamente subiu nela, agachando-se para evitar ser vista. Daquele ponto, ela podia ver alguns dos homens de Jake espalhados, tentando se esconder. Com um sorriso sombrio, Revy se preparou para atacar, sabendo que tinha a vantagem do elemento surpresa.

Com movimentos rápidos e precisos, ela abriu fogo, suas pistolas disparando em uníssono. Os homens de Jake foram pegos de surpresa, alguns caindo antes de sequer perceberem o que estava acontecendo. A destreza de Revy com as armas era assustadora, cada tiro encontrando seu alvo com precisão mortal.

Jake ouviu os gritos e os tiros e soube imediatamente que sua diversão estava prestes a acabar. Ele subestimou Revy, e agora ela estava derrubando seus homens como se fossem nada. A adrenalina correu por suas veias enquanto ele tentava pensar em um novo plano. 

- Vamos lá, Revy. Mostre-me o que você realmente tem, Jake murmurou para si mesmo, um sorriso tenso nos lábios. Ele sabia que a verdadeira batalha estava apenas começando.

A sala de máquinas, com seu sistema complexo de curvas e reviravoltas, era ideal para um único lutador eliminar vários inimigos usando táticas de guerrilha. Mas Revy achava tais estratégias irritantes, andar sorrateiramente enquanto olhava nervosamente para todos os lados não era para ela. Mesmo ficar parada como estava agora, esperando seu inimigo fazer um movimento, a irritava mais e mais a cada segundo que passava. Ela queria apenas incendiar a maldita sala ou algo assim e assar todos os idiotas vivos. Pensando bem, afundar o maldito barco seria uma maneira certeira de enviá-los para o fundo do mar. Seria uma cena para rivalizar com o Titanic. Droga, a ideia estava parecendo cada vez melhor quanto mais ela pensava nela. Revy estava tão agitada que já havia esquecido por que estava lutando contra o time de Jake.

O cheiro repentino de cigarro caro cortando o ar oleoso serviu como um lembrete abrupto que trouxe Revy de volta à realidade, fazendo-a lembrar instantaneamente quem estava no comando do Zaltzman.

- ...O que você está fazendo sentada no trabalho, Duas Mãos? Isso realmente não combina com você, sabia. Não pensei que meditar fosse seu estilo.

Todos os olhares se fixaram no homem desconhecido enquanto ele caminhava casualmente pelo corredor para ficar ao lado de Revy, seus sapatos ecoando nitidamente no chão de metal. Óculos de sol vintage em formato de lágrima escondiam seus olhos, e seu cabelo estava impecavelmente penteado para trás e mantido no lugar com pomada. Seu cachecol branco puro e o sobretudo preto como tinta flutuavam levemente, as cores formando um equilíbrio perfeito de yin e yang. Tudo nele irradiava estilo e elegância. Quem poderia ter previsto que ele se mostraria? Ele era ninguém menos que Pak Tsz Sin4 da Tríade Kan Yi Fan, o homem conhecido como o Walking Dude... Chang Wai-San em pessoa.

A chegada inesperada de Chang Wai-San não apenas silenciou momentaneamente o campo de batalha, mas também mudou completamente a dinâmica. Mesmo os homens de Jake, que não estavam cientes de quem ele era, puderam sentir a autoridade emanando dele. 

Revy olhou para ele com uma mistura de surpresa e irritação, mas logo se recompôs.

- O que você está fazendo aqui, Chang? ela rosnou, sem baixar suas armas. 

Chang deu um leve sorriso, quase divertido, enquanto tirava o cigarro da boca e soltava uma longa baforada.

- Aparentemente, eu tinha que vir aqui para garantir que você não destruísse todo o navio antes de terminarmos o trabalho.

Jake, observando a interação, percebeu que a situação estava prestes a mudar. Ele ainda sentia a excitação da luta, mas sabia que agora as coisas poderiam ficar complicadas.

- E quem diabos é você?, ele gritou, tentando não deixar sua voz trair a inquietação que sentia.

Chang virou-se lentamente para Jake, sua expressão se tornando fria e séria.

- Sou Chang Wai-San. E você, meu amigo, acabou de esgotar toda a sua sorte.

A atmosfera na sala mudou instantaneamente, com os homens de Jake sentindo uma onda de pavor e incerteza. Eles sabiam que estavam em uma posição desvantajosa, mas a presença de Chang tornava a situação ainda mais desesperadora.

- Revy,Chang continuou, sem desviar o olhar de Jake,

- Vamos acabar com isso rapidamente. Não tenho paciência para amadores.

Com um aceno de cabeça, Revy levantou-se, a raiva e a irritação em seus olhos substituídas por uma determinação fria.

- Com prazer, ela murmurou, preparando-se para a próxima onda de combate.

- O quê... O que está fazendo aqui? Revy gaguejou, pega de surpresa e se dando conta, com culpa, de que estava seriamente considerando afundar o barco. Chang apenas soprou uma nuvem de fumaça tranquilamente.

- Bem, você sabe. Prometi ao Dutch que manteria meus homens fora de perigo... Ele fez uma pausa por um momento e deu de ombros languidamente.

- Então pensei comigo mesmo, não haveria problema se um cara que não se machucaria de qualquer maneira decidisse dar um pequeno passeio, certo?

O sorriso fácil e exuberante em seu rosto desmentia a audácia de suas palavras. Esse aspecto cativante lhe havia rendido o apelido de "Babe" ,embora parecesse que o próprio Chang não gostasse do apelido. A lógica de Chang era tão falha que nem valia a pena levar a sério, mas Revy aceitou imediatamente como verdade. Claro, Chang era generoso o suficiente para dar a Dutch a oportunidade de salvar a face. Mas não havia como o sangue que corria em suas veias ser tão frio a ponto de ele simplesmente esperar enquanto seus homens estavam em perigo. Ele veio para garantir que as coisas fossem feitas da maneira certa.

Revy respirou fundo, recuperando-se do choque inicial.

- Certo, chefe. Vamos acabar com isso.

Chang deu um passo à frente, examinando os arredores com um olhar crítico.

- Acho que já é hora de limparmos essa bagunça. Não estamos aqui para brincar, afinal.

Jake, percebendo que a situação estava prestes a sair completamente de controle, tentou desesperadamente reassumir o comando de sua equipe.

- Vamos, pessoal! Não vamos deixar esses dois nos intimidarem!

Mas a confiança que Jake tentava transmitir não alcançou seus homens. A presença imponente de Chang e a habilidade letal de Revy eram uma combinação assustadora demais para que eles pudessem ignorar. Eles sabiam que estavam em desvantagem e que qualquer tentativa de resistência seria inútil.

Chang ergueu a mão, sinalizando para Revy.

- Vamos começar, Duas Mãos. Mostre a eles por que você tem esse apelido.

Com um sorriso predatório, Revy assentiu e avançou, suas pistolas prontas para a ação. Ela se movia com uma graça letal, seus olhos brilhando com determinação. Os homens de Jake recuaram instintivamente, cientes de que estavam enfrentando uma adversária implacável.

Chang observou a cena com uma expressão calma, confiante de que a situação estava sob controle. Ele sabia que, com Revy ao seu lado, eles poderiam lidar com qualquer ameaça que surgisse. E assim, enquanto Revy avançava, ele preparava-se para apoiar sua aliada, garantindo que a missão fosse concluída com sucesso.

Jake, vendo seus homens recuando e percebendo que a derrota era inevitável, soltou um grito de frustração.

- Malditos! Isso ainda não acabou! Mas, no fundo, ele sabia que suas chances de vitória haviam evaporado.

E com isso, a batalha no Zaltzman continuou, com Revy e Chang enfrentando seus inimigos com uma ferocidade inigualável. O destino do navio e de seus ocupantes agora dependia de sua habilidade e determinação.

Chang Wai-San se movia com a graça e precisão de um artista marcial, suas Berettas cuspindo balas com uma precisão mortal. Ao lado dele, Revy era um tornado de violência, suas Cutlasses disparando em um ritmo frenético, mas controlado.

Jake gritou ordens desesperadas para seus homens, mas era como tentar comandar um grupo de crianças em pânico. Os mercenários que restavam hesitavam, seus movimentos eram descoordenados e erráticos, incapazes de lidar com a pressão de enfrentar dois dos melhores pistoleiros que já haviam visto.

- Não parem de atirar, seus idiotas! Continuem disparando! Jake berrou, mas seus comandos foram em vão. Em segundos, mais três homens caíram, suas armas escorregando de dedos sem vida enquanto seus corpos desabavam no chão sujo do motor.

A sala de máquinas, que antes ressoava com o som ensurdecedor das máquinas, agora era preenchida com os ecos dos tiros e os gritos agonizantes dos feridos. O ar estava carregado de fumaça e cheiro de pólvora, a visão obscurecida pela névoa que subia das chamas das balas disparadas. O caos reinava absoluto, mas no meio de tudo, Chang e Revy eram figuras de calma e eficiência, movendo-se como predadores caçando suas presas.

- Você acha que consegue me enfrentar, garoto? Chang zombou, suas palavras cortando o ar com uma mistura de desprezo e diversão. Ele atirava com precisão letal, seus movimentos calculados e frios, enquanto Revy avançava com a fúria de um demônio, suas armas dançando em suas mãos como extensões de seu próprio corpo.

Jake, percebendo que estava prestes a ser encurralado, recuou para uma área mais profunda da sala de máquinas. Ele sabia que estava em apuros, mas sua mente trabalhava freneticamente, tentando encontrar uma saída. Ele não podia se permitir ser derrotado aqui. Havia muito em jogo.

Chang e Revy avançaram juntos, uma dupla de destruição inevitável. As balas ricocheteavam nas paredes de metal, faíscas voavam a cada impacto. Mas para eles, era apenas outro dia no campo de batalha. Eles estavam em seu elemento, e não havia dúvida de que sairiam vitoriosos.

Finalmente, Jake se viu sem saída. Ele estava encurralado, seus homens todos caídos ao redor dele, o sangue manchando o chão sob seus pés. Com um último grito de desafio, ele ergueu sua arma, pronto para enfrentar seu destino. Mas antes que pudesse apertar o gatilho, uma bala de Revy o atingiu no ombro, fazendo sua arma cair de suas mãos. 

- Acabou para você, ela disse friamente, seus olhos brilhando com uma satisfação sombria. Chang se aproximou lentamente, sua presença impondo respeito e medo. Jake sabia que não havia escapatória.

- Você jogou seus dados e perdeu, garoto, Chang disse calmamente, suas armas apontadas diretamente para Jake.

- Agora, pague o preço.

Com um último olhar de desespero, Jake caiu de joelhos, sabendo que seu fim estava selado. Revy e Chang haviam triunfado, e a sala de máquinas, agora silenciosa, era testemunha de sua vitória esmagadora.


天帝双龍 (Dragões Gêmeos do Imperador Celestial)


 

 Aos olhos de Jake, Chang estava mais próximo de um fenômeno sobrenatural do que de um ser humano.

Revy sozinha já era habilidosa o suficiente, mas com um monstro como aquele ao seu lado, suas chances de derrotá-la em uma luta direta haviam despencado a zero.

Ele não tinha escolha a não ser voltar à estaca zero. Tentar mudar a maré ali seria nada menos do que suicídio. Encarando a morte de frente, a mente de Jake começou a trabalhar a todo vapor.

- ...Stan, estamos ferrados, cara. Eles têm o ás e o valete de espadas juntos agora. Precisamos dar o fora daqui, ele disse apressadamente pelo rádio, e ouviu um leve suspiro de decepção do outro lado.

- Assim seja. Sinalize a retirada. Nosso navio já está aqui. Eu vou cobrir vocês enquanto fogem.

Com a decisão tomada, não havia necessidade de demorar na zona de morte em que a sala de máquinas se transformara. Ele não gostava de interromper seu encontro com Revy, mas haveria mais chances desde que saísse vivo.

- Todo mundo corra para fora! Recuem por enquanto! Saiam daqui!!

Revy e Chang haviam avançado para o meio da sala, deixando o corredor que levava para fora completamente aberto. Eles se viraram imediatamente quando Jake e os três sobreviventes restantes correram em direção à saída, e o fogo de suas armas reivindicou mais uma vítima. Ainda assim, o resto chegou ao redor da esquina, seguindo de volta pelos corredores em direção ao convés do lado de fora.

Revy jogou a cabeça para trás e riu, finalmente relaxando enquanto assistia seus inimigos fugirem como covardes.

- Hah, aqueles idiotas. Que diabos eles pensam que vão fazer?

Mas Chang, tendo ouvido notícias preocupantes de Dutch anteriormente, não estava tão otimista.

- Ouvi dizer que eles têm outro barco pronto, e eles quebraram o mecanismo de direção da Lagoon. Não podemos deixá-los chegar ao convés. Se chegarem lá, podem realmente escapar.

- O quê...?

O divertimento desapareceu dos olhos de Revy como um sonho, substituído por um puro desejo assassino.

- Aquelas merdas simplesmente não vão desistir e morrer! Droga! Eu vou matar cada um daqueles desgraçados!

Seu rosto se fixou em uma risada sanguinária, Revy correu pelo corredor em perseguição quente. Chang só podia suspirar enquanto a via partir.

Acho que isso realmente a deixou furiosa.

Ele não podia simplesmente deixá-la ir, no entanto, e assim não teve escolha senão segui-la.

- Revy, não corra para o convés! Há um atirador na frente do mastro.

- E daí?! Traga-o!

A escotilha que levava para fora já estava totalmente aberta ,provavelmente a equipe de Jake não teve tempo para fechá-la atrás deles enquanto fugiam. E, como Chang temia, Revy pulou direto pela porta aberta sem se importar. No próximo instante, o rugido do Dragunov de Stan cortou a noite como se estivesse esperando por ela.

- Merda?!

A bala russa de 7,62mm passou raspando por Revy, roçando levemente seu ombro e deixando uma queimadura por fricção em seu rastro. A escuridão e o forte vento lateral sem dúvida agiram como significativos obstáculos, mas a pura sorte foi um fator muito maior em salvar a vida de Revy. Seu corpo imediatamente sentindo perigo iminente, Revy se jogou de costas contra algumas tubulações próximas, instintivamente se colocando fora do campo de visão do atirador.

- Merda...

Ela espiou de trás de sua cobertura e viu Jake e os outros dois sobreviventes correndo em direção à escada de emergência como diabos soltos. Estava do lado oposto de onde a Lagoon estava atracada. O navio de fuga que Chang havia mencionado provavelmente já estava pronto e esperando.

Se ela tentasse se inclinar e atirar em Jake, o atirador no mastro certamente a atrapalharia. Ela tinha que se livrar dele primeiro, mas a distância era muito grande para enfrentá-lo com apenas uma pistola.

- ...Vi, o que eu te disse? Me escute e você viverá mais tempo, eu garanto, disse Chang zombeteiramente, finalmente surgindo por trás de Revy. Ela não sabia de onde ele tinha tirado, mas ele segurava um rifle de assalto G3 com um visor de visão noturna acoplado.

- Eu vou cobrir você enquanto você corre para fora e cuida desses três. Não é pedir muito, certo?

- Claro que não!

Chang colocou a cabeça para fora da escotilha. No próximo instante, quase como se Stan tivesse previsto os movimentos de Chang, uma bala passou rapidamente pela escuridão e forçou Chang de volta para a cobertura antes que ele tivesse a chance de mirar com seu rifle.

- Senhor?!

Chang deu de ombros timidamente para Revy. Ele não estava ferido, mas a empunhadura de plástico do G3 havia sido destruída, tornando a arma inútil.

- ...Tudo bem, então acabou com esse plano. Precisaríamos de uma equipe de artilharia se quiséssemos expulsar o cara do mastro.

- Você tá de brincadeira...

As habilidades de sniper do inimigo estavam fora deste mundo. Mesmo Revy, que estava quase fora de si de raiva, foi forçada a se acalmar.

Na verdade, era bastante absurdo, se alguém pensasse a respeito. O vento marítimo soprando pelo convés era tão forte que um homem andando contra ele teria que se inclinar contra o vendaval, mas Stan havia enviado balas gritando através dessas correntes de ar sem hesitar e os prendido.

Ela não conseguia pensar em ninguém na banda de fracassos do desfile de fantasias que possuísse tais habilidades. Cavando em sua memória, ela lembrou que a maioria das pessoas no porão estava armada com fuzis de assalto e submetralhadoras. Não havia sido avistado um único rifle sniper.

O único com uma arma desconhecida... sim, o líder deles, Stan ou algo assim. Ele estava segurando um estojo de rifle enquanto subia na balsa de borracha. E ele também tinha um equipamento volumoso preso às costas.

...Você está me dizendo que ele é o atirador lá em cima no mastro? Aquele viciado? Um atirador de elite? Nem fodendo.

Ouvindo o barulho do motor de um barco desconhecido vindo ao lado do petroleiro, Revy franziu o cenho. Será que estavam realmente indo embora? Com apenas Jake e os outros dois a reboque?

O rugido do motor se dissipou ao longe. Ela não podia vê-lo com os olhos, mas Revy podia dizer pelo som sozinho que o barco de fuga estava partindo.

- Que porra é essa... Eles deixaram o atirador pra trás!

Quão fodidos esses caras eram mesmo? Eles deixaram o atirador à mercê de seus inimigos, mesmo enquanto ele cobria a fuga de seus aliados até o último momento.

- ...Bem, parece que é o fim do cara lá no mastro, disse Chang de seu lugar atrás da entrada da ponte, um tom de piedade entrando em sua voz.

- Não importa o quão bom ele possa ser, ele não pode ficar lá em cima para sempre. Vamos cuidar dele de alguma forma.

- Você tem uma granada de fumaça ou algo assim, chefe? Se você puder apenas impedi-lo de me ver por um segundo, eu posso correr até lá e pegá-lo.

- Não se apresse e faça algo que você possa se arrepender depois, Revy. Eu entendo que você deve estar irritada, encolhida aí, mas-

Chang de repente se calou, olhando para cima no mastro dianteiro.

- ...O que ele está fazendo?

Curiosa com a maravilha na voz de Chang, Revy espiou cautelosamente e seguiu o olhar dele para cima. Eles podiam ver o atirador se levantando de sua posição ajoelhada atrás do corrimão. Era difícil acreditar, mas era o viciado.

E Revy finalmente percebeu o que era o equipamento que Stan tinha nas costas quando embarcou no bote.

Desde o começo, Stan sabia que as coisas poderiam chegar a este cenário extremo, que ele poderia ter que cobrir a retirada de seus aliados até que chegassem à escada de emergência e escapassem. Ele já havia explicado aos membros de sua equipe o que fazer caso isso acontecesse, e também havia explicado como ele próprio escaparia assim que estivessem em segurança.

Jake e os outros não haviam abandonado Stan, por assim dizer. Stan mesmo havia decidido que poderia escapar sozinho, já que o vento soprando no convés era mais do que forte o suficiente para isso.

O topo do mastro, onde ele estava, talvez estivesse a 40 metros acima da superfície do oceano. A visão era vertiginosa de tamanha altura, mas na verdade era muito baixa para os propósitos de Stan. O paraquedas que ele carregava era feito para ser usado em alturas mais de dez vezes maiores. Se ele pulasse de onde estava, teria que depender do vento lateral, como um paraquedista.

Stan ficou na beira do corrimão, sentiu a direção do vento uma última vez e puxou  a corda do seu paraquedas sem hesitação alguma.

O paraquedas saiu da embalagem e se espalhou lentamente no ar aberto, em vez de subir rapidamente como faria se estivesse em queda livre. Ainda assim, o dossel logo pegou o vento e se ergueu, puxando a linha do guincho.

Finalmente percebendo o que Stan estava planejando, os dois pistoleiros olhando para cima da ponte começaram a se mover. Mas Stan foi mais rápido, disparando uma série rápida de tiros na posição em pé para mantê-los contidos. Ele não podia mais mirar e as chances deles serem atingidos por uma bala aleatória eram próximas de zero, mas uma vez que ele decolasse ele não seria capaz de disparar. Ele tinha que mantê-los afastados até o momento exato em que saltasse, para evitar que o abatessem no ar.

O paraquedas, cheio de vento, libertou o corpo de Stan das restrições da gravidade. Stan rolou para fora do mastro e começou a se mover bruscamente pelo ar como se uma mão invisível o tivesse agarrado.

Imediatamente, ele travou o Dragunov em seu lugar nas costas e agarrou os cordões de controle em ambas as mãos, controlando o dossel. O barco de fuga para o qual Jake e os outros haviam embarcado já estava seguindo o vento conforme combinado anteriormente. A distância era... incerta, mas ele pensava que deveria funcionar. O problema real seria pousar precisamente no convés estreito do cruzador.

Não esqueça o treinamento que você suportou... Stan se lembrou controlando o paraquedas com calma. Lembre-se dos céus de suas batalhas passadas, como você se entregou aos ventos. Se você ainda é um guerreiro, se ainda merece viver... seu corpo vai se lembrar de tudo.

Silenciosamente, seguindo as luzes de sinalização piscantes do cruzador, Stan afundou no mar negro.

O paraquedas já estava fora do alcance da pistola no momento em que Chang e Revy chegaram à proa do navio. Sem querer deixar Stan escapar sem pelo menos fazer um esforço, Revy disparou três tiros contra a figura em retirada, mas os tiros desapareceram na escuridão do mar sem deixar vestígios.

Longe dali, o dossel do paraquedas se ergueu no céu como se tivesse perdido o que o puxava para baixo e depois caiu de volta nas ondas, varrido para o lado pelos ventos. Os puxadores de corte foram acionados... o que significava que o paraquedista havia pousado em segurança no alvo.

As luzes de sinalização do cruzador inimigo também se apagaram. Eles não tinham mais como ver para onde a equipe de Stan estava fugindo.

- ...Maldição! Seus desgraçados! Eu vou matar todos vocês, seus filhos da puta! Isso é uma promessa do caralho!

 Os gritos raivosos de Revy foram engolidos pela profundidade da noite, não deixando nada para trás, nem mesmo um eco.



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